terça-feira, 3 de outubro de 2017

Corrupção, instituições e desenvolvimento

Países mais desenvolvidos tendem a apresentar níveis menores de corrupção e países mais pobres, níveis mais elevados. Há, assim, uma forte correlação inversa entre a renda per capita e o índice de percepção de corrupção da Transparência Internacional, por exemplo. Mas não há uma relação de causalidade: nem a corrupção elevada causa o aumento da pobreza, nem o contrário. Defendo, neste artigo, a tese de que uma causa comum – a qualidade das instituições – determina a associação entre essas duas variáveis. Ao redesenhar as instituições que falham em aumentar o bem-estar social, os países atingem níveis mais elevados de desenvolvimento econômico e níveis mais baixos de corrupção.

Há muito foi abandonada a explicação ingênua que as diferenças geográficas e étnicas determinavam o desenvolvimento dos países – o exemplo das duas Coreias é eloquente. Também é insatisfatória a teoria que enfatiza apenas a criação de poupanças e o progresso tecnológico, por nos condenar a esperar grandes invenções para atingir o desenvolvimento, e relega as políticas públicas a papel secundário. Maior poder explicativo é obtido pela contribuição de Douglas North e de Daron Acemoglu, que abriram nossos olhos para o papel desempenhado pelas instituições na explicação das diferenças de desempenho entre os países.

Segundo North (1990), “instituições são as regras do jogo numa sociedade”. Simplificando, há dois grandes blocos de instituições formais relevantes para o crescimento econômico. O primeiro é formado pelas instituições contratuais horizontais, que regulam as relações entre indivíduos, facilitando, principalmente, os contratos entre poupadores e investidores, que só serão eficientes se forem garantidos por leis, Cortes e regulações apropriadas. O outro é formado pelas instituições verticais, que regulam o direito de propriedade, incluindo as que protegem os cidadãos contra o poder abusivo das elites, dos políticos e grupos de privilégios corruptos.

Se existe corrupção, essas instituições não estão sendo norteadas segundo valores públicos, e sim para enriquecimento pessoal e benefício dos corruptos; e instituições pobremente desenhadas levam as economias à estagnação. É sempre importante perguntar quem faz as regras, para quem, e quais seus objetivos.


No Brasil, em geral, as regras são cumpridas pelo cidadão comum, hoje perplexo diante da dimensão atingida pela corrupção. Se um contribuinte cometer um pequeno erro involuntário na sua Declaração de Imposto de Renda, gastará um bom tempo para resolver o problema na Receita Federal. Esse é um exemplo de punição que inibe fraudes. Mas os grandes devedores são beneficiados por decisões pouco transparentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e/ou por pelas inúmeras anistias dos “Refis”, decididas por congressistas que, além de se beneficiarem com o perdão, usam a aprovação como moeda de troca na obtenção de vantagens do governo. No mesmo sentido, o pequeno correntista que precisou retirar R$ 6 mil em moeda teve de passar por um calvário de avisos ao gerente do banco, ao passo que cenas inesquecíveis de apartamento com mais de meia centena de milhões de reais aparecem nos jornais sem que se saiba sua origem e como esse dinheiro lá chegou.

Será que as nossas regras mudam de acordo com as pessoas? Se não alterarmos essa sensação de regras “feitas sob medida”, estaremos a um passo do completo descrédito das instituições democráticas do País.

As instituições formais são sustentadas por pilares culturais, ou seja, por instituições informais compostas pelas crenças, expectativas e normas de comportamento. A impunidade mina a crença de que a lei se aplica a todos, reduzindo a importância do que está na Constituição e nas demais leis, por exemplo.

São complexas as interações de instituições formais e informais, com inúmeros mecanismos de retroalimentação. Poderíamos pensar que se ninguém pagasse propina não haveria corrupção, mas, na verdade, o comportamento humano não é tão simples. Como lembram Rose-Ackerman e Palikfa (2016), o detetive Serpico, em 1971, lamentava o fato de 10% dos policiais da cidade de Nova York serem absolutamente corruptos, 10% absolutamente honestos e os 80% restantes adorariam ser honestos. Outros autores chamam esses 80% – número impreciso que designa maioria – de oportunistas, ou de pragmáticos, ou ainda de “mais corruptíveis que corruptos”, dependendo das pressões externas. O ganho esperado pela adesão ou não a um ato corrupto depende do número de pessoas que o praticam, revelando uma espécie de “comportamento contingente” da maior parte dos indivíduos, que agem de acordo com a expectativa do que fará a maioria. O pensamento subjacente seria: se todos recebem propina, por que eu também não deveria receber?

