domingo, 15 de maio de 2022

Brasil da mentirinha

 


Terremotos e recessões

Os terremotos têm certa similaridade com as recessões. Enquanto terremotos sacodem o terreno e deixam um rastro de destruição, recessões sacodem os pilares da economia, paralisam negócios e geram desemprego, pobreza e quebradeira de empresas. Logo em seguida vêm as réplicas, ou terremotos secundários, de reacomodação do terreno. Mas, aqui, há uma dissimilaridade importante entre eles. Diferentemente dos terremotos, os efeitos secundários das recessões podem ser sentidos mais por uns grupos da sociedade do que por outros. Ou seja, as recessões podem não ser neutras, o que se deve à forma como os efeitos das recessões se distribuem no interior da economia e à estrutura produtiva e dos mercados.

Evidências empíricas para países em desenvolvimento mostram que vários dos efeitos negativos das recessões não são totalmente neutralizados durante as recuperações e, desta forma, pode restar uma espécie de “saldo de destruição”. A modo de exemplo, a taxa de crescimento do índice de Gini, que mede o grau de concentração da renda, aumenta mais durante períodos de recessão do que diminui durante períodos de recuperação econômica. Ou seja, recessões podem levar a desigualdade para outro patamar. Participação das mulheres no mercado de trabalho, taxa de desemprego estrutural e indicadores escolares estão entre os vários indicadores que podem capturar aquela destruição.

Evidências empíricas identificam alguns dos canais de transmissão dos efeitos secundários das recessões. Um deles é a inflação, que pode ser mais elevada durante períodos de desaceleração do que durante períodos de recuperação econômica, corroendo principalmente as rendas de grupos mais vulneráveis. Outros canais incluem a deterioração da qualidade e disponibilidade de serviços públicos, como educação e saúde, e a reação assimétrica do emprego formal durante recessões e recuperações. Como os grupos mais vulneráveis são mais dependentes de serviços públicos e das condições do mercado de trabalho, então eles são mais penalizados por aqueles efeitos secundários.


Outros canais de transmissão incluem o aumento da concentração da posse de ativos e a maior aversão a risco pelo sistema financeiro, limitando ainda mais o acesso dos pobres e das pequenas empresas a instrumentos financeiros. Recessões seriam, portanto, uma espécie de “fábrica de desigualdade e de pobreza”.

A reação assimétrica às fases do ciclo econômico ajuda a explicar o porquê de indicadores sociais avançarem mais lentamente em países com “terrenos mais expostos a sismos” e o porquê de desigualdade e pobreza serem mais persistentes naqueles terrenos.

Parece que a recessão que acompanhou a pandemia deixará cicatrizes sociais profundas. Embora preliminares, evidências apontam para uma calamidade. Considere indicadores como aumento do desemprego estrutural entre jovens; diminuição da taxa de atividade no mercado de trabalho entre jovens e mulheres; aumento dos níveis de miséria e pobreza; e aumento das brechas digitais entre ricos e pobres.

E considere, ainda, aquele que talvez seja um dos mais devastadores efeitos secundários da recessão da pandemia, que é o significativo atraso de aprendizagem entre crianças e entre jovens, em especial de escolas públicas, o que, provavelmente, terá implicações econômicas e sociais permanentes.

Quando a economia global começava a ensaiar recuperação da recessão da covid eclodiu a guerra da Ucrânia, que está levando à desaceleração do crescimento e ao aumento da inflação, em especial de alimentos. Para a América Latina, uma das regiões mais golpeadas pela recessão da pandemia, e que já vinha crescendo lentamente desde o fim do boom das commodities, por volta de 2013, as projeções de crescimento não são nada animadoras. O FMI indica que a região experimentará crescimento abaixo do crescimento mundial em 2022 e 2023 e, ainda mais preocupante, que a renda per capita em vários países seguirá estagnada ou até declinará, o que se somará à estagnação que já se observava em anos anteriores à pandemia. Já se fala de uma nova recessão global, mas, agora, num contexto ainda mais complexo, com fadiga fiscal, elevado endividamento público e privado, incertezas geopolíticas e agravamento da crise climática.

Como evitar que as recessões tenham efeitos secundários profundos? A melhor medicina é a promoção do crescimento econômico, a diversificação produtiva, a produção de bens e serviços de mais alto valor adicionado e o fortalecimento do setor privado com tecnologia, inovação, competitividade, produtividade e inserção internacional. Mas, uma vez que o terremoto chega, então é necessário sacar medidas que evitem seus efeitos sociais prolongados.

