A queda no número de autuações coincide com um aumento dos registros de desmatamento e de incêndios florestais em 2019. Considerando todos os tipos de infração ambiental em todo o país, o Ibama diminuiu em 29,4% as autuações até esta sexta-feira (23), quando comparado com o mesmo período de 2018.
Segundo servidores, ex-servidores, autoridades e ambientalistas, a queda no número de multas está ligada a sinais emitidos pelo governo federal desde o começo do ano contra supostos excessos na fiscalização e a trocas de profissionais em postos-chave do Ibama.
Até 19 de agosto deste ano, o Brasil registrou 72,8 mil focos de incêndio, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O número representa um aumento de 83% em relação ao mesmo período do ano passado.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi criado em 1989 e é a autarquia federal responsável por aplicar a Política Nacional de Meio Ambiente - que baliza as ações do governo para a área. O Ibama é ligado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e possui poder de polícia na área ambiental, atuando inclusive em áreas de particulares.
Já o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foi criado em 2007 e tem por função cuidar das unidades de conservação (UCs) federais. Dentro delas, o ICMBio exerce poder de polícia ambiental.
O Ibama é o braço da União responsável por combater crimes ambientais, mas a lei brasileira determina que a proteção ao meio ambiente seja compartilhada entre o governo federal, os Estados e os municípios. As obrigações de cada um deles estão descritas na Lei de Crimes Ambientais, de 1998, e também por uma lei complementar de 2011.
O que o levantamento da BBC News Brasil mostra é que o Ibama tem aplicado menos multas em geral - a queda é ainda mais acentuada quando se trata de crimes contra a flora (queimadas, desmatamento ilegal etc.), e na Amazônia.
Do começo de 2018 até o dia 23 de agosto daquele ano, o Ibama aplicou 9.771 multas de todos os tipos - não só relacionados a crimes contra a flora, mas também a pesca ilegal, caça, biopirataria e vários outros. Mas, do começo de 2019 até esta sexta-feira (23), foram 6.895 multas: uma queda de 29,4%.
Nos crimes contra a flora, a redução foi de 38,7% no mesmo período: de 4.138 no ano passado para 2.535 agora, em todo o país.
A queda no número de multas também se verifica quando o levantamento leva em conta apenas as ocorrências nos nove Estados brasileiros que integram a Amazônia Legal (AC, AP, AM, MT, PA, RO, RR, TO e MA). Em todos os tipos de infração, a queda foi de 25,6%. E quando se considera só os crimes ambientais contra a flora nesses Estados, a redução é ainda mais drástica: de 42,4%.
Do começo de 2018 até 23 de agosto, o Ibama emitiu 2.817 multas por crimes contra a flora nos 9 Estados da Amazônia legal. No mesmo período deste ano, foram apenas 1.627.
Os dados são públicos e podem ser checados aqui - o próprio Ibama orienta os interessados a usar o navegador Mozilla para acessar a base.
Os números do Ibama são consistentes com as observações de quem trabalha com o problema todos os dias.
Segundo o procurador da República Luís de Camões Boaventura, do município de Santarém (PA), o número de autos de infração recebidos do Ibama nos últimos meses é menor que o normal - e é também incompatível com as informações que ele recebe de indígenas, ribeirinhos e moradores. Sempre que o Ibama multa alguém, um auto de infração é enviado ao MP.
"Um levantamento preliminar que nós fizemos mostra que os poucos (autos de infração) que têm chegado dizem respeito a questões administrativas. Os fiscais (do Ibama) não vão a campo. Só multam pequenas irregularidades administrativas, como o cidadão que deixa de preencher um formulário, e que não têm relação com o desmatamento", diz ele à BBC News Brasil.
A Procuradoria da República no Pará, sediada em Belém, abriu esta semana diversas investigações sobre o aumento das queimadas e do desmatamento no Estado - uma delas é coordenada por Boaventura. O procurador oficiou o Ibama para questionar exatamente como o órgão pretende enfrentar o desmatamento na região.
Em outra apuração, o MPF no Pará tenta descobrir os responsáveis pelo "Dia do Fogo" - um protesto de fazendeiros no dia 10 de agosto deste ano, que resultou no aumento do número de focos de incêndio em vários municípios. Em Novo Progresso (PA), o "Dia do Fogo" foi noticiado por um jornal local. O procurador local questionou o Ibama, e este respondeu em ofício que sabia do evento, mas que "as ações de fiscalização encontram-se prejudicadas pela ausência de apoio da Polícia Militar, o que acaba por colocar em risco a segurança das equipes em campo".
Nesta sexta-feira, o Diário Oficial da União trouxe uma portaria autorizando o Ibama a contratar brigadistas temporários para combater incêndios florestais no Distrito Federal. O presidente Jair Bolsonaro também autorizou o envio das Forças Armadas para o combate aos incêndios nos Estados que solicitarem este tipo de ajuda, por meio da chamada operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Na tarde de sexta, os governos de Roraima e Rondônia pediram a ajuda, segundo o Palácio do Planalto.
Bolsonaro comentou o assunto em um pronunciamento em rede nacional de rádio e TV, na noite desta sexta. Segundo ele, o governo combaterá ações criminosas na Amazônia. "Somos um governo de tolerância zero com a criminalidade, e na área ambiental não será diferente", disse ele.
O presidente também ponderou que a fiscalização, sozinha, não resolve o problema. "Para proteger a Amazônia, não bastam operações de fiscalização, comando e controle. É preciso dar oportunidade a toda essa população para que se desenvolva junto com o restante do país".
A BBC News Brasil procurou o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente para comentários, mas não houve resposta. Desde o começo do ano, a assessoria de imprensa do Ibama não interage com jornalistas: todas as demandas precisam ser repassadas ao ministério.
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