quarta-feira, 28 de dezembro de 2016


Sempre atrasado

Só há um dia em que a crônica coincide com o evento. É na Quarta-Feira de Cinzas, aquele tremendo dia que finaliza o carnaval, ressuscitando-lhe a origem religiosa, pois a primeira quarta-feira da quaresma é o dia em que imitávamos os velhos costumes fúnebres judaicos, levando cinzas na testa e rasgando fantasias carnavalescas.

Cinzas, comedimento, disciplina, abandono da carne (carne levare), símbolo de sensualidade pecaminosa e fugaz, demarcavam o ano de um velho antigamente. Só os idosos lembram-se disso. Do carnaval europeu havia só a época ritualizada — entre o advento e a quaresma —, pois, no nosso, o clima era de verão, e essa festa orgiástica tornava-se obrigatória pelo imenso poder da Igreja Católica com suas quase diárias festas religiosas, que fabricavam calendários e o próprio tempo. Esse tempo invisível que só existe quando é aprisionado por festas. Esses traumas de saudade.

Escrevo hoje — num domingo natalino — a crônica a ser desembrulhada na quarta. Ela nasce do meu desejo de que todos tenham passado um Natal feliz. Uma trégua necessária de um ano tão áspero. Um ano quase sem Papai Noel, quanto este 2016.
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Quando foi que eu deixei de acreditar em Papai Noel? Tinha meus 12 anos quando Fernando e Romero, os gêmeos que seguiram ao meu nascimento, antecipando Ricardo, Renato e Ana Maria, descobriram no misterioso e intocável gaurda-roupa do pai pacotes vestidos de papéis natalinos. A roupa que denuncia regalos. Os papéis especiais que fazem os presentes. Pois basta embrulhar para que o mais comum vire o mais precioso ou o mais escuso. O embrulho acusa intensidade, desejo, intenção, solidariedade — amor. Essa palavra reprimida ou excessivamente usada neste nosso mundo pós-moderno.

— Papai Noel não existe! Papai Noel é papai — anunciaram a descoberta transformadora.

Ricardo e Renato, que eram ainda crianças, duvidaram. Nós, maldosamente, insistimos, porque não há nada melhor do que o primeiro momento de uma desmistificação. Até que uma outra apareça.

A escova de cabelo de mamãe virou palmatória e resolveu o assunto. Mas ficou em mim um resto de Papai Noel negado pelo meu lado descrente, o qual afirma ser a negação uma paradoxal e potente crença.
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Meu pai chamava-se Renato e, além de um filho, ele também nomeou meu filho mais novo de Renato. Foi ao cartório sozinho e registrou o seu natalício, passando o próprio nome ao novo netinho.

A mãe estava na maternidade, mas onde estava o pai?

O pai estava tentando entender a organização social dos índios apinayé em pleno sertão goiano, uma tarefa equivalente a encontrar Papai Noel. No dia 27 de fevereiro de 1967, Celeste, supergrávida de Renato, deixou a aldeia com Rodrigo e Maria Celeste, fingindo que as rebarbas dos meus projetos profissionais eram banais. Essa amorosa atitude ajudou-me a pagar o preço por uma antropologia que me levou a muitos lugares maravilhosos, mas impediu que visse o Natal do último ser humano que trouxe a esse fabuloso e complicado mundo.

Renato nasceu no dia 11 de março, mas eu só fiquei sabendo numa carta recebida no dia 29. Só fui ver meu filho quando, atrasado, cheguei ao Rio numa quarta-feira, 12 de abril, depois de mais de 24 horas comendo poeira vermelha dentro de vários ônibus. Atrasado, sempre atrasado nas ideias, no modo de ser, numa autonomia inaceitável neste Brasil onde ter uma turma pode ser tudo ou nada.
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Antes de saber quem realmente era Papai Noel, eu atinava com a ambiguidade de sua figura. Como acreditar em presentes se na nossa rua tinha gente que, como eu, ganhava bicicleta, e outros que nada recebiam?

A resposta não veio de nenhum usual suspeito teórico, mas do coração sofrido do compositor popular Assis Valente que, em 1933, compôs “Boas Festas”, em flagrante contraste com a plenitude alegre de “We wish you a merry Christmas” (que um arranjo de 1935 trocou o we por um individualista I) e o famoso “White Christimas”, de Irving Berlin, escrito em 1942, em plena Segunda Grande Guerra. Música carregada de nostalgia, mas sem o paradoxal realismo poético do nosso “Boas Festas”, que simplesmente pede a Papai Noel uma felicidade que ele não pode dar.

