domingo, 25 de agosto de 2019

Gente fora do mapa


"Não tinha fogo aqui. Agora veio de uma vez", Antônio Enésio Tenharin (Gabriela Biló)

Bolsonaro compete com a fuligem das queimadas

Mais desastroso que qualquer incêndio, o presidente Jair Bolsonaro continua manchando a imagem do Brasil, pondo em risco os interesses comerciais do País e solapando a segurança econômica, o futuro do emprego e o próprio governo, sujeito aos caprichos de um chefe sem noção das próprias funções e limitações. Feito o estrago, pouco adianta apontar uma foto errada na mensagem postada pelo presidente francês e contestar a falsa imagem da Amazônia como pulmão do mundo. Não há como desvincular o fogo mostrado pela imagem da Nasa, nem o inegável aumento de incêndios florestais neste ano, da campanha contra as ações de proteção ambiental. Não há como apagar de um dia para outro a escandalosa demissão do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Não há como passar borracha nas palavras e ações do presidente e de seu ministro do Meio Ambiente. Não há, enfim, como esquecer as ameaças, mesmo jamais cumpridas, de abandonar o Acordo de Paris sobre o clima.


Ninguém mais que o presidente Bolsonaro tem dado argumentos aos defensores do protecionismo agrícola europeu. No meio do novo escândalo associado aos incêndios na Amazônia, o ministro Onyx Lorenzoni apontou os interesses comerciais de quem compete internacionalmente contra o agronegócio. Sim, esses interesses existem, são favorecidos na União Europeia por entidades com discursos a favor do ambiente e da comida saudável e nada disso é novidade.

Se há algo realmente inédito, é um presidente brasileiro incapaz de perceber o jogo econômico internacional e ignorante da importância, para o Brasil, da exportação de produtos de origem agropecuária.

De janeiro a julho o agronegócio faturou US$ 56,61 bilhões no comércio exterior e acumulou um saldo de US$ 48,48 bilhões. Esse resultado foi suficiente para compensar o déficit de outros setores e garantir ao País, no balanço geral, um superávit comercial de US$ 28,37 bilhões.

O poder de competição do agronegócio – o verdadeiro, capaz de aumentar a produção muito mais que a área de lavouras e pastos – tem sido um fator de segurança econômica.

O superávit geral na balança de mercadorias, garantido principalmente pelo campo, atenua o resultado tradicionalmente negativo das contas de serviços e rendas. Graças a isso, o déficit em transações correntes vem sendo mantido abaixo de um por cento do Produto Interno Bruto (PIB), em nível confortável e coberto com muita folga pelo investimento estrangeiro direto.

Reservas próximas de US$ 380 bilhões, um dado compatível com o quadro geral das transações externas, completam as condições de segurança. Tudo isso tem poupado o Brasil de crises cambiais. Quem desconhece o horror de uma crise cambial pode ter alguma ideia olhando o drama argentino ou consultando coleções de jornais brasileiros dos anos 1980.

O presidente Jair Bolsonaro trata os interesses brasileiros como se ignorasse todas essas questões ou, conhecendo os dados, fosse incapaz de entendê-los. Nenhuma surpresa, afinal, porque seu desconhecimento da economia brasileira, da grande política, da diplomacia e das instituições tem sido evidenciado com frequência. Depois de 28 anos no Legislativo, ele parece ter pouca familiaridade com a Constituição e com o processo normativo, a ponto de tentar sobrepor decretos a leis e de atropelar regras na edição de medidas provisórias (MPs).

A derrubada de uma dessas MPs pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi coroada por um comentário do ministro Celso de Mello: o presidente, segundo ele, “minimiza perigosamente” a importância da Constituição federal e “degrada a autoridade do Parlamento brasileiro”. “Fui esculachado pelo ministro do Supremo”, disse Bolsonaro, depois de ter tomado a crítica como pessoal.

Todos estes dados – o atropelo das normas, a ignorância econômica, o desconhecimento dos interesses comerciais do País, a redução da política à dimensão pessoal, o voluntarismo e os desmandos administrativos – são claramente interligados. O presidente acha isto ou aquilo e toma decisões, ou, no mínimo, faz declarações desastradas e desastrosas. Não consulta assessores, despreza o conhecimento profissional e prefere viver cercado de quem aceita e aplaude suas opiniões.

Confunde chefia de governo com autorização para mandar e desmandar segundo inclinações, crenças e impulsos pessoais. Despreza a organização e a hierarquia, demonstrando pouco haver aprendido em sua passagem pelo Exército. Ao apontar os chefes da Polícia Federal como subordinados à sua pessoa, desautorizou o ministro da Justiça e desprezou o organograma do governo.

Organograma tem cinco sílabas e é uma palavra meio estranha, mas encerra uma noção fundamental para o entendimento de qualquer entidade burocrática, como a empresa moderna, o grande clube de futebol, a orquestra, as Forças Armadas e o governo ocidental. Mas Bolsonaro continuará, muito provavelmente, ignorando essa palavra enquanto seus ministros forem submissos e se curvarem aos caprichos e desaforos do chefe.

Competidores e políticos estrangeiros contrários a acordo comercial com o Brasil ficarão contentes. Ainda há, na União Europeia, oposição ao pacto com o Mercosul. Um recuo pode ser complicado, mas Bolsonaro colabora para isso. Se algo sair errado, sempre se poderá culpar a esquerda ou as organizações não governamentais. Mesmo sem acusação explícita, ele continuou apontando ONGs como suspeitas dos últimos incêndios na Amazônia.