Esse comportamento produz uma espécie de duplo equilíbrio. Num extremo o “bom equilíbrio” mantém os países pouco corruptos, porque a sanção social e penal inibe a corrupção. No “mau equilíbrio”, ao contrário, permanecem os países cujas instituições levam à impunidade dos crimes de corrupção e até mesmo à punição dos que ousam denunciá-la. São duas situações de equilíbrios estáveis.

É muito difícil quebrar a inércia do mau equilíbrio, perto de onde se encontra o Brasil, mas a gravidade e extensão das revelações feitas pela Lava Jato abrem a maior oportunidade que já tivemos de mudar esse quadro. É crucial alterar a estrutura de incentivos aos políticos, cuja existência se justifica para que representem os interesses dos seus eleitores. Se há desvios de conduta, não será o seu acobertamento que nos levará a um País mais justo e próspero. O grito dos perdedores, minoria que há anos acumula privilégios em detrimento do bem-estar da sociedade, não pode inibir as reformas, as mudanças ou os avanços institucionais que trarão benefícios à maioria. Esse é o nosso grande desafio.

Mentir dá certo

 
Enganem cada vez mais. Digam mentiras deslavadas, como as fake news, ou mentiras lavadas, como a “crise política” de Brasília, mas mintam o máximo que puderem. Nada dá tão certo no Brasil de hoje quanto mentir
J. R. Guzzo

Como sair da guerra do Rio

A gente vive ouvindo o oposto mas, pensado o problema numa perspectiva histórica, o Brasil não é um caso de fracasso de um projeto educacional. Bem o contrário. Nós somos os que nunca reformamos o nosso. O mais resiliente dos casos de sucesso de um esforço de (des)educação para um modo de estruturar hierarquias morto ha pelo menos 240 anos. Não uma sociedade “an”-alfabeta nem uma sociedade de fugidos da escola. Temos sido meticulosamente “anti”-alfabetizados, na escola e fora dela, para a negação da lógica apenas lógica da ciência moderna que nasceu junto com ela desde as primeiras vitórias da democracia sobre o absolutismo monárquico. Pelo terror puro e simples da Contrareforma e da Inquisição, primeiro; pela proscrição da honestidade mediante o bloqueio sistemático do razoável pela burocracia desde a ocupação do estado pelas corporações de Getulio Vargas; pelos expedientes menos diretamente físicos de exercício de repressão por uma “hegemonia cultural” fabricada pelos sócios da “privilegiatura” a partir da falência do socialismo real.

Na cultura ibérica de eternos “cruzados” contra os “infiéis” o ofício dos educadores (exclusivamente jesuítas nos primeiros 400 anos) e dos narradores a serviço de El Rei nunca foi interrogar ou relatar fatos mas sim elaborar “provas” da existência do que não há (mas sustenta um sistema multimilenar de poder). E isso vem numa linha de coerência que percorremos sem grandes solavancos pois, desde que o pecado passou a ser caracterizado também pelos “pensamentos”, além das “palavras e obras”, a prova cabal da inocência tornou-se impossivel e todos passaram a estar sujeitos à tortura o que transformou a mentira num imperativo de sobrevivência que a escravidão confirmou com o chicote, para além da ameaça da fogueira nesta vida ou na outra.

Era disso que falava Octávio Paz quando dizia que nós, católicos, sentimo-nos confortaveis demais dentro da mentira. Foi contra a versão institucionalizada dela que protestou o primeiro protestante. E só depois que a mentira armada de violência (o dogma) foi afastada do caminho passou a ser possivel perguntar-se porque, de fato, cai a maçã da árvore e fazer-se a luz que trouxe o mundo moderno ate onde chegou.