Talvez porque, como se descobre com atraso, ela seja um dos presentes mais desejados de um mundo injusto e difícil: “Eu pensei que todo mundo/ Fosse filho de Papai Noel/ E assim felicidade/ Eu pensei que fosse uma brincadeira de papel/ Já faz tempo que eu pedi/ Mas o meu Papai Noel não vem/ Com certeza já morreu/ Ou então felicidade, é brinquedo que não tem...”

Roberto DaMatta

Deu a louca no Tio Sam?

Há uma semana, uma bomba de hidrogênio desabou sobre nossas cabeças, já suficientemente perturbadas por informações desastrosas, como a quebradeira generalizada de empresas brasileiras, os 12 milhões de trabalhadores desempregados e a calamidade financeira decretada por três unidades da Federação. O acordo de leniência da Odebrecht e da Braskem, anunciado pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e pelo Ministério Público Federal em Brasília na quarta-feira passada, indica o que aconteceu nestes trágicos trópicos durante os últimos 15 anos e ao alcance dos narizes absolutamente insensíveis dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

A afirmação recebeu o aval internacional do Departamento de Justiça (DoJ) da maior potência nuclear, militar, econômica e política do planeta, após a devassa do pagamento de US$ 1 bilhão (R$ 3,4 bilhões) em propinas pela empreiteira e sua subsidiária petroquímica. No Brasil (com dois ex-ministros de Estado, três parlamentares e dois membros do Poder Executivo hoje, cuja identidade não foi revelada) e em mais 11 países. Além da quantidade do suborno pago por privilégio em contratações e superfaturamento de obras e serviços, a revelação inova no Direito Penal, ao revelar que a vítima, a petroleira estatal, é também autora do furto bilionário, de vez que é sócia da signatária dos acordos na empresa que pagou “o maior suborno da História”.

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É de observar que a investigação empreendida pelos americanos e pela Suíça, parceira na devassa e signatária da leniência, trata apenas da atuação do tal Departamento de Operações Estruturadas, justamente apelidado de Departamento da Propina, da maior empreiteira do Brasil. Como todo brasileiro bem informado soube pelo noticiário cotidiano, suas concorrentes OAS, Andrade Gutierrez, Engevix, Carioca Engenharia e outras são acusadas de participação num “cartel” que esvaziou os cofres públicos do País durante os desgovernos Lula e Dilma, do PT.

Lula apareceu no noticiário na semana passada para comunicar à Nação espoliada que as acusações a que responde à Polícia Federal e na Justiça dão uma ideia do “grau de loucura que (sic) chegou a Lava Jato na sua perseguição contra o ex-presidente”.

Então, deu a louca no Tio Sam, foi? Não faltarão, é claro, sandices do gênero para os advogados do ex incluírem na sua estratégia suicida de defesa a hipótese de que agora ficou provado que os EUA lideram a conspiração para retirá-lo da próxima disputa presidencial hoje ou em 2018, confirmando pesquisa do Datafolha que o considera favorito no primeiro turno da disputa pela Presidência, só perdendo no segundo para Marina Silva, que foi ministra dele.

Isso não resiste à lógica rasteira. O citado responde a três juízes federais – Marcelo Leite e Vallisney de Souza Oliveira, em Brasília, e Sérgio Moro, em Curitiba, na primeira instância – por crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa, ocultação de patrimônio e outros, na companhia de parentes: a esposa, dois filhos e o sobrinho da primeira mulher. As denúncias foram feitas pela força-tarefa da Lava Jato, chefiada pelo procurador Deltan Dallagnol, e também pelo Ministério Público Federal em Brasília, sob o comando do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que mandou para Teori Zavascki, relator no Supremo Tribunal Federal (STF), o dito “processo-mãe” do petrolão, que talvez melhor fosse definido como malvada madrasta.

Lula, como Dilma, também reclama das delações premiadas, que, segundo ele, “tiraram da cadeia pessoas que receberam milhões de reais em desvios da Petrobrás”. Entre eles, figuram o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, que chamava de “Paulinho”, e o ex-senador Delcídio do Amaral, ex-líder do governo Dilma no Senado. Sem falar em Marcelo Odebrecht, que ainda está na cadeia.