Também sem prova, Hitler atribuiu aos comunistas o incêndio do Parlamento alemão em fevereiro de 1933. Pouco depois parlamentares comunistas foram presos e seu partido, posto fora da lei. Briga de esquerdistas, diriam Bolsonaro e seu ministro de Relações Exteriores. Afinal, o nazismo, segundo os dois, foi um movimento de esquerda. Disseram isso depois de visitar o Museu do Holocausto, em Israel. Deve haver quem concorde.

De costas para os crimes

Agora, a floresta não está pegando fogo como o pessoal está dizendo. O fogo é onde o pessoal desmata
Jair Bolsonaro

O milagre de Bolsonaro

E que não se diga que faltam ministros competentes, embora em número aquém do desejável. Mas este é um governo cujo presidente veio do baixo clero e a ele voltará quando for esquecido. Um presidente que se lançou candidato só para assegurar o futuro dos filhos. Um presidente eleito por acidente e que se beneficiou de um.

Um presidente que se orgulha de ter lido poucos livros e de guardar na cabeceira de sua cama o relato das memórias do único militar brasileiro condenado por tortura. Um presidente que por soberba e ignorância só pensa em destruir tudo o que julga errado para construir mais tarde o que nem ele mesmo sabe direito o quê.

Seria preciso dizer mais sobre o ex-capitão Jair Messias Bolsonaro que enfrenta dificuldades até para expressar-se na língua em que foi alfabetizado? Pois bem: esse cidadão é autor do prodígio de com menos de oito meses na presidência ter sido alvo de panelaços por aqui como foi sexta-feira, e de protestos em várias partes do mundo.

Humilhada na mais recente eleição que perdeu, sem dispor de ideias novas para oferecer ao país, carente de líderes expressivos e refém de um pecador condenado e encarcerado por corrupção, a oposição, ou o que restou dela, vaga sem destino com a esperança de que o tempo faça por si o que ela não sabe e parece incapaz de fazer.

O tempo foi generoso e a surpreendeu com a reação planetária contra o descaso do governo do capitão com o meio ambiente. Adversários e certamente devotos do Mito sentiram-se à vontade para se unir espontaneamente em defesa de uma causa sem viés ideológico e que está acima de divergências políticas superficiais ou de fundo.

Bolsonaro acusou o golpe e se repaginou para fazer o discurso bem-comportado com o qual respondeu às acusações que o atingem, mas o estrago não ficará menor por causa disso. A Amazônia está em chamas e assim permanecerá por muito tempo. As queimadas são mais intensas em áreas onde o desmatamento avança a galope.

O emprego de tropas do Exército para debelar o fogaréu não dará conta da tarefa dada às dimensões da área que está sendo reduzida a cinzas. Não basta prender e punir incendiários avulsos. Isso poderá servir apenas a uma jogada de marketing destinada ao insucesso. Ou Bolsonaro se rende ao respeito ambiental ou acabará como um pária.

A conversão ao respeito à natureza significará romper com as promessas que fez de permitir a livre exploração de riquezas em espaços que deveriam permanecer intocados, o que lhe custará votos e apoios. Mas ou faz isso ou o país amagará as trágicas consequências do seu comportamento irresponsável e insano. Vai pagar para ver?

A defesa da soberania nacional

O inciso I do artigo 1.º da Constituição coloca a soberania como o primeiro dos fundamentos da República. Ou seja, o Estado deve ser soberano tanto no exercício do poder dentro do território nacional, por meio da elaboração e da aplicação das leis, como na relação com outros Estados, que deve se dar sempre de forma altiva, isto é, sem sujeitar o País a interesses estrangeiros. É dever constitucional do chefe de Estado pôr-se à frente da defesa da soberania nacional, seja ajudando a preservar a ordem interna e o Estado de Direito, seja protegendo os interesses brasileiros no exterior. Em nenhuma dessas dimensões, a soberania será bem resguardada se o chefe de Estado agir de forma autoritária e imprudente, como tem feito o presidente Jair Bolsonaro, em especial no que diz respeito à preservação da Amazônia.

É fato que a gritaria internacional em torno da suposta escalada na devastação da floresta amazônica embute muitos interesses de países europeus cujos produtores agrícolas concorrem com o poderoso agronegócio brasileiro – e o dano à imagem do País tem o potencial de minar a competitividade brasileira no exterior, num mercado cada vez mais sensível a questões ambientais. Assim, faz bem o governo brasileiro ao ressaltar que nem todas as críticas ao modo como o Brasil lida com suas florestas são desinteressadas.


Mas é preciso reconhecer que a atual crise foi deflagrada por atitudes intempestivas a respeito do meio ambiente, adotadas irrefletidamente pelo presidente Bolsonaro e alguns de seus ministros. Para começar, Bolsonaro implodiu o Fundo Amazônia, bancado por Alemanha e Noruega, sob o argumento de que financiava ONGs – organizações que, segundo o bolsonarismo, estão a serviço de uma grande conspiração da esquerda internacional contra o Brasil. Em seguida, chamou de “mentirosos” os números do Inpe que mostraram, em julho, um avanço significativo do desmatamento na Amazônia, e ainda acusou a direção do respeitado órgão de estar “a serviço de alguma ONG”. Mais recentemente, ante a proliferação de queimadas na região amazônica, Bolsonaro acusou as ONGs de causarem os incêndios “para chamar a atenção para a minha pessoa”.

Como era previsível, as atitudes do presidente tiveram péssima repercussão internacional, mas Bolsonaro manteve o tom nada diplomático, fazendo referências jocosas, próprias do ambiente insalubre das redes sociais, aos governantes da Alemanha, da Noruega e da França, que o haviam criticado. Entrementes, os incêndios na Amazônia tornaram-se assunto de grande interesse, mobilizando artistas e celebridades globais. Nessa onda, o presidente da França, Emmanuel Macron, disse que se trata de uma “crise internacional” e informou que o G-7 (grupo dos sete países mais ricos do mundo) discutirá o assunto – sem a presença do Brasil. Já o governo da Finlândia, que detém a presidência rotativa da União Europeia, pediu que o bloco discuta a possibilidade de banir a importação de carne brasileira. No Twitter, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que “não podemos permitir mais danos a uma fonte importante de oxigênio e biodiversidade”.