Só a lógica não-lógica requer força para se impor. Só a lei de Bolonha, a serviço do príncipe e não da justiça, precisa de 800 páginas a cada passo para desexplicar o que a inteligência naturalmente compreende. A lei comum e a lógica apenas lógica nascem com cada cabeça e consolidam-se com a experiência prática. E os espaços que ela não define de bate-pronto, os interstícios entre o direito de cada um e o do próximo, são o espaço do livre arbítrio, as fronteiras da liberdade individual. Ninguém tem nada com o modo como cada um os preenche.

Abrir-se ao absurdo requer uma intrincada construção que começa por negar a veracidade daquilo que os olhos vêm e os ouvidos escutam, passa pela subversão da ordem cronológica dos acontecimentos para confundir causas com efeitos e termina, no extremo, pela negação da concretude até daquilo que ocupa lugar no espaço e o tato pode palpar. Qualquer semelhança entre tais expedientes e tudo quanto caracteriza o divórcio do Brasil oficial com o Brasil real hoje não é mera coincidência. A democracia é o triunfo do senso comum (no sentido inglês da expressão), daí o esforço concentrado para desqualificá-lo como pouco sofisticado ou reacionário. Ela começa pela reafirmação das cadeias de causa e efeito que até as formas de vida mais básicas são capazes de discernir e apreender. O restabelecimento da primazia do fato sobre a versão que sua majestade dá dele é o que põe a vontade do rei “under god”, e a afirmação do direito igual para todos de ser e acreditar no que quiser e como quiser até à fronteira inviolável do direito do próximo, é o que põe o rei “under the law” como decretou o juiz Coke no ato de lançamento da pedra fundamental da democracia moderna na Inglaterra de 1605 (veja como foi essa história neste link).

Para quem parte do dogma e da repressão à verdade; para quem vive sob uma ditadura dos comportamentos “corretos” ou “incorretos”; para os nascidos e criados na Contrareforma vendo toda dissonância tratada como heresia ser purgada em autos-de-fé, é a vida quem imita a arte pautada por um “diretor”. Mas a libertação está no contrário.

A guerra do Rio de Janeiro, muito mais que à disputa pelo controle dos pontos de venda de drogas nos morros, está referida à guerra de Brasilia e ramificações pelo controle dos pontos de acesso às artérias e veias do Tesouro Nacional no serviço publico, nas estatais e nos órgãos de governo pelas corporações que se apropriaram do estado e sustentam os pretensos ditadores da “hegemonia cultural” sobre tudo que for capaz de produzir eco. Uma coisa é o espelho invertido da outra. A uns une o acesso ao privilégio; aos outros une o nihilismo que resulta da impotência do esforço e do merecimento, sem a consagração dos quais não existe meio de dar a cada um o controle do seu próprio destino.

Não ha como “vencer” a guerra do Rio. As forças armadas dos Estados Unidos com todo o seu poderio e insenção da suspeita de corrupção pelo vietcong não conseguiu vencer a do Vietnã. E de qualquer jeito, guerra urbana só termina no “padrão Síria”, com cidades inteiras reduzidas a pó. O Brasil só sai do inferno enriquecendo. E só começa a desempobrecer se quebrar a “privilegiatura”. Se a força continuar derrotando a razão; se permanecer aberta uma única fresta para justificar poder ou dinheiro senão pelo esforço e pelo merecimento; se existir qualquer outra forma de legitimar poder político que não seja pela definição absolutamente clara da representação popular, a circunscrição dessa representação aos limites seguros do distrito e a submissão completa do representante ao representado pela retomada de mandatos a qualquer momento e o referendo direto de toda lei importante pelos eleitores, só restará, no final, o fuzil. De toga, como na Venezuela, ou de balaclava, como no Rio.

Paisagem brasileira

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Valença (BA)

Imunidade parlamentar não cobre corrupção

O PSDB poderia ter punido o senador Aécio Neves (MG) quando soube que ele pedira e recebera dinheiro sujo do empresário Joesley Batista – mas não o fez. Preferiu protegê-lo, enquanto acusava o PT de proteger os seus líderes enrascados na Lava Jato.

O Senado teve todas as chances de punir Aécio - quando nada para proteger a própria reputação uma vez que a de Aécio já estava emporcalhada. Mas não o fez antes e nem depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) afastou Aécio do mandato e obrigou-a a prisão domiciliar em maio.


