segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Nossas vidas nunca mais serão as mesmas

14 de março de 2020. Nesse dia eu tive um pressentimento de que nossas vidas nunca mais seriam as mesmas.

É claro que, como a maior parte dos brasileiros, eu vinha acompanhando as notícias sobre o novo coronavírus. A doença havia chegado há algumas semanas por aqui, e o número de casos confirmados pelo Ministério da Saúde vinha subindo dia a dia - mas ainda eram apenas 362, sem nenhuma morte até então.

Àquela altura a covid-19 já avançava com força na Europa, a ponto de a Organização Mundial de Saúde ter declarado no dia 11 de março que se tratava de uma pandemia. Com quatro “circuit breakers”, a bolsa naquela semana caiu 15,6%, na pior semana desde a crise de 2008, e mesmo assim eu não me abalava.

A ficha caiu quando ouvi uma entrevista de Donald G. McNeil Jr., repórter de ciência do “The New York Times” que já havia feito coberturas sobre epidemias nos quatro cantos do mundo. Ao participar do podcast “The Daily”, o jornalista revelou que, pelo o que havia apurado junto a diversos cientistas, o novo coronavírus poderia ser tão letal quanto a gripe espanhola de 1918.

“Se nada for feito, todos nós perderemos pelo menos uma pessoa próxima por covid-19”, foi a frase que ficou na minha memória.

Naquele mesmo dia 14 de março em que ouvi o episódio com o jornalista do “NYT” compareci à festa de aniversário de um grande amigo - e aquela foi a última vez que fui a um bar. Lá, recebi uma mensagem por WhatsApp informando que a faculdade em que trabalho havia suspendido as aulas preventivamente. Daí pra frente minha vida nunca mais foi a mesma.

Num depoimento dado em 1977, no longínquo ano em que nasci, o artista plástico Abraham Palatnik parecia profetizar o que vivemos em 2020. “O ser humano representa um grande investimento em estudo e aprendizagem ao longo de dezenas de anos. Desprezar esta vantagem seria uma degradação da própria natureza do homem e um desperdício de suas potencialidades.”

O desdém pela ciência, expresso inúmeras vezes pelo presidente da República, cobrou seu preço. “Cenas de terror e tensão, fuga na terra, ira no céu”, cantavam ainda no início da carreira os Titãs, tendo entre eles o punk Ciro Pessoa. “Tomaram tudo o que tínhamos”, clamava o líder Aritana Yawalapati, um dos últimos falantes do idioma tradicional do seu povo, no Alto Xingu.

“Nós estamos órfãos de um projeto nacional. (...) Nós fomos achando que é possível tocar o futuro sem discutir o futuro”, criticou certa vez o ex-reitor da UFRJ e ex-presidente do BNDES Carlos Lessa.

Como o limpador de vidraças do conto “Um discurso sobre o método”, de Sérgio Sant’Anna, estamos suspensos no tempo, sem orientações claras sobre novas medidas de distanciamento social ou ações rápidas para a obtenção de vacinas. “Ele era um homem que vivia nas imediações do presente, pois o passado não lhe trazia nenhuma recordação agradável, em especial, e o futuro era melhor não prevê-lo, de tão previsível”.

Muitos sucumbiram diante da indefinição. Alguns de modo resignado, como na canção de Paulinho do Roupa Nova: “E a hora vai chegar; já não sei como evitar. Eu não vou mais fugir, é tempo de encarar”.

“Daqui dou o viver já por vivido”, sentenciou a poetisa Olga Savary na sua Sextilha Camoniana.

“Pela fresta, é possível ver o céu azul. Acho que atravessei esta porta”. Algodão-doce para você, inesquecível Daniel Azulay.

“Passei o bastão pra vocês, agora sigam e sejam felizes”, disse a atriz Nicette Bruno a seus filhos, mas o conselho serve a cada um de nós.

“Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente”, nos ensinou Aldir Blanc num hino de outros tempos, mais atual do que nunca. “A esperança dança na corda bamba de sombrinha, e em cada passo dessa linha pode se machucar”.

Enquanto escrevo esta coluna, o Brasil registra 190.795 mortes oficiais por covid-19. De acordo com a última pesquisa Datafolha, 8 em cada 10 brasileiros pegou ou conhece alguém próximo que foi contaminado pelo novo coronavírus.

Estudiosos estimam que as duas grandes ondas de gripe espanhola que atingiram o Brasil entre 1918 e 1919 mataram em torno de 35.000 pessoas. Segundo o IBGE, nesta mesma época o Brasil possuía em torno de 30 milhões de habitantes. Grosso modo, pouco mais de 0,1% dos brasileiros sucumbiram à doença.

Um século depois, o país possui pouco mais de 210 milhões. A continuar o ritmo atual de evolução, em breve a covid-19 terá matado o mesmo tanto que a gripe espanhola, em termos proporcionais.

O descaso com a saúde pública no atual governo jogou por terra todo o avanço de higiene, tecnologia e políticas públicas de um século.