Mesmo que ainda não se saiba realmente se as queimadas desta temporada são mais graves do que as de anos anteriores, o estrago à imagem do Brasil já está feito – e é imenso. Jair Bolsonaro, em apenas oito meses de governo, conseguiu arruinar a reputação do País em uma das poucas áreas nas quais se destacava de maneira razoavelmente positiva graças aos esforços na preservação das florestas nativas. Essa imagem não será recuperada enquanto o presidente continuar a se queixar da “mentalidade colonialista” da França, ou o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, acusar países de usar ONGs “para atingir nossa soberania”, ou ainda o chanceler Ernesto Araújo dizer que “muitas forças nacionais e internacionais querem recolonizar o Brasil”. Se o governo realmente estivesse preocupado com a defesa da soberania nacional, estaria empenhado em esclarecer a opinião pública internacional sobre a verdadeira situação na Amazônia e o que está sendo feito para enfrentar o problema em suas reais dimensões. Ao preferir ofender a inteligência de todo o mundo civilizado, o governo Bolsonaro apenas desmoraliza o Brasil.

Pensamento do Dia


O meu tipo inesquecível

É gordo, antissemita, patriota e asmático. No terreno da terapêutica, dá-se à homeopatia e às ervas medicinais. Em matéria de religião, cultiva o materialismo, mas com reservas; claro, detesta superstições. Só acredita no que veem seus olhos. Gosta de se gabar de que é “caboclo”, mas na verdade ninguém sabe que sangue tem ele. Entende de astronomia e mecânica, pinta quadrinhos a óleo, com modelos “imaginação”. Não ele que se fosse submeter a copiar qualquer coisa, até mesmo a natureza. Desenha casas com um caminho branco à frente e cisnes nadando em lagos azulíssimos. A mulher há 25 anos que o venera, embora mentalmente o engane com Charles Boyer e Pedro Vargas. E se desforre das insuficiências da vida e do vil quotidiano carioca acompanhando as novelas em série, mês atrás de mês. Aliás ele também as escuta, à noite, e opina severamente.

Como “caboclo”, o meu herói sonha com um Brasil sem judeus nem galegos, um Brasil brasileiro, cheio só de autóctones de tanga e cocar, armados de metralhadora, fazendo uma limpeza nesta terra infeliz.

Há desconfiança de que outrora ele amou Plínio Salgado. Mas o fato é que desde maio de 38 largou tais amores. Interpelado um dia sobre essa história, declarou que detesta “pequenas violências”. Os integralistas deram parte de fracos e só lhe conquistaram o nojo. Fosse com ele, teria liquidado tudo, não se punha com meias medidas. Evidentemente, não é homem de meias medidas. O que o inibe um pouco é certo temor pela polícia, incoerente em pessoa de tal truculência. Põe a culpa na asma; não fosse a asma, a Canalha ia ver.

A Canalha é meio vaga. Pode ser o governo; não, não é o governo. Nem é este ministro, nem aquele conde, nem o general Fulano; ou ser o partido comunista? Nela se inclui, decerto, a alta finança internacional e a alta política. Os polvos, os tubarões, Churchill, Stalin, Attlee e Trumann. Nacionais, não nomeia ninguém que não pesca peixe miúdo. Além disso, estão perigosamente próximos, muito ao alcance da voz.

Abaixo da Canalha, há outra entidade mais ínfima, mais ignara e anônima: A Negrada. Houvesse ele nascido em outro século, tivesse um pouco mais de coragem e saúde, seria comandante de navio negreiro ou capitão do mato. Haveria de beber sangue de negro; beber não, que tinha nojo. Haveria de vomitar sangue de negro. Ai, como os odeia. São a nódoa de uma civilização. O cidadão desta terra não pode manter o seu estado de branco; a Negrada não conhece mais o seu lugar. Ah, se subisse UM HOMEM ao governo, para mandar fuzilar a pretalhada e atirar a carniça para o urubu comer.

Às vezes chega em casa trêmulo, bate a porta com estrépito, põe-se em mangas de camisa e pega da pena para escrever uma carta anônima ao jornal. Explica ao Senhor Diretor UM CASO REVOLTANTE: “As camadas inferiores estão inteiramente sem freio. Ainda hoje, no bonde Praça Onze, vinha um cavalheiro distintíssimo (era ele), lendo placidamente o seu jornal; de súbito, sente-se empurrado por uma negra boçal, carregada com dois moleques malcheirosos, que praticamente o atirou fora do banco, a pretexto de arranjar um lugarzinho. O cavalheiro, chocado e constrangidíssimo, cedeu IRONICAMENTE o seu pedaço de banco e foi pendurar-se ao balaustre. Mas teve pena de ser um "gentleman", consciente dos seus deveres para consigo próprio e a Sociedade, senão teria dado o castigo devido àquela atrevidaça. Para onde vai este pobre país, Senhor Diretor?”

Contudo, tais cartas ainda lhe carregam mais a bílis, em vez de descarregá-la. Os diretores, vendidos todos ao judaísmo internacional, jamais as publicam. Ele já disse entretanto que um dia desses desabafa nos ineditoriais. Embora os ladrões cobrem uma fortuna por quaisquer duas linhas nos seus pasquins.

