sábado, 15 de novembro de 2025

Pensamento do Dia

 


O problema não é a queda, é a aterragem

Sidhir Venkatesh começou, em 1989, a fazer o doutoramento em Sociologia na Universidade de Chicago. Passou três meses a seguir o grupo musical Grateful Dead. Mas o seu orientador, especialista em pobreza, William Julius Wilson, reorientou-o para visitar os bairros negros mais pobres de Chicago.

Chegou ao bairro social para fazer um inquérito e ficou seis anos a trabalhar e a estudar um grupo de traficantes de crack, de nome Black Disciples. “Isto é uma guerra, meu”, disse-lhe um traficante. “Todos os dias as pessoas lutam para sobreviver; por isso, estás a ver, fazemos o que podemos. Não temos qualquer escolha, se isso significa ser morto que se lixe, o que é que um preto por aqui pode fazer para dar de comer à família?”

No livro Freakonomics, no qual se conta esta história, conclui-se que para um negro dos bairros a maior hipótese de triunfo económico está no tráfico de droga. Isto apesar de em quatro anos haver uma hipótese em quatro de acabar morto. E o que recebe um soldado proletário do crime é inferior a 3,5 dólares à hora.



Para se perceber o nível de perigosidade nos gangues, citemos o Departamento de Estatísticas do Trabalho nos Estados Unidos da América que apresenta lenhador como sendo a profissão considerada mais arriscada, com uma média de uma morte por 200 trabalhadores.

A mortalidade nos traficantes dos bairros é superior até à de mais de uma centena de pessoas que esperam ser executadas no corredor da morte no Texas.

O investigador interroga-se como é possível que nessas condições tantos jovens sigam a carreira do crime nos bairros pobres de Chicago. Para muitos adolescentes dos bairros poder ser chefe de quadrilha é o único sonho visível. Mais de 56% das crianças do bairro vivem abaixo do limiar da pobreza. São muito poucos os que chegam à universidade. O caminho para um trabalho decente legítimo é praticamente impossível.

“O cheiro acre de morte no ar, misturado com o do orvalho, espalhava-se pela Praça São Lucas, onde termina o bairro da Penha e começam as favelas do complexo com o mesmo nome, na Zona Norte do Rio. Já passava da meia-noite e meia. Em frente ao supermercado Inter formava-se uma roda com cerca de duzentas pessoas, entre trabalhadores, estudantes, aposentados e pessoas ligadas ao tráfico. Diante delas, 25 cadáveres jaziam no chão, enfileirados um ao lado do outro, todos homens, todos também apontados pelos presentes como moradores da região.”

“Magros, gordos, pardos, pretos, brancos, tatuados, velhos, jovens, os corpos foram-se multiplicando conforme uma camioneta preta os trazia de diferentes pontos da favela. Eram carregados por um grupo de moradores liderado por Erivelton Vidal Correia, presidente da Associação Comunitária do Parque Proletário da Penha. Usando pares de luvas cirúrgicas, enfileiravam os corpos lado a lado, cabeça com cabeça, sobre uma extensa lona preta e azul, na imagem que mais tarde ganhou os portais de notícia. ‘Espaço, espaço, espaço’, gritava Correia quando as pessoas que caminhavam por ali atrapalhavam o trabalho”, assim começa uma reportagem da revista Piauí, escrita pelos jornalistas Matheus de Moura e Leonardo Coelho, sobre a chacina policial no Complexo do Alemão e na favela da Penha.

Durante dias, as famílias procuraram, desesperadas, os desaparecidos. São já cerca de 132 mortos conhecidos, o maior massacre policial da História do Brasil. Um país em que anualmente há mais de 60 mil mortos por violência, grande parte por balas da polícia.

Uma mãe tenta desesperadamente saber se o seu filho está vivo. Um dos inspetores pergunta: “Seu filho veio para cá pra traficar aqui, né?” Ao que a mãe responde: “Não, ele não era bandido.” O polícia continua, rindo: “Se não era bandido, então por que morreu?”