As retrospectivas do ano de 2020, a serem veiculadas nos próximos dias, vão precisar de tempo e espaço extra para retratar tantas perdas inestimáveis - inclusive as dez personalidades que eu mencionei expressamente acima.

No meu caso, a profecia do repórter do “The New York Times” se cumpriu na noite do dia 25 de outubro. Sebastião Fernandes Pereira era um grande amigo da minha família, com o qual convivi desde os meus 10 anos de idade.

De riso fácil e conversa atenciosa, deixou órfãos milhares de pessoas que recorriam a ele para buscar conforto e conselho para suas dores da alma.

Tiãozinho virou estatística da covid, mas a falta que ele deixou não tem medida. Por meio dele homenageio as vítimas da doença que marcou este ano, seus familiares e amigos.

Até 2021.

Mula acima do Brasil

 


2020: o ano das verdades inconvenientes

Na Alemanha, quando fronteiras em março e abril foram fechadas para conter o vírus da covid-19, rapidamente se descobriu que a primavera não seria igual às demais. Os dias eram cada vez mais longos e o desabrochar das flores não poderia ser detido. Mas, no campos de legumes da maior economia da Europa, faltava uma peça fundamental: as mãos escuras e ásperas de imigrantes para colher alimentos.

Em poucos dias, o que era impensável se transformou em um realidade: a Lufthansa organizou voos especiais para ir às margens da Europa buscar justamente aquelas populações indesejadas por uma parcela dos alemães. Com as fronteiras fechadas e sem eles, não haveria o tradicional aspargos nos pratos.



2020 marcará nossa geração. Haverá um antes e um depois na história. Mas seja qual for a forma pela qual o futuro irá narrar os acontecimentos deste período, não restam dúvidas de que 2020 foi o ano de verdades inconvenientes.

Ainda nas primeiras semanas da pandemia, a notícia de que o médico responsável por detectar o vírus pela primeira vez e alertar as autoridades tinha morrido gerou uma comoção. Não por conta apenas de sua descoberta. Mas pelos relatos de que ele foi alvo de uma repressão policial chinesa ao tentar avisar ao mundo de que um novo vírus ameaçava a humanidade. A verdade inconveniente, em 2020, é que a censura de uma ditadura é real e mata.

À medida que o vírus se espalhava, governos travavam batalhas comerciais para garantir máscaras e respiradores. Governos como o de Angela Merkel chegaram a colocar barreiras para impedir a exportação, enquanto relatos e proliferavam de operações já em pistas de decolagem para desviar carregamentos.

Não foi muito diferente quando a vacina chegou. Países ricos esvaziaram as prateleiras, ficando com bilhões de doses e um volume suficiente para imunizar várias vezes suas populações. Enquanto isso, países pobres fazem filas humilhantes em busca de garantias de que pelo menos uma parte desses avanços na pesquisa cheguem às suas populações.

A verdade inconveniente de 2020 é de que a ciência não beneficia todos ao mesmo tempo. E, uma vez mais, as inovações chegam primeiro para Margarets, e não para Marias. Chegam para Steven ou John, e não para Severinos.

Também foi o ano em que uma parcela de economistas foi confrontado por uma dura realidade que minava um discurso bem ensaiado de que o liberalismo cego, a privatização inclusive de serviços básicos e o papel apenas regulador da administração pública eram sinais de avanço e modernidade. Diante do colapso da economia mundial e da crise, se escutava por ruas escuras, corredores higienizados e manchetes: onde está o Estado?

2020 foi o ano ainda em que ouvimos do FMI um apelo aos governos: gastem o que tiverem de gastar para socorrer suas populações. Aquele mesmo que passou décadas ensinando governos as belezas de austeridade. O que está em jogo não são apenas vidas humanas. Mas a estabilidade de um sistema.

Nas periferias dos EUA, nos bairros mais pobres das grandes cidades britânicas ou nas favelas no Brasil, o vírus matou mais. A análise da Kaiser Health News, por exemplo, revelou que os negros americanos de 65 a 74 anos morreram de covid-19 cinco vezes mais do que os brancos na mesma faixa etária.

Quando as escolas fecharam e estudantes foram instruídos a usar a Internet de casa, “descobriu-se” rapidamente que aquele instrumento revolucionário da web não era universal. Dois terços das crianças em idade escolar do mundo - ou 1,3 bilhão de crianças de 3 a 17 anos de idade - não têm conexão à Internet em suas casas, de acordo com um relatório da Unicef e da União Internacional de Telecomunicações.

A verdade inconveniente é que, em 2020, a Internet não é para todos. Não há um fosso entre diferentes grupos. Há um oceano de distância entre a porção conectada do mundo e aqueles que apenas sonham com um lápis.

Quando a OMS sugeriu que todos lavassem suas mãos na esperança de frear a pandemia, descobriu que 25% dos postos de saúde pelo mundo não contavam com água. Também se descobriu que milhões de pessoas viviam no fio de uma navalha e que qualquer abalo os jogaria de volta a uma pobreza profunda. A fome voltou e o futuro ficou mais distante.