É fato que a colaboração de apenados pelo Código Penal nas investigações da Polícia Federal e do MPF foi autorizada em lei assinada por Fernando Henrique e seu ministro da Justiça Renan Calheiros, alcunhado de “Justiça” nas planilhas que constam da proposta de delação premiada de 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht. A depender da homologação de Zavascki e de novos depoimentos deles, a Nação saberá até que ponto Lula, acusado pela força-tarefa de chefiar o “quadrilhão”, efetivamente se comprometeu pessoal, partidária e familiarmente naquele assalto generalizado.

Até lá, é possível ter uma ideia do alcance internacional dessa prática danosa e também da necessidade de acompanhar os ianques na exemplar transparência que eles demonstraram no cotejo entre o que já sabem e, infelizmente, o brasileiro, que pagou a conta pesada, ignora, mercê disso. Dilma Rousseff e seu ministro da Justiça José Eduardo Martins Cardozo assinaram um documento legal que atualiza a prática da colaboração negociada de réus, antes de ela afirmar que os despreza. Mas cruzar este deserto entre o acesso aos fatos pelos agentes americanos e o sigilo, que mantém a cidadania aqui impedida de enxergar toda a verdade, ainda depende de um aperfeiçoamento legal que possa restituir a isonomia ao conhecimento do delito real. Pois esta ainda está para atravessar o Rio Grande.

Outra revelação relevante dos americanos na devassa da grande corrupção tupiniquim constatou que a cooperação dos investigados não foi feita de boa vontade, mas por interesse em se livrar de parte das penas que teriam de cumprir para merecer a leniência. Conforme os investigadores, a Braskem só aceitou colaborar sem ressalvas após tomar conhecimento de que sua delinquência tinha deixado rastros. Sabemos, assim, que o arrependimento de praxe não revela boa-fé, mas esperteza. Tanto melhor! Convém dormir na mira, como fazem os atiradores de tocaia. Leniência não pode virar indulgência perpétua.

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 Igor Morski 

Boa vontade e coincidência

Sempre me impressionou a mensagem de Natal que os anjos trouxeram ao presépio. Além de glorificar Deus nas alturas, desejavam paz na terra aos homens de boa vontade. Uma clara restrição — os de má vontade ficavam de fora, que se guerreassem à vontade. Nesta data festiva, podemos nos lembrar disso e ter um pouquinho de boa vontade geral. Faz bem ao país. Pode ajudar na paz e na harmonia. Até mesmo porque, como lembrou a ministra Cármen Lúcia, a sociedade não pode correr o risco de descrer do Estado: “Ou a democracia ou a guerra”.

Seria bom substituir a cultura do confronto pela prática da conversa e a busca do entendimento. Buscar fatos e dados, tanto na memória histórica quanto na experiência alheia. Como são as coisas em outros países democráticos? Por que são diferentes? Com que efeito? Reflexões assim despertadas podem ajudar a entender melhor a reforma da Previdência, a do ensino, a flexibilização de leis trabalhistas e tanto mais. Disposição para aprender pode levar a saídas. Neste ano que se encerra, tivemos a oportunidade de aprender lições importantes. Como constatar que pressão pode funcionar. Ou que a irresponsabilidade tem consequências — seja no campo fiscal, seja na estupidez de querer voar com pouco combustível.

Nos últimos dias, um vazamento de delação da Odebrecht nos revoltou e exacerbou a má vontade geral, a juntar todas as revelações, como farinha do mesmo saco. Talvez não seja sábio compactuar com essa ideia de que é todo mundo igual e ninguém presta. Ou que toda doação para campanha eleitoral é sempre criminosa, sendo melhor que os financiamentos sejam públicos, por meio de um fundo partidário que cresce sem parar a cada novo orçamento e será distribuído pelos que controlam cada partido. Talvez seja preferível uma reforma política a baratear campanhas e fiscalizar financiamentos privados, exigindo transparência e punindo severamente qualquer irregularidade, sem possibilidade de anistias fajutas. Até lá, é melhor examinar de perto o que se relata e delata.

Até há pouco, doação de empresa para campanha era legal. Para candidatos individuais ou para partidos. Nesse caso, alguém era encarregado de receber e encaminhar à conta oficial. Mas tinha de ser declarado ao TSE. Então é só cotejar. Foi doação declarada? Nenhum problema. Mas se o que se delata como doado não bate com o que se declarou ao tribunal, há que investigar. Se o delator mente, é crime a ser castigado (infâmia, calúnia, difamação, sabe-se lá). Se há indícios de recebimento, é outro caso. No mínimo, recai em evasão fiscal e crime eleitoral. Para quem doou por fora, é sinal de que pretendia favores e queria corromper. Para quem recebeu, há pena de multa e risco de cassação.

