sábado, 30 de abril de 2016

Bruxas à solta

Michel Temer prometeu que, uma vez no cargo, não promoverá uma “caça às bruxas”. Ocorre que, se não o fizer, será ele mesmo caçado pelas bruxas que promete proteger. Não terá meios de governar se não o fizer.

O PT, reduto das bruxas, com seus conhecidos tentáculos – MST, MTST, CUT, UNE - já avisou que não fará qualquer rito de transição, procedimento básico na mudança de governo.

E não apenas por birra ou vingança, mas, sobretudo, porque a transição exporá o estado de terra arrasada em que deixou a administração pública e a economia do país. Não há um só cofre público imune ao espírito predador da Era PT.

Habitualmente, associa-se caça às bruxas à perseguição ideológica, típica das tiranias. Daí o sentido negativo que o termo adquiriu. Não é o caso. As bruxas, no presente contexto, não foram movidas por ideias ou ideais, mas pela ambição revolucionária de se perpetuar no poder. Um projeto, este sim, tirânico, baseado na rapina ao Estado e na divisão da sociedade brasileira.

Não apenas isso: uma rapina que, com recursos públicos brasileiros (onde está a CPI do BNDES?), financiou projeto idêntico em países vizinhos, hoje dominados, em grau mais avançado, por governos tirânicos e ineficazes, sem condições de prover a população de alguns dos itens mais elementares de consumo, como comida, papel higiênico e energia elétrica.

Venezuela e Bolívia – cujos governantes tiveram a audácia de ameaçar o Brasil de invasão armada - tornaram-se símbolos desse padrão governativo nefasto, concebido pelos luminares do Foro de São Paulo, instituição fundada em 1990 por Lula e Fidel Castro, para unir pela esquerda a América Latina.

De lá, segundo depoimento do próprio Lula, emergiram lideranças como Hugo Chavez, em parceria com organizações criminosas como as Farc, da Colômbia, que Lula sugeriu se transformassem em partido político e disputassem eleições.

São essas as bruxas que não podem ser poupadas, ou continuarão a assombrar a vida pública brasileira.

Se Temer não expuser o estado em que se encontra o país e os responsáveis pela obra – as tais bruxas -, terá dificuldades de encontrar receptividade às medidas impopulares que terá de implementar para que o país comece a se reerguer.

Será erro político imperdoável. Dilma Roussef está deixando a presidência da República pelo mais ameno de seus delitos: os crimes de responsabilidade. Mas há um manancial de outros, de natureza penal, que brotam das múltiplas delações da Lava Jato, que, em uníssono, desautorizam a imagem de honesta e honrada que tenta impingir à opinião pública.

Os delitos que fizeram de Eduardo Cunha persona non grata à sociedade brasileira decorrem da mesma matriz em que Dilma, Lula e o PT sujaram as mãos: a Petrobras.

Cunha tem a seu favor o fato de que roubou menos. Eram parceiros na divisão do botim, e a ele, figura menor na quadrilha, coube menos. Feitas as contas, o que recebeu foram migalhas. E mais: já se sabe onde depositou parte da rapina, em contas (não mais) secretas na Suíça. De seus parceiros, mais vorazes – e que ora o acusam, ocultando o fato de que era cúmplice -, ainda não se sabe nem o valor total, nem as contas em que o guardaram.

Há pistas, razoáveis, algumas já confirmadas. Sabe-se, por exemplo, que parte substantiva alimentou os cofres das campanhas da reeleição de Lula e das duas eleições de Dilma.

Ela pode não a ter colocado em conta pessoal, como Cunha, mas isso não a torna mais honesta, nem mais honrada. De certa forma, a torna pior, já que lhe deu destino mais predador, ao usá-la para chegar ao poder e nele levar o país à bancarrota, com seu cortejo de dramas e mazelas sociais.

Cunha já está pagando, ainda que parcialmente, por seus atos: será cassado pelo Conselho de Ética e sentenciado pelo STF. Já não tem como tirar sua reputação do lixo e não terá como voltar à vida pública. Acabará preso – e sabe disso.

Não dispõe de um palácio para reunir sua militância e fazer-se de vítima. Não possui palácio ou militância, nem desfruta do benefício da dúvida, já que dúvida a seu respeito não há. Está sentenciado pela opinião pública, sem consolo moral.

Dilma e Lula, não. Têm ainda defensores fervorosos dentro e fora do país, agregados a um projeto político que, em nome da defesa dos pobres, aumentou a faixa de pobreza.

Não foram, como diz a propaganda, 30 milhões de pobres que ascenderam à classe média, mas o contrário. O desemprego aumenta na classe média. Já se contabilizam, até aqui, mais de dez milhões, que ainda purgam a falta de expectativa de que as coisas melhorem no curto prazo.

