domingo, 17 de julho de 2022

Pensamento do Dia

 


O vexame das Forças Armadas

O script em que o capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro enredou as Forças Armadas vai adquirindo ares de vexame histórico à medida que generais embarcam sem pudor na narrativa da suscetibilidade do sistema eleitoral a fraudes, algo já refutado por dados, fatos e auditorias de diferentes órgãos.

O capítulo desta quinta-feira foi um dos mais gritantes desse papelão. E em nome de quê? De dar razão à conspiração desejada por um ex-militar expulso da corporação justamente por… conspirar contra ela!

O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, usou uma audiência pública do Senado Federal para defender uma tese capenga do ponto de vista técnico, segundo a qual um teste de “integridade” em papel, feito no dia da eleição, com eleitores pinçados em algumas seções, poderia ser mais eficiente e preciso que as exaustivas etapas a que a Justiça Eleitoral submete as urnas e todo o sistema de apuração há quase três décadas!


Munido de um constrangedor gráfico em que o passo a passo do teste tabajara era mostrado, no qual se pespegou sem dó o brasão da República e a marca d’água do Ministério da Defesa, o general se enrolou todo ao falar ora em votação paralela em papel, ora em teste.

Só faltou responder a uma pergunta simples, que poderia ser formulada por um colegial, mas escapou aos senadores, figurantes nesse enredo em que as instituições são tratadas como fantoches: o que garante que o eleitor “X”, escolhido para votar na urna eletrônica e depois em cédula, dará o mesmo voto nas duas ocasiões? Basta que uma das cobaias do teste decida tirar onda (merecida) com a cara de quem teve essa ideia para que algum esperto brade: “Ah, olha lá a fraude!”.

Não pode ser séria uma proposta como essa. É grave que um general investido de um cargo (civil) no primeiro escalão do Executivo se disponha a passar esse vexame diante da nação para atender aos caprichos do presidente.

A proposta ligeira, sem amparo algum na lógica mais trivial, foi feita um dia depois de o Tribunal de Contas da União, um órgão, este sim, credenciado a realizar auditorias e fiscalizações, divulgar um alentado relatório, o terceiro, atestando a segurança das urnas e as boas práticas da Justiça Eleitoral em todas as etapas que cercam a eleição.

Não se trata de preocupação genuína das Forças Armadas com a lisura do sistema eletrônico de votação, pois, se fosse isso, o atestado de técnicos de um órgão submetido a outro Poder, o Legislativo, deveria bastar para que os generais se julgassem atendidos e reconhecessem algo que o próprio TSE vem lhes demonstrando com relatórios oficiais há meses.

Mais: a proposta inacreditável feita pelo general diante do Senado omite que o próprio Congresso derrubou em votação de uma Proposta de Emenda à Constituição a ideia de retroceder ao voto impresso no Brasil.

Significa que, para os militares, nem a Justiça, nem os órgãos de controle, tampouco o Legislativo têm legitimidade ou credibilidade para conduzir, auditar ou legislar sobre as eleições. Essas instituições aceitarão caladas até quando que suas manifestações sejam ignoradas?

Que tipo de regime se tem quando se imagina que apenas as Forças Armadas são legítimas para assegurar o que quer que seja? Certamente não uma democracia plena, seguramente não a democracia prescrita na Constituição de 1988, que ainda vigora no Brasil.

Já avançou demais esse ensaio de coturno e farda para além daquilo que a Carta preceitua serem as atribuições das Forças Armadas. Além de não haver ambiente interno e externo para um golpe, esses flertes com teorias da conspiração corroem a credibilidade que os militares vinham recuperando junto à sociedade civil depois de protagonizar uma ditadura de duas décadas. Basta, generais.

Platitudes planejadas

O comentário mais ousado feito até agora sobre o assassinato do petista Marcelo de Arruda pelo bolsonarista Jorge Guaranho no sábado (9), em Foz do Iguaçu, foi o de que não passou de uma briga de bêbados, típica dos fins de semana. Partiu do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, que não parece, mas desempenha importante papel no governo Bolsonaro. Sempre que uma ignomínia de Bolsonaro ou de um aliado ameaça gerar uma crise, Mourão surge nos telejornais descendo de um carro, abotoando o paletó e dizendo uma platitude que reduza a ignomínia a uma trivialidade.