O que fazer? Os caminhos são muitos, mas uma política adequada deveria considerar medidas de assistência focalizadas em grupos mais vulneráveis e mais expostos a sismos, com proteção de áreas como educação, saúde e nutrição; a manutenção de serviços públicos essenciais; e a introdução de programas temporários de transferência de renda. Para micro e pequenas empresas, que são as grandes empregadoras da massa trabalhadora de renda baixa, é preciso ativar instrumentos de acesso a crédito e garantias, que deveriam vir atados a agendas de educação financeira, melhoria de gestão, capacitação laboral, digitalização, inovação e aumento da produtividade.

Muito se avançou nas áreas econômica e social na região nos últimos anos, mas ainda é cedo para se dar por vencida a guerra contra os efeitos das recessões nos indicadores sociais. Ao que parece, essa jornada ainda será longa e vai requerer muito engajamento, compromisso, planejamento e políticas ativas.

Senhor

Hoje amanheci insatisfeito.
O pão estava amargo
e até o jornal que leio
todos os dias me pareceu de
uma insipidez atroz.
De repente, Senhor, lembrei-me
dos que não leem jornais –
mas os usam para embrulhar
restos de pão que os paladares
amargos deixam no prato
após uma noite insatisfeita.
Como deve ser delicioso
esse pão, Senhor,
depois que tu o adoças com
tua própria boca!

Jamil Snege

Bolsonaro perdeu o rumo e passa a improvisar

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é um candidato calejado e com sangue nos olhos, que se movimenta estrategicamente para voltar ao poder. Se as eleições fossem hoje, poderia até vencer no primeiro turno, conforme nos revelam as pesquisas. Bastaria que os votos do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) fossem lipoaspirados pela polarização do petista com o presidente Jair Bolsonaro (PL), e que a chamada terceira via mantivesse a atual dispersão de forças.

As pesquisas mais recentes mostram que Bolsonaro continua com uma rejeição acima de 60% e não consegue ultrapassar os 30% de intenções de voto. Nos cenários de segundo turno, Lula venceria o presidente com uma vantagem em torno dos 20%. O desgaste de Bolsonaro no confronto com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) barrou seu crescimento, somando-se à mitigação, pela inflação, dos efeitos do seu pacote de bondades econômicas e sociais junto aos eleitores de baixa renda.

Um parêntese para Nicolau Maquiavel, o fundador da ciência política moderna, que viveu o esplendor da República Florentina (fundada em 1115), durante o governo de Lorenzo de Médici (1449 1492): segundo seu texto mais lido pelos políticos, O Príncipe, que trata da conquista e da preservação do poder, os governantes que chegam ao poder mais pela sorte (Fortuna) do que por suas virtudes (Virtù) têm mais dificuldade para manter seus domínios quando mudam as circunstâncias.


Bolsonaro fez um longo percurso para chegar à Presidência, no qual construiu anos a fio uma base resiliente e combativa, formada por corporações e grupos de interesse com os quais se identifica: militares, policiais, agentes de segurança, milicianos, grileiros e madeireiros, além de ruralistas. Entretanto, isso não bastava, nem basta, agora, para vencer as eleições.

Em 2018, foi fundamental também o apoio das igrejas evangélicas, capturando o sentimento de preservação da família unicelular patriarcal ameaçada pela renovação dos costumes, e o apoio de setores reacionários e conservadores da classe média tradicional, insatisfeita com a insegurança e perda de poder aquisitivo. Um episódio imprevisto, de grande efeito catalisador, fez de Bolsonaro um candidato imbatível: a facada que levou em Juiz de Fora (MG), que neutralizou a rejeição que sofria e reforçou a narrativa messiânica salvacionista de sua campanha.

Hoje, a situação é completamente diferente. Sua agenda em relação aos costumes, que tinha amplo apoio popular, resultou num enorme retrocesso cultural e pedagógico, que gerou grande ojeriza no mundo artístico e na intelectualidade. O negacionismo durante a pandemia e o fracasso da política econômica alavancaram sua rejeição na maioria da sociedade. No plano político, a aliança com o Centrão garantiu sua governabilidade, mas não resolveu o problema da qualidade de governança. O resultado é um governo pessimamente avaliado.