Por falar em dinheiro, poderemos agora entrar no capítulo das suas finanças. É funcionário público, e com os últimos aumentos, passou a perceber 1.500 cruzeiros por mês. Defende-se, porém, de qualquer modo, tem biscates misteriosos, mora num apartamento na rua Riachuelo e comprou um terreno para WEEK-END na estrada Rio-São Paulo. E ainda dá casa e comida a dois filhos malandros. (A filha que teve, expulsou-a de casa, e NEGA-LHE A EXISTÊNCIA. Cerra porém os olhos às visitas secretas que a mulher faz à rapariga. O seu mal é ter o coração muito bom, sempre o diz).

O seu HOBBY são os pombos-correios. Fá-los viajar do apartamento da Riachuelo para a casinha da Rio-São Paulo e da Rio-São Paulo para a Riachuelo. Confia-lhes bilhetinhos que dirige a si próprio, e os quais vai colher pessoalmente no sábado à tarde ou segunda pela manhã, conforme os mensageiros tenham partido da cidade ou do campo. Solta-os pouco antes de tomar o trem, e chegando ao seu destino cronometra o tempo, como se se tratasse de cavalos de corrida. Às vezes, quando vem carregado com as gaiolas dos pombos, nas viagens de ida e volta dos fins de semana, tem encrencas terríveis com os condutores de trem, de ônibus e de bonde. Gaba-se até de já haver levado três choferes ao distrito: dois galegos e um negro. Só que uma vez o delegado, mal informado, prendeu a ambos. A ele e ao motorista. Datará desse dia a sua repugnância por desentendimentos com a polícia?

Dizem que na repartição é bom funcionário, fiel ao livro do ponto, temente dos seus superiores. Chegam a acusá-lo de fazer correr listas para a compra de mimos de aniversário, oferecidos ao chefe da seção. Ele explica que aquilo é um simples gesto de cortesia, de homem para homem.

Em breve estará aposentado, com 35 anos de serviço público. Alimenta grandes esperanças para essa época. Quando houver garantido o futuro dos seus, então mostrará QUEM É. Dizendo isso, corre o olhar em círculo pela roda do café, e os detém, como uma nuvem negra, sobre um dos mais humildes membros da assistência, que se encolhe todo, ameaçado.

Depois dá um aceno breve de cabeça e sai para a fila da manteiga, antes de tomar o bonde que o levará à sua residência.
Rachel de Queiroz (O Cruzeiro - 16/11/1946)

Só para 'eleitos'

Só vou para a rua em manifestações com pessoas que não se curvam ao politicamente correto imposto pela extrema imprensa
Eduardo Bolsonaro, senador (PSL-RJ) e candidato a embaixador em Washington

Para quê provas? É a minha verdade

A frase que usei para título de meu artigo mostra de modo bem claro a qualidade do presidente que nós arranjamos. Provas são inúteis, quando temos a verdade dele? Foi isso mesmo que o capitão disse: “A verdade dele!”.

Será que não dava para Bolsonaro imaginar o que seria se cada um de nós tivesse direito à sua verdade, sem prova alguma?

A verdade desse insensato capitão é muito elástica. Pode ficar conhecida como Puxa-Estica. Se grudar na parede formada pelos animados que passam bom tempo de seus dias na porta do Alvorada, a verdade do capitão pode permanecer o tempo da gota de orvalho numa pétala de flor (com licença do Vinícius). Se não colar, qual o problema, é só desdizer e está tudo resolvido.

Esta semana ele venceu todas as outras em matéria de verdades bolsonaristas: criou problemas planetários, pois ofendeu-se com a verdade dos outros.


Assim como alguns de seus seguidores, irritou-se com Macron por usar “nossa” Amazônia num pronunciamento a respeito das queimadas. Em vez de sair por aí defendendo o indefensável, melhor faria a bolsonaríssima congressista Joyce Hasselman em dar ao capitão um bom atlas para que ele aprendesse que a floresta amazônica enriquece outros países da região: a maior parte fica no Brasil (60%), os outros 40% nos seguintes países:. Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e França (Guiana Francesa).

É natural pois que eles se preocupem com as queimadas que se espalham sem licença de Deus.

Bolsonaro, que não tolera opiniões diferentes das suas, estrebucha e nos intriga com o resto do mundo. Não escolheu assessores para governar com ele: escolheu adesistas. O que conseguiu até agora foi emporcalhar a imagem do Brasil e que nosso pobre país seja desrespeitado.

Estamos sem dinheiro até para alimentar nossos recrutas, que dirá para combater o fogo que se espalha e destrói a floresta que todos julgávamos imperecível. Se ele continuar puxando briga com nossos vizinhos e algum deles resolver nos chamar para briga, o que é que vamos fazer?

É bom levarmos em conta que tamanho não é documento.

Tristes trópicos

Mesmo não estando mais em janeiro de 1822, vale pegar carona em D. Pedro I para registrar o momento atual, tão decisivo para o futuro do Brasil. É para o bem de todos e informação geral da nação — sobretudo dos habitantes palacianos em Brasília — que transcrevemos abaixo um trecho do livro-choque “A Terra inabitável: Uma história do futuro”, de David Wallace-Wells. Best-seller nos Estados Unidos e recém-lançado no Brasil (Cia. das Letras), a obra é solidamente referenciada: às 281 páginas de texto seguem-se outras 77 só de notas e fontes bibliográficas.

