Ninguém mais que o presidente Bolsonaro tem dado argumentos aos defensores do protecionismo agrícola europeu. No meio do novo escândalo associado aos incêndios na Amazônia, o ministro Onyx Lorenzoni apontou os interesses comerciais de quem compete internacionalmente contra o agronegócio. Sim, esses interesses existem, são favorecidos na União Europeia por entidades com discursos a favor do ambiente e da comida saudável e nada disso é novidade.
Se há algo realmente inédito, é um presidente brasileiro incapaz de perceber o jogo econômico internacional e ignorante da importância, para o Brasil, da exportação de produtos de origem agropecuária.
De janeiro a julho o agronegócio faturou US$ 56,61 bilhões no comércio exterior e acumulou um saldo de US$ 48,48 bilhões. Esse resultado foi suficiente para compensar o déficit de outros setores e garantir ao País, no balanço geral, um superávit comercial de US$ 28,37 bilhões.
O poder de competição do agronegócio – o verdadeiro, capaz de aumentar a produção muito mais que a área de lavouras e pastos – tem sido um fator de segurança econômica.
O superávit geral na balança de mercadorias, garantido principalmente pelo campo, atenua o resultado tradicionalmente negativo das contas de serviços e rendas. Graças a isso, o déficit em transações correntes vem sendo mantido abaixo de um por cento do Produto Interno Bruto (PIB), em nível confortável e coberto com muita folga pelo investimento estrangeiro direto.
Reservas próximas de US$ 380 bilhões, um dado compatível com o quadro geral das transações externas, completam as condições de segurança. Tudo isso tem poupado o Brasil de crises cambiais. Quem desconhece o horror de uma crise cambial pode ter alguma ideia olhando o drama argentino ou consultando coleções de jornais brasileiros dos anos 1980.
O presidente Jair Bolsonaro trata os interesses brasileiros como se ignorasse todas essas questões ou, conhecendo os dados, fosse incapaz de entendê-los. Nenhuma surpresa, afinal, porque seu desconhecimento da economia brasileira, da grande política, da diplomacia e das instituições tem sido evidenciado com frequência. Depois de 28 anos no Legislativo, ele parece ter pouca familiaridade com a Constituição e com o processo normativo, a ponto de tentar sobrepor decretos a leis e de atropelar regras na edição de medidas provisórias (MPs).
A derrubada de uma dessas MPs pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi coroada por um comentário do ministro Celso de Mello: o presidente, segundo ele, “minimiza perigosamente” a importância da Constituição federal e “degrada a autoridade do Parlamento brasileiro”. “Fui esculachado pelo ministro do Supremo”, disse Bolsonaro, depois de ter tomado a crítica como pessoal.
Todos estes dados – o atropelo das normas, a ignorância econômica, o desconhecimento dos interesses comerciais do País, a redução da política à dimensão pessoal, o voluntarismo e os desmandos administrativos – são claramente interligados. O presidente acha isto ou aquilo e toma decisões, ou, no mínimo, faz declarações desastradas e desastrosas. Não consulta assessores, despreza o conhecimento profissional e prefere viver cercado de quem aceita e aplaude suas opiniões.
Confunde chefia de governo com autorização para mandar e desmandar segundo inclinações, crenças e impulsos pessoais. Despreza a organização e a hierarquia, demonstrando pouco haver aprendido em sua passagem pelo Exército. Ao apontar os chefes da Polícia Federal como subordinados à sua pessoa, desautorizou o ministro da Justiça e desprezou o organograma do governo.
Organograma tem cinco sílabas e é uma palavra meio estranha, mas encerra uma noção fundamental para o entendimento de qualquer entidade burocrática, como a empresa moderna, o grande clube de futebol, a orquestra, as Forças Armadas e o governo ocidental. Mas Bolsonaro continuará, muito provavelmente, ignorando essa palavra enquanto seus ministros forem submissos e se curvarem aos caprichos e desaforos do chefe.
Competidores e políticos estrangeiros contrários a acordo comercial com o Brasil ficarão contentes. Ainda há, na União Europeia, oposição ao pacto com o Mercosul. Um recuo pode ser complicado, mas Bolsonaro colabora para isso. Se algo sair errado, sempre se poderá culpar a esquerda ou as organizações não governamentais. Mesmo sem acusação explícita, ele continuou apontando ONGs como suspeitas dos últimos incêndios na Amazônia.
Também sem prova, Hitler atribuiu aos comunistas o incêndio do Parlamento alemão em fevereiro de 1933. Pouco depois parlamentares comunistas foram presos e seu partido, posto fora da lei. Briga de esquerdistas, diriam Bolsonaro e seu ministro de Relações Exteriores. Afinal, o nazismo, segundo os dois, foi um movimento de esquerda. Disseram isso depois de visitar o Museu do Holocausto, em Israel. Deve haver quem concorde.
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