sexta-feira, 15 de abril de 2022

Um lamento amazônico

Nos últimos dias de uma nova viagem pela Amazônia, leio que o Facebook derrubou uma rede de perfis falsos que espalhavam fake news sobre a região, composta, entre outros, por dois militares da ativa. Lembrei-me de uma das tarefas básicas para salvar a Amazônia de uma destruição irreversível: convencer as Forças Armadas e obter uma sintonia de todas as energias nacionais nesta gigantesca tarefa.

Creio que é necessário intensificar o debate. A visão de desenvolvimento da Amazônia articulada no governo militar não corresponde à realidade dos fatos. Considerar a floresta um inferno verde e supor que o melhor caminho é construir estradas e levar para ali o que chamamos de civilização é equívoco não só econômico, mas também estratégico.

Passei três semanas falando com empreendedores na floresta. Eles são incontáveis na Amazônia, desde produtores de chocolate até criadores de abelhas, dizimadas pela plantação de soja, sem falar em quem trabalha com o açaí e a castanha, dois produtos vitoriosos inclusive no mercado internacional.


É uma região fabulosa para o turismo, com uma infra ainda precária, e tem 15% das águas do planeta. É mais ou menos como ter, no século passado, 15% das reservas planetárias de petróleo. A diferença é que água é vida.

Atuei mais uma vez com as principais ONGs que operam na região e considero um equívoco supor que estejam a serviço de forças estrangeiras que cobiçam nossas riquezas minerais.

Creio que todos esses mitos estão por trás da rede de fake news composta por militares, embora os dois estivessem atuando, ao que tudo indica, por iniciativa própria, sem consentimento da cúpula.

A única saída é atrair as Forcas Armadas para um debate cordial. A Aeronáutica, por exemplo, colocou Jacareacanga no mapa nacional. Construiu um aeroporto no lugar. O nome de Jacareacanga era o destino dos oficiais rebelados contra o governo, na década de 1950. Hoje, Jacareacanga é um lugar onde se explora ouro. Mas o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade é um dos piores do País. Como defender isso?

As populações ribeirinhas de Santarém e de outros pontos do Pará são contaminadas pelo mercúrio no Rio Tapajós. O ouro enriquece poucos e empobrece e ameaça a saúde de muitos.

Creio que é necessário, também, falar um pouco da retenção de carbono. Conheci uma árvore chamada castanha-de-macaco, da família do jequitibá, que tem 1.400 anos de idade e 47 metros de altura. Pesquisa baseada no seu diâmetro indica que, derrubada, ela vai emitir a mesma quantidade de emissões anuais de 4 mil brasileiros. A dimensão econômica da retenção do carbono é uma decorrência de sua importância ambiental.

Não é possível que todos esses argumentos escapem aos militares, que ainda veem a floresta como centro da cobiça estrangeira e concentram suas críticas nas ONGs que, na verdade, são financiadas por indivíduos no mundo inteiro preocupados com o aquecimento global.

Uma das ONGs, a Renctas, por exemplo, dedica-se ao combate ao tráfico de animais. Parece algo simples, mas não é. Os traficantes exportam micos até em garrafas de café. O movimento descontrolado de animais para a cidade é um perigo. Ao lado do desmatamento, é a grande ameaça de novas epidemias.

Sou favorável a uma exposição transparente do trabalho das ONGs. Mas o governo não as vê da mesma maneira. Missionários, por sua vez, atuam ali de forma descontrolada. Relata-se que o encontro do grupo norte-americano New Tribes Mission pode ter trazido doenças para os zoés. Os índios fugiram para a mata e decidiram não se reproduzir, até ganharem confiança novamente. Só recentemente voltaram a nascer zoés.

A razão da disparidade de tratamento é simples: os missionários representam uma posição cara ao governo Bolsonaro e à cúpula militar: a integração e dissolução dos índios na sociedade abrangente.

A ideia de conversar e convencer parece romântica. Mas os fatos demonstram o contrário. Durante a pandemia, governo e ONGs atuaram em conjunto na Amazônia. Avião e barcos do Greenpeace levaram medicamentos, comida, oxigênio. Da mesma forma, no Pará, a ONG Saúde e Alegria, que é dirigida por um médico, trabalhou intensamente na região numa vasta área banhada pelo Tapajós.