O esperneio do PT e da presidente, apelando à retórica insustentável do golpe, é, este sim, um golpe – e, antes de mais nada, contra a inteligência e a paciência da população.

Felizmente não há bruxaria que mude o curso dos acontecimentos. A menos, claro, que Temer decida mesmo deixá-las à solta.

A mulher que se achava filha de Getúlio, o pai do Brasil Maravilha e a órfã do golpe que não houve

Já contei aqui a história da doida mansa que, no começo dos anos 60, apareceu no portão da minha casa em Taquaritinga para buscar a chave do Banco do Brasil. Ouvi a campainha, vi pela janela da sala de jantar uma mulher negra, franzina e maltrapilha e saí para atendê-la. Ela quis saber se eu era filho do prefeito. Disse que sim. Ela informou que era filha de Getúlio Vargas. Achei que aquilo era assunto para gente grande e fui chamar minha mãe.

Antes que dona Biloca dissesse alguma coisa, ela se identificou novamente e revelou que o pai lhe deixara como herança o Banco do Brasil. Com o suicídio, tornara-se dona da instituição financeira, incluídos bens imóveis e funcionários ─ além do mundaréu de dinheiro, naturalmente. O doutor Getúlio avisara que a chave de cada agência ficava sob a guarda do prefeito. Quando quisesse ou precisasse, bastaria solicitá-la ao chefe do Executivo municipal.


Era por isso que estava lá, repetiu ao fim da exposição. Meu pai estava na prefeitura, entrei na conversa. A herdeira do banco disse que esperaria no portão. Dona Biloca percebeu que aquela maluquice iria longe se não passasse a pendência adiante e decidiu transferi-la para o primogênito ─ que, para sorte de ambas, trabalhava no Banco do Brasil de Taquaritinga. Depois de ensinar o caminho mais curto, recomendou-lhe que fosse até a agência, procurasse um moço chamado Flávio e transmitisse o recado: “Diga que a mãe dele mandou dar um jeito no problema da senhora”.

O jeito que deu confirmou que meu irmão mais velho era mesmo paciente e imaginoso. Ao saber com quem estava falando, dispensou à visitante as deferências devidas a uma filha do presidente da República, ouviu o caso com cara de quem está acreditando em tudo e, terminado a narrativa, pediu licença para falar com o gerente. Foi ao banheiro e voltou cinco minutos depois com a informação: a chave estava no cofre da agência, não na casa do prefeito. Mas só poderia entregá-la se a filha de Getúlio confirmasse a paternidade ilustre.

“A senhora precisa buscar a certidão de nascimento no cartório”, explicou Flávio. Ela pareceu feliz, levantou-se da cadeira e avisou que em meia hora estaria de volta com o papel. Ressurgiu três ou quatro meses mais tarde, mas de novo no portão da minha casa, outra vez atrás do prefeito. De novo foi encaminhada ao moço da agência, que liquidou a questão do mesmo jeito. O ritual teve quatro reprises em menos de dois anos. Até que um dia ela saiu em direção ao cartório e nunca mais voltou.

Lembrei-me da doida mansa que coloriu minha infância quando o presidente Lula registrou em cartório um Brasil inexistente. Conferi o calhamaço e fiquei pasmo. Tinha trem-bala, aviões pontuais como a rainha da Inglaterra, rodovias federais de humilhar motorista alemão, luz e moradia para todos, três refeições por dia para a nova classe média, formada pelos pobres dos tempos de FHC. Quem quisesse ver mendigo de perto que fosse até Paris e se contentasse com algum clochard.

A transposição das águas do São Francisco havia exterminado a seca e transformado o Nordeste numa formidável constelação de lagos, represas e piscinas. O sertão ficara melhor que o mar. Os morros do Rio viviam em paz, os barracos valiam mais que as coberturas do Leblon. E ainda nem começara a exploração do pré-sal, que promoveria o Brasil a presidente de honra da OPEP. Faltava pouco para que a potência sul-americana virasse uma Noruega ensolarada.

No país do cartório, o governo não roubava nem deixava roubar, o Mensalão nunca existira, os delinquentes engravatados estavam todos na cadeia, os ministros e os parlamentares serviam à nação em tempo integral e o presidente da República cumpria e mandava cumprir cada um dos Dez Mandamentos. Lula fizera em oito anos o que os demais governantes não haviam sequer esboçado em 500.

