segunda-feira, 14 de maio de 2018

A arte da paciência

A palavra paciência deriva do latim patiens, ou seja: o que padece. Implica sofrimento: o da espera e o da esperança... ou do desespero. Vivemos em um mundo frenético. Precisamos saber, conhecer os resultados, e sofremos enquanto esperamos. Evitar essa dor é o que nos torna impacientes. A tecnologia— em particular as telecomunicações — criaram a expectativa do imediatismo. Mas isso pode se tornar uma ilusão e nos levar a considerar como presente algo que ainda está por vir. A expectativa é um sistema fechado que resulta em frustração. Estamos nos acostumando ao imediatismo, evitando a espera. Este é um dos segredos da paciência: o hábito.

Não se nasce paciente. Os bebês choram quando têm fome. Não toleram a insatisfação imediata de uma necessidade primária: o alimento. Pouco a pouco vão aprendendo que, ainda que demore um pouco mais, finalmente lhe darão de comer. Impacientam-se, mas com o tempo aceitam, sem chorar, o sofrimento da fome, porque sabem que o alimento chegará. A natureza da criança é a impaciência, porque poucas coisas dependem delas, porque quase nada está sob seu controle. Outro segredo da paciência: o controle.


Cada vez conseguimos controlar mais situações. O tempo que vai fazer no lugar remoto ao qual programamos uma viagem ou onde está nossa filha adolescente que demora 10 minutos a mais do que o habitual para chegar em casa. Sem dúvida, grandes avanços, mas habituar-se ao controle fomenta a impaciência. A paciência tem de ser treinada, aprendendo a tolerar o sofrimento causado pelo desconhecimento, a incerteza, o descontrole.

Na sociedade do imediatismo, a satisfação de um desejo de forma quase automática se tornou uma nova droga sem nome. No cérebro, funciona mediante dois mecanismos básicos: de um lado, proporciona prazer, reforça os circuitos de recompensa e fomenta a busca, novamente, da sensação prazenteira oferecida pelo cumprimento do objetivo, quanto antes melhor; de outra, colocam em andamento mecanismos para evitar a dor, como acontece quando algo nos incomoda e mudamos —inconscientemente às vezes— de postura.

O problema é que o corpo não está preparado para estar em situação de alerta constante. Se desgasta. O sono repara o desgaste, mas a cada vez dormimos menos e, pior, muitas vezes em nome da impaciência, pois dedicamos mais horas para conseguir do que para descansar. O conceito de necessidade se desvirtuou, tanto de ser como de saber e de ter. É impossível subtrair, evitar ou resistir à verdadeira necessidade. Falamos dela cada vez com mais facilidade, quando na verdade se trata de desejos. Desejar é mais suportável do que precisar, e a elevação do desejo à categoria de exigência envolve riscos, pois uma carência adiada se torna uma urgência. Boa parte da responsabilidade pelo aumento do uso de fármacos para o tratamento da ansiedade e depressão vem dessa tendência de não cultivar a arte da paciência. Viver nesse contexto da urgência é, na realidade, mais danoso do que o possível fracasso em objetivos que consideramos necessários.

Para evitar cair na armadilha do desassossego, a primeira coisa a fazer é tomar consciência de que somos impacientes; depois, avaliar que fatores fomentam nossa inquietude e quais nos protegem. A necessidade de ser paciente é vista como sinal de fraqueza. Os poderosos não esperam, mas depositam em você a satisfação de sua urgência, a responsabilidade por atingir —ou não— o objetivo.

Não devemos sucumbir a essa tendência. A paciência não é apatia, nem resignação. Não é falta de compromisso, porque não é estática: quem espera com calma faz isso ativamente, se rebela contra a dificuldade. O sossego é otimista, pois a espera ativa implica esperança. É coragem, pois fixa o olhar no longo prazo. O impaciente considera que o objetivo é a meta, quando na verdade o objetivo é ponto de partida. A paciência é protetora, pois não fica frustrada diante da eventualidade do imediato: nos permite atravessar situações adversas sem fraquejar. É força, pois é paciente aquele que foi capaz de domesticar suas paixões. Mas precisamos treiná-la. Nos acostumar a esperar e aceitar que ter tudo sob controle é, além de impossível, perigoso. Recapacitar, reorganizar —tanto os tempos como as prioridades—, refletir. Dizia santo Agostinho que “a paciência é companheira da sabedoria”. Vamos reservar um tempo para observar que algumas coisas podem esperar sem causar sofrimento, e aprender a saborear o prazer da espera.