Quando governos tentaram sair ao socorro de suas populações, se depararam com a constatação de que direitos, formalidades e redes de proteção se limitavam apenas a uma minoria privilegiada.

Em 2020, mais de 2 bilhões de trabalhadores atuam na informalidade. Ou seja, 62% de todos os que trabalham no mundo. Nos países de renda baixa, essa taxa chega a 90%.

Quando bares, hotéis e restaurantes fecharam na rica e sofisticada cidade de Genebra, das sombras surgiu uma fila inesperada e inconveniente de milhares de pessoas esperando pela entrega de sacos de comida por grupos de caridade. Eram os imigrantes que, escondidos em cozinhas, lavanderias e nos bastidores do luxo, garantiam que o sistema funcionasse.

E quando, já exaustas, sociedades receberam a notícia de que uma empresa alemã havia descoberto uma vacina com uma alta chance de eficácia, a verdade inconveniente é que, de fato, tal conquista havia sido atingida por um casal de imigrantes turcos. Teriam eles conseguido entrar hoje na Europa?

Guias foram elaborados por autoridades sobre como se despedir daqueles que amamos. Mas não existe guia para a falta de um abraço, de um ombro ou de uma mão que oferece um lenço. A verdade inconveniente é de que o luto faz parte da vida.

Em 2020, um espelho foi colocado diante do mundo. E, como uma realidade que não se pode ignorar, esse mundo não teve o poder de escolher apenas os reflexos que interessavam. A imagem que despontou era intransigente. Não tolerou manipulações. Sim, ali estavam a genialidade humana, a solidariedade e a beleza. Mas também verdades inconvenientes que preferiríamos não ver.

Elas nunca estiveram escondidas e 2020 forçou a suspensão de um cegueira coletiva e deliberada.

Poderemos optar por fechar os olhos de novo. E certamente muitos escolherão esse caminho em 2021. Mas, no silêncio envergonhado de alguns, no pesadelo de noites de calor ou na reflexão íntima de nossos destinos comuns, não há mais como apagar do inconsciente as imagens de um mundo insustentável.
Jamil Chade

Cacaso previu a ‘nova política’

Dois anos depois da eleição de Wilson Witzel para o governo do Estado do Rio e passados quatro da vitória de Marcelo Crivella para a prefeitura da cidade, a “nova política” mostrou seu verdadeiro rosto. Como dizia o poeta Cacaso (1944-1987):

Ficou moderno o Brasil,
Ficou moderno o milagre
A água já não vira vinho,
Vira direto vinagre.

Witzel e Crivella teriam sido algo novo. Um perdeu o mandato e batalha pela liberdade. O outro está preso em casa. A água que viraria vinho nem vinagre virou, tornou-se apenas uma lama velha.

Witzel prometia tiros nas “cabecinhas”e Crivella oferecia lances místicos enquanto aninhava milicianos na prefeitura. Foram novos na empulhação. Ocupando os cargos, nem na roubalheira inovaram. Basta ver a onipresença do “Rei Arthur”, nas maracutaias da “nova política”. Ele era o donatário das comissões para fornecedores durante o mandarinato do “gestor” Sérgio Cabral.

Como disse o grande Príncipe de Salinas no romance “O Leopardo”, tudo isso não deveria poder durar, mas vai durar.

Cabral roubava criando ilusões modernistas, como o teleférico do Morro do Alemão, que continua parado. Witzel, que fez campanha na Baixada Fluminense amparado na lógica política dos bicheiros, atolou-se com velhas quadrilhas. Um era o falso moderno, o outro, o verdeiro atraso. Crivella recorreu a milicianos, coisa que Cabral nunca fez ostensivamente.

O único ingrediente de originalidade municipal, estadual e federal da “nova politica” é a demofobia explícita. Ela demoniza a pobreza, nega a pandemia e vive em contubérnio com as milícias. O resultado disso está na sala dos brasileiros: vacinas contra a Covid, só no noticiário internacional.

Água vira vinagre quando se sabe que há mais de cem anos D. Pedro II fez questão de cumprir o isolamento social durante uma passagem por Portugal, e hoje o general-ministro da Saúde diz a parlamentares que não devem falar nisso.

Na madrugada de 17 de novembro de 1889, quando o imperador foi posto em um navio e desterrado para a Europa, ele disse: “Os senhores são uns doidos”. 

Parecia que o doido era ele.

Deitado eternamente num catre de madeira

Sei que não é de bom tom fechar o ano numa nota pessimista, mas parece-me pior fazê-lo numa nota mentirosamente otimista.

Quantos de nós conservamos a esperança que tínhamos até poucas décadas atrás, a de que nossa geração veria um País mais desenvolvido, com mais bem-estar, escolaridade e civilidade? O problema, como ninguém ignora, é que não temos sido capazes de retomar o crescimento econômico em bases sustentáveis e, quiçá pior, nem temos uma consciência exata das raízes sociais e institucionais de nossa estagnação.