Foi o próprio STF, na pessoa do ministro Marco Aurélio Mello, que salvou Aécio da punição aplicada por seu colega Edson Fachin. Agora, diante do restabelecimento da punição pela 1ª Turma do STF, o Senado subiu nas tamancas e parece pronto para afrontar a Justiça. Cometerá grave erro.

A Constituição assegura imunidade ao parlamentar no exercício do mandato. Ele não pode ser preso nem suspenso de suas atividades pelo que diga ou faça. Mas o exercício do mandato nada tem a ver com pedido de propina, e o seu recebimento. O manto da imunidade não é tão largo e generoso.

A 1ª Turma do STF fez o que a lei permite ou manda que faça. Não ultrapassou os limites dos seus chinelos. Se mais adiante o STF como um todo escolher dar o dito pelo não dito... Bem, nada mais será possível, salvo queixar-se ao Papa Francisco. Mas até lá, só resta ao Senado obedecer.

Fratura exposta

Os senadores não têm competência legal para isso. Seria inconcebível. Se Senado sustar a eficácia da decisão jurisdicional do Supremo, abrirá uma fratura institucional exposta
Carlos Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal

O levante de Aécio

O relógio marcava 20h30m, quando o líder do PSDB subiu à tribuna do Senado. Ele criticou duramente a tese de que o Legislativo abdicaria do seu poder, caso aceitasse a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão de um senador acusado de corrupção e de obstrução à Justiça na Operação Lava-Jato:

— Dizem que estamos diante de uma ofensa, ou poderíamos estar diante de ofensa, ao mandato. Ora, a imunidade parlamentar não é um patrimônio pessoal. Ela protege o exercício do mandato dentro dos parâmetros definidos pela Constituição, pela moralidade. Ela não confere o direito de abusar do mandato.

Continuou:

— A Constituição previa uma regra absoluta na proteção da imunidade parlamentar, e essa regra se justificava: o Brasil saía de uma ditadura (...) Mas, em 2001, a democracia estava consolidada. E foi por isso que, a partir da Câmara dos Deputados, na gestão de Aécio Neves, promovemos uma mudança, dizendo que, a partir daquela data, o parlamentar podia, sim, ser processado criminalmente, independentemente de autorização do Congresso, sendo julgado pelo Supremo.

E concluiu:

— Ora, se o parlamentar pode, e deve ser julgado pelo Supremo, não seria admissível entender-se que, podendo o Supremo exercer a jurisdição criminal sobre um parlamentar, fosse privado do poder de exercer medidas cautelares para, justamente, garantir a sua jurisdição. É óbvio!

Líder do PSDB, Aloysio Nunes Ferreira sorriu diante do senador Aécio Neves. Naquela quarta-feira, 25 de novembro de 2015, 80% dos senadores apoiaram a decisão do Supremo de prender o líder do PT, Delcídio do Amaral.

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Dezesseis meses depois, na sexta-feira 24 de março deste ano, Aécio foi flagrado tomando R$ 2 milhões do empresário Joesley Batista. Malas de dinheiro foram rastreadas com a pessoa por ele escolhida — “um que a gente mata eles antes dele fazer delação”, disse na gravação.

Documentos e depoimentos indicam que o senador mineiro recebeu R$ 60 milhões em propina do grupo J&F na temporada eleitoral de 2014, quando dizia que sua vitória na disputa presidencial significaria “um não à corrupção”. A lavagem do dinheiro foi realizada com notas frias emitidas a empresas indicadas por ele e em repasses a partidos que o apoiaram — contou Batista em juízo. Como contrapartida, “usou o seu mandato para beneficiar" empresas controladas pela família Batista.

Na gravação, Aécio detalhou um plano para induzir o Legislativo à obstrução e à manipulação da Justiça, com o suposto respaldo do presidente Temer: “Eu estive ontem com o Michel para saber também se o cara vai bancar, entendeu? Ele disse que banca.”

Semana passada, o Supremo afastou Aécio do mandato e determinou que durma em casa — medida cautelar, alternativa à prisão. Ele iniciou um levante contra o STF no Senado como tática de defesa. Alega ofensa ao mandato, embora a imunidade parlamentar tenha deixado de ser patrimônio pessoal há 16 anos. Como não é possível rever decisões do Supremo no Legislativo, a estratégia de defesa de Aécio prevê uma crise institucional.