Se uma indiscutível emergência foi capaz de quebrar os preconceitos, por que não rompê-los também por meio do debate? A preservação da Amazônia é uma grande causa planetária e pode representar, simultaneamente, uma importante saída econômica para a região.

Do ponto de vista da defesa nacional, creio ser importante também levar às Forças Armadas os dados da nova realidade: aquecimento global, eventos extremos, elevação do nível dos mares. Sem considerar essa realidade, assim como a da guerra cibernética, o País estará se preparando para situações que aconteceram no passado, mas que não se repetem. Não vamos combater de novo os paraguaios, espero. A propósito, no momento em que o noticiário nacional foca nos gastos do Ministério da Defesa, jornais destacam a compra de uma grande quantidade de Viagra e de remédio contra a calvície.

É preciso superar esses problemas conjunturais e chegar à essência do problema: sem a adesão das Forças Armadas, a Amazônia será destruída com mais rapidez e o desmatamento nos levará a um ponto de não retorno.

Governo Bolsonaro faz do Palácio do Planalto um endereço suspeito

Talvez sob o efeito de estimulantes comprados para turbinar as Forças Armadas, militares que cercam Bolsonaro tiveram a ideia de aconselhá-lo a esconder sua agenda de encontros com dois pastores evangélicos investigados por corrupção.


Se ela se tornasse pública um dia, sempre se poderia dizer que os pastores foram ao Palácio do Planalto visitar ministros, Bolsonaro não. E se a desculpa não soasse convincente, que estiveram com Bolsonaro rapidamente para um alô, uma reza, ou um abraço.

Sob o pretexto de que a segurança pessoal do presidente e dos seus familiares não deveria ser posta em risco, decretar-se-ia o sigilo da agenda por 100 anos. É um recurso controverso, mas seria sustentável. Já fora adotado em ocasiões passadas.

Os artífices de mais uma Operação Tabajara se esqueceram de levar em conta duas coisas. A primeira: em ano eleitoral, danos à imagem do governo podem provocar hemorragia de votos. A segunda: a Constituição em vigor fala em transparência.

Parecer recente da Controladoria-Geral da República diz que a agenda de trabalho do presidente deve ser tornada pública em obediência ao princípio da transparência estabelecido pela Constituição. O povo tem direito de saber o que ele faz. Simples.

Às pressas, deu-se então o dito pelo não dito, algo muito comum neste governo. E assim pôde-se saber que em três anos e três meses da profícua gestão de Bolsonaro, os dois pastores estiveram no Palácio do Planalto, ao todo, 45 vezes.

O pastor Gilmar Silva Santos, recomendado por Bolsonaro ao ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, foi 10 vezes recebido em audiência no Palácio do Planalto. Por Bolsonaro? Por Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil e um dos líderes do Centrão?

Por ora, é um mistério. O pastor Arilton Moura esteve no palácio 35 vezes no mesmo período. Não é pouco. Gilmar e Moura foram acusados por prefeitos de cobrarem propina em troca da liberação de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

Há 15 dias, o Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, domínio de Augusto Heleno, o mais vovô dos generais de Bolsonaro, negou informações sobre visitas do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) ao palácio.

Se as paredes do Palácio do Planalto falassem… Mas Heleno dá um jeito para que não falem.

A Ucrânia é aqui

 A cacica Juma Xipaya denunciou na noite de quinta-feira, em vídeo publicado em uma rede social, que a aldeia Karimaa, na Terra Indígena Xipaya, foi invadida por garimpeiros armados. 

É preciso um holofote sobre os segredos de Jair

Jair Bolsonaro gosta de esconder segredos sobre seu governo. Amante confesso de ditaduras e outros regimes autocráticos, o presidente brasileiro resolveu, desde que assumiu, revogar na marra artigos da Constituição sobre a publicidade de atos da administração pública e a Lei de Acesso à Informação.

É preciso um “revogaço” dos atos inconstitucionais que, em vários órgãos, decretam sigilo de até cem anos em toda sorte de informação relevante que, por ser pública, tem de estar acessível.