Quando conheci aquela mistura de Pasárgada com filme épico, bateu-me a suspeita: daqui a alguns anos, é possível que um filho do prefeito de São Bernardo do Campo tenha de lidar com um homem gordo, de barba grisalha, voz roufenha e o olhar brilhante dos doidos de pedra, exigindo a devolução da maravilha que sumiu. A filha de Getúlio tropeçara na falta da certidão de nascimento. O pai do país imaginário estará sobraçando a papelada cheio de selos, carimbos, rubricas e garranchos.

Lembrei-me de novo da filha de Getúlio ao ver o que Dilma Rousseff anda fazendo para continuar no emprego que já perdeu. Depois do comício de todas as tardes, a alma penada atravessa a noite e a madrugada uivando o mantra: “É golpe”. É muito provável que, daqui a alguns anos, apareça na porta da casa do prefeito de Porto Alegre a mulher de terninho vermelho, calça preta e cara de desquitada de antigamente que, com aquele andar de John Wayne, zanza pelas ruas repetindo o grito de guerra: “Foi golpe!”

Apesar do juízo avariado, nem ela vai querer que lhe devolvam o Brasil que destruiu. Só exigirá as chaves do Palácio do Planalto e do Palácio da Alvorada. Os filhos do prefeito da capital gaúcha poderão livrar-se sem dificuldades da visitante. Bastará pedir-lhe que mostre o certificado de deposição arbitrária com as assinaturas de pelo menos três golpistas de alta patente — todas com firma reconhecida em cartório — e presenteá-la com um exemplar da Constituição.

Sabotando o Brasil

Faltam poucas semanas para a votação, no Senado, que pode decretar o afastamento temporário de Dilma Rousseff – afastamento que, a julgar pelos placares divulgados pela imprensa, é praticamente certo e será conseguido com folga. O vice-presidente, Michel Temer, sabedor da possibilidade, já conversa com potenciais integrantes de seu ministério. Mas, se depender dos petistas – também conscientes de que a saída de Dilma é inevitável –, é apenas isso que Temer poderá fazer. Na quarta-feira, dia 27, quase todos os deputados federais do partido se reuniram com o ministro Ricardo Berzoini, da secretaria de Governo, e ouviram a ordem do Planalto: transição zero.

Isso significa que um eventual governo Temer começaria às escuras. Ministros e outros ocupantes de cargos essenciais iniciariam seu trabalho sem receber de seus antecessores nenhuma informação sobre a situação de suas pastas, projetos em andamento e planos futuros, orçamentos, previsões de gastos e o que mais disser respeito ao dia a dia da administração pública. Tudo para que a nova equipe perca tempo descobrindo tudo sozinha e, no processo, cometa erros que os petistas denunciarão enfaticamente, escondendo da opinião pública o fato de também serem parte do problema.


O argumento dos líderes petistas para tal é o de que fornecer as informações e promover uma transição civilizada significaria um reconhecimento da legitimidade de um governo Temer, o que o PT não aceita – ainda que o impeachment esteja ocorrendo estritamente dentro do que preveem a Constituição, a Lei 1.059 e o trâmite estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, que até foi camarada com Dilma ao submeter a abertura de processo no Senado a uma votação, pois, se fosse seguida a letra da Carta Magna, Dilma já estaria afastada. Mais uma prova de que os critérios do PT são unicamente o benefício ou o prejuízo ao partido. É por isso que ladrões que articulam um esquema para fraudar a democracia viram “guerreiros do povo brasileiro”: porque ajudaram o PT. É por isso que um processo que corre dentro da lei vira ilegítimo: porque prejudica o PT. É por isso que bloqueios de estradas feitos por caminhoneiros contra o governo são “crime”, mas bloqueios de estradas feitos por “movimentos sociais” são elogiados.

Mas salta aos olhos um aspecto interessante dessa “resistência” que os petistas prometem fazer ao negar informações à equipe que virá em seu lugar: se a ordem é não repassar nenhum dado sobre absolutamente nada, também os programas sociais direcionados aos mais pobres, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, sairão prejudicados. O mesmo ocorrerá com projetos de apoio a minorias que constituem uma forte base de apoio do petismo. Ou com planos de reforma agrária. E de nada adiantará Dilma ceder à pressão dos “movimentos sociais” que praticamente exigem da presidente que lhes entregue os cargos atualmente vagos, nem acelerar os programas em andamento: uma vez que Temer assuma, acabarão paralisados até que a nova administração se inteire da situação.

O petismo, nesses seus dias finais no Planalto, se mostra disposto a sabotar o Brasil. Mas, ao agir dessa forma, faz um último favor aos brasileiros: deixa evidente que o partido só se preocupa genuinamente com o poder, e não com os cidadãos. Os mais pobres, as minorias, são apenas massa de manobra para um projeto de poder, e podem ser desprezados quando se trata de realizar uma pequena vingança contra outro grupo político. Que os membros desses grupos, e os que têm uma preocupação autêntica com eles, possam perceber isso o quanto antes e abandonem de vez uma legenda que vê as pessoas apenas como instrumentos.