Destino

Linha divisória

São inegáveis os ganhos obtidos nos agora dois anos do governo Temer. De profunda recessão com alta da inflação, o Brasil conseguiu seguir novos rumos, graças a uma agenda reformista que começa a apresentar seus frutos. A popularidade do presidente, contudo, é muito baixa, em clara dissonância com os benefícios trazidos ao País. Um novo norte foi apontado, mas os problemas morais atravessaram e contaminaram o atual governo.

É forçoso reconhecer que os acertos econômicos foram ofuscados pela própria negligência no enfrentamento das questões éticas. Ministros do atual governo foram presos, outros estão sendo investigados, transmitindo à sociedade a mensagem de que a corrupção não foi encarada como deveria. O governo apostou na economia e foi tragado pela moral.

Todavia a moral não pode ofuscar o que deve ser feito pelo Brasil. A limpeza das instituições, com a punição e condenação dos corruptos, não pode dar lugar à irresponsabilidade no tratamento das grandes questões nacionais. Os opositores do presidente Michel Temer não deveriam, oportunisticamente, aproveitar a ocasião para se oporem ao País e seu futuro. Os acertos do atual governo não podem ser negligenciados por seus erros cometidos no domínio da ética.

Acontece que os candidatos ao Planalto, para se afastarem de um presidente impopular, cobram distância d
as reformas empreendidas e das que foram apresentadas e não votadas, como as da Previdência e da simplificação tributária. Pensam no ganho imediato e não demonstram nenhuma preocupação com o futuro da Nação, que não se encerra com a eleição de outubro.

Diferentes presidenciáveis, tanto da oposição quanto da mesma seara governista, não dizem a que vieram. Perdem-se em discursos de cunho demagógico, sem nada declarar de preciso quanto ao equacionamento das questões nacionais.

Vão seguir e aprofundar as reformas ou apostam no retrocesso? Como vão enfrentar a necessária reforma da Previdência e os imorais privilégios do setor público? Vão regredir nas imensas conquistas da reforma trabalhista? Vão voltar a proibir a terceirização, em nome de uma anacrônica distinção entre atividades-meio e atividades-fim? Vão estourar as finanças públicas revogando a lei do teto do gasto público? Serão lenientes com a inflação? Aumentarão os impostos, em lugar de aprofundarem as reformas, em mais um ato de tolerância com a falta de controle da gestão pública?

Trata-se de questões centrais que deveriam ser seriamente apresentadas e discutidas. De nada adianta o comportamento escorregadio dos que se contentam com expressões genéricas de que teriam feito diferente. O País precisa de decisões, e não de tergiversações. A demagogia, se apropriada de forma geral em disputas político-eleitorais, torna-se particularmente inapropriada quando um país se encontra em situação de crise, devendo dar respostas precisas a problemas urgentes. A verdade não pode ser simplesmente escamoteada, sob pena de o Brasil comprometer seu futuro.

Tomemos alguns exemplos.

O teto do gasto público impôs um limite à farra reinante introduzida nos governos anteriores, como se o Estado tudo pudesse, sendo ele mesmo, na verdade, financiado pela sociedade. O Estado brasileiro asfixia cada vez mais as condições econômicas, que constituem a base dos ganhos sociais. Se a economia não cresce, não há como manter um distributivismo social que todos estimam justo. Não há mágica. Quanto maior for o desperdício nos gastos públicos e nos privilégios dos estamentos estatais, menores serão os recursos alocados para os mais necessitados.

Ora, uma regra que diria de bom senso, usada por qualquer responsável familiar na administração de seu orçamento, a de que não se pode gastar mais do que se ganha, torna-se motivo de grandes discussões demagógicas. Acontece que tal regra não poderá vingar em médio e longo prazos se não for enfrentada a reforma da Previdência, que engole fatias cada vez maiores dos recursos públicos. É a sociedade financiando privilegiados e os que não querem encarar as profundas mudanças demográficas no Brasil – e no mundo. O que pensam os candidatos a esse respeito? Vão compactuar com a irresponsabilidade, quebrando o País logo adiante?