Há exatos 30 anos, dissecando o período Geisel-Collor, o economista Alkimar Moura definiu o objetivo de seu texto com estas palavras proféticas: “A ênfase reside nas políticas macroeconômicas de curto prazo, pois as preocupações mais largas com crescimento econômico, mudança estrutural e justiça social foram soterradas pelas violentas flutuações conjunturais que assolaram a economia brasileira nos últimos anos. Além disso, não se pretende oferecer nenhuma interpretação original para nossas recorrentes mazelas econômicas, pois a literatura econômica disponível é pródiga a esse respeito”.

Para chegarmos exatamente ao mesmo quadro, e torná-lo mais aterrador, basta acrescentar a pandemia às “violentas flutuações conjunturais” a que Alkimar Moura se referiu. Com uma ressalva: a pandemia já matou e ainda vai matar muita gente, mas por si só não explica o pessimismo (realista) que hoje permeia nossa sociedade. Exceção feita ao agronegócio, cujo desempenho é formidável, a verdade é que estamos parados, ou retrocedendo. Deitados eternamente num modesto catre de madeira.



Igualmente incapaz de oferecer alguma interpretação original, tocarei mais uma vez em questões já bastante exploradas. A questão central é, a meu juízo, a perda do dinamismo. O Brasil atual carece de impulso, de uma força ou um processo que o leve a superar a chamada “armadilha do baixo crescimento”. O leitor poderá objetar que, mesmo com o produto interno bruto (PIB) crescendo a taxas medíocres, o País poderia estar melhorando. Poderia estar aprimorando suas instituições, revolucionando seu sistema de ensino, reduzindo a violência endêmica e, não menos importante, alojando os corruptos nos aposentos que lhes seriam adequados. É óbvio que nada disso está acontecendo, e que não há exagero em afirmar que estamos regredindo em todos esses aspectos.

Esquematicamente, podemos identificar três causas para a falta de impulso: uma, derivada da estrutura social lato sensu; outra, devida à má organização das instituições de governo; e uma terceira, de mais difícil identificação, decorrente da inexistência entre nós de uma elite digna de tal denominação. No tocante à estrutura social, o termo estrutura nem parece apropriado. Não temos uma classe média, ou camadas médias bem delineadas, assentadas em pequenas e médias propriedades, urbanas e rurais. Temos um enorme conjunto informe, ameboide, constituído por pessoas que vivem de empregos mal remuneradas e de má qualidade, sem perspectiva e sem incentivos de ascensão.

Nesse conjunto é preciso incluir os desempregados e os que não estão tecnicamente desempregados porque já não têm ânimo para procurar emprego. Pessoas que pagam seus impostos (até porque a maioria deles está embutida no preço dos produtos), cumprem seus deveres eleitorais, etc., mas das quais não é razoável esperar pressões contínuas e racionais sobre as autoridades – menos ainda agora, que estão desmobilizadas pela pandemia – com vista a engendrar o impulso a que me referi.

Nossa organização institucional acopla o sistema de governo presidencialista a um multipartidarismo alucinado, sem dúvida a pior combinação jamais inventada. A dúvida que alguém pudesse ter a respeito dessa afirmação foi para o espaço, na era Lula, com o mensalão e o petrolão. O orgulho de termos ampliado generosamente o eleitorado, tornando-o tão abrangente como o dos países mais desenvolvidos, foi desmontado com um peteleco pela megacorrupção empresarial, que esfarelou todo o sistema de partidos.

No Brasil, a fragilidade da estrutura social e das instituições políticas é agravada pela inexistência de uma elite dotada de certa organicidade. Nas ciências sociais, há quem empregue o termo elite para se referir apenas aos ápices de quantas pirâmides queiramos construir com base em critérios de prestígio, renda, escolaridade, etc. Essa acepção é pobre, pois designa apenas agregados estatísticos. O sentido que ora nos interessa diz respeito a grupos reais, que se destacam não apenas por possuir recursos vultosos, mas também por certa autoconsciência e coesão e exemplaridade no tocante a valores. É graças a tal combinação de atributos que elites influenciam a política pública, balizam as ações dos governos e, em certas conjunturas críticas, os próprios destinos do país. Isso, decididamente, é o que não temos atualmente no Brasil.

Precisamos de ânimos desarmados, não de mais radicalização. Como está não pode dar certo.

Sincronia mortal

Para termos uma chance real de vencer o vírus em 2021 precisamos vacinar mais de 500 mil pessoas por dia, todos os dias, ao longo do ano, precisamos diminuir em 5 a 10 vezes o número de novos casos de infecção a cada dia, e precisamos usar vacinas com a maior eficácia possível. 

 E para que tudo isso ocorra precisamos de um presidente e um ministro da Saúde com vontade e capazes de executar essa missão. Confesso que não estou otimista e continuo a acreditar que a estratégia do Brasil é a IRPI (imunidade de rebanho por incompetência). Espero estar errado

Fernando Reinach

Viva o povo brasileiro e o seu condutor!

Vitor Neves
O presidente Jair Bolsonaro e os brasileiros se merecem. Antes que o dito possa soar como um insulto (no caso a uma parte dos brasileiros), avanço na justificação.