Uns dias depois, um pano no cenário de um concerto relembrava: “Quem lucra com o tráfico na favela não vive lá.”

“As políticas de segurança pública baseadas no confronto armado e no extermínio de suspeitos proporcionam custos altíssimos à sociedade e não contribuem para a diminuição da ocorrência de crimes, mas proporcionam ganhos eleitorais”, continua a reportagem

As chacinas policiais são inúteis para diminuir a criminalidade, apenas servem para reprimir as populações, mostrar-lhes que não são cidadãos. Já não se trata de uma questão de segurança pública, mas da própria democracia.

A 23 de junho de 1993, ocorreu o massacre da Candelária, onde milícias pagas por comerciantes, constituídas por polícias, assassinaram oito jovens sem-abrigo que dormiam à porta dessa igreja do Rio de Janeiro.

Quando estive no Brasil, como participante no primeiro Fórum Social Mundial, conheci um ativista austríaco que acompanhava crianças de rua e tinha conhecido alguns dos miúdos mortos. Contou-me que num encontro entre o responsável da polícia brasileira e o seu homólogo da capital austríaca, o primeiro perguntou “quantas pessoas matava a polícia austríaca?”, tendo o europeu respondido, surpreso, que “não é suposto a polícia matar pessoas”.

Há uns anos, moradores de favelas do Rio de Janeiro denunciaram uma série de violações praticadas por militares. No relatório parcial Circuito de Favelas por Direitos, elaborado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, em 2018, registam-se roubos, invasões de casas, agressões físicas e até violações.

Conforme conta um morador no relatório, numa dessas invasões militares das favelas teriam ocorrido as violações: “Eles entraram numa casa que era ocupada pelo tráfico. Lá tinha dois garotos e três meninas. As meninas eram namoradas de traficantes. Era pra ser todo o mundo preso, mas o que aconteceu é que os policiais ficaram horas na casa, violaram as três meninas e espancaram os garotos. Isto não pode estar certo.”

"Homo Sacer: O Poder Soberano e Vida Nua" é um livro do filósofo italiano Giorgio Agamben, publicado em 1995. O termo homo sacer refere-se a um indivíduo que é excluído da comunidade política e, portanto, é submetido ao poder, sem limites, das autoridades soberanas. Na antiga lei romana, um homo sacer é uma pessoa que pode ser morta sem que quem o mate enfrente consequências legais.

Agamben introduz a noção de “vida nua”, referindo-se a uma forma de existência despojada de direitos e proteções políticas. Essa noção revela uma vida que é simplesmente biológica, desprovida de qualquer significação social ou política. O homo sacer está reduzido à mera existência, sem os direitos conferidos pela cidadania.

O filósofo explora a relação entre soberania e o conceito de estado de exceção, em que as leis normais são suspensas em favor de medidas extraordinárias. Essa condição muitas vezes surge em tempos de crise, evidenciando como os governos podem contornar normas legais em nome da segurança ou da emergência.

Os processos de inclusão e exclusão, juntamente com a gestão da vida e da morte, revelam como o poder molda a existência humana num nível fundamental.

Em 1974, o economista brasileiro Edmar Lisboa Bacha cunhou o conceito Belíndia. O Brasil é um país que tem dez milhões de pessoas que vivem como na Bélgica e o resto vive como na Índia. A violência policial é um instrumento fundamental para que num país riquíssimo a maior produção seja a da grande pobreza. Uma situação que só pode mudar se a maioria perceber a sua situação e a sua força.

No mítico livro Capitães da Areia, do escritor brasileiro Jorge Amado, conta-se a história de um grupo de meninos de rua que vão crescendo e politizando-se, saindo da criminalidade e adquirindo consciência da sua situação. O herói Pedro Bala, uma alusão a Peter Pan, passa de pequeno criminoso a revolucionário.

Na realidade as coisas são mais complexas. Nos bairros, a grande maioria da população é trabalhadora e não gente ligada ao tráfico de droga. Aqui sempre que a criminalidade cresce, a esperança revolucionária diminui, e o contrário também é verdade.