O trecho pinçado é de compreensão universal, mesmo para quem é avesso a leituras sobre a questão ambiental:

“[...]Quando uma árvore morre — por processos naturais, incêndio, ou ação humana —libera na atmosfera o carbono armazenado, às vezes por séculos. Nesse sentido, ela é como um carvão. E é por isso que o efeito dos incêndios florestais sobre as emissões é um dos ciclos de retroalimentação climáticos mais temidos — o medo de que as florestas do mundo, normalmente sumidouros de carbono, se tornem fontes de carbono, liberando todo esse gás armazenado... E mais incêndios significam mais aquecimento, que significa mais incêndios. Simples assim. Na Califórnia, um único incêndio florestal pode eliminar por completo os ganhos de emissões conquistados no mesmo ano graças a todas as políticas ambientais agressivas promovidas pelo estado.

[...] Hoje, as árvores da Amazônia ficam com um quarto de todo o carbono absorvido por ano pelas florestas do planeta. Mas em 2018, o presidente eleito Jair Bolsonaro prometeu abrir a selva tropical para o desenvolvimento — ou seja, para o desflorestamento. Quanto estrago uma só pessoa consegue causar ao planeta? Um grupo de cientistas brasileiros estimou que entre 2021 e 2030 esse desflorestamento liberaria o equivalente a 13,12 gigatoneladas de carbono. No ano passado, os Estados Unidos emitiram cerca de 5 gigatoneladas. Isso significa que essa política, sozinha, teria o dobro ou o triplo do impacto de carbono anual de toda a economia americana, com todos os seus aviões, automóveis, usinas a carvão. Ninguém emite mais carbono do que a China, o país foi responsável por despejar 9,1 gigatoneladas no ar em 2017. Isso quer dizer que a política de Bolsonaro equivale a acrescentar, mesmo que apenas por um ano, uma segunda China inteira ao problema do combustível fóssil mundial — sem contar os Estados Unidos.[...]”.

As queimadas amazônicas que esta semana colocaram o Brasil no epicentro do caos climático ainda não haviam ocorrido quando Wallace-Wells publicou o seu catálogo de transformações à nossa espreita. Mas em entrevista recente já elencara Bolsonaro e Donald Trump como representantes de uma “nova política que prega a inação ambiental”. Eles formam uma espécie de dupla sertaneja daninha para a terra, a água, o ar, a vida. E confirmam o adágio político convencional de que defesa do meio ambiente não dá voto, mesmo de quem professa ter ouvido fervoroso à causa.

Tome-se o exemplo da atual corrida democrata à sucessão de Trump em 2020. Da plêiade inicial de 20 candidatos cujas biografias, origens, raça, orientação sexual e plataformas não poderiam ser mais variadas, apenas um — Jay Inslee — tinha a mudança climática como prioridade número 1, o filtro essencial para a economia, a saúde pública, a segurança nacional, tudo. Esta semana, Inslee, que é governador do Estado de Washington, desistiu da disputa. Por falta de interesse de financiadores, de eleitores e da mídia em focar na atualíssima agenda ambiental do candidato. Isso, num partido que diariamente denuncia o desmonte ambiental colocado em marcha pelo governo Trump.

Nenhum dos poderosos do G-7 que este fim de semana se reúnem em Biarritz foi eleito por suas preocupações e propostas ambientais. Eles foram sendo catequizados à ação pela força das evidências, e para não perder a sua conexão com o coletivo humano. Exceto Trump, é claro. O “Washington Post” definiu o encontro das sete maiores potencias econômicas democráticas como “uma reunião anual cuja principal meta é evitar uma explosão em família” — leia-se, de Trump, o estranho no ninho que acaba de romper nova fronteira de irracionalidade em sua guerra comercial com a China.

Dadas as sandices e aberrações de alta periculosidade proferidas sobre nossas queimadas por membros do governo Bolsonaro, a começar pelo próprio presidente, é um alívio o Brasil estar a um oceano de distância do que se discutirá em Biarritz. Mas é nossa a responsabilidade pelo estado de indigência ambiental a que o Brasil desceu. Do país inteiro — de quem vota e de quem não vota. Ou de quem só vota.

Tristes trópicos em chamas.

Bolsonaristas voltam à rua na contramão do 'mito'


Ao retornar ao asfalto neste domingo, apologistas e simpatizantes de Jair Bolsonaro vivem uma experiência inédita: pela primeira vez, trafegam na contramão do "mito".

Exposta na vitrine das redes sociais, a pauta da manifestação transforma o presidente numa espécie de conto do vigário no qual seus admiradores caíram.

A rua volta a ronronar para Sergio Moro num instante em que Bolsonaro rosna para o seu ministro da Justiça, carbonizando-o.



O meio-fio faz coro pela ascensão de Deltan Dallagnol ao posto de procurador-geral da República. Mas o capitão agora avaliza no Twitter a tese segundo a qual o chefe da força-tarefa de Curitiba é "um esquerdista estilo PSOL".

Os manifestantes exigem o impeachment de ministros do Supremo. Entre eles o presidente da Corte, Dias Toffoli. Que virou amigo de infância de Bolsonaro desde que suspendeu inquérito contra o filho 01 do presidente.

Antes, os bolsonaristas jogavam pedras nos telhados de vidro dos outros. Agora, se arriscam a atingir Bolsonaro, que tem não só o telhado, mas o paletó, a camisa, a gravata e a família de vidro.

Na campanha eleitoral, Bolsonaro surfou a onda da Lava Jato, camuflando os vícios que adquirira em 28 anos de exercício patrimonialista do mandato de deputado. 

Decorridos apenas oito meses de sua Presidência, o capitão age para neutralizar as engrenagens que potencializaram o esforço anticorrupção: Receita, PF, Coaf...

Em manifestações anteriores, os devotos de Bolsonaro pegaram em lanças pela transferência do Coaf do Ministério da Economia para a pasta de Moro.

Agora, Bolsonaro esconde o Coaf nos fundões do Banco Central. E rasga a carta branca que dera a Moro, afastou do comando do órgão Roberto Leonel, um auditor que o ex-juiz trouxera da Lava Jato.