Outro caso é de quem recebeu fora de campanha. Nada justifica, é preciso apurar com rigor. Tudo indica compra de votos no Congresso. Ou troca de favores. Ou tráfico de influência. O que se deu em troca? Projetos beneficiando quem pagava? A inserção de jabutis (que não sobem em árvore) nas forquilhas de medidas provisórias?

Pelo que surge nos primeiros relatos, muitos casos de pagamento se destinavam a comprar decisões legislativas e apoio para alguma MP especialmente concebida para beneficiar a empresa que pagava adiantado. Torna-se então imprescindível examinar a origem dessa MP. E aí se chega ao Palácio do Planalto, de onde vêm todas elas. Não dá para querer limpar a área sem chegar ao Executivo, o ninho em que foram concebidas e chocadas as MPs que beneficiavam as empreiteiras corruptoras. Fica inevitável examinar as digitais presidenciais bem como de ministros e altos assessores presidenciais. Só após redigidas é que elas batiam asas em direção ao Congresso. Já que essas medidas valiam tanto, como engolir a hipótese de que brotavam por geração espontânea, em coincidente identidade de propósitos entre a empreiteira e o Planalto? A corrupção só se exerceria na reta final? Não sejamos ingênuos, algo havemos de aprender quando pensamos. Se pensarmos, claro.

Em algum lugar sem mancha, reúnem-se às gargalhadas o Delegado Espinosa, o criminalista Mandrake, os detetives Hercule Poirot, Sam Spade, Philp Marlowe e Sherlock Holmes, e mais Arsene Lupin, Miss Marple, o Comissário Maigret, o inspetor Dalgliesh e todos os investigadores famosos dos romances policiais. Rolam de rir ao constatar que um país inteiro se contenta com essa hipótese ridícula, que lhe é servida diariamente a conta-gotas, até vencer pelo cansaço e se transformar em indiferença. Supõe imaginar que centenas de criminosos toparam cometer o mesmo crime de se vender, no mesmo modelo, no mesmo governo, para apoiar medidas que brotavam do mesmo nada, servindo a interesses muito específicos, vindas da mesma origem e criadas a partir de alguém que não tinha nada a ver com esse crime, mas ia tendo ideias em série, por iluminação súbita. Não é coincidência demais? Ou confusão de boa vontade com cegueira? A que projeto servia esse crime?

Ana Maria Machado

Não dá mais para tomar bola nas costas

Na última semana do ano vale voltar a um tema vital para o Brasil: a educação.

Neste campo, o país está mais para o vexame dado pelo time de Felipão naquela vergonhosa derrota de 7 a 1 para a Alemanha do que para a seleção de Tite com seu futebol vistoso.

Se os exames de avaliação internacional fossem um campeonato mundial, seríamos eliminados na primeira fase. E se fossem disputados em divisões, estaríamos na rabeira da terceira divisão, como ficamos no Pisa 2015, de responsabilidade da OCDE, principal exame de avaliação do planeta, que pauta e baliza políticas educacionais nos cinco continentes.

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Como técnicos medíocres, que dão desculpas esfarrapadas para as derrotas do seu time, segmentos do setor e da esquerda brasileira atribuem o fracasso da educação à escassez de recursos, apontando como elixir para a superação de nossas mazelas o aumento de investimentos na área.

Uma leitura apressada do PISA de 2015 poderia endossar tal concepção, com o argumento de que o Brasil investe bem menos daquilo que a OCDE considera como aceitável para educação. É verdade. O que os cartolas do corporativismo e da ideologização não revelam é que entre os dois últimos exames houve incremento de recursos para a Educação, mas os resultados colhidos em 2015 caíram em relação ao de 2012, assim como este tinha caído em relação ao exame anterior.

Como explicar esse paradoxo, pela grande incorporação de uma nova massa de alunos? Balela! No caso do ensino fundamental, sua universalização se deu ainda nos anos 1990, há mais e 16 anos. Já no ensino médio, não houve, nos dez últimos anos, inclusão tão substantiva assim, capaz de puxar para baixo a performance brasileira. De 2005 a 2015, ocorreu apenas um crescimento vegetativo dos alunos de 15 a 17 anos nas salas de aula; ou seja, de 81,6% para 86%, segundo dados da pesquisa Síntese de Indicadores Sociais do IBGE.