No seu livro City of Quartz, sobre a história de Los Angeles, o historiador Mike Davis relata a implantação do partido revolucionário Black Panters (Panteras Negras) e a repressão a que foi sujeito.

A execução dos seus líderes pela polícia, abatendo os militantes, deixou um vazio de poder nos bairros que permitiu que os grupos criminais voltassem a dominar as ruas.

A entrada do crack nos bairros veio mudar tudo ainda mais. Mudou a economia local e a violência, multiplicou as guerras entre bandos nas ruas. Mas também destruiu uma geração de jovens.

“Estes jovens negros toxicodependentes e apáticos, que choramos hoje, são o resultado da nossa incapacidade de proteger os Panteras Negras nos anos 60”, dizia, ao jornal britânico The Guardian, Sonia Sanchez, poetiza e ativista negra.

Em fevereiro de 1969, Carter e Huggins, dois líderes dos Panters, em Los Angeles, foram assassinados por um grupo nacionalista infiltrado pela polícia. A forte repressão policial com recurso à liquidação física dos principais militantes criou um vazio, que o próprio jornal The Los Angeles Times reconheceu ter aberto a via ao recrudescimento dos gangues nos anos 70. Como dizia um jovem de 16 anos, do gangue dos Crips, citado por Mike Davis, “os gangues jamais vão desaparecer. Acreditas que vão dar-nos emprego a todos?”

Um imigrante nicaraguense chamado Oscar Danilo Blandón foi considerado o maior importador de cocaína colombiana. Blandón vendia muito crack aos traficantes que brotavam em Los Angeles. Mais tarde, veio confessar que o fazia, com o apoio da CIA, para obter dinheiro para a guerrilha anti-sandinista dos Contra da Nicarágua.

Ainda hoje, para muitos militantes negros a introdução da droga nos guetos teve mão da CIA e serviu para financiar a contrarrevolução na América Latina e destruir o envolvimento político dos jovens negros.

Este processo de divisão espacial, que cria cidades de condomínios vigiados para os ricos e subúrbios cada vez mais degradados e empobrecidos para os trabalhadores mais pobres, não é um exclusivo do Brasil e dos EUA.

Nos subúrbios de Paris e Lisboa vive-se a mesma realidade numa escala de violência diferente.

Mas também aqui as operações militarizadas nos bairros sucedem-se. As detenções, sem culpa formada, multiplicam-se. A violência sistemática da polícia contra os jovens dos bairros é algo estrutural.

Alinhar 100 moradores contra uma parede, sem poderem mover-se, na rua principal de um bairro como o Casal da Mira é algo considerado normal pela polícia. As autoridades baseiam-se em diretivas, como a que cria as Zonas Urbanas Sensíveis, que classificam os bairros pela classe social das pessoas que lá vivem e a sua “composição étnico-social”. Estes bairros identificam-se pela quase total ausência das políticas públicas. As pessoas não são tratadas como cidadãos. Estamos num território em que as autoridades atuam como forças de ocupação. Há poucos mortos comparando com o Brasil, mas há muito que há gente morta a mais.

Odair Moniz, Romão Monteiro, Ângelo “Angoi” Semedo, Manuel António Tavares Pereira (Tony), Carlos Reis (PTB), José Carlos Vicente, conhecido por “Teti”, João, Edson Sanches (Kuku) são algumas destas vidas muito cedo ceifadas.

Alinhar 100 moradores contra uma parede, sem poderem mover-se, na rua principal de um bairro como o Casal da Mira é algo considerado normal pela polícia. As autoridades baseiam-se em diretivas, como a que cria as Zonas Urbanas Sensíveis, que classificam os bairros pela classe social das pessoas

Nestes espaços com poucos direitos, a polícia parece ser o único serviço público que conhecem. Por vezes, há alguns programas sociais para dar muito menos dinheiro do que custariam políticas sociais justas e equitativas, mas que servem para tornar dependente parte das lideranças locais.

Ali vivem muitas das pessoas que mantiveram o País a trabalhar durante a pandemia, gente que labora, mas que é invisível do ponto de vista da representação política e dos direitos.