O cenário internacional muito favorável à sua eleição, com Donald Trump na Presidência dos Estados Unidos, e outros líderes de direita em países importantes da América Latina e da Europa, também mudou completamente. Trump perdeu a reeleição para o democrata Joe Biden, outras lideranças conservadoras se reposicionaram em relação à crise sanitária e às políticas econômicas ultraliberais. A guerra na Ucrânia coesiona o Ocidente contra a Rússia e cria um ponto de interrogação em relação à China, países sem os quais o agronegócio brasileiro entraria numa crise sem precedentes.

O fim da pandemia ainda não resultou num cenário favorável à reeleição de Bolsonaro por causa do desemprego, da carestia de vida e da falta de oportunidades, sobretudo para os jovens, agravadas pela recessão e alta de preços no mercado mundial, em consequência da guerra. As mesmas desigualdades que favorecerem Bolsonaro, em 2018, agora embalam a candidatura de Lula, cujos pontos fracos, principalmente os escândalos de corrupção envolvendo o PT, não estão tendo mais peso do que as promessas de retomada de seus programas de governo e a memória popular de suas políticas sociais.

Afora as pesquisas, o melhor termômetro eleitoral não está nas redes sociais, mas no carrinho de compra do supermercado. A economia é o ponto fraco de Bolsonaro, que perdeu o rumo com a inflação e, agora, improvisa. Seus factoides eleitorais podem virar um tiro no próprio pé, como essa história de vender a Petrobras, que surgiu de uma hora para outra para agradar o mercado financeiro e servir de cortina de fumaça em relação à alta dos preços dos combustíveis e uma maracutaia à vista: o megagasoduto interligando oito estados do Norte, Nordeste e Centro Oeste, um monopólio do empresário Carlos Suarez, que Bolsonaro e seus aliados do Centrão pretendem aprovar no Congresso.

Auxílio Brasil é retrocesso

O Brasil enfrenta hoje uma crise social das mais graves em toda a sua História. Políticas públicas intersetoriais e focalizadas no combate à pobreza são instrumentos fundamentais para contornar esse quadro.

O primeiro passo para essa agenda ser efetiva é um programa de transferência de renda que reduza a pobreza e diminua sua reprodução intergeracional. Felizmente, já tivemos um programa eficaz: o Bolsa Família.

Deveríamos aproveitar a experiência acumulada, corrigir eventuais falhas e avançar para um desenho que atenda aos desafios atuais. O Programa Auxílio Brasil, no entanto, se mostra um retrocesso frente ao seu antecessor.

Pedro Ferreira de Souza e coautores, em artigo publicado pelo Ipea em 2019, concluíram que o Bolsa Família consegue fazer muito com recursos orçamentários modestos.

Eles apontam que, entre 2001 e 2015, o grande mérito do programa foi justamente a qualidade de sua focalização, para além da sua efetividade na redução da pobreza (15%) e extrema pobreza (25%).


A efetividade do Bolsa Família é reconhecida internacionalmente. Em 2015, o Fundo Monetário Internacional (FMI) destacou em relatório sobre a economia brasileira sua contribuição para “redução da pobreza a um nível histórico”.

Em 2020, a OCDE recomendou, no documento Economic Surveys: Brazil, sua ampliação como uma das estratégias para enfrentamento dos efeitos da pandemia.

Não obstante, o programa necessitava de refinamentos no volume de recursos, na distribuição per capita do benefício e na atualização das famílias no Cadastro Único (CadÚnico). Será que o Auxílio Brasil contempla esses aprimoramentos?

É preciso reconhecer que, com a aprovação pelo Senado da Medida Provisória 1.076/2021, que garante de forma permanente o valor mínimo de R$ 400 para as famílias beneficiárias, o primeiro ponto é atendido.

O valor adicional totalizará um gasto anual de cerca de R$ 90 bilhões, próximo da estimativa de Naercio Menezes Filho, do Insper, para acabar com a pobreza entre as famílias com crianças de zero a seis anos e erradicar a pobreza extrema nas famílias sem crianças.

O aumento dos recursos nos leva ao segundo ponto de refinamento do Bolsa Família, sobre critérios de distribuição para os beneficiários. Nesse aspecto, os R$400 do Auxílio Brasil não levam em conta a composição familiar, o grau de pobreza da família, nem as diferenças regionais entre beneficiários.

Paradoxalmente, o novo programa de redistribuição de renda é mal distribuído entre seus beneficiários.

O terceiro refinamento foca no desafio histórico de manter os dados das famílias cadastradas atualizados.

Lembremos que o Bolsa Família garantia o efeito de curto prazo de alívio da pobreza e o efeito de longo prazo com as condicionalidades de saúde e educação. O CadÚnico (qualificado pelo Bolsa Família), além de garantir o foco nos mais pobres, permite construir a ponte que, no médio prazo, aumenta a probabilidade de mobilidade social das famílias vulneráveis.