A cusparada progressista

paixao
O PT enfim vai embora, deixando o país no osso, mas com o caminho livre para trabalhar sem dar o seu sangue aos parasitas do bem. Dilma Rousseff (lembram-se dela?) avisou, em resposta à manchete de O Globo pós-votação do impeachment – “Perto do fim” –, que o fim não está próximo, não. É só o começo de uma luta que vai ser longa, ameaçou a ciclista. Felizmente, o que Dilma avisa ou ameaça não interessa mais. Ela finalmente se reconciliará com o anonimato, mas há uma luta que se inicia com os herdeiros da bondade tarja preta.

Uma cena resume tudo: a cusparada de Jean Wyllys contra Jair Bolsonaro no plenário da Câmara dos Deputados. Como todos sabem, esses dois foram feitos um para o outro e serão felizes para sempre com seus tapas de amor que lhes rendem um caminhão de votos. Nesse pas de deux, o Brasil não mete a colher. O que importa dessa cena é o que ela diz sobre o dia seguinte da ditadura do coitado, que sequestrou o país nos últimos 13 anos.

Dilma já era. Mas a “narrativa” que a transformou de zero à esquerda em engodo à esquerda tenta sobreviver heroicamente. Na fila do almoço grátis estão o PSOL de Jean Wyllys, a Rede de Marina Silva, as almas penadas do PCdoB, as almas penadas da MPB e grande elenco retroprogressista – além, é claro, de Lula da Silva, o filho do Brasil, que precisa urgentemente de um foro privilegiado novo. O discurso é simples – e a opinião pública mais generosa do mundo costuma gostar de acreditar nele: as forças democráticas sofreram um golpe da direita.

Entenderam o significado valioso da cusparada de um gay profissional num filhote da ditadura? É claro que isso não tem nada a ver com a libertação dos gays de séculos de opressão hipócrita, em geral proveniente de heterossexuais inseguros quanto à sua própria sexualidade. Um dos artistas mais geniais dos últimos 100 anos, David Bowie destroçou os estereótipos ao expor ao mundo todo o vigor de sua feminilidade e de sua masculinidade, ao mesmo tempo. Foi buscar no humor e na estética homossexual elementos para uma obra revolucionária – e nos seus últimos anos de vida, enfastiado com a transformação da causa gay em mercado político e comercial, declarou ter se tornado um “heterossexual compulsivo”. Só para ridicularizar os demagogos.

Mas no Brasil os demagogos são endeusados. E lá vem Marina Silva com sua “democracia de alta intensidade” e outras aberrações retóricas tentar herdar esse lugar que os brasileiros cultivam tão dedicadamente – o altar dos coitados. No Brasil de hoje, ser pobre, gay, negro ou mulher é credencial – uma espécie de autoridade natural. A estupidez dessa premissa foi esfregada na cara do país com o caso Dilma Rousseff, ungida como “presidenta mulher” e flagrada como a pior representante possível do gênero – pelo simples fato de ser fabricada e tutelada por um homem.

A calamidade do caso Rousseff, a pior piada que o feminismo já produziu – e a maior afronta a todos os sutiãs queimados –, deveria ter ensinado aos brasileiros quanto é falso, perigoso e burro tratar o sexo, a cor da pele e a conta bancária como prerrogativa política ou distinção moral. Mas o Brasil não aprende. E a ignorância se mistura à desonestidade intelectual: vão tirar o PT para entregar o país ao PMDB, afirmam os inocentes úteis ou filhotes de João Santana, tanto faz a estirpe.

É um argumento tão honesto quanto aquele disparado pelos democratas de porta de cadeia nas manifestações de um ano atrás: estão protestando contra a corrupção com a camisa da CBF?


É o jeito mais torpe e covarde de tentar ficar bem na foto progressista. A mentira bem dissimulada é mais grave, assim como o bandido coitado é mais nocivo que o bandido bandido. O Brasil não está entregando o governo ao PMDB. O Brasil está tirando uma quadrilha do governo, absolutamente dentro da lei – a não ser que roubar a economia popular tenha deixado de ser crime. Tomem juízo e vergonha na cara, prezados arautos do golpe. Ou então assumam sua sociedade com a delinquência.

Quando Collor caiu, o país foi para as mãos do PMDB. E Itamar Franco permitiu que Fernando Henrique regesse o projeto do Plano Real. Michel Temer terá a mesma possibilidade, se os bons ainda não tiverem desistido desse circo chamado Brasil.