Nas outras incursões ao asfalto, a tropa bolsonarista recebera estímulos do capitão para espancar o centrão, acusando-o de travar as reformas. Isso mudou.

No momento, a intenção de Bolsonaro de indicar o filho 03 para a embaixada do Brasil em Washington virou uma oportunidade que o centrão aproveita.

O centrão mistura sobre o mesmo balcão a votação do nome de Eduardo Bolsonaro no Senado e a sanção do presidente ao projeto de lei sobre abuso de autoridade.

Enquanto Bolsonaro exerce o privilégio de escolher seu próprio caminho para o inferno, os bolsonaristas retornam ao asfalto examinando suas consciências para verificar se não confundiram um certo político com o político certo.

Paisagem brasileira

Paisagem com Rio, Blumenau (1956), Armando Viana

Queimadas disparam, mas multas do Ibama despencam sob Bolsonaro

O Ibama aplicou um terço a menos de multas a infratores ambientais em 2019 do que no mesmo período do ano passado, segundo dados do próprio órgão.

A queda no número de autuações coincide com um aumento dos registros de desmatamento e de incêndios florestais em 2019. Considerando todos os tipos de infração ambiental em todo o país, o Ibama diminuiu em 29,4% as autuações até esta sexta-feira (23), quando comparado com o mesmo período de 2018.

Segundo servidores, ex-servidores, autoridades e ambientalistas, a queda no número de multas está ligada a sinais emitidos pelo governo federal desde o começo do ano contra supostos excessos na fiscalização e a trocas de profissionais em postos-chave do Ibama.

Até 19 de agosto deste ano, o Brasil registrou 72,8 mil focos de incêndio, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O número representa um aumento de 83% em relação ao mesmo período do ano passado.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi criado em 1989 e é a autarquia federal responsável por aplicar a Política Nacional de Meio Ambiente - que baliza as ações do governo para a área. O Ibama é ligado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e possui poder de polícia na área ambiental, atuando inclusive em áreas de particulares.

Já o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foi criado em 2007 e tem por função cuidar das unidades de conservação (UCs) federais. Dentro delas, o ICMBio exerce poder de polícia ambiental.

O Ibama é o braço da União responsável por combater crimes ambientais, mas a lei brasileira determina que a proteção ao meio ambiente seja compartilhada entre o governo federal, os Estados e os municípios. As obrigações de cada um deles estão descritas na Lei de Crimes Ambientais, de 1998, e também por uma lei complementar de 2011.


O que o levantamento da BBC News Brasil mostra é que o Ibama tem aplicado menos multas em geral - a queda é ainda mais acentuada quando se trata de crimes contra a flora (queimadas, desmatamento ilegal etc.), e na Amazônia.

Do começo de 2018 até o dia 23 de agosto daquele ano, o Ibama aplicou 9.771 multas de todos os tipos - não só relacionados a crimes contra a flora, mas também a pesca ilegal, caça, biopirataria e vários outros. Mas, do começo de 2019 até esta sexta-feira (23), foram 6.895 multas: uma queda de 29,4%.

Nos crimes contra a flora, a redução foi de 38,7% no mesmo período: de 4.138 no ano passado para 2.535 agora, em todo o país.

A queda no número de multas também se verifica quando o levantamento leva em conta apenas as ocorrências nos nove Estados brasileiros que integram a Amazônia Legal (AC, AP, AM, MT, PA, RO, RR, TO e MA). Em todos os tipos de infração, a queda foi de 25,6%. E quando se considera só os crimes ambientais contra a flora nesses Estados, a redução é ainda mais drástica: de 42,4%.

Do começo de 2018 até 23 de agosto, o Ibama emitiu 2.817 multas por crimes contra a flora nos 9 Estados da Amazônia legal. No mesmo período deste ano, foram apenas 1.627.

Os dados são públicos e podem ser checados aqui - o próprio Ibama orienta os interessados a usar o navegador Mozilla para acessar a base.

Os números do Ibama são consistentes com as observações de quem trabalha com o problema todos os dias.

Segundo o procurador da República Luís de Camões Boaventura, do município de Santarém (PA), o número de autos de infração recebidos do Ibama nos últimos meses é menor que o normal - e é também incompatível com as informações que ele recebe de indígenas, ribeirinhos e moradores. Sempre que o Ibama multa alguém, um auto de infração é enviado ao MP.

"Um levantamento preliminar que nós fizemos mostra que os poucos (autos de infração) que têm chegado dizem respeito a questões administrativas. Os fiscais (do Ibama) não vão a campo. Só multam pequenas irregularidades administrativas, como o cidadão que deixa de preencher um formulário, e que não têm relação com o desmatamento", diz ele à BBC News Brasil.

A Procuradoria da República no Pará, sediada em Belém, abriu esta semana diversas investigações sobre o aumento das queimadas e do desmatamento no Estado - uma delas é coordenada por Boaventura. O procurador oficiou o Ibama para questionar exatamente como o órgão pretende enfrentar o desmatamento na região.

Em outra apuração, o MPF no Pará tenta descobrir os responsáveis pelo "Dia do Fogo" - um protesto de fazendeiros no dia 10 de agosto deste ano, que resultou no aumento do número de focos de incêndio em vários municípios. Em Novo Progresso (PA), o "Dia do Fogo" foi noticiado por um jornal local. O procurador local questionou o Ibama, e este respondeu em ofício que sabia do evento, mas que "as ações de fiscalização encontram-se prejudicadas pela ausência de apoio da Polícia Militar, o que acaba por colocar em risco a segurança das equipes em campo".