Pouco importa que ele seja um presidente acidental, em grande débito com a facada que levou em Juiz de Fora quase às vésperas da eleição e com o antipetismo de raiz.

Colheu mais de 56% dos votos no segundo turno da eleição. Sua vitória não foi contestada por ninguém, a não ser por ele mesmo que viu fraude no primeiro para impedi-lo de se eleger logo.

Depois de dois anos de (des)governo, continua sendo bem avaliado. Em todas as pesquisas de intenção de voto feitas até aqui, derrota com conforto seus eventuais adversários em 2022.

Assim, sente-se liberado para dizer o que pensa, e o faz sem temer revezes. E sem que isso cause severos danos à sua imagem. Afinal, o que diz é o que está na cabeça da maioria dos que o apoiam.

Desfila sem máscara por aí quando a pandemia se aproxima do número oficial de 220 mil mortos e de quase 8 milhões de infectados. E daí? Não é o que vemos por toda parte?

O governo de São Paulo adotou medidas de isolamento para barrar o avanço do vírus no período de festas do fim de ano. Dezenas de cidades praianas do interior do Estado não ligaram para isso.

Em Manaus, ontem, centenas de pessoas ocuparam as ruas do centro para protestar contra iguais medidas, e depois tentaram depredar a casa do governador.

Foram aclamadas nas redes sociais pelo deputado Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, que, como o pai, quer mais é ver o povo nas ruas e, de preferência, armado.

Neymar convidou 500 amigos para cinco dias seguidos de festa na sua mansão em Mangaratiba, no litoral do Rio. Ora, o dinheiro é dele, irá quem quiser e celebridade pode tudo.

Cresce o número de países na América Latina que começaram a vacinar seus habitantes. É o caso, por exemplo, do México, Costa Rica, Colômbia, Chile e, agora, Argentina.

Se tudo correr bem, e não tem corrido desde o início da pandemia, só começaremos a ser vacinados no fim de fevereiro. São Paulo que começar antes, mas poderá ser impedido.

Bolsonaro não se sente pressionado pelo fato de outros países já terem começado a vacinação em massa. “Não dou bola pra isso”, comentou com a maior desfaçatez.

E desqualificou as vacinas: “Tudo que eu vi até agora em vacina que poderão estar disponíveis tem uma cláusula que diz que eles não se responsabilizam por qualquer efeito colateral”.

Sua parceria com o vírus foi bem-sucedida até aqui, a levar-se em conta a indiferença dos brasileiros que não o culpam pelas mortes. Por que deixaria de ser daqui em diante?

É fato que era de 19% o índice dos que em junho deste ano apontavam a Saúde como o principal problema do país e, agora, é de 27%, segundo pesquisa recente do Datafolha. Mas, e daí?

Em março de 2011, o índice era de 31%, chegou a 48% em junho de 2013 e, em dezembro de 2014, foi a 43%. E não houve pandemia em nenhum desses anos.

Mudou o Natal ou mudamos para pior?

Pensamento do Dia

 

Oguz Gurel

Sem vacina

Não, não quero ser vacinado. Ainda não.

Ao contrário dos seguidores do presidente, a razão não é desconfiar da eficácia da vacina, ou acreditar que contrair a doença é a melhor prevenção. Muito pelo contrário.



Tenho respeito pela ciência e pelos protocolos da medicina que salvam tantas vidas. Fosse uma decisão solitária, não teria dúvidas de que seria vacinado de bom grado.

Meu problema é que a decisão não é solitária. Haverá poucas doses disponíveis nos próximos meses e outras pessoas precisam delas mais do que eu. Há os profissionais de saúde que têm que cuidar de doentes. Há os que cuidam da limpeza e da segurança nos espaços públicos. Todos eles deveriam ter prioridade na distribuição de vacinas.

Sei que a vacinação em massa não será rápida aqui como em outros países. Assim é a vida. Votamos em candidatos destrambelhados e mesmo assim achamos que tudo ficaria bem? Não deveria surpreender a falta de plano estruturado para cuidar da saúde.

A maioria escolheu este governo e agora cabe aceitar as consequências. Alguns acreditaram que o ministro da Saúde, um general especializado em logística, deveria saber cuidar de logística. Deu no que deu. A incompetência dos militares tem desmoralizado a caserna.

Outros defenderam que a estabilidade dos servidores públicos, com remuneração bem maior do que os demais trabalhadores, garantiria que as políticas de Estado estivessem acima das idiossincrasias do presidente de plantão. Estavam errados.

Nos EUA, não há estabilidade para servidores como a que temos por aqui. Lá, porém, o Estado funciona, e a vacinação já começou, resultado de um minucioso planejamento iniciado em abril.

Muitos países compraram, meses atrás, vacinas de diversos produtores sem saber de antemão qual seria bem-sucedida. O cuidado com a saúde incluiu adquirir os insumos necessários, como seringas, organizar a logística e definir os critérios dos grupos prioritários a serem vacinados.

Nada disso foi feito adequadamente no Brasil. Estamos atrasados até em comparação com o México, cujo presidente também minimizou a gravidade da pandemia, mas que já começou a vacinar a população.