A qualidade do cadastro — pleno e detalhado na sua multidimensionalidade — é essencial para fazer o pêndulo de coordenação da política social, referenciando as famílias para os diversos setores da área social de forma alinhada às suas condições objetivas de vulnerabilidade e sem cair nas armadilhas do assistencialismo desvinculado das evidências.

O Auxílio Brasil, ao que tudo indica, escorrega no assistencialismo e perde virtudes essenciais do Bolsa Família. Dados do Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico (Cecad) mostram que a taxa de atualização do cadastro caiu 22 pontos percentuais entre fevereiro de 2020 e fevereiro de 2022.

A não atualização é desastrosa e sinaliza a quebra da função virtuosa do cadastro na coordenação da política social, o desmonte do Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) como pilar territorial do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o enfraquecimento do pacto federativo em torno do sistema.

O fim da pobreza não depende apenas dos programas de transferência de renda, mas também de geração de empregos e, em particular, da política de salário mínimo.

Não obstante, o Cadastro Único é peça fundamental neste quadro para efetivar políticas intersetoriais focalizadas no combate à pobreza. Apesar de turbinado em recursos, o Auxílio Brasil tornou-se uma versão mais injusta e ineficiente do Bolsa Família. Nesse sentido, melhor que tenham mudado o nome do programa.

Petróleo e a eleição

O que seria motivo de festa, no Brasil é objeto de críticas pesadas feitas pelo presidente da República. A Petrobras, empresa estatal genuinamente brasileira, lutou durante décadas para descobrir petróleo, perfurar, e fazer a riqueza aflorar. Finalmente se concentrou apenas em seus objetivos e o resultado é espetacular: lucro de R$ 44,5 bilhões no primeiro trimestre deste ano. Os políticos foram afastados do caixa da empresa. Este resultado só foi ultrapassado por outra estatal, chinesa, que conseguiu lucro pouco superior no mesmo período.

As grandes, como Shell, Chevron, Exxon, BP e Total, tradicionalíssimas neste disputado mercado, tiveram resultados inferiores ao da brasileira. O presidente Jair Bolsonaro, contudo, ao invés de abrir uma garrafa de champanhe, disse que o resultado é pavoroso, um estupro na população brasileira que paga preço cada vez mais caro pela gasolina e pelo diesel. Os preços do combustível muito elevados despejam violenta carga inflacionária, que se espalha por toda a sociedade. A inflação passou de 12% ao ano.

O preço médio do barril de petróleo, no primeiro trimestre deste ano, foi US$ 101,4. Com petróleo em alta, o caixa da Petrobras agradece. E o governo recebe cerca de R$ 70 bilhões em royalties e impostos para investir em educação, saúde e outras áreas prioritárias do país. No entanto, existe a sensação de que o governo não revela o destino dessa segunda parte da mesma notícia. O dinheiro some no Tesouro Nacional. E não aparece em melhorias do sistema educacional, que aliás, foi escolhido pelo presidente para ser penalizado. Segundo seus interlocutores, é um antro de esquerdistas.

O elevado preço do combustível no Brasil resulta de diversos problemas. O primeiro, e o maior deles, é que o preço internacional do petróleo aumentou muito nos últimos meses, consequência da guerra na Ucrânia. A Rússia é o maior exportador mundial do produto. O embargo determinado pelos principais governos ocidentais teve óbvias repercussões no mercado internacional. O Brasil é autossuficiente. Mas não possui refinarias suficientes para processar o petróleo que produz. Então, o país exporta petróleo bruto e importa gasolina, diesel e outros produtos, cuja comercialização é realizada em dólar.

Os brasileiros pagam o preço do petróleo e pagam também o preço do dólar, que só chegaria a cinco reais “se fizermos muitas besteiras”, segundo declaração oficial do ministro Paulo Guedes. Chegou e ultrapassou cinco reais. Some-se a ele, impostos, preço internacional do petróleo e o lucro dos intermediários. Se o presidente Bolsonaro cometer a insanidade de tabelar ou tentar conter por meio artificial o preço do combustível, o país vai correr o risco de desabastecimento. Ou seja, o produto vai sumir do mercado. E a economia vai parar.