Nesta sexta-feira, o Diário Oficial da União trouxe uma portaria autorizando o Ibama a contratar brigadistas temporários para combater incêndios florestais no Distrito Federal. O presidente Jair Bolsonaro também autorizou o envio das Forças Armadas para o combate aos incêndios nos Estados que solicitarem este tipo de ajuda, por meio da chamada operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Na tarde de sexta, os governos de Roraima e Rondônia pediram a ajuda, segundo o Palácio do Planalto.

Bolsonaro comentou o assunto em um pronunciamento em rede nacional de rádio e TV, na noite desta sexta. Segundo ele, o governo combaterá ações criminosas na Amazônia. "Somos um governo de tolerância zero com a criminalidade, e na área ambiental não será diferente", disse ele.

O presidente também ponderou que a fiscalização, sozinha, não resolve o problema. "Para proteger a Amazônia, não bastam operações de fiscalização, comando e controle. É preciso dar oportunidade a toda essa população para que se desenvolva junto com o restante do país".

A BBC News Brasil procurou o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente para comentários, mas não houve resposta. Desde o começo do ano, a assessoria de imprensa do Ibama não interage com jornalistas: todas as demandas precisam ser repassadas ao ministério.
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Jair Bolsonaro

Povo foi às ruas pelo verde da Amazônia e também pelo verde de uma esperança

O povo foi às ruas numa série de cidades brasileiras e também de outros países protestando e chamando atenção para o desenvolvimento de um problema que, de uma forma ou de outra, afirma-se como um compromisso para com o futuro. Numa época em que a poluição tornou-se uma ameaça latente e por isso mesmo, deve interessar a todas as pessoas, a opinião pública investindo na forma da comunicação voltou-se para o combate às queimadas e desmatamentos da Amazônia.

As reações foram tão intensas que atingiram o principal alvo da questão, como uma reação lógica contra o governo Bolsonaro e contra a prática continuada desse crime ambiental.


O aquecimento global transformou-se em uma ameaça à própria existência humana, principalmente nos países que acumulam enormes quantidade de geleiras. Assim se a temperatura subir descem blocos que logo se transformariam em agua inundando regiões inteiras, como é o caso dos países nórdicos.

É preciso considerar também, como decorrência desse desgelo, a elevação dos níveis do mar. Uma ameaça que decorre de outra ameaça. É preciso, portanto, combater a primeira hipótese, sabendo-se que a segunda consequência decorrerá da primeira.

As reações populares foram tão intensas que levaram o presidente Jair Bolsonaro a rever sua posição inicial quanto às florestas Amazônicas, quando atribuiu a ONGs ligadas à esquerda o propósito de prejudicar seu governo. Quem prejudica o governo brasileiro, no caso dos desmatamentos e dos incêndios na região, é o próprio governo que se omitiu em relação a gravidade da questão exposta.

Entretanto, diante da repercussão nacional e internacional, Bolsonaro mobilizou-se finalmente e convocou as forças armadas para responder ao desafio. Antes tarde do que nunca e, mais uma vez, comprova-se que somente as pressões legítimas conseguem levar os poderes a combater causas ilegítimas.

Para se ter ideia da extensão do problema que atinge os interesses brasileiros, pode-se citar uma entrevista do Ministro Ricardo Salles ao repórter José Fucs, O Estado de São Paulo de sábado, quando afirmou, para espanto geral, que “isso de patrimônio da humanidade é uma bobagem”.

Dessa forma, constata-se que o ministro do Meio Ambiente, ao invés de agir para preservar o patrimônio universal, que atesta sobretudo a cultura, não a considera um bem de todos.

O Brasil tem cidades incluídas como patrimônio da humanidade. Ouro Preto é uma delas. Desnecessário citar centenas de exemplos que reforçam esse patrimônio e a própria cultura universal.

O ministro Ricardo Salles realmente é um desastre.

A 'Amazônia fora da lei' de Bolsonaro

Os 12 milhões de habitantes de São Paulo sempre conviveram com o mau tempo, mas na segunda-feira passada as nuvens escureceram o céu e a noite caiu às três horas da tarde. Pouco depois, os paulistanos souberam que, além da chuva, havia fumaça. O suficiente para causar um efeito óptico que deixou o céu quase negro. Fumaça da Amazônia. Dos incêndios que se estendem por áreas de floresta de cinco Estados brasileiros e que, de acordo com os especialistas e ambientalistas, são o resultado de um desmatamento que se acelera sob o Governo de Jair Bolsonaro. E com seu respaldo, ainda que indireto: o presidente flexibilizou os controles ambientais, como havia prometido, e pretende permitir a mineração em terras indígenas. Alguns membros de seu Gabinete, como o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, questionam o aquecimento global.

A 3.000 quilômetros de distância em direção ao norte, em Rondônia, o território indígena dos Uru-eu-Wau-Wau queima. Nos últimos meses, sofreu sucessivas invasões que causaram desmatamento e, na sequência, incêndios para abrir o terreno. "Estamos denunciando desde janeiro", conta Ivaneide Bandeira, da ONG Kanindé Associação de Defesa Etnoambiental. A fumaça que sai da reserva indígena, em teoria protegida pelo Governo Federal, viaja 400 quilômetros e chega com força à capital Porto Velho, onde mora a ativista. Em imagens divulgadas nas redes sociais se vê uma espessa névoa que faz com que mal se possa respirar. Os hospitais estão abarrotados. "Em meu bairro a sensação é de que o mundo está caindo sobre nós", conta por telefone.
Bolsonaro anunciou o combate aos incêndios na Amazônia com foto
publicada em novembro de 2015 sobre o trabalho realizado para
conter um incêndio na Chapada Diamantina, na Bahia
Os incêndios são comuns nessa época de seca na região e nem sempre são ilegais. Os dados indicam, entretanto, que as autoridades perderam o controle sobre a situação e que o país vive a maior onda de incêndios dos últimos cinco anos, de acordo com o Instituto Nacional de Investigação Espacial (INPE). Entre 1 de janeiro e 22 de agosto foram registrados 76.720 focos de incêndios, 85% a mais do que no mesmo período de 2018 (quando houve 41.400). Os satélites mostram que mais de 80% do território devorado pelas chamas está na Amazônia.