Fez isso outro dia ao analisar o fuzilamento na Amazônia do jornalista britânico Dom Philips, que acompanhava o indigenista Bruno Pereira: "Deve ter sido um comerciante da área, que se sentiu prejudicado pela ação do Bruno. O Dom entrou de gaiato nessa história". A mesma Amazônia em chamas aos olhos do mundo já rendeu a Mourão esta frase: "Agosto, setembro e outubro são meses de seca e queimada. É igual ao 7 de Setembro, tem todo ano". E quando lhe perguntaram sobre a apuração dos crimes de tortura na ditadura: "Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô! Vai trazer os caras do túmulo de volta?".

Mourão acha tudo muito natural. Nada o perturba. Parafraseando Nelson Rodrigues, se um dia lhe servirem ensopado de ratazana ao jantar, ele levará o guardanapo ao pescoço e apenas pedirá à pessoa ao lado que lhe passe o sal. Mas, ao definir o assassinato de Marcelo de Arruda, superou a si mesmo.

Como ele sabe, Bolsonaro está dividindo de propósito o país e armando seus seguidores para eternizá-lo no poder. Mas, com a facilidade com que se compram armas hoje no Brasil, quem impedirá que seus adversários também se armem e partam para o confronto? O nome disso, pelos compêndios, é guerra civil.

Para o brejeiro Mourão, no entanto, guerra civil deve ser só uma grande briga de bêbados.

Brasil perdeu quase 800 bibliotecas públicas em 5 anos

Entre 2015 e 2020, o Brasil perdeu ao menos 764 bibliotecas públicas, segundo dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), mantido pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo.

Em 2015, a base de dados contava 6.057 bibliotecas públicas no Brasil, número que caiu para 5.293 em 2020, dado mais recente disponível no site do SNBP.

Para especialistas em biblioteconomia, a queda no número de bibliotecas revela um descaso do poder público com a população mais vulnerável, que não tem acesso a livrarias.

Eles também alertam que o número de bibliotecas fechadas pode ser ainda maior, devido à atual fragilidade do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, após a extinção do Ministério da Cultura, e da falta de controle efetivo pelos sistemas estaduais, cujos dados alimentam o sistema nacional.

Bibliotecas públicas são aquelas mantidas pelos municípios, Estados, Distrito Federal ou governo federal, que atendem a todos os públicos. São consideradas equipamentos culturais e, portanto, estão no âmbito das políticas públicas do governo federal — antes, sob o Ministério da Cultura e atualmente, com a extinção da pasta, sob a Secretaria Especial da Cultura.

Não entram nessa conta as bibliotecas escolares e universitárias, que têm como público-alvo alunos, professores e funcionários das instituições de ensino.


Procurada pela BBC News Brasil, a Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo não respondeu a questionamento sobre o que explica o fechamento de centenas de bibliotecas públicas nos últimos anos, nem qual a política do governo Jair Bolsonaro (PL) para bibliotecas.

O Plano Nacional de Cultura, conjunto de objetivos para o setor em vigência desde 2010 cuja validade foi prorrogada por Bolsonaro até 2024, tem como uma das metas "garantir a implantação e manutenção de bibliotecas em todos os municípios brasileiros".

A perda de mais de 700 bibliotecas nos últimos anos deixa o país cada vez mais distante desta meta.

Das 764 bibliotecas públicas fechadas em cinco anos, 698 (ou 91% do total) estavam localizadas nos Estados de São Paulo e Minas Gerais, sendo em sua maioria bibliotecas municipais.

São Paulo tinha 842 bibliotecas públicas em 2015, segundo o SNBP, número que caiu para 304 em 2020, com a perda de 538 unidades em cinco anos. O montante representa 70% de todas as bibliotecas fechadas no país no período.

A SP Leituras, organização social atualmente responsável pela gestão do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas de São Paulo (SisEB), confirmou que os números registrados no sistema nacional estão corretos e foram fornecidos pelo SisEB, ponderando, porém, que podem tratar-se de dados intermediários e não do recadastramento oficial feito ao final de cada ano.

Segundo a organização, parte da queda no número de bibliotecas é explicada pela pandemia, que levou ao fechamento provisório ou permanente de diversas unidades.

Questionada sobre os motivos dos fechamentos desde 2015, antes da pandemia, a SP Leituras remeteu o questionamento à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo.