Em busca dos votos dos desavisados e dos mal informados, esboça-se todo um processo de uma suposta revisão da modernização da legislação trabalhista, recentemente aprovada. Tem só seis meses de existência, mas seus detratores não cessam de repetir mentiras. É a ideologia esquerdizante tomando a cena pública. A situação alcança aí o paroxismo, pois se chega a falar de eliminação de direitos, quando nenhum desses foi suprimido!

O seguro-desemprego foi eliminado? E o 13.º? E o salário mínimo? E a licença-maternidade e paternidade? E as férias de 30 dias com um terço a mais de salário? E o FGTS?

Eis apenas uma pequena amostragem dos direitos que foram, todos, preservados! É má-fé dizer o contrário. O que houve foi uma flexibilização na aplicação desses direitos, reservando aos empregadores e trabalhadores a livre negociação e a capacidade coletiva de escolha. A alternativa é entre modernização ou retrocesso. Entre liberdade ou tutela estatal.

Com a nova lei de profissionalização da direção de empresas estatais, sendo o melhor exemplo o êxito na recuperação da Petrobrás, foi enfrentado um problema maior de uma espécie de sumidouro dos recursos públicos e, sobretudo, de combate à corrupção. Quanto maior o aparelhamento partidário das estatais e menor o cuidado com a gestão pública, maiores serão os focos de desenvolvimento da corrupção. Há também uma questão estrutural, envolvendo a privatização da maior parte dessas empresas. O cronograma está dado. De nada adianta combater a corrupção se as suas causas de fundo não forem abordadas!

O que os candidatos têm a dizer?

Saber o que quer

Viver é muito perigoso... Porque aprender a viver é que é o viver mesmo... Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa... O mais difí­cil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra
Guimarães Rosa

Órfãos de Cunha se juntam para assombrar 2018

O fantasma do centrão ocupa novamente o noticiário. Órfãos de Eduardo Cunha, os partidos que integram o grupo se reorganizam para assombrar a sucessão presidencial de 2018. A pretexto de assegurar a “governabilidade”, equipam-se para impor ao próximo presidente uma espécie de projeto centrão de poder. Baseia-se na ocupação predatória do Estado.

Na origem, o centrão chamava-se blocão. Foi criado em fevereiro de 2014 por Eduardo Cunha, então líder do PMDB. Cercou e asfixiou a gestão de Dilma Rousseff. A estrutura colecionada pelo grupo na engrenagem governamental deslizou suavemente da administração petista para a gestão de Michel Temer. Agora, deseja-se sequestrar o próximo presidente antes da eleição.

Gravitando a esmo ao redor de presidenciáveis que não conseguem atravessar a fronteira dos dois dígitos nas pesquisas, partidos como PP, PSD, Solidariedade e PRB ensaiam para junho um movimento de adesão ao candidato de centro-direita que estiver mais bem-posto nas sondagens eleitorais. Participa da costura Rodrigo Maia, do DEM, cuja candidatura ao Planalto empolga 1% do eleitorado.

Nos tempos áureos, o centrão reuniu 12 partidos: PP, PR, PSD, PRB, PSC, PTB, Solidariedade, PHS, PROS, PSL, PTN e PEN… Isolados, piavam pouco. Juntos, gritaram muito, ajudando a eleger Eduardo Cunha à presidência da Câmara. A derrocada de Cunha estimulou a fantasia de que o grupo derreteria. Mas ele passou a extorquir o governo Temer que, crivado de denúncias, pagou a fatura.

No DNA do centrão está gravada a expressão “é dando que se recebe”. Retirada da oração de São Francisco, passou a simbolizar uma prática profana: a exigência de vantagens, lícitas ou ilícitas, em troca de apoio político no Legislativo. Quem lançou a moda foi o deputado Roberto Cardoso Alves (1927-1996), do PMDB de São Paulo.

Cardosão, como era conhecido na intimidade, inaugurou a facção franciscana do fisiologismo em março de 1988. Na época, o Congresso Constituinte discutia a prorrogação do mandato do então presidente José Sarney para cinco anos. Foi dando que Sarney recebeu. A moda perdura até agora. No ano passado, Temer também teve que dar para receber da Câmara a bênção do congelamento de duas denúncias criminais.