Os mesmos satélites utilizados pelo INPE indicam que o desmatamento aumentou 34% em maio, 88% em junho e 212% em julho em relação aos mesmos meses de 2018. Bolsonaro criticou a instituição e seus números em um encontro com jornalistas. O físico Ricardo Galvão, que comandava o INPE, contradisse publicamente o presidente e foi exonerado. Desde estão, a Amazônia está na mira internacional.

"O Brasil era um vilão ambiental. Mas desde que começamos a reduzir o desmatamento, nos transformamos em líderes na agenda ambiental global. Agora voltamos a uma situação até mesmo pior do que a que tínhamos na década de oitenta", diz a ex-ministra e ex-candidata presidencial Marina Silva. Ela agora elabora com outros ex-ministros e membros da sociedade civil uma carta ao Congresso pedindo que sejam suspensos os projetos para afrouxar as leis ambientais e a criação de uma comissão para debater políticas que combatam a crise ambiental. "Infelizmente, o que está acontecendo se deve às políticas desastrosas e irresponsáveis do Governo de Bolsonaro, que não tem competência para lidar com essa situação", afirma.

"Nem todos os incêndios estão relacionados ao desmatamento, mas os satélites indicam um aumento substancial dos fenômenos. São consequência basicamente das políticas do novo Governo, que incentiva a ocupação ilegal de terras na Amazônia e, consequentemente, a ocorrência dos incêndios ilegais", diz Paulo Artaxo, professor de Física da Universidade de São Paulo.

O especialista, que fez parte do Painel Governamental da Mudança Climática das Nações Unidas, diz que ainda é preciso fazer uma comparação mais detalhada entre as áreas desmatadas e as destruídas pelo fogo. Mas os especialistas dão como certo de que os aumentos dos dois fenômenos estão relacionados. Um levantamento do site InfoAmazonia, com base em dados públicos, indica que entre os dez municípios com mais incêndios, sete estão entre os que também mais sofreram com desmatamento anterior. Um relatório do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) chega à mesma conclusão.

As principais instituições do Ministério do Meio Ambiente são o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), responsável pela fiscalização e preservação de áreas naturais, e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão responsável pela formação de áreas de conservação. Bolsonaro colocou em andamento uma série de mudanças que tiram responsabilidades desses órgãos que, como denunciam ambientalistas e uma inédita aliança de oito ex-ministros, desmantelam a política ambiental brasileira. "Sempre houve desmatamento, mas agora é promovida pelo ministro, que desmantelou a governança ambiental", diz Marina Silva.

Os cortes orçamentários também tiveram seu efeito. A prevenção e o controle de incêndios perderam 38,4% de seu Orçamento. "Nas proximidades de Porto Velho vejo bombeiros controlando os incêndios. Mas os órgãos não possuem meios suficientes para deter a invasão do território indígena", diz a ativista Ivaneide Bandeira.

Parte dos focos ocorre em áreas privadas que se expandem em direção à reserva natural que todas as propriedades têm obrigação de manter. Outra parte ocorre em áreas públicas protegidas e em territórios indígenas protegidos que sempre estiveram ameaçados por invasores, madeireiros e fazendeiros que querem invadir a terra. Há áreas ricas em minerais como o ouro e árvores centenárias em risco de extinção. E, principalmente, um espaço enorme que pode se transformar em pasto para o gado. Em todos esses casos é preciso abrir o terreno. E isso é sempre feito com fogo.

Ivar Busatto é coordenador da ONG Operação Amazônia Nativa no Mato Grosso, um dos territórios que mais sofrem com a seca —não chove há 90 dias— e que foram atingidos pelos incêndios. Sua organização contabilizou 24 focos em nove comunidades indígenas. "Moro aqui há 48 anos e sempre existiu fogo", diz. A seca é severa, com previsão de chuva somente no final de setembro. Nesse período é proibido por lei utilizar o fogo para qualquer atividade.

Seu Estado vive do negócio agrícola e produz parte da soja e do milho que o país exporta. O fogo serve para limpar os campos e para que os fazendeiros se expandam, legal e ilegalmente em direção a territórios protegidos. Parte da vegetação nativa já não existe. Mas agora, quando todos os olhos do mundo estão voltados às matas do Brasil, até o agronegócio se preocupa com as ações ambientais. A pressão internacional pode resultar em medidas drásticas, como sanções ao comércio brasileiro ou até a não ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, como sugeriu o presidente francês Emmanuel Macron, na última quinta-feira, e o presidente do Conselho Europeu, neste sábado.

Enquanto o G7, grupo dos países mais ricos do mundo, se reúne em Biarritz e coloca entre suas pautas a Amazônia brasileira, o Governo Bolsonaro, que chegou a sugerir que ONGs eram suspeitas da onda de incêndio, toma suas primeiras ações concretas para conter o fogo que devasta a floresta há semanas. "Mais de 43.000 militares das Forças Armadas reforçam ações de combate a incêndios na Amazônia", comemorou o presidente neste sábado, no Twitter. Ele compartilhou também imagens de aeronaves militares despejando água sobre as queimadas, nas primeiras missões após a decretação, nesta sexta, da chamada "GLO Ambiental", como ficou conhecida a Garantia da Lei e da Ordem voltada para a floresta.
Felipe Betim