Anuncia-se que o tribunal pode dar meia-volta. Nesse caso, correria o risco de carbonizar a reputação, origem de sua autoridade. O preço da efêmera harmonia seria uma mensagem de impunidade à sociedade: o uso da lei para proteger os que até agora dela conseguiram escapar.

José Casado

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I CHING: seja discreto

A Amazônia não é nossa

A mobilização que levou Michel Temer (PMDB) a reverter a decisão de abrir a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) para a exploração de mineradoras mostra que a Amazônia segue com forte poder simbólico no imaginário dos brasileiros. É também pelo desmatamento da Amazônia que Temer tem apanhado no exterior e tropeçado nos números, cometendo uma gafe atrás da outra. É bastante significativo que as principais derrotas simbólicas do grupo que hoje ocupa o poder executivo e domina o legislativo no Brasil estejam relacionadas à Amazônia. Mas é fundamental perceber que nenhum destes constrangimentos, dentro ou fora do país, estancou o processo concreto e acelerado de privatização das terras públicas na maior floresta tropical do planeta nem freou a crescente violência contra camponeses e povos tradicionais. Para compreender o que acontece na Amazônia hoje é necessário não apenas o famoso “follow the money” (“siga o dinheiro”), mas também outro movimento: siga o sangue.

Desde que Dilma Rousseff (PT) foi tirada da presidência por um impeachment sem base legal, 76 pessoas foram assassinadas na Amazônia por conflitos de terra. A violência na região já era alta no governo de Rousseff e piorou muito e aceleradamente no governo Temer. Em 2016, houve 48 homicídios: 19 no governo Rousseff e 29 no governo Temer. No país inteiro, ocorreram 61 mortes por conflitos agrários. Em 2017, já são 47 assassinatos na Amazônia e 59 no país inteiro. Neste ano, o Pará é o líder em mortes por conflito de terra, com 18 assassinatos, seguido de perto por Rondônia, com 15. Desde que Temer assumiu o poder, há um assassinato por disputa de terras a cada seis dias na Amazônia Legal. E a tendência é de crescimento. Os números são do Atlas de Conflitos na Amazônia, que acaba de ser lançado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pela Rede Eclesial Pan-Amazônia (REPAM).

Para quem atua na Amazônia, a tensão é algo que quase se pode tocar. O momento se assemelha muito ao início dos anos 2000, quando várias lideranças foram executadas pelo que se chama na região de “consórcio da morte”, culminando com o assassinato da missionária Dorothy Stang, em 2005. É importante ter muito claro que, quando Brasília emite sinais de que a bancada ruralista domina o governo, o crescimento da violência é imediato na Amazônia.

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Siga o sangue: os assassinatos estão diretamente ligados à conversão da floresta em propriedade privada

No sudoeste do Pará, a grilagem avança sobre o corredor de áreas protegidas das bacias do Xingu e do Tapajós, incluindo as reservas extrativistas da Terra do Meio. Os avisos de lideranças de que o “consórcio da morte” se rearticula e age com cada vez mais desenvoltura chegam de todos os cantos. E os órgãos que deveria reprimi-lo, como Polícia Federal e IBAMA, dão respostas lentas ou nenhuma, tornando os mais frágeis ainda mais desprotegidos. A situação é cada vez mais explosiva. E que ninguém finja não saber disso nos dias que virão.

Se as mortes de camponeses, indígenas, quilombolas e ribeirinhos soam distantes para quem mora no centro-sul, é preciso compreender que as razões pelas quais estas pessoas são executadas estão bem perto. E o impacto tanto de sua resistência quanto de seu apagamento diz respeito à qualidade de vida de cada um. E não só no Brasil, mas no planeta. É preciso compreender como estas mortes estão diretamente ligadas a algo grave e definidor do futuro: a conversão da floresta amazônica em propriedade privada.

Se a conversão de terras públicas em terras privadas vem acontecendo na Amazônia desde o século 19, o processo ganhou maior sofisticação a partir do final da primeira década dos anos 2000 e, neste momento, avança com uma velocidade estonteante. Para compreendê-lo, vale a pena se debruçar sobre um livro lançado neste ano e acessível a todos na internet: “Dono é quem desmata” – conexões entre grilagem e desmatamento no sudoeste paraense. Nele, os autores Mauricio Torres, Juan Doblas e Daniela Fernandes Alarcon mostram como a “ilegalidade” foi convertida em “irregularidade”. E, assim, o “combate à grilagem” tornou-se o esforço pela “regularização fundiária”, o que quase matou de alegria os grileiros da Amazônia, atores influentes em Brasília.