O Gabinete de Segurança Institucional (GSI), chefiado pelo general Augusto Heleno, tem sido a casa das máquinas da tentativa de Bolsonaro de evitar que atos seus, dos filhos e de auxiliares ganhem a luz.

Nada melhor para garantir transparência a um regime opaco como o de Bolsonaro que aumentar a carga dos holofotes. Diante da publicação das justificativas inacreditáveis para a recusa em fornecer ao GLOBO a lista com todas as vezes em que os pastores lobistas do MEC, Gilmar Santos e Arilton Moura, foram ao Planalto, Heleno teve de retroceder e entregar ao jornal aquilo que é do público por lei.


Mas esse não era um episódio isolado de tentativa de sonegar informações. Desde os gastos com cartão de crédito da Presidência, passando pelo cartão de vacina de Bolsonaro (!), a ordem nessa gestão é manter tudo o possível trancafiado nos porões, se der por até cem anos, para que nem a História possa fazer o justo registro de uma das épocas mais pródigas em retrocessos que o país já viveu.

Não é só o gosto pela escuridão que dita esta política. Claramente existe muito a esconder. Agora que o jogo de esconde-esconde acabou, descobrimos que um dos pastores esteve nada menos que 35 vezes no Planalto, enquanto o outro por lá passou em dez ocasiões. Segundo o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, havia um “pedido especial” de Bolsonaro para atender prioritariamente aos dois chefes religiosos na liberação de verbas na pasta.

O acesso regular de Carlos e Jair Renan Bolsonaro ao palácio, que o general Heleno também se prontifica a manter longe da vista do público, não se deve a saudades do papai, mas à necessidade de construir a partir do Planalto a rede da campanha à reeleição dele, no caso do filho Zero Dois, e de tráfico de influência junto a empresários, no caso do Zero Quatro.

Essas informações são relevantes e urgentes, pois delas dependerá uma série de iniciativas para investigações já requeridas — algumas andando a passos lentos, a contragosto do procurador-geral da República, outras simplesmente abafadas, por obra e graça deste ou do Congresso.

A Lei de Acesso à Informação (LAI), um marco na transparência de dados no Brasil, completou dez anos em novembro de 2021. Ela faculta a qualquer cidadão o direito de solicitar informações aos três Poderes e exige destes a prestação ágil e objetiva dessas informações.

Desde que assumiu, Bolsonaro investe de forma calculada na redução da transparência alcançada com esse e outros institutos legais. Em recente viagem presidencial à Rússia e à Hungria, o governo alugou trituradoras de documentos. Para quê? Quem regulamenta o tipo de papéis que podem ser destruídos numa viagem oficial? A opacidade vai se tornando regra, de forma que esses episódios passem batidos.

As desculpas para decretar sigilo de cem anos a informações que têm de estar ao alcance de todos são as mais estapafúrdias. Tanto que nem Heleno conseguiu segurar o rojão.

Cabe ao Supremo julgar de forma sistemática as várias representações que há contra medidas dessa natureza, reiterar o princípio constitucional da publicidade e que a LAI continua em pleno vigor.

Não pode ficar para depois da eleição, pois o escrutínio do eleitor em outubro tem de se dar de posse de todas as informações sobre o que se praticou nos gabinetes do poder com o dinheiro público.

A hipocrisia por trás da estigmatização política

Nos meses que precederam as eleições de 2018, uma das formas de estigmatizar a esquerda era a de apontar em Lula o apreço pela cachaça. Na verdade, entre os operários do ABC, havia e talvez ainda haja a tradição de ir ao boteco próximo da fábrica e tomar uma dose de pinga.

Em certa ocasião antes de eleito vice-presidente, o general Hamilton, já reformado, confessou a um jornalista seu apreço pelas praias do Rio de Janeiro e pelo prazer de uma cervejinha na praia. Havia um tom de carinho pela bebida, tão próprio da função dos diminutivos em nossa língua.

A cerveja e o vinho têm um lugar decisivo na história social neste mundo ocidental de que fazemos parte. Certa vez, levado por uma amiga antropóloga, fui tomar uma cerveja numa cervejaria de aldeia perto de Frankfurt. Naquele lugar, 500 anos antes, Martinho Lutero, um dos fundadores do protestantismo, fora tomar uma cerveja, de que era aficionado.