No intervalo de 20 anos, o vocábulo ''governabilidade'' ganhou um sentido gangsterístico. Virou um outro nome para safadeza, gandaia, corrupção… Serve de álibi para que políticos invadam os cofres públicos. A anomalia marcou todos os governos desde a redemocratização. Ganhou escala industrial sob Lula e Dilma.

Imaginou-se que a Lava Jato, encurralaria o pedaço mais arcaico da política. Em maio de 2016, quando tomou posse, Temer disse, em discurso: “A moral pública será permanentemente buscada” no meu governo. Afirmou que a Lava Jato, “referência” no combate à corrupção, teria “proteção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la.”

As palavras de Temer viraram pó —ou lama. Hoje, o deputado Carlos Marun, que exibe na vitrine do Planalto sua estampa de trator, suas óbvias vinculações políticas com o centrão e sua truculenta atuação na milícia que tentou salvar o mandato de Eduardo Cunha, tornou-se uma espécie de símbolo do ocaso do governo Temer, a quem serve como ministro-chefe da coordenação política.

É contra esse pano de fundo que os partidos do centrão, movendo-se sempre com a grandeza da vista curta e a sutiliza de um elefante, se reagrupa para tentar assegurar, antes mesmo da abertura das urnas, que o melado continuará escorrendo em 2019.

Imagem do Dia

Giethoorn (Holanda)

Onde a escravidão persiste

A Lei Áurea, que promoveu a abolição da escravidão no Brasil, chega aos 130 anos neste domingo. Mas há pouco a comemorar no último país das Américas a abandonar a prática. Além de continuar a verificar uma enorme desigualdade entre negros e brancos, recentemente o Brasil, que se notabilizou como exemplo do combate às formas modernas de escravidão, viu seu governo tentar retroceder uma luta civilizatória de mais de 20 anos.


A existência da escravidão moderna no Brasil foi reconhecida formalmente apenas em 1995, na gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando foi formado o primeiro Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado. Nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), medidas anteriores foram mantidas e aprimoradas, e novas iniciativas foram criadas, a exemplo da lista-suja do trabalho escravo. Inaugurada em 2003, ela expõe ao público as empresas responsáveis pela escravidão moderna e ainda as impede de obter empréstimos de bancos públicos.

Neste período, cerca de 50 mil trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão. Em geral, as vítimas têm um perfil de vulnerabilidade: são homens (95%) jovens, de baixa escolaridade (33% são analfabetos, 39% só estudaram até o quinto ano) e moradores de bolsões de pobreza, principalmente do Nordeste e do Norte, mas também do norte de Minas Gerais, por exemplo, que migram para grandes centros urbanos ou fronteiras agrícolas em busca de emprego.

Mais da metade dos casos (52%) foram detectados na Amazônia, região de difícil acesso e de fiscalização custosa, onde muitos crimes se entrelaçam. Mas há resgates em todo o país. Setores do agronegócio, em especial a pecuária, se notabilizaram por concentrar a maior parte dos casos, mas atividades urbanas, como a construção civil e a indústria têxtil, também são marcadas por esse tipo de abuso.

Os flagrantes só foram possíveis graças a uma atuação conjunta entre Estado, ONGs e o Ministério Público do Trabalho, que conseguiram fazer do país uma referência no combate ao trabalho escravo. Recentemente, no entanto, a imagem do Brasil foi abalada.

"Estávamos em uma curva ascendente de controle do problema, tanto pela interpretação correta do que constitui trabalho escravo quanto pela construção, nos últimos 23 anos, de um arcabouço de políticas públicas bastante avançado que baseia o trabalho de instituições e da sociedade civil", afirma o frade dominicano-francês Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma das instituições líderes contra o trabalho escravo. "Mas nos últimos dois ou três anos estamos diante de uma tentativa acentuada de desconstruir tudo isso."

As preocupações de Plassat têm como foco duas ações do governo Michel Temer (MDB). Ao assumir a Presidência, em agosto de 2016, Temer estabeleceu como prioridade uma reforma trabalhista que tinha como base a legalização da terceirização em todas as atividades de uma empresa. Aprovada em agosto de 2017, a reforma causou preocupação nas organizações que lutam contra a escravidão moderna, pois, conforme levantamento da ONG Repórter Brasil, dedicada a combater a prática, 90% dos trabalhadores resgatados de situações análogas à escravidão são terceirizados.