Se, no próximo dia 11 de dezembro, os muito milhares de habitantes dos bairros e os imigrantes que trabalham todos os dias pararem pelos seus direitos a ter uma vida melhor – salários, transportes, papéis, educação, habitação e contra o pacote laboral –, o País vai sentir. E uma grande força que é invisível vai fazer frente à xenofobia daqueles que são pagos para manter estas pessoas como gente sem nenhum direito.

O protagonismo ambiental dos invisíveis

“Seu” Joãozinho, um antigo morador de favela que existia à margem de um córrego, hoje ladeado pela avenida Escola Politécnica de São Paulo, nos fundos da Cidade Universitária, viu ali um terrenão que poderia ser aproveitado para o bem comum.

Nas margens plantou árvores, especialmente árvores frutíferas que alimentassem os pássaros que buscassem refúgio na cidade, expulsos das matas devastadas do entorno. “Seu” Joãozinho se aposentou e retornou à sua localidade do interior. Deixou o pomar que civiliza a avenida.


Há alguns anos, no pequeno quadrado de um metro de lado, desses no centro do qual a prefeitura planta uma árvore, o guardador de carros que havia em rua paralela à avenida Faria Lima, em São Paulo, plantou diversos arbustos de plantas medicinais. A farmacinha vegetal foi logo descoberta, pelos moradores dos prédios vizinhos, que dela se serviam gratuitamente: guaco para xarope, erva cidreira para insônia.

Em face de um evento do tamanho e dos custos da COP30, isso quase parece não ter nada a ver. Na verdade, tem e muito.

São ambientalistas invisíveis, quando muito conhecidos apenas de vizinhos próximos ou de passantes, os filhos do asfalto e do concreto. Há nessas iniciativas uma insurreição e o germe de um imenso movimento social em favor do planeta e do que ele representa para a condição humana.

Iniciativas do mesmo gênero em maior escala estão ocorrendo no mundo inteiro. Nos dois maiores desertos da China, camponeses simples têm agido no sentido de barrar a desertificação e a expansão do mar de areia. Inventaram uma técnica simples que impede o deserto de se movimentar. Em quadrados pequenos, feito com palha de restolho de trigo ou de arroz, plantam árvores que estão transformando o deserto numa imensa muralha verde.

Um cinturão verde foi plantado na África subsaariana para barrar e diminuir o deserto imenso ao norte. Na fundação de Israel, Ben-Gurion preconizou a ocupação do deserto pelos kibutz, o que vem dando muito certo, praticamente uma criação de terra economicamente aproveitável em territórios inúteis.

Uma princesa da vizinha Jordânia, preocupada com a desertificação de seu país, convidou um especialista no reflorestamento de áreas degradadas a ensinar sua gente modos de reflorestar o território.

No Brasil, temos o caso excepcional de Ernst Götsch, um geneticista suíço, que trabalhava numa empresa de alteração genética de plantas para que sobrevivam às deficiências de nutrientes e piora das condições climáticas.

Perguntou-se se não era melhor e mais sensato melhorar as condições das plantas. Foi à Costa Rica aprender com populações indígenas o modo como lidavam com o problema, que era o da diversidade do consórcio natural de plantas.

Veio para o Brasil e acabou comprando, na Bahia, uma fazenda de terras degradadas, cujas nascentes de água já estavam secas. Decidiu experimentar o método que denominou de “agricultura sintrópica”, o da convivência de diferentes plantas, de diferentes alturas, a terra recoberta por restos vegetais de podas das plantas mais altas ou de árvores plantadas a propósito.

Sua fazenda no sul da Bahia, em franco processo de desertificação, transformou-se numa mata densa, antigos olhos d’água secos renasceram. Ernst fez escola, atraiu adeptos, ensinou-lhes a técnica, criou discípulos espalhados pelo país. Na mata, cultiva plantas comerciais, especialmente cacau, consorciadas. Uma agricultura de oposição à monocultura.