Esquerda nostálgica

Durante o regime militar havia uma “esquerda de luta” e uma “esquerda festiva”.

A primeira fez parte dos movimentos que levaram à conquista da democracia; a última foi decisiva na realização das revoluções estética e comportamental, que ocorreram naqueles anos.

Hoje, estão atuantes uma “esquerda nostálgica”, enquanto uma “esquerda perplexa” tenta sair dos escombros provocados pela queda do Muro de Berlim, pela amplitude da globalização, a profundidade da revolução científica, o poder e a universalização dos novos instrumentos de tecnologia da informação; além de tentar se recuperar do constrangimento com a degradação ética e a incompetência dos últimos governos.

Diferente da “esquerda festiva”, que fez revoluções na estética e nos costumes, a “esquerda nostálgica” não contribui para a transformação estrutural da sociedade e da economia; louva o passado, se agarra ao presente e comemora pequenas conquistas assistenciais.

Prisioneira de seus dogmas, com preguiça para pensar o novo, com medo do patrulhamento entre seus membros, viciada em recursos financeiros e empregos públicos, a “esquerda nostálgica” parece não perceber o que acontece ao redor.

Independentemente das transformações no mundo, no país, nos bairros, continua orientada aos mesmos propósitos elaborados nos séculos XIX e XX, mantém a mesma fidelidade, reverência e idolatria aos líderes do passado, especialmente aqueles que têm o mérito do heroísmo da luta durante o regime militar, mesmo quando não foram capazes de perceber as mudanças no mundo, nem os novos sonhos utópicos para o futuro.

Com nostalgia do passado, reage contra o “espírito do tempo” que exige agir dentro da economia global e romper com a visão de que a estatização é sinônimo de interesse
público; não reconhece que a inflação é uma forma de desapropriação do trabalhador; que o progresso material tem limites ecológicos e é construído pela capacidade nacional para criar ciência e tecnologia; que os movimentos sociais e os partidos devem ser independentes, sem financiamentos estatais; ignora que a revolução não está mais na expropriação do capital, está na garantia de escola com a mesma qualidade para o filho do trabalhador e o filho do seu patrão; que a igualdade deve ser assegurada no acesso à saúde e à educação, sem prometer igualdade plena, elusiva, injusta e antilibertária ao não diferenciar as individualidades dos talentos; não assume que a democracia e a liberdade de expressão são valores fundamentais e inegociáveis da sociedade, tanto quanto o compromisso com a verdade e a repulsa à corrupção.

Para sair da perplexidade, uma nova esquerda precisa fugir da nostalgia por siglas partidárias que tiveram a oportunidade de assumir o poder e construir seus projetos, mas traíram a população, os eleitores e a história, tanto na falta de ética, quanto na ausência das transformações sociais prometidas.

A economia dos ingênuos

A Economia (com “e” maiúsculo) é uma ciência, com seus princípios e leis científicas. A economia (com “e” minúsculo) é o objeto de estudo da ciência econômica. O objeto de estudo (a economia) é o sistema por meio do qual um povo produz, distribui, troca, consome e acumula bens e serviços. Para funcionar e prover a população do gigantesco conjunto de bens e serviços necessários à vida, o sistema emprega os fatores de produção (recursos naturais, trabalho, capital e iniciativa empresarial).

Embora possa ser mais ou menos entendido por um leigo, o corpo humano somente é conhecido em sua estrutura, organização interna e funcionamento por alguém que estudou Anatomia e outras disciplinas médicas. O mesmo se dá com a economia. Grosso modo, é possível entender a lógica interna e o funcionamento do sistema econômico. Mas a compreensão de suas relações, estrutura e organização sistêmica somente é possível a quem estude a ciência e seu objeto de estudo.

Apesar disso, é grande o número de pessoas no meio político, intelectual e da militância partidária que falam e opinam como se fossem especialistas, mesmo sem terem conhecimento técnico e científico do assunto. Assim, não é de estranhar que o estoque de bobagens seja elevado, como a afirmação de certo líder social segundo o qual “o único problema do Brasil é a desigualdade de renda e basta tirar de quem tem e transferir aos pobres para que a pobreza seja superada”.


Isso não é verdade. Primeiro, o Brasil é um país pobre. A produção nacional em 2015, a preços correntes, foi de R$ 5,9 trilhões. Conforme o IBGE, a população no fim do ano passado era de 205,2 milhões de habitantes. Isso dá uma renda por habitante de R$ 28,7 mil/ano ou R$ 2.396 por mês. Considerando a carga tributária de 37%, a renda disponível por habitante é de R$ 1.509,50/mês.