O processo é sofisticado, a troca de palavras é sutil. Grilagem é a apropriação fraudulenta de terras públicas por indivíduos ou empresas privadas. É crime, portanto. O que pertencia ao Brasil é tomado, em geral pela força, por um indivíduo ou um grupo de indivíduos ou uma empresa. Historicamente, esse roubo de terras públicas era “esquentado” com títulos falsos, obtidos numa intrincada cadeia na qual estavam envolvidos donos de cartórios. Hoje, isso quase não é necessário. Como mostram os pesquisadores, as ilegalidades criam leis, que por sua vez criam novas ilegalidades. O acúmulo de crimes ambientais gerou anistias, que incentivam novos ilícitos, com a certeza de que contarão com novas anistias.

E há muito mais projetos de lei para legalizar o crime na pauta do Congresso, dominado pela chamada “bancada ruralista”. Sempre vale repetir: quando se menciona “bancada ruralista”, não se trata dos produtores rurais que botam comida na mesa da população nem do agronegócio que usa tecnologia para melhorar a produtividade, mas das velhas oligarquias que marcam a história do Brasil, aquelas que só sabem acumular riqueza expandindo-se e apropriando-se do que é público. Produtores rurais sérios, conectados com os avanços tecnológicos e preocupados com os efeitos da mudança climática sobre a produção, não fazem parte dessa turma.

Há uma conexão direta entre grilagem, desmatamento e mortes por conflitos de terra na Amazônia. Do mesmo modo, onde há grilagem e desmatamento há trabalho análogo à escravidão. É este Brasil que se expande na Amazônia neste momento. O mais atrasado, o que funciona a motosserra, bala e escravidão. Era esta a “ponte para o futuro” de que falavam os grupos que levaram o Brasil aos dias atuais.

Leia mais o artigo de Eliane Brum

'Aceite, que dói menos'

Solta, a frase não diz nada. Mas o jargão fez parte de uma conversa que noutro dia ouvi na recepção de um laboratório. Nesses locais em que todos trocam experiências sobre dores, curas, atendimentos médicos, tratamentos diversos, cirurgias, onde também se harmonizam e se fundem “tristes agonias separadas”. Três senhoras falavam sem reservas, o que me permitiu ouvir e até dar pitacos, sobre as consultas médicas a que haviam sido submetidas, pelo que diziam recentemente, em postos de saúde. Cito isso como exemplo da tolerância do cidadão que depende dos serviços públicos de saúde e pelo que comentavam tais senhoras: “Lá na UPA do meu bairro agora tá bom; minha nora esperou noutro dia só duas horas pra ser atendida; eu já esperei até cinco, mas trem de graça a gente não pode reclamar”. Uma pessoa esperar duas horas para ser atendida por um médico e ainda achar razoável porque é de graça. De graça uma ova, minha senhora! Desculpe-me, mas tudo que é serviço público é remunerado por impostos gerados pela sociedade, que trabalha, consome, emprega, produz, transporta, sofre prejuízos, danos, perdas, corre riscos. Se não é suficiente o que se arrecada é porque, em 99% dos casos, se gere mal, se paga mal, se compra mal, se furta, não se controla, alimenta-se uma cadeia de fraudes e corrupção sob o comando de quadrilhas que agem à luz do dia.

O cidadão é humilhado porque assim permite. Ele vai a uma delegacia de polícia fazer uma ocorrência e é, quase sempre, tratado como um bandido da pior estirpe, como se estivesse pedindo um favor. Você vai a uma repartição pública e muitas vezes recebe um tratamento desprezível, nojento, disfuncional, uma afronta.



Ninguém mais pode ser cobrado por uma mínima eficiência no trabalho para o qual recebe dinheiro público para, assim, produzir soluções. Somos tolerantes, concordamos com a descarada desatenção de quem tem obrigação (não é favor) constitucional de servir. Por isso se denominam “servidores públicos”.