Quando ainda papa, Bento XVI, em visita à Alemanha, sua terra, encontrou-se com amigos. Aparece numa foto tomando um canecaço de cerveja. Cristo, que era o próprio filho de Deus, transformou o vinho num sacramento, e o pai dele não estranhou nem um pouco. No entanto, em países como o Brasil, muitos hipócritas, que se dizem cristãos, têm opinião oposta à do próprio Deus.

Na Itália, na França, na Espanha e em Portugal, crianças, desde pequenas, são ensinadas a tomar vinho como parte da refeição. Meus pais, imigrantes ibéricos, ensinaram-me e a meu irmão a tomar vinho, com um pouco de água e açúcar, desde antes dos cinco anos de idade, vinho feito em casa.

De modo que discriminar pessoas que seguem essas divinas tradições é manifestação de ignorância e preconceito. Aqui, um gole de cachaça macula para sempre o perfil de políticos de esquerda, nunca os de direita.


Cachaça na boca do trabalhador significa complemento alimentar. Na boca do mandador, significa usurpação cultural. Quando alguém diz que um trabalhador toma cachaça é para acentuar-lhe na identidade pública a suposta inferioridade social de quem trabalha.

Quando um membro da elite diz que toma cachaça é para fazer supor que é tão ousado que tem a coragem democrática de misturar-se com os subalternos e ingerir a bebida forte dos simples e valentes.

Só que rico não toma cachaça, toma aguardente de cana, que é coisa bem diferente, no mais das vezes submetida a sucessivas destilações em alambiques especiais. É daí que vem a “cachaça tipo exportação”, cachaça de rico, avaliada em dólar e não em pobres reais. Seria interessante vê-los tomar cachaça de boteco e continuar de pé.

O conhecedor dos mistérios e ritos com a cachaça relacionados sabe que o gole de pinga é precedido pelo ato de jogar a primeira talagada “para o santo”, atirando-a para o chão, num gesto disfarçado, como um segredo.

Mesmo que a pessoa não saiba, o “santo” é Exu, a entidade do candomblé que abre caminho e que tem precedência em relação a tudo e a todos, negros e brancos enegrecidos pelo trabalho bruto e mal pago. De modo que o gole de cachaça é comparativamente muito pouco em face do tamanho de uma garrafa de cerveja. Se é para pegar pesado, como se diz, é justo começar pelos da cerveja e não pelos da cachaça.

O Exu, na cultura popular brasileira de influência africana, é o ente dissimulado que responde por uma hierarquia do invisível. Pode estar presente onde menos se espera. Há muitos anos, no bairro do Arriá, na Serra das Araras, num 20 de janeiro, fui a uma procissão de roça, de São Sebastião. Mas à frente não ia o pobre santo todo flechado, cujo sofrimento me causava uma pena enorme. Ia bem lá atrás.

À frente, liderando o cortejo, ia São Benedito, santo preto. Perguntei a uma prima o motivo disso. Explicou-lhe que São Benedito tem precedência porque, se não a tiver, pode atrapalhar a participação dos devotos na cerimônia. Ela não sabia, mas São Benedito, ali, representava Exu.

No período colonial havia uma hierarquia na classificação das aguardentes, todas bebidas de uso medicinal, vendidas na botica, isto é, na farmácia. A própria alimentação de branco era considerada medicinal e oferecida ao escravo quando estivesse doente, como o pão de trigo e a carne de frango. As escravas paridas, nas fazendas cujos documentos estudei, imediatamente após o parto, recebiam um “kit”: frango para reforçar a alimentação, cachaça e pano de baeta para a fralda do bebê.

Até hoje, aliás, entre os pobres, em muitos cantos do Brasil, ficar doente ou ficar grávida é um privilégio porque a pessoa passa, temporariamente, a ser tratada como gente. Numa favela de São Paulo conheci uma senhora que engravidava todos os anos para ser tratada como ser humano num hospital público.