Esta crise revelou a incompetência e insensibilidade de diversas áreas do setor público, não apenas do Palácio do Planalto. Muitas crianças estão sem aula há quase um ano, o que pode ter consequências desastrosas para o seu aprendizado.

Nestes tristes tempos, ministros do Supremo e promotores públicos, trabalhando de casa, com emprego e salário garantidos, pedem para furar a fila da vacinação. 

Milagre de Natal

Com as incertezas nas eleições no Congresso, seria preciso que o presidente Bolsonaro finalmente assumisse as funções políticas inerentes a seu cargo. Algo como um milagre de Natal.

Sem partido e sem qualquer habilidade para construir uma base no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro chega à metade de seu mandato mais fraco do que nunca. Sua sobrevivência política agora depende exclusivamente dos humores do Centrão, punhado de partidos fisiológicos que prometem manter o presidente no cargo e ajudar a blindar sua família encrencada na Justiça até o momento em que isso lhes for conveniente.

O aspecto mais grave da fragilidade do presidente, num regime presidencialista, é que o governo não tem qualquer controle sobre a pauta legislativa, deixando a cargo do Congresso a tarefa de determinar as prioridades e ditar o ritmo da política.

Na terça-feira passada, dia 22, a Câmara dos Deputados deu mais um dos muitos exemplos dessa confusão. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, pautou a votação de uma emenda constitucional que aumenta o repasse da União para o Fundo de Participação dos Municípios, projeto que a equipe econômica considera inviável. No entanto, os parlamentares governistas silenciaram, deixando à equipe econômica a tarefa de advertir sobre os riscos fiscais embutidos na aprovação da medida.

Neste, como em outros casos, o desfecho não depende dos desejos da equipe econômica nem do outrora poderoso ministro Paulo Guedes, mas sim exclusivamente do jogo político do Congresso, às voltas com a sucessão de suas Mesas Diretoras, o que agrava o clima de incerteza.

A depender do resultado da eleição para as presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro, é possível que o Congresso, que já não é conhecido exatamente por sua parcimônia com o dinheiro público, abandone o caminho das reformas e acelere gastos, tendo em vista imperativos eleitorais. E o governo, com o chefe que tem, pouco pode fazer a respeito. Ao contrário, é provável que parte da previsível gastança seja estimulada pelo próprio Bolsonaro, interessado em auferir lucros demagógicos na sua campanha pela reeleição.


Assim, Bolsonaro começará a segunda metade de seu mandato exatamente como está terminando a primeira: como mero espectador da pugna parlamentar. Desinteressado de montar seu próprio partido, Bolsonaro age como se ainda fosse um deputado do baixo clero. A reboque do Centrão, o presidente renunciou àquela que talvez seja a principal tarefa de um presidente: liderar.

É claro que Bolsonaro não lidera pela simples razão de que não tem nenhuma competência ou inclinação para isso. Mas que ninguém se engane: o presidente é especialista em fazer-se onipresente na vida nacional. Raros são os dias em que Bolsonaro não manifesta alguma opinião grosseira ou irresponsável, chamando para si os holofotes da mídia e causando indignação.

Se é uma tática ou simplesmente da natureza do presidente, pouco importa: o fato é que, enquanto o País gasta suas energias discutindo as barbaridades presidenciais, o Centrão se organiza e amplia sua influência no governo, tornando-se seu verdadeiro esteio.

Para o País, é o pior dos mundos. Um governo ausente do debate político estimula o protagonismo do Congresso, que seria natural num regime parlamentarista, mas é exótico – e arriscado – no presidencialismo. Arriscado porque, sem um Executivo atuante e determinado, o Legislativo, por sua natureza multifacetada e por ser permeável a pressões de todo tipo, dificilmente alcança a convergência necessária para tomar as decisões graves que o País demanda. E o presidencialismo não tem os mecanismos naturais de correção de erros políticos que tem o parlamentarismo. O mais provável é que, deixado à sua própria sorte, o Congresso se consuma em lutas internas, postergando as reformas, atrasando a retomada do desenvolvimento e ampliando a crise fiscal.

Nos últimos dois anos, o desastre foi evitado porque a liderança do Congresso estava entregue a políticos habilidosos e responsáveis o bastante para arrancar um raro consenso em torno das reformas. Mas o comando da Câmara e do Senado vai mudar em breve, e nada garante que a próxima direção terá esse mesmo compromisso com o futuro do País. Por essa razão, mais do que nunca, seria preciso que o presidente Bolsonaro finalmente assumisse as funções políticas inerentes a seu cargo. Algo como um milagre de Natal.