Ademais, há outra contradição a ser explicada: por que a Turquia, Uruguai, Bulgária, México, Tailândia, Montenegro e Colômbia destinam menos recursos por aluno do que o Brasil e, mesmo assim, obtiveram desempenho melhor no Pisa 2015?

Por aí, é impossível explicar o vexame.

Segundo o ministro Mendonça Filho, o orçamento da educação triplicou três vezes no período 2003-2015 e o desempenho brasileiro no Pisa ficou estagnado. Não houve salto qualitativo, para não falar em recuos. Nem é preciso ter uma mente brilhante para concluir que nos últimos quinze anos houve prioridades invertidas, como o Ciências Sem Fronteiras, a farra do FIES amplo, geral e irrestrito, ou má gestão, cujo caso mais emblemático foi o Mais Educação – programa federal para ampliação da jornada escolar –que, segundo o atual ministro, distribuiu dinheiro para o equivalente a oito milhões de alunos sendo que o Brasil tem pouco mais da metade disso - 4,3 milhões.

Vamos mal porque o time joga de improviso, adota a linha burra tão criticada por João Saldanha. Assim só podemos tomar bola nas costas, como a goleada que levamos no último Pisa, na qual nas três áreas avaliadas os alunos brasileiros até acertaram questões de múltiplas escolha, mas demonstraram profunda dificuldade em interpretar os dados e aplicar os conhecimentos teóricos a situações práticas no modelo de questões abertas.

Traduzindo para a linguagem futebolística: jogamos no velho e ultrapassado 3-2-5, enquanto países que dão show nos exames internacionais como Cingapura e Vietnam jogam numa tática moderníssima. Nosso ensino se estrutura aos moldes da revolução industrial, baseia-se na decoreba. O modelo dos vitoriosos combina o ensino tradicional com uma educação mais holística, na qual os alunos aprendem a relacionar as partes com o todo, a pesquisar e desenvolver seu senso crítico.

No mundo moderno, cada vez mais a memória fica nas máquinas e a inteligência nos homens. Faz toda a diferença a educação que se organiza à base dessa “divisão” de função, o que está longe de acontecer com o nosso ensino.

E há um alento: a nova comissão técnica do nosso time de educação entende do riscado e traçou uma estratégia acertada que inclui avanços no ensino fundamental, a reforma do ensino médio e a edição da Base Nacional Comum Curricular que vai definir o que os alunos devem aprender em cada ano e etapa, da creche ao ensino médio. Também estão mirando no exemplo de países onde os professores são escolhidos entre os melhores alunos, têm cursos de formação com muita prática sobre a arte de ensinar e há um monitoramento permanente da aprendizagem dos estudantes. Ou seja, o foco é o aluno.

É com muito trabalho - e torcida para que os perna-de pau do corporativismo e do ideologismo não façam gol contra - que podemos progredir para a primeira divisão mundial da Educação.

Um pouco de alegria

James Cagney e Bob Hope em " The Seven Little Foys" (1955)

Idiota é quem pensa que o outro é burro

 
O acúmulo de reincidências —do petrolão aos confortos bancados por terceiros— é um atentado contra a paciência alheia. O problema não é a idiotice das notas do Instituto Lula. O que incomoda é a tentativa permanente de fazer a plateia de idiota 
Josias de Souza 

O democraticídio

Um assunto mal resolvido pela esquerda brasileira é a questão democrática. Mesmo o falecido Carlos Nélson Coutinho, autor de a Democracia como valor universal, um dos fundadores do PSol, ficou no meio do caminho quando pôs um pé atrás em relação à democracia representativa. “Nada disso impede, contudo, que na teoria liberal moderna (que foi inteiramente assimilada pela hodierna social-democracia) se continue a afirmar que democracia é sinônimo de pluralismo e que a defesa da hegemonia de uma classe ou conjunto de classes é, por sua própria natureza, sinônimo de totalitarismo e de despotismo. A teoria socialista deve criticar a mistificação que se oculta por trás dessa formulação liberal: deve colocar claramente a questão da hegemonia como questão central de todo poder de Estado.”