Dois meses depois, em outubro de 2017, o governo Temer foi atrás de dois dos principais pilares do combate à escravidão moderna – a definição do que é trabalho escravo e a lista-suja dos empregadores. Em uma portaria assinada pelo então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, o governo determinava que o trabalho análogo à escravidão só seria caracterizado se houvesse flagrante de privação de liberdade, e não uma de quatro condições previstas na definição anterior: jornada exaustiva, servidão por dívida, trabalho forçado e condições degradantes no ambiente laboral.

No que diz respeito à lista-suja, o documento atrelava a divulgação dos nomes das empresas flagradas a uma decisão expressa do ministro do Trabalho, esvaziando a área técnica da pasta, antes responsável pela lista. A portaria causou choque dentro e fora do Brasil e acabou revertida por decisões judiciais.

Além do conteúdo da portaria, chamou a atenção o momento de sua publicação – uma semana antes de a Câmara dos Deputados votar a denúncia contra Temer por organização criminosa e obstrução de justiça. Havia poucas dúvidas de que a medida era uma entre várias tentativas de obter apoio de deputados para salvar o mandato presidencial.

"Houve uma clara articulação dos setores mais atrasados do país, em aliança com interesses espúrios, para manter no poder um grupo sem representatividade política”, diz o deputado estadual por São Paulo Carlos Bezerra (PSDB), autor de uma lei que bane do Estado, por dez anos, empresas condenadas por utilizarem trabalho escravo. No dia da votação, a bancada ruralista, sozinha, deu 55% dos votos responsáveis por salvar Temer.

Parte dos representantes da bancada ruralista e das indústrias de construção e têxteis estava na base do governo Dilma Rousseff (PT), mas passaram a ter uma atuação mais arrojada quando ela foi derrubada. "Temer entregou como num prato as demandas desses setores”, afirma Plassat.

Banho de sal grosso

O Brasil está com mau-olhado e precisa de um banho de sal grosso, como recomendavam antigas benzedeiras. Mas quem está com inveja do Brasil?

O País não sai da crise e nenhum dos candidatos a presidente da República consegue arrebatar os eleitores.

O segundo turno foi criado para que o presidente chegasse ao poder com maioria de votos. Mas no segundo turno o eleitor não vota no seu candidato; vota num candidato que pode ser de outro partido. E pode engolir um sapo glabro ou um sapo barbudo, como de Lula, disse Brizola ao recomendar o voto no adversário em 1989. Ainda assim, nem unidos venceram Collor.

Nas duas eleições seguintes, Fernando Henrique Cardoso impôs-se como o único a eleger-se no primeiro turno desde que o segundo tinha sido inventado, feito nunca mais alcançado por nenhum outro. Lula, no auge de seu arsenal de votos, precisou dos dois turnos, na eleição em 2002, e na na reeleição, em 2006.

Por que banho de sal grosso e não um banho de açúcar ou de café? Afinal, já tivemos um ciclo econômico dominado pelo açúcar, outro pelo café e nenhum pelo sal.

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É que o sal é nossa mais antiga companhia e está na palavra salário, do Latim salarium, originalmente o denarius, dinheiro, recebido para comprar sal e assim conservar os alimentos.

Mas é preciso usar o sal com cuidado. Judas Iscariotes derruba o saleiro na mesa da Última Ceia, dando vez à superstição de que sal derramado dá azar. Claro! O amigo traído foi crucificado, e o traidor enforcou-se, abrindo a pança, já inchada, ao bater no chão quando despencou do galho em que se dependurara, como esclarecem os Atos dos Apóstolos. Na sequência quase todos os discípulos foram martirizados. Deu realmente muito azar!

À mesa, quem passa o sal não o entrega na mão de quem o pediu: põe o saleiro perto da pessoa para que ela o apanhe. O vizinho pode pedir emprestado açúcar ou café, que serão devolvidos, mas se pedir sal não pode devolvê-lo; deve recebê-lo como presente.

Convém levar um grão de sal no bolso ou dentro de um saquinho pendurado ao pescoço. Se acompanhado de um dente de alho, melhor ainda, pois sal não é bugalho e pode ser misturado com alho, sem contar que na luta contra vampiros o bulbo é de muita valia. Mas daí já seria o caso de levar também um crucifixo e uma estaca.