Nacionalismo de coveiros


Não podemos deixar que os nacionalismos fechados nos impeçam de viver como a verdadeira família humana que somos. Não podemos também deixar que o vírus do individualismo radical nos vença e nos torne indiferentes aos sofrimentos de outros irmãos e irmãs 
Papa Francisco

Sem vacina, sem seringa, sem agulha e sem rumo

Apesar de assemelhar-se a um refrão de sucesso de carnavais passados, o título da minha última coluna de 2020 certamente não tem qualquer ambição de servir como inspiração para alguma futura marchinha carnavalesca. Pelo contrário, ao tentar reproduzir o estilo literário predileto do último astrofísico-poeta da humanidade, o persa Omar Khayan, que viveu entre os séculos XI e XII, esta quadra sem rima rica tem como propósito expor, de forma nua e crua, a situação trágica vivida pelo Brasil, depois de nove meses de uma pandemia que nunca esteve sob controle das autoridades governamentais e que ameaça atingir níveis ainda maiores de casos e óbitos nas próximas semanas.

Além dos quatro itens, que fazem parte da “Lista dos Sem”, como a batizei, eu poderia continuar enumerando outras várias razões que transformaram o Brasil num verdadeiro navio à deriva, uma nau “Sem capitão”; um barco gigantesco que, “Sem comando”, se contenta em vagar às cegas num vasto oceano viral, à mercê de ventos e correntes fatais, que ameaçam conduzir este nosso Titanic tupiniquim, depois da maior crise sanitária da nossa história, para dentro de um redemoinho que pode culminar na maior catástrofe socioeconômica jamais vivida abaixo da linha do equador.

O meu alarme decorre de uma simples análise de risco do cenário atual. Por exemplo, apesar de inúmeros avisos prévios, mesmo antes das festas de final e ano, o Brasil já sofre com uma nova explosão de casos e óbitos de covid-19. Esta escalada de casos, gerada pelo afrouxamento das medidas de isolamento social, abertura desenfreada do comércio e pelas aglomerações eleitorais, desencadeou uma segunda onda de superlotação hospitalar em todo país, com algumas capitais atingindo taxas de ocupação de leitos de UTI acima de 90%. Sem qualquer plano de comunicação de massa para alertar a população sobre os riscos que, em razão das aglomerações geradas no período das festas de final de ano, esta nação enfrentará uma explosão ainda maior de casos e óbitos, como ocorrido no período após o feriado de Ação de Graças nos Estados Unidos, quando o “Sem governo” ―ou seria (des)governo?― abandonou sua população à própria sorte. Não é à toa, portanto, que boa parte do país hoje se orienta através do último boato de Whatsapp a viralizar nas redes sociais. Acima de tudo, entre outros crimes lesa-pátria cometidos em 2020, há uma total falta de informações confiáveis e recomendações apropriadas para orientar a população em como proceder para se proteger contra o coronavírus, antes da chegada de uma vacina eficaz e segura.

Mas os absurdos não param aí. No país do “Sem a menor ideia”, técnicos do Tribunal de COntas da União (TCU), depois de minuciosa auditoria, concluíram que não existe planejamento estratégico minimamente aceitável para a distribuição de equipamentos de proteção, kits de testes, bem como de seringas e agulhas, e de vacinas ―até mesmo porque ninguém sabe qual ou quais serão usadas― para todo o território nacional. Se tudo isso não fosse o suficiente para gerar alarme em Pindorama, mesmo depois de vários países terem proibido todos os voos, de passageiros e de carga, oriundos do Reino Unido, para evitar a propagação de uma nova cepa mais contagiosa de SARS-CoV- 2, que provocou o estabelecimento de novo lockdown na Inglaterra, o espaço aéreo brasileiro continua aberto, e nossos aeroportos continuam não checando os passageiros, permitindo desta forma que diariamente novos casos de viajantes infectados possam entrar no Brasil, sem qualquer tipo de controle sanitário.

Diante desta situação dantesca, o Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste publicou na última sexta-feira o seu Boletim de número 13. Nele, além da análise minuciosa da situação atual e futura de cada um dos Estados nordestinos, o comitê fez uma série de recomendações emergenciais para os nove governadores da região. Dentre elas, a mais urgente é a que os governadores nordestinos levem a seus colegas de todo o Brasil a proposta de criar, em caráter emergencial, uma Comissão Nacional de Vacinação, formada pelos principais especialistas na área, para atuar de forma independente do Ministério da Saúde e do Governo federal e criar um Plano Nacional de Imunização efetivo e seguro, a ser implementado em todo território nacional, através da ação conjunta de todos os Estados brasileiros. Esta proposta traz à luz do dia a verdade que ficou escondida em baixo do tapete durante todo o ano de 2020: sem uma ação coordenada de todo o país, envolvendo medidas sincronizadas de isolamento social, bloqueio sanitário das rodovias em todas as regiões do país, e uma campanha nacional de vacinação, o Brasil não conseguirá derrotar a covid-19 nem a curto prazo, nem a médio prazo. E o custo desta omissão será épico, em termos de centenas de milhares de vidas perdidas.

Depois de quase 200.000 mortes, não há mais nenhum tempo a perder se a sociedade brasileira deseja realmente evitar que no Natal de 2021 tenhamos mais de meio milhão de mortos como consequência daquela que já entrou para a história brasileira como a pandemia dos “Sem Noção”.
Miguel Nicolelis

O que Jairzinho não aprendeu, Jair jamais aprenderá

O cantor Fagner concedeu entrevista ao jornal O Globo, na qual diz que se arrepende de ter votado em Jair Bolsonaro em 2018. "Votei para que tocasse o Brasil, não para falar besteira", diz ele, a certa altura. Numa outra: "A atuação do Bolsonaro é ridícula. Ninguém está precisando ouvir as loucuras que ele fala. (...) Quero que governe!"