Essa é a essência do pensamento dos setores de esquerda que insistem em classificar o impeachment da presidente Dilma Rousseff como um golpe de Estado e, a partir disso, buscam refúgio político junto à opinião pública. Pouco importa o que houve de errado, seja na condução da política econômica ou nas políticas sociais dos governos Lula e Dilma, seja quanto à roubalheira inacreditável que se instalou na Petrobras, nos fundos de pensão e na administração direta. A questão central é a luta pelo poder. Fazer autocrítica dos erros seria “dar munição aos golpistas”, ou seja, àqueles que apoiaram o impeachment. Assumir os crimes contra o patrimônio público, então, nem pensar. O que importa é passar uma borracha no passado e transformar essa linha divisória numa retinida da boia salva-vidas.

Eis a teoria: à democracia liberal, na qual a burguesia disfarça sua dominação por meio do “isolamento” e da “neutralidade” da burocracia estatal, deve se contrapor à “democracia de massas”, na qual uma nova burocracia, de baixo para cima, exerceria a hegemonia dos trabalhadores, para superação efetiva da dominação de uma restrita oligarquia monopolista. Como se deu na prática: conferências, conselhos e outros instrumentos de participação foram instrumentalizados para cooptar os movimentos sociais e legitimar a aliança da “nova burocracia”, formada por militantes políticos e sindicalistas, com as oligarquias políticas e empresas monopolistas, que tomou de assalto as estatais e fundos de pensão e construiu um pacto perverso para superfaturar contratos de obras e serviços e financiar a reprodução da sua hegemonia. Em nenhum lugar do mundo a esquerda praticou uma política tão monopolista, muito menos entregou na bandeja as políticas sociais universalistas aos grandes interesses privados, para se locupletar com dinheiro público e sedimentar sua base eleitoral junto aos mais pobres e desorganizados, numa espécie de neopopulismo.

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“Nessa democracia de massas, a dialética do pluralismo — a autonomia dos sujeitos políticos coletivos — não anula, antes impõe, a busca constante da unidade política, a ser construída de baixo para cima, através da obtenção do consenso majoritário; e essa unidade democraticamente conquistada será o veículo de expressão da hegemonia dos trabalhadores”, propugnava Coutinho. Aconteceu o contrário.

Ocorre, porém, que o Brasil já é uma democracia de massas, com todos os defeitos que possam existir no nosso sistema eleitoral e partidário. Nosso sistema eleitoral é o mais eficiente do mundo, com eleições livres e à prova de fraude, cujos resultados são apurados no mesmo dia da votação. Isso não significa que os eleitos tenham poderes imperiais, acima da lei. Há mecanismos constitucionais para coibir os abusos e apear do poder aqueles que não se conduziram de acordo com as regras do jogo, ou seja, com responsabilidade. O que houve com a presidente Dilma Rousseff em nada foi diferente do que ocorreu com o presidente Collor de Mello. Utilizaram-se os mesmos mecanismos para afastá-la do poder, por decisão do Congresso homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Michel Temer assumiu o poder porque eleito pelas forças que hoje se arrependem de tê-lo escolhido para vice-presidente da República. Era o substituto legal da presidente afastada do poder. Não foi a antiga oposição que o escolheu, embora agora tenha a obrigação moral de apoiá-lo até as eleições de 2018. Temer assumiu um país arruinado por uma política econômica desastrosa, comandada por governantes e empresários temerários, que se achavam acima do bem e do mal.

Mas onde está o democraticídio? Em primeiro lugar, no fato de que o governo Temer responde aos mesmos questionamentos que o governo anterior quanto à recessão e ao desemprego, embora não seja responsável por isso. Em segundo, porque também sofre as consequências da crise ética, na medida em que avança a Operação Lava-Jato. Terceiro, porque essa situação estressa as relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário, que precisam tomar decisões complexas e duras em relação às duas variáveis anteriores. Finalmente, porque os setores que adotam a narrativa do golpe não estão nem aí para os riscos de um colapso institucional. Querem apenas desestabilizar o processo, para não ter que explicar seus próprios erros; em alguns casos, nem pagar pelos crimes que cometeram.

Lula, laranjas e a quinta ponta do tapete

Lá pelo final dos anos 80, tempo de fugazes trombadinhas e corruptos de pouca monta, os escândalos sob investigação desembocavam, quase sempre, em um sujeito qualquer, desprovido de poder, recursos e notoriedade. "Mas esse sujeito aí, humilde Zé Ninguém, é o pivô do cambalacho?", perguntavam-se os primeiros repórteres ou investigadores a chegar até ele. Claro que não. O sujeito era, apenas o laranja da história. O figurão estava sempre um ou dois passos além.