A agricultura sintrópica tem se espalhado até mesmo pelas cidades, para quintais, grandes terrenos públicos baldios, quase sempre como agricultura comunitária ou agricultura de família. Uma agricultura social subversiva, não ideológica, socialmente criativa. Nela a sociedade se reinventa.

Os adeptos dessa revolução são geralmente jovens e até crianças. Minha filha mais jovem e meu genro (somos originários da roça) resolveram fazer cursos de pequena agricultura de quintal, desde técnicas de cultivo até as de preparação de compostagem.

Meu neto, de 3 anos de idade, já havia se tornado companheiro dos pais no fascínio por essa agricultura de quintal. Quando, há alguns meses, completou 4 anos de idade, disse-lhe que gostaria de dar-lhe um presente e havia pensado num meloponário de abelhas sem ferrão para produzir mel.

Ele já conhecia esse tipo de colmeia de abelhas jataí, de sua escola. Topou na hora. Lá está, no seu quintal, o Meloponário Jorge Abelha, como ele o batizou, que ele visita e exibe todos os dias. Mas ele cultiva, também, um tomateiro para os tomates de suas refeições. Já cultiva sua própria comida. Ele, que gosta de ter amigos, vai descobrindo que o desamor à natureza é burro e antissocial.

Dez estratégias de manipulação dos media

'A manipulação existe e aumenta de forma voraz e multiforme' 

1- Estratégia de distração

O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e económicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto ‘Armas silenciosas para guerras tranquilas’)”.

2- Criar problemas, depois oferecer soluções

Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise económica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3- A estratégia da gradação

Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconómicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4- Estratégia do deferido

Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a ideia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegar o momento.


5- Dirigir-se ao público como crianças de baixa idade

A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adoptar um tom infantilizante. Por que? “Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestão, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”)”.

6- Utilizar o aspecto emocional muito mais do que a reflexão

Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registo emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar ideias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…

7- Manter o público na ignorância e na mediocridade

Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossível para o alcance das classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranquilas’)”.

8- Estimular o público a ser complacente na mediocridade

Promover ao público a achar que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto…

9- Reforçar a revolta pela autoculpabilidade

Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!

10- Conhecer melhor os indivíduos do que eles mesmos se conhecem

No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista político norte-americano, considerado o pensador mais importante da era contemporânea pelo The New York Times

Lições para a universidade

O Congresso do Futuro, liderado há quinze anos pelo ex-senador chileno Guido Girardi, se reuniu na semana passada em Madri. Dezenas de pensadores debateram o fundamental: para onde caminha a civilização. O rumo atual indica desequilíbrio ecológico e agravamento da desigualdade social. Um desenvolvimento harmônico entre os seres humanos e deles com a natureza não será concebido por partidos políticos, comprometidos em atender aos eleitores no curto prazo; nem por igrejas, cuja preocupação é com o mundo espiritual; ainda menos por sindicatos, cuja visão se limita aos interesses de sua categoria profissional na próxima data-­base. A universidade é a instituição capaz de formular ideias para retomar a aliança quebrada entre democracia nacional e humanismo planetário.


Os motivos: tem a versatilidade de pensamento e a liberdade para entender a encruzilhada civilizatória. Para isso, a própria universidade precisa repensar seu papel, sua estrutura, seus métodos de trabalho. No encontro madrilenho, uma mesa debateu “que futuro precisa a universidade para servir na formulação do futuro que se deseja para a humanidade”. É indagação que soa óbvia, mas é das ideias simples que brotam inovações. Foi sugerido que, para compreender a crise, imaginar e formular propostas alternativas, a universidade precisa realizar pelo menos dez mudanças. A saber:

“Trata-se de abandonar preconceitos ideológicos, do passado ou recém-construídos”