É uma reclamação que se ouve com mais frequência de eleitores de Bolsonaro arrependidos, como o colega cantor de Fagner, Lobão, ou o deputado Alexandre Frota. Isso me surpreende por três motivos.

Em primeiro lugar, Jair Bolsonaro construiu toda sua carreira de 30 anos como político dizendo "loucuras" e "besteiras". O que Fagner e os demais esperavam? Que ele entenda aos 65 o que não entendia aos 45? Na Alemanha existe um belo ditado, que traduzido diz mais ou menos assim: "O que Hansinho não aprendeu, Hans jamais aprenderá". Pode-se dizer também que um adulto que deseja publicamente a morte de 30 mil brasileiros ("Se ​​vai morrer alguns inocentes, tudo bem. Em tudo quanto é guerra morre inocente") não se torna um Gandhi só porque ganhou uma faixa listrada de amarelo e verde para pendurar no corpo.

Em segundo lugar, surpreende o apelo de Fagner para que Bolsonaro governe. Aparentemente, Fagner espera que ele seja competente na solução dos numerosos problemas do Brasil. Gostaria que os eleitores do presidente me dissessem quando Bolsonaro alguma vez demonstrou competência para algo em sua carreira, fora ser reeleito a cada quatro anos ou colocar seus filhos na lucrativa política brasileira. Na pandemia do coronavírus fica agora evidente de forma exemplar como o desprezo pelo ser humano e a incompetência do presidente e de seu ministro da Saúde colocaram o país numa situação catastrófica.

Em terceiro lugar, e o que mais me assombra, é que Fagner critica o presidente pelo lado completamente errado. Não são as "loucuras" que mais incomodam, mas a crescente corrupção sob o governo de Bolsonaro, com a qual o Brasil vai se acostumando. Supostamente, este governo queria restaurar a lei e a ordem e combater a corrupção.



Em vez disso, criminosos são apoiados, como os grileiros na Bacia Amazônica. Eles estão ocupando ilegalmente terras públicas – terras que são de todos os brasileiros, inclusive de vocês, caros leitores – e destruindo a flora e a fauna. Mas esse governo recompensa os criminosos por meio da impunidade e da isenção de multas. Não é à toa que o próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem seus problemas com a Justiça. Em 2018, ele foi condenado em São Paulo por improbidade administrativa. Este ano, é investigado e teve o sigilo bancário quebrado pelo Ministério Público de SP. Existe suspeita de crimes de sonegação e lavagem de dinheiro. O MP divulgou que o ministro teria enriquecido R$ 7,4 milhões em cinco anos atuando no governo do estado.

Outro exemplo é o recentemente demitido ministro do Turismo, Marcelo Álvaro. A PF já o indiciara em 2019 como chefe do esquema de laranjas do PSL. A PF pediu que ele fosse condenado por três crimes. Mas ele continuou no governo até este dezembro. Foi demitido por uma briga interna no gabinete e não por corrupção. Mesmo assim, o presidente e seus seguidores repetem incansavelmente que não existe corrupção neste governo. Não existe para quem não quer ver.

Basta olhar para a própria família do presidente. Parece que está tentando privatizar o Estado brasileiro para colocá-lo aos seus interesses. Nisso não é muito diferente da sempre tão criticada Venezuela, onde uma pequena elite corrupta sequestrou o Estado e o está usando para seus interesses. O caso do filho Renan Bolsonaro, o 04, que utilizou gratuitamente, em benefício da sua empresa, uma produtora que presta serviços ao governo federal, também poderia ter acontecido por lá. É coisa de republiqueta de bananas.

Assim como o caso Flávio Bolsonaro, que segundo o Ministério Público por anos roubou dinheiro público e também tinha uma proximidade surpreendente com a máfia do Rio. Para ser bem claro: Flávio Bolsonaro, filho do presidente, é acusado de ter roubado o dinheiro dos seus impostos, caros leitores! Mas o aparato estatal do Brasil (também financiado com seus impostos) agora o ajuda a se defender dessa investigação: para esse fim, foi usado o serviço secreto, a Abin. A Abin serve, segundo sua própria descrição, "para garantir a segurança da sociedade e do Estado brasileiro". Não deve resolver problemas pessoais dos filhos do presidente.

Em países normais, tudo isso daria origem a uma crise de Estado. Mas no Brasil as coisas anormais viram normais. As pessoas já se habituaram aos roubos de terras públicas e aos enormes incêndios que a cada ano destroem um pouco mais da maravilhosa natureza do Brasil. Ministros "um pouco corruptos" são considerados normais. E, obviamente, o presidente acredita que ele e sua família estão acima da lei.

Que ele toda hora fale "besteiras" é até o menor dos males.
Philipp Lichterbeck