Os valores acima referem-se à média. Por óbvio, milhões de pessoas ganham mais que o valor médio; logo, outros milhões ganham menos. Comparando com os Estados Unidos, a renda por habitante no Brasil é um quinto da norte-americana. Se tudo o que o Brasil produz fosse distribuído igualitariamente, continuaríamos sendo uma nação de pobres. Portanto, a meta maior não é tirar de quem tem mais. Definitivamente, a meta principal é fazer o PIB crescer mais que o crescimento da população. Nenhuma outra meta é mais importante que essa.

A Economia não é a ciência da bondade. É a ciência do necessário e do viável. Roberto Campos dizia que o mundo será salvo pelos eficientes, não pelos caridosos, e que o respeito ao produtor de riqueza é o começo da solução da pobreza. Se os eficientes não produzirem, os caridosos não terão o que distribuir. O socialismo morreu por duas razões: uma, não é passível de funcionar sem supressão das liberdades individuais; outra, é péssimo para produzir riqueza.

Com seu socialismo bolivariano, a Venezuela, sentada sobre a terceira maior reserva de petróleo do mundo, conseguiu a proeza de implantar o terror, provocar o desabastecimento de energia (atualmente, o país vive um racionamento pesado) e promover a falta de papel higiênico e de medicamentos. O problema dessas ideias de igualitarismo é que elas não funcionam e não conseguem atingir os fins propostos, por uma simples razão: não premiam o talento individual, acabam com a iniciativa empreendedora e destroem o sistema produtivo criador de riqueza.
José Pio Martins 

Domingo dedicado a defender uma única demissionária

Neste 1º de maio, as tropas sindicais e sociais vão às ruas. Estão mobilizadas para iniciar um incêndio no país contra uma única demissão: a de Dilma Rousseff. Supremo paradoxo. 

Não lutarão contra as medidas econômicas que a presidente tomou e levaram milhões ao olho da rua - só no trimestre atingem 11, 1 milhões. Não lutarão contra o desmantelo da Petrobras, sob o comando de Dilma como ministra, chefe da Casa Civil e presidente, que gerou milhares de desempregados por todo o país. Não lutarão contra a corrupção gerida pelo PT e seus aliados e institucionalizada por Lula e Dilma.

Com o dinheiro público de um dia de trabalho de cada sindicalizado, vão promover atos em favor da manutenção da boquinha própria. Como podem ser contra governos que garantiram sindicatos patrocinados com decretos governamentais?  Por que não gritarão nas ruas o descaso com as demissões?

Os movimentos sociais, todos patrocinados pelos governos petistas, por acharem que assim se fortaleceriam, também não reclamarão dos direitos sociais imprescindíveis do cidadão. Clamarão que serão extintas as bolsas e projetos sociais, mas não confessarão que também estão defendendo a bolsa governamental com que vivem. Vão defender os governos que não fizeram a reforma agrária e não cumpriram as metas de habitação?

Vai-se ver nas ruas bandos, devidamente pagos e sustentados mensalmente, para reclamar da demissão de Dilma. Entre eles, não estarão os demitidos pelo desastre de 13 anos petistas. Esses estarão em casa pensando no dia seguinte quando voltarão à rotina de procurar emprego, quer dizer, em tempos negros, qualquer bico. Voltarão às ruas não para saudar as incompetência petista, mas para garantir a sobrevivência das famílias, que Lula e principalmente Dilma desgraçaram, enganaram.

Também lá não estarão os alunos das famigeradas escolas públicas e universidades federais. Essas sucateadas, deixadas ao Deus dará, com os hospitais universitários em estado crítico. Aquelas, quando existem como prédios, não sendo barracões, containers ou apenas puxadinhos, esquecem da comida. Estudantes tratados com desmazelo não integram as hostes da classe média das agremiações que, alimentadas e com dinheiro governamental, podem pagar os custos de manifestação. 

Neste domingo, a esquerda brasileira, em festa, homenageia o trabalhador, que só lhe dá alegrias, pois empregado paga as contribuições que sustentam a boa vida dos pelegos. Neste domingo, estarão fora das marchas os milhões sem trabalho e sem escola que os 13 anos de petismo puseram no olho da rua.  

Compromisso com a mentira

É de autoria da jovem escritora norte-americana Veronica Roth a observação, tão interessante quanto significativa, que determinou o título deste artigo: a mentira exige compromisso. De fato, quem mente faz um pacto com essa falsidade, agravando de modo crescente seus efeitos e a corrupção da própria consciência. O que descrevi ganha enorme significado no campo político. Neste caso, a mentira pode fraudar a democracia e determinar as mãos para onde vai o poder; pode frear e inibir a Justiça; pode promover a injustiça e pode causar severos danos aos indivíduos e ao interesse público.