Do general George Patton para o general Braga Netto

Ontem almocei com a turma na casa do Franklin Roosevelt. Ele saiu daí há exatos 77 anos. O presidente estava com a mulher, Eleanor, e a namorada, Lucy. Encontrei o general George Marshall, meu chefe durante a Segunda Guerra, e o Eisenhower, comandante das nossas tropas na Europa. Não sei quem trouxe o assunto, mas a conversa tomou um rumo picaresco: o senhor foi ministro da Defesa, e as Forças Armadas brasileiras compraram 35 mil comprimidos de Viagra. Essa droga não existia no meu tempo, apesar de eu nunca ter precisado dela. Aqui onde estamos, ninguém precisa de estimulantes.

O Marshall estava horrorizado. Ele lembrava que o senhor havia usado seu nome durante a pandemia para fazer publicidade de um programa de gastos do governo. Marshall é um grande sujeito, reservado e casto. Imagine que, em 1943, numa visita a Hollywood, um magnata da indústria cinematográfica pediu-lhe que escolhesse uma atriz para acompanhá-lo ao jantar. Ele atravessou a sala e convidou Margaret O’Brien, uma menina de 6 anos. Ninguém faria mexericos à sua custa.

Não me horrorizei, mas achei a compra esquisita. A imensa maioria da tropa não precisa de Viagra. Fico imaginando um general pedindo ao ajudante de ordens ou à moça da farmácia a sua dose de comprimidos. Situação constrangedora. Imaginei o Eisenhower nessa situação. Digo-lhe isso porque é pública a fofoca de seu caso com a motorista. A Kay era uma irlandesa ruiva, ex-modelo, divorciada e linda. Ela nunca reconheceu intimidades horizontais, e acredito na moça.


Eu gostava de matar inimigos e de dizer palavrões. Dei uns tapas num soldado medroso e fui obrigado a pedir desculpas em público. Fanfarrão? Talvez. Quando eu marchava sobre a Alemanha e cheguei às margens do Rio Reno, mijei nele, com gente vendo e fotografando. Se não tivesse feito isso, passaria o resto da vida me lamentando. Afinal, meus blindados desceram na Itália e só não entraram em Berlim porque me impediram.


Não posso julgar o sistema nervoso dos outros. Para mim, a véspera de combate sempre foi coisa excitante. Sei que o general Lee, comandante dos rebeldes na Guerra Civil Americana, teve diarreia durante a Batalha de Gettysburg, em 1863. Oitenta anos depois, em Stalingrado, o mesmo aconteceu ao marechal alemão Von Paulus. Ambos perderam. No Dia D, em junho de 1944, o Eisenhower estava com os olhos congestionados, e seu ouvido zumbia. O colega Omar Bradley comandou o desembarque com o nariz inchado. Meu sistema é outro, a adrenalina revigora-o.

Depois que nossas tropas entraram em Paris, a saúde dos meus soldados preocupava-me, e sugeri que distribuíssem penicilina para as moças dos bordéis. O Eisenhower, furioso, escreveu-me que a ideia era inaceitável, pois poderíamos ficar sem aquele remédio tão importante. Ele queria proteger a demanda; eu, que conheço a vida, queria controlar a oferta. Imagino o que ele diria se lhe propusessem distribuição de Viagra para uma tropa conquistadora, na França.

Eu me renderia ao primeiro sargento alemão antes de deixar registrado na farmácia do regimento que o general Patton mandou buscar sua cota de Viagra.
É dura a vida de um chefe militar formado na cavalaria em tempo de paz. Passei por isso e sofri muito.

Com meus respeitos, despeço-me porque o sargento trouxe o Big Red para minha cavalgada matinal. Cheguei aqui montado nele.

General George S. Patton

Elio Gaspari

Há uma violência totalitária que subsiste e ameaça

Tão execráveis quanto foram os atos de violência praticados pela ditadura é a tentativa insólita de reescrever a sua história para mudar o passado. História recente que ainda nos assusta, a ditadura não acabou. Sobrevive nas pequenas e grandes coisas que se manifestam no nosso cotidiano, que incluem as feridas e as cicatrizes deixadas nos corpos dos que resistiram.