O plural sais designa conjunto de substâncias voláteis administradas a quem desmaiou por intensa emoção ou por roupas apertadas, condições às vezes combinadas em dias de calor em que as cerimônias demoravam mais do que de costume.

O jornalista, engenheiro e escritor Euclides da Cunha, autor de trágica existência e obra extraordinária, conta em Os Sertões uma outra crendice. Os sertanejos deixavam ao relento seis pedrinhas de sal. No dia seguinte, olhando-as da esquerda para a direita decifravam os presságios da meteorologia, fazendo a previsão do tempo para os primeiros seis meses do ano. O ato tinha lugar no anoitecer de 12 de dezembro, dia de Santa Luzia.

No alvorecer do dia seguinte, se as seis pedrinhas estavam intactas, a previsão era de seca. Se a primeira se diluísse, era sinal de janeiro chuvoso. Se a segunda, fevereiro, e assim por diante. E se todas se diluíssem, o inverno não seria rigoroso.

Como é que a sabedoria popular chegou a isso? Luís da Câmara Cascudo anotou sobre a experiência: “em que pese o estigma supersticioso, tem base positiva, e é aceitável desde que se considere que dela se colhe a maior ou menor dosagem de vapor d´água nos ares, e, dedutivamente, maiores ou menores probabilidades de depressões barométricas, capazes de atrair o afluxo das chuvas”.

Mas no Brasil, como se sabe, o presente está indecifrável e até o passado é difícil de prever. Imagine o futuro!

Deonísio da Silva

Cegueira extrema

Rearranjar a História de acordo com suas conveniências é pratica que une extremistas, sejam eles de direita ou esquerda. Quando contrariados pelos fatos, viram bichos e se defendem de modo idêntico: usam os fins para justificar os meios, ainda que os métodos incluam torturar e matar. Com aval ou a mando do Estado.

Nesse particular, nada difere os que fecham os olhos diante dos assassinatos em série promovidos por Josef Stalin em nome da Revolução Russa dos neo-militaristas tupiniquins, que se negam a enxergar os crimes da ditadura autorizados pelo generalato nacional.

A descoberta do memorando da CIA, de 1974, dando conta de que o ex-presidente Ernesto Geisel, até então tido como general light, teria autorizado a continuidade da política de extermínio de inimigos do golpe, expôs mais coincidências dessa fé sinistra entre os fundamentalistas dos dois lados.

Para setores da esquerda – os mesmos que aplaudem ditaduras como as de Nicolás Maduro ou dos irmãos Castro — só a existência do documento seria suficiente para anular o pacto da anistia, perdão “amplo, geral e irrestrito” firmado nos estertores do regime. Um exagero.

O que agora vem à tona não é de todo novo. Sabia-se das torturas e dos assassinatos cometidos pelo Estado brasileiro. Tinham-se pistas sobre o envolvimento direto das fardas estreladas. Ainda que extremamente importante, limita-se à confirmação dos crimes e da violência da ditadura, mesmo no período em que a História a considerou mais branda.

Na outra ponta, os papéis da CIA foram tratados como publicação “fantasiosa”, como se os generais-ditadores fossem santos. Merecedores de altares que têm sido reerguidos por má-fé de alguns e ignorância de muitos.

Estimulados pelo deputado candidato Jair Bolsonaro (PSL), para quem as execuções de presos políticos foram como “tapa no bumbum do filho’ – que até causam arrependimento, “mas acontece”-, as redes sociais foram invadidas por agressões sem pé nem cabeça do tipo “comunista bom é comunista morto”.

A guerra contra comunistas é tão falsa quanto nota de três reais, tão imaginária quanto o “inimigo” que os militares inventam para treinar tropas. Simplesmente não existe. Até porque o próprio comunismo não mais se segura em pé. Nem mesmo na fechadíssima Coreia do Norte, que, possivelmente pressionada pela escassez de alimentos para uma população faminta, começa a se abrir, nada lenta e gradualmente, ao “inimigo” capitalista.

Os registros da CIA desmistificam a História dos últimos generais da ditadura nacional, e, embora não tenham o condão de mexer com convertidos de um lado ou de outro, poderiam funcionar como um grito de alerta.

Não existe ditadura boa, nenhuma delas faz o bem. De direita ou esquerda, ditaduras foram, são e serão sempre pavorosas. Só ideologias e caráteres cegos não veem.

Mary Zaidan