O Brasil experimentou greve de rodoviários no governo Temer. Até os aeroportos ficaram sem querosene para abastecer os aviões. O transporte de carga parou. Os economistas têm soluções. A primeira e mais fácil é subsidiar o produto. Mas subsídio provoca consequências. A conta chega algum tempo depois. Não é claro o motivo de o preço do etanol, o álcool combustível, subir nas mesmas proporções da gasolina. Álcool de cana ou de milho é produzido à farta no Brasil e seu ciclo, da produção ao consumo, é pago em reais. Na verdade, além de estrilar, reclamar ou xingar, o presidente da República e seus assessores não apresentam nenhuma alternativa. E não explicam o que acontece neste nebuloso mercado de combustíveis.

Resta a opção política. O presidente já demitiu dois presidentes da Petrobras, sempre com o objetivo de fazer barulho e trazer os preços para baixo. Não conseguiu. Agora, demitiu o ministro de Minas e Energia, Almirante Bento Albuquerque. Foi sacrificado em nome da ação política. Cargas ao mar. O presidente precisa oferecer bodes expiatórios à execração pública. De tempos em tempos, ele demite um. Agora, colocou na função o economista Adolfo Sachsida, auxiliar direto de Paulo Guedes. O aumento do preço do diesel implica em mau humor dos camionheiros e a possibilidade de greve da categoria.

Vale tudo para segurar o preço do combustível até outubro deste ano. Depois da eleição, as ideias ultraliberais do ministro Guedes, perfilhadas por Sachsida, poderão resultar na privatização da Petrobras, se Bolsonaro por reeleito. O petróleo é dinheiro líquido. Manda no mundo. Desmancha reputações e governos com facilidade. Não é bom brincar com ele. Nem tentar fazer jogo político. Tumultuar a eleição com objetivo de criar condições para um golpe de estado, no estilo Trump, é pedra cantada. Não deu certo lá, não dará certo aqui.
André Gustavo Stumpf

Como vejo o mundo

Minha condição humana me fascina. Conheço o limite de minha existência e ignoro por que estou nesta terra, mas às vezes o pressinto. Pela experiência cotidiana, concreta e intuitiva, eu me descubro vivo para alguns homens, porque o sorriso e a felicidade deles me condicionam inteiramente, mas ainda para outros que, por acaso, descobri terem emoções semelhantes às minhas. E cada dia, milhares de vezes, sinto minha vida — corpo e alma — integralmente tributária do trabalho dos vivos e dos mortos. Gostaria de dar tanto quanto recebo e não paro de receber. Mas depois experimento o sentimento satisfeito de minha solidão e quase demonstro má consciência ao exigir ainda alguma coisa de outrem. Vejo os homens se diferenciarem pelas classes sociais e sei que nada as justifica a não ser pela violência. Sonho ser acessível e desejável para todos uma vida simples e natural, de corpo e de espírito. Recuso-me a crer na liberdade e neste conceito filosófico. Eu não sou livre, e sim às vezes constrangido por pressões estranhas a mim, outras vezes por convicções íntimas. Ainda jovem, fiquei impressionado pela máxima de Schopenhauer: “O homem pode, é certo, fazer o que quer, mas não pode querer o que quer”; e hoje, diante do espetáculo aterrador das injustiças humanas, esta moral me tranquiliza e me educa. Aprendo a tolerar aquilo que me faz sofrer. Suporto então melhor meu sentimento de responsabilidade. Ele já não me esmaga e deixo de me levar, a mim ou aos outros, a sério demais. Vejo então o mundo com bom humor. Não posso me preocupar com o sentido ou a finalidade de minha existência, nem da dos outros, porque, do ponto de vista estritamente objetivo, é absurdo. E no entanto, como homem, alguns ideais dirigem minhas ações e orientam meus juízos. Porque jamais considerei o prazer e a felicidade como um fim em si e deixo este tipo de satisfação aos indivíduos reduzidos a instintos de grupo. Em compensação, foram ideais que suscitaram meus esforços e me permitiram viver. Chamam-se o bem, a beleza, a verdade. Se não me identifico com outras sensibilidades semelhantes à minha e se não me obstino incansavelmente em perseguir este ideal eternamente inacessível na arte e na ciência, a vida perde todo o sentido para mim. Ora, a humanidade se apaixona por finalidades irrisórias que têm por nome a riqueza, a glória, o luxo. Desde moço já as desprezava. Tenho forte amor pela justiça, pelo compromisso social. Mas com muita dificuldade me integro com os homens e em suas comunidades. Não lhes sinto a falta porque sou profundamente um solitário. Sinto-me realmente ligado ao Estado, à pátria, a meus amigos, a minha família no sentido completo do termo. Mas meu coração experimenta, diante desses laços, curioso sentimento de estranheza, de afastamento e a idade vem acentuando ainda mais essa distância. Conheço com lucidez e sem prevenção as fronteiras da comunicação e da harmonia entre mim e os outros homens. Com isso perdi algo da ingenuidade ou da inocência, mas ganhei minha independência. Já não mais firmo uma opinião, um hábito ou um julgamento sobre outra pessoa. Testei o homem. É inconsistente.