Iniciada com o golpe de Estado de abril de 1964, a ditadura pode não ter existido, é o que dizem oficiais militares das Forças Armadas que se proclamam revisores da historiografia. A marcha dos tanques para depor o presidente Goulart foi relembrada neste 1º de abril com protestos de organizações da sociedade civil e de grupos de ativistas defensores da Memória, da Verdade e da Justiça, que mantêm ativas suas formas de mobilização, para preservar as imagens do terror e condenar sua repetição.

Nenhuma garantia temos, a não ser a resistência, os atos de desobediência civil e as barricadas. Como continuam fazendo esses movimentos defensores da verdade e da memória, que promovem debates, montam acampamentos em frente ao prédio do Dops, produzem documentários e espetáculos teatrais nas universidades. São grupos que se intitulam Coletivos pela Memória, Verdade, Justiça e Reparação.

A Comissão da UFRJ criou e produziu uma série audiovisual denominada Histórias Incontáveis, envolvendo diversas coletividades atingidas pela repressão. Os episódios são debatidas em público tendo como narradores testemunhas dos acontecimentos. Cada documentário transmite imagens da violência da ditadura contra essas comunidades, sejam de negros, mulheres e povos indígenas.

Nos postos do governo e fora dele, os mesmos inimigos da democracia apontam suas armas e atacam com a desfaçatez de sempre, usando os poderes e os instrumentos de manipulação e coação de que dispõem. Creem que com a violência de apagar seus crimes anteriores, eliminam da Historia a violência real do terrorismo de Estado insepulto, agora em busca de mais um mandato totalitário.


Chefes militares adestrados divulgam ordens do dia virtuosas em que se passam por democratas, escondendo todo o atraso e a sujeira que deixaram. Suprimem as prisões e a tortura, os atos institucionais, os ataques à cultura. Copidescam a longa noite de arbitrariedades, os banimentos e as condenações à prisão perpétua. Nada disso consta das notas forjadas nos antigos quartéis. Os generais querem adulterar a História pela via da intimidação.

Vestidos em seus uniformes de guerra, pensam que podem tudo em nome de Deus, das tropas, das milícias, do evangelho, de congressistas, dos indiferentes, dos financistas e dos corruptos que tomaram o Estado. Ao redor, os novos fascistas surgem em profusão. São fascistas de uma espécie nova, sem sequer consciência do significado do termo. Cafajestes e oportunistas, praticam a ideologia defendida pelo líder, que anuncia a redenção totalitária.

Não se arrependeram dos crimes anteriores porque não foram punidos. Receberam a anistia por crimes classificados como imprescritíveis. Na sinistra ordem do dia dirigida a seus parceiros, o ministro da Defesa diz que “no pós-64 a sociedade brasileira passou por um período de estabilização, crescimento e amadurecimento político, que resultou no restabelecimento da paz e o fortalecimento da democracia”. Bolsonaro e Mourão repetiram o mesmo discurso tortuoso e provocativo de negação da história.

Os jovens que foram ao Lollapalooza e proclamaram não aceitar a censura precisam saber que em outros tempos os jovens se opuseram ao regime de arbítrio. Alguns desapareceram, tiveram seus corpos tragados nos subterrâneos do Estado policial. Foram valentes diante das bestialidades. É sobretudo importante que saibam também que aqueles jovens iam a festivais, que as cartas trocadas de dentro dos cárceres entre os namorados contam uma história de amor, resistência e esperança.

Para que as imagens dessa história verdadeira não sejam esquecidas nem destruídas, será necessário preservar os registros que estão nos museus, nas bibliotecas e nos arquivos dos jornais. Tombar os imóveis que guardam as vozes e os gritos sufocados dos prisioneiros. Abrir em especial para os jovens os sonhos e pesadelos daquele reinado de trevas contido nos 21 anos de duração da ditadura.

A eleição presidencial que se aproxima porá a democracia brasileira frente a frente ao fascismo. Talvez seja a mais importante e decisiva de nossa história. De um lado Lula, de outro Bolsonaro. Com os avanços da história, acabou o tempo em que os regimes totalitários aconteciam em países distantes, longe de nossos olhos, durante guerras e confrontos por território. Não é mais na Itália, Alemanha, Espanha, Tchecoslováquia ou Hungria. O totalitarismo está aqui.