(1) Sair do provincianismo nacional e participar de um grande complexo mundial de pensamento, integrando as cerca de 50 000 universidades existentes; (2) ter a ousadia de pensar sem amarras ideológicas, vícios corporativos, dependência partidária, tutela de orientadores na condução de teses de longos doutorados e, sobretudo, sem as cegueiras do corporativismo e da tolerância com falta de rigor e de qualidade; (3) adotar funcionamento multidisciplinar, com núcleos temáticos que combinem diferentes conhecimentos, buscando soluções para os problemas da realidade; (4) incorporar o debate ético sobre a condição humana, os riscos atuais e os desafios; (5) reconhecer a relevância da educação básica e a necessidade de não deixar nenhum cérebro para trás, para que todos possam fazer a transição para a mentalidade do progresso harmônico; (6) adaptar-se às possibilidades da pesquisa e do ensino a distância com qualidade, de modo que o endereço digital seja mais importante do que a localização física; (7) combinar a inteligência biológica com a inteligência artificial, levando em conta valores éticos próprios da condição humana; (8) entender a nova “ecogeopolítica”, na qual o mundo deixa de ser a soma dos países para cada país ser visto como pedaço do mundo; (9) ser politicamente comprometida com a criação da utopia de uma civilização democrática, sustentável e sem exclusão social; e (10) formular tecnicamente estratégia para definição e adoção de um piso social, de modo que nenhuma família seja condenada a sobreviver sem acesso aos bens e serviços essenciais, e de um teto ecológico, para que nenhum indivíduo possa consumir acima dos limites permitidos pelo equilíbrio ecológico.

Trata-se, tudo somado, de abandonar preconceitos ideológicos, sejam importados do passado ou recém-construídos, e manter tolerância zero com o negacionismo científico e com a corrupção mental de narrativas falsas. De derrubar os muros que a separam da realidade e de todos grupos que se dedicam à atividade intelectual, mesmo fora da universidade.

Conquistar, perder e recuperar territórios

O controle sobre o território é a base do Estado moderno e da soberania nacional. Ao controlar um território, as nações controlam também as populações que nele habitam. Como garantia, organizam sistemáticos serviços de vigilância das fronteiras territoriais e de repressão aos rebeldes.

Nas melhores situações, tomam providências para prestar serviços essenciais (educação, saúde, cultura) e investir em melhorias na infraestrutura, com o que incentivam o desejo de pertencimento e a lealdade dos habitantes. Materializam, assim, a ideia de que quem manda em um território é quem o controla.

Os Estados valeram-se de vários argumentos para postular a posse de um território. A ancestralidade, a identidade étnica, a religião, a presença de uma população homogênea, o interesse econômico, a geopolítica. Mas foi sobretudo por meio de guerras, de conquistas violentas e disputas diplomáticas que limites territoriais se estabeleceram.

O território de um Estado pode estar sujeito à cobiça estrangeira, como mostra exaustivamente a história. Impérios coloniais controlaram territórios que ainda não possuíam uma estrutura político-administrativa centralizada e bem definida, na África e nas Américas. A Grã-Bretanha conquistou a Índia (1911) e países europeus repartiram a África entre si. Muitas das regiões invadidas converteram-se em economias agroexportadoras, permanecendo em estado de subdesenvolvimento, agravado pelo empobrecimento de suas populações, muitas vezes incentivadas a lutarem entre si.

Mas Estados também podem perder territórios por fatores internos. Guerras civis com propósitos separatistas sempre aconteceram. Houve vitórias, derrotas, violência, acordos e concessões, da Guerra Civil Americana (1861–1865) à Guerra Civil Espanhola (1936–1939), por exemplo.

O fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas desmontou toda a estrutura construída pelos russos depois da Segunda Guerra. Conflitos se estenderam pelos anos 1990 e 2000 e chegam aos dias atuais, com a guerra causada pela invasão russa da Ucrânia em 2022, ainda sem conclusão.


Hoje, no Brasil, o crime organizado disputa territórios. No Rio de Janeiro, 22% da população vive em favelas. Na região metropolitana, 1.702.073 de pessoas moram em “assentamentos subnormais”, como define o governo, o que corresponde a 14,4% da população da metrópole. Muitas dessas áreas são dominadas por facções criminosas. Em São Paulo, a população paulistana em favelas é enorme, superando até mesmo a carioca.