Imagine agora, leitor, quanto mal pode advir quando a mentira, corrupção da verdade, é repetida milhões de vezes por multidões que, deliberada ou iludidamente, a reproduzem sem cessar como papagaios de barbearia. Temos visto muito disso por aqui. Impeachment é um instrumento constitucional da democracia, de rito lento e severo definido pelo STF, que exige quorum elevadíssimo em sucessivas deliberações nas duas casas do Congresso. No entanto, sua legitimidade vem sendo contestada através de uma mentira que me recuso a reproduzir aqui em respeito ao leitor cujos ouvidos, certamente, já doem de tanto a escutar.

Agora, um novo mantra está em fase de propagação. É o tema deste artigo. Ouvi-o pela primeira vez há poucos dias: "Se Temer assumir vai acabar com a Lava Jato". Ué! Em seguida ouvi novamente. E de novo, e de novo. A mentira passou a ser difundida por uma nuvem de papagaios. Em bem pouco tempo, como era de se prever, de tão repetida a mentira virou assunto de entrevistas e comentários em rádio e TV. Ora, quem ouviu a mentira várias vezes proferida por repetidores comprometidos, viva voz ou nas redes sociais, e logo vê o tema sendo abordado em meios de comunicação, aos poucos passa a entender como informação aquilo que repetidamente ouviu. É gigantesca a disparidade de forças entre a verdade e a mentira incansavelmente proferida!

Vamos à verdade. Quem tentou controlar a operação Lava Jato foi o governo. Quem manifestamente odeia o juiz Sérgio Moro são: a presidente Dilma, o ex-presidente Lula, seu partido, seu governo e seus seguidores. Eram os parlamentares do governo que assediavam José Eduardo Cardozo enquanto foi ministro da Justiça para que contivesse as ações da Polícia Federal. Foi por pressão partidária, especialmente de Lula, que ele deixou o ministério onde seu sucessor, o ministro Aragão, já no dia da posse, começou a ameaçar a Polícia Federal. Ou não? Num país onde os absurdos se sucedem abundantes, em cascata e por dispersão, as pessoas esquecem essas coisas e abre-se o campo para quem mantenha relação descomprometida e inamistosa com a verdade.

Ninguém pode deter a operação Lava Jato. Ainda que alguns parlamentares investigados por ela tenham se mudado do governo para a oposição, a operação funciona numa esfera que não pode ser alcançada por cordéis acessíveis aos comandos políticos. O governo, que descobriu ser inútil sonhar com isso, também sabe que pode se valer da ideia para propagar uma falsidade que lhe convém.

Percival Puggina

'Gran finale'

Virtualmente perdida a guerra do impeachment, Dilma Rousseff, Lula e o PT lutam com unhas e dentes para vencer a batalha pela narrativa política e para “infernizar” de véspera o virtual governo Michel Temer. Contam para isso com a mídia internacional, tanto quanto dependem de CUT, MST, UNE e MTST para agitar ruas e estradas.

Há um temor, na oposição, de que Dilma articule um “gran finale” para o processo de impeachment e para seus anos de governo. Algo como se acorrentar à mesa presidencial e forçar uma retirada à força do palácio. Algo teatral e dramático para ilustrar sua indignação, gerar imagens fortes e corroborar a narrativa do “golpe”.


São três os pontos centrais a serem martelados dia e noite, dentro e fora do País: o impeachment é um “golpe” dado “pela direita”, “pelos corruptos”, “pela mídia golpista”, tudo isso personificado no deputado Eduardo Cunha; com Temer e o PMDB, será o fim dos programas sociais, a começar do Bolsa Família; o novo governo vai intervir na Polícia Federal e enterrar a Lava Jato.

A narrativa é a mesma, mas por motivações diferentes. Dilma esperneia e se submete a terríveis constrangimentos – como as fotos reveladoras da “miss Bumbum” no Ministério do Turismo – tentando desesperadamente sair do governo e entrar para a história como “vítima da direita corrupta”, não como a presidente despreparada que, além das “pedaladas fiscais”, destruiu a economia, manchou a imagem do Brasil no exterior, conviveu com o esfarelamento da Petrobrás e explodiu a “maior base aliada do planeta”.

Lula, porque foi o presidente mais popular da história e, mal passados cinco anos, anda às voltas com Lava Jato, Zelotes, empreiteiras e filhos que, como a Coluna do Estadão publicou, saem por aí comprando cadeiras de R$ 15 mil. Não pega nada bem para quem mobiliza milhões de incautos com o discurso da defesa dos “pobres” e de uma “esquerda” que se limita hoje a uma expressão ao vento, um pretexto para defender o indefensável.