Já vivemos períodos assim, em que os corruptos, envergonhados, se escondiam atrás de seus laranjas. Com o tempo, inclusive, começaram a aparecer os profissionais, dotados de raras e bem remuneradas habilidades. Ser laranja exigia simultânea combinação de discrição e audácia. E lealdade. E comprometimento. Um bom conjunto, como se vê, de virtudes indispensáveis ao sucesso e à sobrevivência pessoal. Laranja safado, ou que andasse com o umbigo de fora, perdia o emprego. Laranja de amostra não era um bom profissional.

Narrou-me certa feita uma professora que ao formular aos alunos a clássica pergunta - “O que vocês pretendem ser quando forem grandes?” – as respostas “Laranja, professora”, ou, simplesmente, "Corrupto professora", quase empatavam com a resposta “Jogador de futebol, professora”. A gurizada já sabia onde se decidiam os grandes negócios. O laranja exercia uma atividade quase metafísica. Num mundo onde a maior parte parecia não ser, mas era, o laranja parecia ser, mas não era. Ele agia pelo cós das evidências. Quando uma CPI deitava a mão sobre o laranja do caso, e começava a espremê-lo, surgia imediatamente um problema de classificação das espécies que nem o velho Spencer conseguiria resolver. Esse laranja é um laranja de primeira, segunda ou terceira geração? Ele tem o seu próprio laranja ou é laranja de alguém?

Foi assim por bom tempo, até que a vergonha sumiu de vez e os laranjas perderam seus empregos, sendo substituídos por simples e bem-humorados apelidos nos cadernos dos corruptores: Amigo, Todo Feio, Caju, Índio, Angorá, Italiano, Campari, Velhinho e por vai. Anonimato guardado a sete chaves na cabeça de quem só procederia às decodificações após um aprendizado de boa vontade e colaboração na carceragem da PF de Curitiba.

Eis que surge, agora, uma nova série de apelidos que vem suscitando especulações e a exigir decodificação. Um acordo de colaboração entre as autoridades brasileiras, norte-americanas e suíças, descreve as atividades criminosas de nove "Brazilian Officials" identificados em investigação promovida pelo Departamento de Justiça dos EUA nos negócios da Odebrecht e da Braskem. Quando a gente pensava que a Lava Jato já tivesse arrancado todo o tapete que encobria o submundo financeiro da política brasileira, surge uma quinta ponta, desvelando seus desdobramentos internacionais. E dele emerge, grafado em inglês como "brazilian official", um certo cavalheiro também conhecido como Amigo e amigo do peito de generosos laranjas dos quais jamais abriu mão.

Percival Puggina 

Paisagem brasileira

Rio Piabanha (1904), João Batista da Costa

Receita de Ano Novo

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 Igor Morski 
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade ("Jornal do Brasil", dezembro/1997)

Perdas e perdas de 2016

Talvez este artigo represente quase todos os brasileiros. Quase todos – porque, em um país como o nosso, há os que não perdem nunca, há os que sempre escapam de perder e há os que, entre mortos e feridos, acabam por se locupletar. O resto se dana. Penso nos que se danaram e nos que se importam com os que se danaram.

Primeiramente, as perdas pessoais: desemprego para tantos; decomposição das famílias por simples (simples?!) motivo de uns gostarem do azul e outros do amarelo. E quando a política e a economia azedam, a coisa fica complicada. Mudanças de vida, desejadas há muito tempo e agora nem tanto. Amigos que se estranham porque cada um tomou um lado das polarizações da vida política ou institucional.


No meu caso, porque escrevo, tenho um leitor que pega no meu pé no caso do governador de Minas, sendo que foi o leitor quem não leu meu artigo sobre o caso, publicado neste O TEMPO no dia 12.10.2016 sob o título “Vitória de um, derrota de todos”.

Não vou ficar batendo numa tecla só, nem por rancor, nem por desprezo. A vida não espera a gente, e atrás sempre vem mais gente.

Depois, as perdas sociais, políticas e econômicas. Pus no fim as econômicas porque neste mundo do “rei mercado” tudo começa (e parece acabar) na economia... Mas tem escaramuças entre instituições, no interior de cada uma delas, e essa sensação de que o mundo inteiro está despencando no abismo. Abismo sideral – fica uma frase linda, mas o que dizer das vítimas de Aleppo, dos refugiados que morrem no mar Mediterrâneo, das feiras de Natal (tão lindas, tão comoventes) das ruas de Berlim, atropelada uma, recentemente, pela estupidez do Estado Islâmico?!