Víamos com temor os filmes de denúncia política de Costa-Gravas, como Z e A Confissão. Livros queimados, traições e perseguições, presos interrogados em calabouços, confissões obtidas sob tortura. Pesquisas feitas até agora indicam que Bolsonaro perderá a eleição. Mas ele passará a faixa presidencial a seu sucessor ou dará um golpe antes, tentando de todas as formas impedir que sejam realizadas? Esta realidade precisa ser enxergada, estamos enfrentando um tempo de barbáries pessoais e coletivas.

2022 veio para acabar com nossas (supostas) certezas?

Para a grande maioria da classe política alemã, a invasão russa da Ucrânia foi um choque. Acreditava-se que as relações econômicas com a Rússia evitariam conflitos desse tipo, não vistos na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Mas aconteceu, e trouxe junto graves interrupções nas cadeias de produção e distribuição. Agora temos que repensar toda a estrutura de comércio e cooperação internacional construída durante as últimas décadas.

E há sinais vislumbrando no horizonte de um segundo choque no Ocidente, dessa vez em relação à China. Acreditava-se, como no caso da Rússia, que as interligações econômicas abafariam as diferenças (geo)políticas.

Para a Europa, esse choque de realidade traz um novo espírito de unidade e energiza a cooperação. A União Europeia, como a Otan, também se rejuvenesceu. Teve que repensar as dependências energéticas e seu sistema de defesa.

Mas o ano de 2022 ainda conta com eleições na França e as eleições de meio de mandato (midterms) nos Estados Unidos, que podem dar vitórias a Marine Le Pen e aos republicanos americanos, e assim enfraquecer a posição conjunta atual do Ocidente.


E para o Brasil? Quais são as "certezas" que o ano pode "matar"?

Primeiramente, a de que o setor financeiro brasileiro entraria numa época de juros baixos, seguindo o mundo afora. Mas, ao contrário, a Selic está em 11,75% e subindo, entrando em patamares vistos nos governos Dilma e Temer. Claramente, a inflação deriva de um problema na oferta, e não na demanda. Assim, diminuir a demanda ainda mais, através de juros altos, não parece a resposta certa.

E não se esperava isso de um governo cuja política econômica é guiada por um "neoliberal" como Paulo Guedes. Com a Selic alta e as sequelas da guerra na Ucrânia, bem como os efeitos da pandemia, está de volta um real mais forte, surpreendendo a maioria dos especialistas.

Outra surpresa é a força do presidente Jair Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto. Em parte, deve-se isso ao fracasso da "terceira via", que até agora não conseguiu oferecer uma alternativa viável. Antes, vislumbrei uma divisão em "terços": um terço da população apoiando Bolsonaro, um terço fiel a Lula e o outro terço buscando uma terceira via. Seria esse terceiro terço que decidiria as eleições de outubro.

Parece que tanto a desastrosa resposta do governo à pandemia quanto os atuais problemas econômicos não atingem tanto Bolsonaro como muitos esperavam. Se ele conseguir convencer os eleitores de que são problemas externos e, portanto, não gerados por ele, suas chances de reeleição aumentam significativamente.

Por outro lado, me surpreende a lentidão de a candidatura de Lula se concretizar. Por que tanta hesitação em falar claramente que é candidato, quando todos já sabem que ele é? Até agora, não se vê uma agenda clara de um eventual governo Lula parte 3.

E por que falar abertamente a favor do aborto e da demissão dos militares do governo? A questão do aborto é desnecessária, já que é o Congresso que decide o tema, e não o governo. Em relação aos militares, é óbvio que Lula não quer ter 8 mil fardados em seu governo. Mas por que "ofender" os militares publicamente?

Será que Lula, a velha raposa, o animal político, perdeu seu faro? No fim do ano passado, uma vitória de Lula parecia certa. Agora a corrida parece surpreendentemente aberta.

Nesta semana, o poderoso Bayern de Munique, que forma a espinha dorsal da seleção alemã, foi eliminado da Liga dos Campeões pelo time do Villarreal. Não dá nem para ter certezas no futebol. Teremos surpresa na Copa do Catar, em dezembro? Fecharia este ano tão surpreendente com chave de ouro.