O PT, porque o partido é muito maior do que Dilma Rousseff – aliás, nem queria a candidatura dela – e precisa garantir a sua sobrevivência para além de Lula e Dilma ou, ao menos, a sobrevivência política de muitos petistas que não macularam suas biografias nem encheram as burras com mensalões, petrolões e relações perigosas com empresas sujas. Eles precisam de uma narrativa que vitimize Dilma e carimbe os líderes do impeachment como “golpistas”.

A estratégia tem legitimidade, mas Dilma, Lula, PT e movimentos não lucram nada, mas pioram ainda mais a imensa crise brasileira se decidem incendiar o País. Vetar a transição para o novo governo é o de menos, até porque os ministros de Dilma estão aos montes pró-impeachment, mas, ao tramar um aumento populista do salário mínimo no próximo domingo, ao programar uma atualização irreal da tabela do Imposto de Renda, eles não estão “infernizando” apenas a vida de Temer, mas a dos brasileiros, sobretudo dos que já estão no inferno do desemprego.

Ontem mesmo, mais uma leva de péssimas notícias: déficit fiscal de R$ 18 bilhões, o maior em 19 anos, e juros de 300% ao ano no cartão de crédito, um recorde mundial. Dilma, Lula e o PT querem aprofundar esse desastre para tentar colar os seus próprios cacos? Não parece justo.

Luta política, sim. Disputar a narrativa história, sim. Mas irresponsabilidade com a Nação, não. Enxovalhar a imagem do Brasil no exterior, incendiar pneus, fechar estradas e detonar de vez as contas públicas não vai melhorar a narrativa de ninguém. Ao contrário, só piora tudo para todo mundo, inclusive Dilma, Lula e PT.

Estamos esquecendo desses

Há liberdade de expressão no modelo sindical brasileiro?

Em tempos de crise, muitos trabalhadores almejam melhores condições de trabalho, dentre as quais a necessidade de aumento salarial, dado o exacerbado aumento dos preços de bens de consumo; no entanto, em geral, é ínfimo o reajuste salarial resultante das negociações coletivas. Isso não agrada aos empregados, mas como expressar tais desagrados ante o empregador sem correr o risco de ser demitido? É imperioso valer-se dos sindicatos, que, embora tenham legitimidade de representação, deixam a desejar em matéria de representatividade de fato.

No Brasil, temos um modelo sindical híbrido, visto que o artigo 8.º da Constituição Federal, ao mesmo tempo em que define a liberdade sindical, também limita esse direito por meio do sindicato único, em determinada base territorial (não inferior ao tamanho de um município), e pela manutenção da contribuição sindical obrigatória. Mesmo diante de tais limitações, divulga-se que existem mais de 18 mil sindicatos no país, sendo criado em média 1,6 diariamente. Isso se dá porque seus fundadores sabem que, ainda que não exista efetiva representatividade, haverá o recebimento da contribuição sindical obrigatória, subtraída de todo trabalhador registrado.

Grande parte dos sindicatos tornou-se apenas fonte de arrecadação e não cumpre o papel de representação da classe trabalhadora para a melhoria das condições de trabalho e renda. No tocante à questão salarial, muitos sindicatos nem sequer garantem nas convenções coletivas o reajuste correspondente ao índice inflacionário, corroborando para a desvalorização do salário dos trabalhadores empregados. Ademais, esses empregados, sem garantia de emprego, temem represálias por participar de movimentos sindicais, e aí está a justificativa para o baixo índice de greve no setor privado, já que no serviço público há estabilidade.

Assim, faz-se necessária uma reforma no modelo sindical pátrio, que garanta a liberdade de expressão e representação de fato. Para isso, entende-se por indispensável extinguir a contribuição sindical obrigatória, a unidade sindical e a base territorial mínima, instituindo garantia de emprego aos trabalhadores para evitar represálias pela participação no movimento sindical, bastando ao Brasil ratificar as Convenções da OIT 87 (mais liberdade sindical) e 158 (garantia contra rescisões “sem justa causa” do contrato de trabalho).

Tais medidas forçariam os sindicatos a serem mais atuantes, a fim de recrutar maior número de trabalhadores, pois seriam mantidos pela taxa associativa, não mais pela compulsória. Com a adoção dessas mudanças, o modelo sindical será mais eficaz e os sindicatos terão efetiva representatividade, assegurando aos trabalhadores liberdade de expressão para a busca de condições dignas de trabalho.