Essas posturas estão se agravando a cada dia em todo o país, em todos os espaços onde está o poder público.

Questiona-se com provas, as mais concretas, de sua postura fraudulenta o Executivo, em todos os níveis, em quase todos os Estados e municípios. Encontram-se malas com milhões de reais e dólares, patrimônios inexplicáveis, contas no exterior, impressões digitais nas notas e nas malas do crime, mas não se tem a prova: ninguém viu o acusado tirar do porta-malas do carro aquelas malas e colocá-las dentro de um apartamento que não tem sequer uma cadeira pra sentar. Elas devem ter entrado pela janela. Para lá voaram de alguma pizzaria do bairro.

Vendedores de “quentinhas” para penitenciárias e escolas públicas viram senadores; outros recebem empréstimos sem demonstrar contratos, ou simples promissórias, ou cheques pré-datados, ou até mesmo carnês (como os do Baú), e não podem ser presos ou afastados de seus mandatos porque há sempre um ministro do STF que lê em divergência a Constituição Federal, ou não vê crime nas conversas gravadas entre um empresário que confessa publicamente ser um criminoso e o incauto tomador da merreca de R$ 2 milhões sem qualquer documento assinado. Meu Deus! Nossa desmedida tolerância, a baixa autoestima moral de nossa sociedade, a corrupção geral e horizontal e o favorecimento descarado de grupos que cada vez mais se ampliam geram a criminalidade sem volta, a degradação moral de um povo, o analfabetismo, a violência, o império da droga, a falta de saúde e, por consequência, a miséria social. É daí que equivocadamente se recomenda: “Aceitem, porque dói menos”. Pelo menos até estourar o barril de pólvora no qual estamos sentados.

5% dos brasileiros acreditam em Papai Noel

Se é possível achar graça em alguma coisa, há um projeto em andamento no Palácio do Planalto para tentar melhorar a imagem de Michel Temer. Com 5% de aprovação popular, o presidente em questão está cercado por denúncias, suspeitas, má gestão, e retrocessos. Chega a ser risível pensar em conquistar 95% do eleitorado com peças de marketing.

Quadro político ruim ou péssimo para Michel Temer. Sem margem de erro para menos. Para mais, Governo e Congresso contribuem sempre que podem. Ameaçaram e votaram o fundo eleitoral. Muito dinheiro dos cofres públicos para eleger deputados, senadores, governadores e presidente.

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E não cansam de nos surpreender. Deputados emendaram proposta do programa de refinanciamento de dividas, permitindo que corruptos usem o desconto oferecido a devedores de tributos. Ao incluírem a Procuradora Geral da Republica no rol das instituições autorizadas a receberem o Refis, deputados permitem que a devolução de dinheiro roubado se faça com abatimentos.

O relator da alteração é Newton Cardoso Junior, do PMDB, é sócio de empresa com dividas que somam quase R$ 56 milhões. Confirma o deputado mineiro que a emenda foi avalizada pela Presidência. Ninguém duvida. Escárnio. Escandalo. Sob as bençãos do Planalto.

O interesse de Temer nessas providências é claro. Já está na Câmara a segunda denúncia contra ele, por corrupção e organização criminosa. Tudo indica que nossos impolutos políticos livrarão o presidente. Mas, por todas as razoes, é melhor aguardar.

Os marqueteiros do presidente esperam operar um milagre. Mágica. Para o presidente, melhor seria contornar as imensas dificuldades impostas para terminar o mandato - que nem era dele. Já seria bastante. Os publicitários sabem que o produto não é bom e vem viciado. A maior sorte deles e de Temer é não há um Temer como vice. Mas tem Rodrigo Maia, e é bom ficar atento.

Não dá para rir. E se já está difícil achar graça em alguma coisa do noticiário politico, imagine para quem vive no Rio de Janeiro. Como amigo de Sergio Cabral, Pezão depôs nessa segunda em um dos 14 processos movidos contra o ex-governador. Ao sair, fez declarações pouco ortodoxas sobre acusados e suspeitos - um deles ainda o assessora no governo e ele o considera "super íntegro". Pezão ainda achou excessiva a pena de Cabral, 45 anos. Excessiva, Pezão, tem sido nossa paciência. Pode ter certeza.