"É difícil concluir o motivo da variação (ou queda) de número de instituições. Sabemos que, infelizmente, muitas bibliotecas foram sendo fechadas ano após ano, mas não podemos afirmar, com certeza absoluta que estes são os números finais", respondeu a pasta, por e-mail.

São Paulo tinha 842 bibliotecas públicas em 2015, número que caiu para 304 em 2020, segundo o SNBP

Minas Gerais, por sua vez, somava 888 bibliotecas públicas em 2015, número que caiu para 728 em 2020, uma perda de 160 bibliotecas em cinco anos, conforme os dados do SNBP.

Procurada para comentar a queda no número de bibliotecas, a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais respondeu que "o Governo de Minas se responsabiliza pelos dados do cadastro estadual, sendo que em Minas Gerais, o número de bibliotecas públicas cadastradas no Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas, no dia de hoje [12/7] é de 752 equipamentos".

Ainda conforme a pasta, a atualização é realizada a cada quatro anos e o novo recadastramento será feito em dezembro de 2022. "Outros cadastros são de responsabilidade dos entes pelos quais são gerados e, cabe aos municípios participarem ou não dos mesmos", completou a secretaria.

O fechamento de bibliotecas entre 2015 e 2020 no país reverte tendência de anos anteriores.

De 2004 a 2011, período em que durou o Programa Livro Aberto do governo federal em parceria com municípios, 1.705 novas bibliotecas foram criadas no Brasil e 682 modernizadas, segundo informações do próprio site do SNBP.

A BBC News Brasil solicitou ao SNBP a série histórica do cadastro de bibliotecas públicas em funcionamento no Brasil ano a ano, mas não obteve resposta.

O levantamento foi feito então comparando os dados referentes a 2015 disponíveis no antigo site do SNBP arquivado pelo projeto Internet Archive e os dados referentes a 2020, disponíveis atualmente no site do Ministério do Turismo.

Fábio Cordeiro, presidente do Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB), avalia que o fechamento de bibliotecas no Brasil nos últimos anos é explicado por uma série de fatores.

"Bibliotecas são equipamentos culturais e, durante esse último período, tivemos a eliminação do Ministério da Cultura e uma falta de valorização desses equipamentos", afirma Cordeiro. "O fechamento das bibliotecas públicas revela a falta de investimento e de interesse do governo."

Ele cita ainda um descaso com a população de baixa renda, que depende mais das bibliotecas.

"Há uma falta de políticas voltadas para a parte mais vulnerável da população, que não tem acesso a livrarias, não tem renda para poder comprar livros. Justamente quem mais precisa de bibliotecas são as pessoas mais vulneráveis, que não tem o acesso tão fácil ao livro."

As vendas de livros no Brasil caem ano após ano. Em 2013, ano de melhor desempenho do mercado livreiro nacional na última década, as vendas das editoras para livrarias somaram 279,7 milhões de exemplares, segundo levantamento realizado pela Nielsen BookData para a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel).

No ano passado, foram 191 milhões de livros vendidos, uma queda de 1% em relação aos 193 milhões de livros vendidos em 2020 e recuo de 32% em relação ao pico de 2013.

Também em 2021, o rendimento médio mensal dos brasileiros caiu ao menor patamar desde 2012, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), para R$ 1.353.

Ainda conforme o IBGE, o percentual de municípios brasileiros com bibliotecas públicas caiu de 97,7% em 2014, para 87,7% em 2018, segundo a edição mais recente da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic) que incluiu este tema. O percentual subia ano a ano até 2014, quando passou a cair.

Cordeiro cita ainda o avanço das novas tecnologias como um fator que tem reduzido o público das bibliotecas.

Segundo a pesquisa Retratos da Leitura do Instituto Pró-Livro, em 2019, 68% dos brasileiros diziam nunca frequentar bibliotecas.

Mas o fechamento de unidades parece também influenciar nisso, já que, naquele ano, 45% dos entrevistados diziam não existir biblioteca pública em sua cidade ou bairro, acima dos 20% que davam essa mesma resposta em 2007.

Adriana Ferrari, diretora técnica da Biblioteca Florestan Fernandes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e vice-presidente da Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários (Febab), avalia que há uma fragilidade nos dados disponibilizados pelo SNBP, porque não há uma coleta efetiva de informações.

