A 3.000 quilômetros de distância em direção ao norte, em Rondônia, o território indígena dos Uru-eu-Wau-Wau queima. Nos últimos meses, sofreu sucessivas invasões que causaram desmatamento e, na sequência, incêndios para abrir o terreno. "Estamos denunciando desde janeiro", conta Ivaneide Bandeira, da ONG Kanindé Associação de Defesa Etnoambiental. A fumaça que sai da reserva indígena, em teoria protegida pelo Governo Federal, viaja 400 quilômetros e chega com força à capital Porto Velho, onde mora a ativista. Em imagens divulgadas nas redes sociais se vê uma espessa névoa que faz com que mal se possa respirar. Os hospitais estão abarrotados. "Em meu bairro a sensação é de que o mundo está caindo sobre nós", conta por telefone.
Bolsonaro anunciou o combate aos incêndios na Amazônia com foto publicada em novembro de 2015 sobre o trabalho realizado para conter um incêndio na Chapada Diamantina, na Bahia |
Os mesmos satélites utilizados pelo INPE indicam que o desmatamento aumentou 34% em maio, 88% em junho e 212% em julho em relação aos mesmos meses de 2018. Bolsonaro criticou a instituição e seus números em um encontro com jornalistas. O físico Ricardo Galvão, que comandava o INPE, contradisse publicamente o presidente e foi exonerado. Desde estão, a Amazônia está na mira internacional.
"O Brasil era um vilão ambiental. Mas desde que começamos a reduzir o desmatamento, nos transformamos em líderes na agenda ambiental global. Agora voltamos a uma situação até mesmo pior do que a que tínhamos na década de oitenta", diz a ex-ministra e ex-candidata presidencial Marina Silva. Ela agora elabora com outros ex-ministros e membros da sociedade civil uma carta ao Congresso pedindo que sejam suspensos os projetos para afrouxar as leis ambientais e a criação de uma comissão para debater políticas que combatam a crise ambiental. "Infelizmente, o que está acontecendo se deve às políticas desastrosas e irresponsáveis do Governo de Bolsonaro, que não tem competência para lidar com essa situação", afirma.
"Nem todos os incêndios estão relacionados ao desmatamento, mas os satélites indicam um aumento substancial dos fenômenos. São consequência basicamente das políticas do novo Governo, que incentiva a ocupação ilegal de terras na Amazônia e, consequentemente, a ocorrência dos incêndios ilegais", diz Paulo Artaxo, professor de Física da Universidade de São Paulo.
O especialista, que fez parte do Painel Governamental da Mudança Climática das Nações Unidas, diz que ainda é preciso fazer uma comparação mais detalhada entre as áreas desmatadas e as destruídas pelo fogo. Mas os especialistas dão como certo de que os aumentos dos dois fenômenos estão relacionados. Um levantamento do site InfoAmazonia, com base em dados públicos, indica que entre os dez municípios com mais incêndios, sete estão entre os que também mais sofreram com desmatamento anterior. Um relatório do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) chega à mesma conclusão.
As principais instituições do Ministério do Meio Ambiente são o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), responsável pela fiscalização e preservação de áreas naturais, e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão responsável pela formação de áreas de conservação. Bolsonaro colocou em andamento uma série de mudanças que tiram responsabilidades desses órgãos que, como denunciam ambientalistas e uma inédita aliança de oito ex-ministros, desmantelam a política ambiental brasileira. "Sempre houve desmatamento, mas agora é promovida pelo ministro, que desmantelou a governança ambiental", diz Marina Silva.
Os cortes orçamentários também tiveram seu efeito. A prevenção e o controle de incêndios perderam 38,4% de seu Orçamento. "Nas proximidades de Porto Velho vejo bombeiros controlando os incêndios. Mas os órgãos não possuem meios suficientes para deter a invasão do território indígena", diz a ativista Ivaneide Bandeira.
Parte dos focos ocorre em áreas privadas que se expandem em direção à reserva natural que todas as propriedades têm obrigação de manter. Outra parte ocorre em áreas públicas protegidas e em territórios indígenas protegidos que sempre estiveram ameaçados por invasores, madeireiros e fazendeiros que querem invadir a terra. Há áreas ricas em minerais como o ouro e árvores centenárias em risco de extinção. E, principalmente, um espaço enorme que pode se transformar em pasto para o gado. Em todos esses casos é preciso abrir o terreno. E isso é sempre feito com fogo.
Ivar Busatto é coordenador da ONG Operação Amazônia Nativa no Mato Grosso, um dos territórios que mais sofrem com a seca —não chove há 90 dias— e que foram atingidos pelos incêndios. Sua organização contabilizou 24 focos em nove comunidades indígenas. "Moro aqui há 48 anos e sempre existiu fogo", diz. A seca é severa, com previsão de chuva somente no final de setembro. Nesse período é proibido por lei utilizar o fogo para qualquer atividade.
Seu Estado vive do negócio agrícola e produz parte da soja e do milho que o país exporta. O fogo serve para limpar os campos e para que os fazendeiros se expandam, legal e ilegalmente em direção a territórios protegidos. Parte da vegetação nativa já não existe. Mas agora, quando todos os olhos do mundo estão voltados às matas do Brasil, até o agronegócio se preocupa com as ações ambientais. A pressão internacional pode resultar em medidas drásticas, como sanções ao comércio brasileiro ou até a não ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, como sugeriu o presidente francês Emmanuel Macron, na última quinta-feira, e o presidente do Conselho Europeu, neste sábado.
Enquanto o G7, grupo dos países mais ricos do mundo, se reúne em Biarritz e coloca entre suas pautas a Amazônia brasileira, o Governo Bolsonaro, que chegou a sugerir que ONGs eram suspeitas da onda de incêndio, toma suas primeiras ações concretas para conter o fogo que devasta a floresta há semanas. "Mais de 43.000 militares das Forças Armadas reforçam ações de combate a incêndios na Amazônia", comemorou o presidente neste sábado, no Twitter. Ele compartilhou também imagens de aeronaves militares despejando água sobre as queimadas, nas primeiras missões após a decretação, nesta sexta, da chamada "GLO Ambiental", como ficou conhecida a Garantia da Lei e da Ordem voltada para a floresta.Felipe Betim
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