A virtude republicana corresponde a meu ideal político. Cada vida encarna a dignidade da pessoa humana, e nenhum destino poderá justificar uma exaltação qualquer de quem quer que seja. Ora, o acaso brinca comigo. Porque os homens me testemunham uma incrível e excessiva admiração e veneração. Não quero e não mereço nada. Imagino qual seja a causa profunda, mas quimérica, de seu sentimento. Querem compreender as poucas ideias que descobri. Mas a elas consagrei minha vida, uma vida inteira de esforço ininterrupto. Fazer, criar, inventar exigem uma unidade de concepção, de direção e de responsabilidade. Reconheço esta evidência. Os cidadãos executantes, porém, não deverão nunca ser obrigados e poderão escolher sempre seu chefe.

Ora, bem depressa e inexoravelmente, um sistema autocrático de domínio se instala e o ideal republicano degenera. A violência fascina os seres moralmente mais fracos. Um tirano vence por seu gênio, mas seu sucessor será sempre um rematado canalha. Por esta razão, luto sem tréguas e apaixonadamente contra os sistemas dessa natureza, contra a Itália fascista de hoje e contra a Rússia soviética de hoje. A atual democracia na Europa naufraga e culpamos por esse naufrágio o desaparecimento da ideologia republicana. Aí vejo duas causas terrivelmente graves. Os chefes de governo não encarnam a estabilidade e o modo da votação se revela impessoal. Ora, creio que os Estados Unidos da América encontraram a solução desse problema. Escolhem um presidente responsável eleito por quatro anos. Governa efetivamente e afirma de verdade seu compromisso. Em compensação, o sistema político europeu se preocupa mais com o cidadão, com o enfermo e o indigente. Nos mecanismos universais, o mecanismo Estado não se impõe como o mais indispensável. Mas é a pessoa humana, livre, criadora e sensível que modela o belo e exalta o sublime, ao passo que as massas continuam arrastadas por uma dança infernal de imbecilidade e de embrutecimento.

A pior das instituições gregárias se intitula exército. Eu o odeio. Se um homem puder sentir qualquer prazer em desfilar aos sons de música, eu desprezo este homem... Não merece um cérebro humano, já que a medula espinhal o satisfaz. Deveríamos fazer desaparecer o mais depressa possível este câncer da civilização. Detesto com todas as forças o heroísmo obrigatório, a violência gratuita e o nacionalismo débil. A guerra é a coisa mais desprezível que existe. Preferiria deixar-me assassinar a participar desta ignomínia. No entanto, creio profundamente na humanidade. Sei que este câncer de há muito deveria ter sido extirpado. Mas o bom senso dos homens é sistematicamente corrompido. E os culpados são: escola, imprensa, mundo dos negócios, mundo político. O mistério da vida me causa a mais forte emoção. É o sentimento que suscita a beleza e a verdade, cria a arte e a ciência. Se alguém não conhece esta sensação ou não pode mais experimentar espanto ou surpresa, já é um morto-vivo e seus olhos se cegaram. Aureolada de temor, é a realidade secreta do mistério que constitui também a religião. Homens reconhecem então algo de impenetrável a suas inteligências, conhecem porém as manifestações desta ordem suprema e da Beleza inalterável. Homens se confessam limitados e seu espírito não pode apreender esta perfeição. E este conhecimento e esta confissão tomam o nome de religião. Deste modo, mas somente deste modo, soa profundamente religioso, bem como esses homens. Não posso imaginar um Deus a recompensar e a castigar o objeto de sua criação. Não posso fazer ideia de um ser que sobreviva à morte do corpo. Se semelhantes ideias germinam em um espírito, para mim é ele um fraco, medroso e estupidamente egoísta. Não me canso de contemplar o mistério da eternidade da vida. Tenho uma intuição da extraordinária construção do ser. Mesmo que o esforço para compreendê-lo fique sempre desproporcionado, vejo a Razão se manifestar na vida.
Albert Einstein, "Como vejo o mundo"