Quando um território é controlado por uma facção criminosa, as forças de segurança estatais ficam em dificuldade para agir. Alguns de seus integrantes podem formar milícias, igualmente pouco controláveis, outros podem ser corrompidos pelo crime. É o que acontece hoje em cidades brasileiras, como mostraram os acontecimentos ocorridos no final de outubro nos morros do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro.

O crime organizado apossa-se de um território mediante atividades que parecem copiar os piores procedimentos do imperialismo capitalista: instalação de operações financeiras rentáveis, oferta de serviços ilegais, Tv a cabo e internet, combustível, controle armado das fronteiras, submissão da população, exploração e corrupção da força de trabalho local. Formam verdadeiras “plataformas de prestação de serviços”, nas palavras do secretário de Segurança do RJ, Victor dos Santos.

São coisas que foram sendo plantadas lentamente, sem que o verdadeiro “dono da terra” se desse conta, se importasse ou conseguisse impedir. Com o dinheiro arrecadado por suas atividades, as facções foram cooptando e corrompendo setores das forças estatais encarregadas da segurança e da justiça. Infiltraram-se em toda a política – eleições, candidatos, suporte parlamentar, assessorias ao Executivo.

No caso de um território subnacional – uma região, um bairro, um morro, uma favela – ser apropriado por uma facção criminosa, o que se espera que o Estado faça? Que tente recuperá-lo, trazê-lo de volta ao seu controle, forçar a saída de seus ocupantes ilegais e devolver a área ocupado aos moradores. Preferencialmente, sem uso da violência. É a opção mais óbvia, e a mais complexa. Como fazer isso?

Especialistas e agentes de segurança falam em duas opções típicas: a retomada e a ocupação. A primeira implica em pegar de volta o território perdido e expulsar os invasores, se necessário à força e com uso da violência. A segunda prevê um caminho gradual, que impregne a área ocupada com serviços (saúde, educação, cultura), policiamento ostensivo, proteção patrimonial. Teoricamente, não há um oceano separando as duas opções. Se os serviços organizados aos poucos são inviabilizados por bloqueios ou ações armadas, pode-se imaginar que a resposta terá de encarar algum tipo de enfrentamento policial. Por outro lado, os propositores da retomada violenta podem aceitar que se organizem simultaneamente atividades comunitárias.

Na prática, porém, não funciona assim. As opções se cruzam com posicionamentos políticos, aspirações eleitorais, ideologias. A retomada violenta fica sendo a praia da “direita”, a ocupação passa a ser lema da “esquerda”. Assim polarizado, o problema não avança, o entendimento fica paralisado.

Há, evidentemente, saídas. Mas nada acontecerá no curto prazo. Boas leis podem ajudar, assim como melhor treinamento policial. Mas como fazer boas leis se os poderes de Estado continuarem a falar línguas diferentes? A cooperação é mais retórica do que efetiva. Polariza-se para definir se crime organizado é terrorismo ou se suas ações são terroristas, se as penas devem ou não ser aumentadas, o que fazer com policiais corruptos, se a atribuição é federal ou estadual, se deve ou não haver participação da Polícia Federal e do Ministério Público. É um emaranhado, técnico, político, jurídico, judicial, e ninguém aparece para desfazer.

Qualquer solução irá requerer múltiplos procedimentos. Como tem repetido o ex-ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, há duas gigantescas pedras no caminho. Uma é a ausência de uma força nacional de combate ao crime organizado e o descaso estatal sistemático com a segurança pública. Outra é o sistema prisional, que, superlotado e mal estruturado, funciona como verdadeira “escola do crime”. Isso para não falar na glamourização do crime e do bandido, que captura muitos jovens, na rápida expansão das facções, na sua internacionalização, sua profissionalização e seu funcionamento digital.

O desafio, portanto, é sanar essas deficiências e obter consensos entre as forças políticas, as ONGs e os movimentos sociais sobre as modalidades a serem seguidas para recuperar os territórios dominados, ou seja, devolvê-los às comunidades que neles habitam. Convenhamos, não é nada fácil.