Que fazer contra o preconceito nas redes sociais que perseguem a linda menina negra adotada pelo casal de artistas? Mesmo se ela fosse feia, ela é gente como eu, como você, como todos nós. Agora a (re-descoberta da) violência contra as mulheres, quando se faz uma campanha e mulheres chiques, atrizes e modelos expõem os hematomas de multidões de mulheres do Brasil – não, do mundo afora...

Àqueles para quem eu gostaria de escrever nem vão ler este jornal, porque a vida deles é difícil demais. Nada possuem.

Passaremos este Natal e Ano-Novo recolhidos.

Nada temos a comemorar entre os que ruidosamente lotam as ruas de comércio popular ou os shopping centers fazendo de conta que estão bem. Desde o Carnaval passado, em Belo Horizonte, percebo um certo frenesi incontido nas pessoas, cada um querendo se acabar porque sente que talvez não tenha amanhã. Dia desses, num restaurante, a algazarra parecia o filme Cabaré” de antes da Segunda Grande Guerra...

Não, leitor, não tenho como desejar boas festas. Festa não há!

Toma que o filho é teu

Está bem, todos concordamos que os políticos brasileiros são, em grande maioria, um bando de safados e incompetentes. Há exceções, claro, mas eles pouco aparecem, mas quando surgem nos fazem ainda acreditar na espécie humana.

Escrevi no título um verso de “Nêga maluca”, samba de Fernando Lobo e Evaldo Rui (carnaval de 1950), porque acabei de saber que o custo de manutenção do Parque Olímpica é da ordem de 17 milhões de reais, razão pela qual a prefeitura passou o trambolho para o governo federal. Que aceitou. Quando digo que desisti de entender o Brasil, amigos próximos me olham desconfiados. Acho.

A Copa e as Olimpíadas foram duas loucuras da era petista-peemedebista. Foram construídos estádios (hoje, chamam de arenas, mas eu me recuso) em lugares onde não há futebol. Brasília, por exemplo. O público médio em partidas de futebol entre os clubes da capital é inferior a 1.500 espectadores – possivelmente depressivos em fuga, pois o futebol daqui é pior do que nós, meninos, jogávamos no colégio.

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O estádio brasiliense, que custou um bilhão e meio, custa, em manutenção mensal, algo em torno de um milhão de reais aos combalidos cofres do governo. Imagino quanto custam os estádios de Salvador, Cuiabá, Manaus, entre outros. O Maracanã, o velho Maraca dos geraldinos e arquibaldos, perdeu o charme, a graça e a luz própria que possuía. Pobres e negros deixaram de ir ao Maracanã.

Agora, ponhamos a mão na consciência – e pensemos. O povo brasileiro, em especial o carioca, tem lá sua parcela de culpa. Bem, em termos, afinal o povo não tinha como saber o que os estádios, as construções olímpicas, as facilidades de crédito, que permitiram compras de carros, eletrodomésticos e o escambau, tinham por trás. Certo, os indícios eram quase palpáveis – e o que veio depois nós estamos sentindo na pele, no estômago e na cuca. A fila de funcionários e aposentados em busca de uma providencial cesta básica me fez pensar no fim do mundo. Pensei que estivéssemos num país africano, daqueles em que a Cruz Vermelha distribui comida aos nativos.

O que mais me incomoda é a insensibilidade e a cegueira política do PT, PCdoB, entre outros grupamentos jurássicos, como CUT, MST, MTST. Esperar dessa gente uma autocrítica e o reconhecimento dos seus erros é inútil, pois isto o fazem lembrar dos processos de Moscou, nos quais a autocrítica e o reconhecimento de erros antecediam o assassinato – via tiro na nuca. Pelo menos deviam ficar calados, mas preferem fazer alaridos e escândalos.

Hoje, estamos pagando pela incompetência, roubalheira e loucura da era petista, que muita gente apoiou porque o marketing e as facilidades criadas (em nome de ficções econômicas) eram permanentes e convidativas. Muita gente se endividou. Estados se endividaram, municípios se endividaram.

Termos saída? Eu creio que sim, mas o brasileiro precisa reconhecer, afinal, quem é de fato – e não o que pensa que é. Seria um começo – ou um recomeço.