É fato que a gritaria internacional em torno da suposta escalada na devastação da floresta amazônica embute muitos interesses de países europeus cujos produtores agrícolas concorrem com o poderoso agronegócio brasileiro – e o dano à imagem do País tem o potencial de minar a competitividade brasileira no exterior, num mercado cada vez mais sensível a questões ambientais. Assim, faz bem o governo brasileiro ao ressaltar que nem todas as críticas ao modo como o Brasil lida com suas florestas são desinteressadas.
Mas é preciso reconhecer que a atual crise foi deflagrada por atitudes intempestivas a respeito do meio ambiente, adotadas irrefletidamente pelo presidente Bolsonaro e alguns de seus ministros. Para começar, Bolsonaro implodiu o Fundo Amazônia, bancado por Alemanha e Noruega, sob o argumento de que financiava ONGs – organizações que, segundo o bolsonarismo, estão a serviço de uma grande conspiração da esquerda internacional contra o Brasil. Em seguida, chamou de “mentirosos” os números do Inpe que mostraram, em julho, um avanço significativo do desmatamento na Amazônia, e ainda acusou a direção do respeitado órgão de estar “a serviço de alguma ONG”. Mais recentemente, ante a proliferação de queimadas na região amazônica, Bolsonaro acusou as ONGs de causarem os incêndios “para chamar a atenção para a minha pessoa”.
Como era previsível, as atitudes do presidente tiveram péssima repercussão internacional, mas Bolsonaro manteve o tom nada diplomático, fazendo referências jocosas, próprias do ambiente insalubre das redes sociais, aos governantes da Alemanha, da Noruega e da França, que o haviam criticado. Entrementes, os incêndios na Amazônia tornaram-se assunto de grande interesse, mobilizando artistas e celebridades globais. Nessa onda, o presidente da França, Emmanuel Macron, disse que se trata de uma “crise internacional” e informou que o G-7 (grupo dos sete países mais ricos do mundo) discutirá o assunto – sem a presença do Brasil. Já o governo da Finlândia, que detém a presidência rotativa da União Europeia, pediu que o bloco discuta a possibilidade de banir a importação de carne brasileira. No Twitter, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que “não podemos permitir mais danos a uma fonte importante de oxigênio e biodiversidade”.
Mesmo que ainda não se saiba realmente se as queimadas desta temporada são mais graves do que as de anos anteriores, o estrago à imagem do Brasil já está feito – e é imenso. Jair Bolsonaro, em apenas oito meses de governo, conseguiu arruinar a reputação do País em uma das poucas áreas nas quais se destacava de maneira razoavelmente positiva graças aos esforços na preservação das florestas nativas. Essa imagem não será recuperada enquanto o presidente continuar a se queixar da “mentalidade colonialista” da França, ou o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, acusar países de usar ONGs “para atingir nossa soberania”, ou ainda o chanceler Ernesto Araújo dizer que “muitas forças nacionais e internacionais querem recolonizar o Brasil”. Se o governo realmente estivesse preocupado com a defesa da soberania nacional, estaria empenhado em esclarecer a opinião pública internacional sobre a verdadeira situação na Amazônia e o que está sendo feito para enfrentar o problema em suas reais dimensões. Ao preferir ofender a inteligência de todo o mundo civilizado, o governo Bolsonaro apenas desmoraliza o Brasil.
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