Atualmente, segundo o SNBP, a coleta é feita em parceria com os Sistemas Estaduais e Distrital de Bibliotecas Públicas.


"Alguns Estados têm um controle mais eficaz sobre seus sistemas estaduais, outros têm um controle mais frágil. Então essa queda maior na região Sudeste pode ser um resultado da qualidade da coleta de dados", afirma.

"Não me sinto segura em assumir que foram só essas [764] bibliotecas que fecharam. Acredito que esse número pode ser ainda maior, porque vemos um sucateamento há anos de todo o sistema de acesso à informação, à leitura, à cultura e das bibliotecas em si", diz Ferrari.

'Não me sinto segura em assumir que foram só essas bibliotecas que fecharam. Acredito que esse número pode ser ainda maior', diz Adriana Ferrari, vice-presidente da Febab

A bibliotecária observa que o Plano Nacional de Cultura nunca foi cumprido. E, mesmo após a aprovação da Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE), conhecida como Lei Castilho (Lei 13.696/18), sancionada por Michel Temer (MDB), o objetivo de "universalização do direito ao acesso ao livro, à leitura, à escrita, à literatura e às bibliotecas" em nada avançou.

"Não temos nenhuma política pública em pé, não temos o Ministério da Cultura, que é a pasta que gerencia o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas. Então, o sistema existe, mas com uma estrutura extremamente fragilizada. Por isso, não avançamos. Pelo contrário, a gente vem retrocedendo", afirma.

"A biblioteca não é só um espaço do livro e da leitura, ela é uma porta de infinitas possibilidades, de abertura de repertórios culturais. São espaços de encontros, de pertencimento, então elas vão além das coleções", diz Ferrari, que defende o fortalecimento das políticas públicas para reverter esse cenário de retrocessos.

Durante a Bienal do Livro, realizada neste mês de julho em São Paulo, a CFB lançou a campanha #SouBibliotecaEscolar, que busca o cumprimento da Lei nº 12.244/2010 (Lei da Universalização das Bibliotecas Escolares), que determinou que todas as instituições públicas e privadas de ensino do país passem a contar com bibliotecas, com acervo mínimo de um título por aluno matriculado.

O prazo de cumprimento da lei se esgotou em 2020, sem que a meta fosse atingida.

Já a Febab lança em breve uma plataforma com o objetivo de mapear todas as bibliotecas, de todos os tipos (públicas, escolares, universitárias e comunitárias) do país. A ideia é poder monitorar e ajudar os sistemas estaduais a ter dados mais consistentes sobre esses equipamentos públicos.

Ó Pátria armada, Brasil!

Instituição dedicada a questões emergentes de segurança e desenvolvimento, o Instituto Igarapé informa: 3 anos depois do início da flexibilização do acesso a armas por Bolsonaro, o Brasil tem 46 milhões de permissões concedidas a caçadores e atiradores.

Cada uma das permissões dá direito à compra de uma arma; o total é 1.451% maior do que seria possível em 2018. Um caçador pode ter até 30 armas, e um atirador esportivo até 60.

Hoje, 605,3 mil pessoas, incluídos os colecionadores, têm carteirinhas ativas para acesso a armamento, inclusive pesado, e munição. É o dobro do total de efetivo de policiais militares (406,3 mil) ou de militares em serviço nas Forças Armadas (357 mil).

Em 2020, o Exército só fiscalizou 2,3% dos 311.908 dos locais que deveriam ter sido fiscalizados. Desde que assumiu a presidência da República, Bolsonaro assinou 32 atos, entre decretos, portarias e projetos de lei para favorecer o acesso às armas.

No momento, nas Assembleias Legislativas dos Estados, tramitam 25 projetos de lei com o mesmo objetivo. O filho Zero Três de Bolsonaro, o deputado federal Eduardo (PL-SP), foi encarregado pelo pai de articular a aprovação dos projetos.

Eduardo comemorou seu aniversário de 38 anos soprando as velinhas de um bolo em formato de revólver. Bolsonaro não perde a chance de pregar que uma população armada não será escrava de ninguém e que poderá defender sua liberdade.

A Pátria Amada do hino nacional está em acelerado processo para transformar-se em uma Pátria Armada. Será uma das poucas realizações do atual governo.