domingo, 13 de junho de 2021
Governo de foras da lei não tem lugar para quem a defenda
Por mais que queira e se esforce para não perder “a maior oportunidade” que já teve na vida, conforme disse outro dia, até quando o médico Marcelo Queiroga, ou “o tal do Queiroga” como o chamou o presidente Jair Bolsonaro, se sentirá à vontade para seguir como ministro da Saúde –o quarto em um ano e pouco?
É a pergunta que cada vez mais se fazem políticos da oposição, aliados do governo e também, às escondidas, colegas de Queiroga. Se ele recomenda o uso da máscara contra a Covid-19, Bolsonaro raramente é visto portando uma. Se ele diz que tratamento precoce não funciona, Bolsonaro responde que funciona, sim senhor.
Para não bater de frente com quem o escolheu, e que dá sinais de arrependimento, Queiroga não se cansa de repetir a desculpa de que não é censor do presidente. Embora criticado por membros da CPI da Covid, Queiroga não é execrado por eles, que o consideram melhor ministro do que o general Pazuello. (Grande vantagem!)
Mas, e daí? Bolsonaro jamais mudará de opinião sobre a pandemia. Certa ou errada – no caso, errada –, ela atende às expectativas dos seus devotos, e é por isso que ele mantém-se forte nas pesquisas de intenção de voto para as eleições do ano que vem. De que lado, afinal, arrebentará a corda? É fácil imaginar.
O que se viu ontem, em São Paulo, foi mais um ato público e escandaloso de desprezo às leis protagonizado pelo presidente da República, alguns dos seus ministros e parlamentares que dependem dele para se reeleger. Porém, de Queiroga não se ouvirá um pio a respeito porque ele não é censor de Bolsonaro.
Havia motociclistas com e sem máscaras, um triciclo reformado de modo a parecer um tanque do Exército, e cartazes, em português e inglês onde se pedia intervenção militar e o fechamento do Supremo Tribunal Federal, o que a lei proíbe. O esquema de segurança do ato custou ao governo paulista R$ 1,2 milhão.
Bolsonaro desfilou numa moto com a placa encoberta, o que é proibido por lei. Estava sem máscara, sem óculos de proteção e com um capacete sem viseira, o que configura uma violação ao Código de Trânsito. Depois, subiu num carro de som, discursou e causou aglomeração, ferindo uma lei federal e outra local.
Voltou a citar um documento falso atribuído ao Tribunal de Contas da União, na verdade escrito por um auditor que ele conseguiu empregar no tribunal e que é filho de um coronel reformado da turma de 1977 da Academia Militar de Agulhas Negras, amigo e informante de Bolsonaro.
Novamente exaltou a eficácia para tratamento da Covid de drogas que só deixam sequelas nos doentes, e que Queiroga disse para não serem prescritas pelos médicos. Por fim, atacou as medidas de isolamento social e requentou a notícia de que encomendou um parecer para dispensar o uso de máscara por quem já se vacinou.
Foi multado – ele, mais três ministros de Estado e seis deputados por não usarem máscara. Cada um terá de pagar R$ 552,71. O dinheiro sairá dos cofres públicos, não do bolso deles. Os cofres públicos são alimentados com o dinheiro do pagamento de impostos. Quer dizer: com o seu, o meu, o nosso dinheiro.
Não se espere que o relatório final da CPI possa resultar no indiciamento ou na denúncia dos que se associaram ao vírus para deixar morrer os que tiverem de morrer. O destino final do relatório é a Procuradoria-Geral da República, e ali Bolsonaro conta com um aliado para engavetar qualquer ação contra ele.
Nem por isso o trabalho da comissão será desperdiçado. Para os que desejarem enxergar com clareza o que se passou até aqui no simulado combate à pandemia, o relatório contará uma história capaz de assombrar vivos e mortos, e de levar Bolsonaro a ser julgado em tribunais internacionais por homicídios em massa.
É a pergunta que cada vez mais se fazem políticos da oposição, aliados do governo e também, às escondidas, colegas de Queiroga. Se ele recomenda o uso da máscara contra a Covid-19, Bolsonaro raramente é visto portando uma. Se ele diz que tratamento precoce não funciona, Bolsonaro responde que funciona, sim senhor.
Para não bater de frente com quem o escolheu, e que dá sinais de arrependimento, Queiroga não se cansa de repetir a desculpa de que não é censor do presidente. Embora criticado por membros da CPI da Covid, Queiroga não é execrado por eles, que o consideram melhor ministro do que o general Pazuello. (Grande vantagem!)
Mas, e daí? Bolsonaro jamais mudará de opinião sobre a pandemia. Certa ou errada – no caso, errada –, ela atende às expectativas dos seus devotos, e é por isso que ele mantém-se forte nas pesquisas de intenção de voto para as eleições do ano que vem. De que lado, afinal, arrebentará a corda? É fácil imaginar.
O que se viu ontem, em São Paulo, foi mais um ato público e escandaloso de desprezo às leis protagonizado pelo presidente da República, alguns dos seus ministros e parlamentares que dependem dele para se reeleger. Porém, de Queiroga não se ouvirá um pio a respeito porque ele não é censor de Bolsonaro.
Havia motociclistas com e sem máscaras, um triciclo reformado de modo a parecer um tanque do Exército, e cartazes, em português e inglês onde se pedia intervenção militar e o fechamento do Supremo Tribunal Federal, o que a lei proíbe. O esquema de segurança do ato custou ao governo paulista R$ 1,2 milhão.
Bolsonaro desfilou numa moto com a placa encoberta, o que é proibido por lei. Estava sem máscara, sem óculos de proteção e com um capacete sem viseira, o que configura uma violação ao Código de Trânsito. Depois, subiu num carro de som, discursou e causou aglomeração, ferindo uma lei federal e outra local.
Voltou a citar um documento falso atribuído ao Tribunal de Contas da União, na verdade escrito por um auditor que ele conseguiu empregar no tribunal e que é filho de um coronel reformado da turma de 1977 da Academia Militar de Agulhas Negras, amigo e informante de Bolsonaro.
Novamente exaltou a eficácia para tratamento da Covid de drogas que só deixam sequelas nos doentes, e que Queiroga disse para não serem prescritas pelos médicos. Por fim, atacou as medidas de isolamento social e requentou a notícia de que encomendou um parecer para dispensar o uso de máscara por quem já se vacinou.
Foi multado – ele, mais três ministros de Estado e seis deputados por não usarem máscara. Cada um terá de pagar R$ 552,71. O dinheiro sairá dos cofres públicos, não do bolso deles. Os cofres públicos são alimentados com o dinheiro do pagamento de impostos. Quer dizer: com o seu, o meu, o nosso dinheiro.
Não se espere que o relatório final da CPI possa resultar no indiciamento ou na denúncia dos que se associaram ao vírus para deixar morrer os que tiverem de morrer. O destino final do relatório é a Procuradoria-Geral da República, e ali Bolsonaro conta com um aliado para engavetar qualquer ação contra ele.
Nem por isso o trabalho da comissão será desperdiçado. Para os que desejarem enxergar com clareza o que se passou até aqui no simulado combate à pandemia, o relatório contará uma história capaz de assombrar vivos e mortos, e de levar Bolsonaro a ser julgado em tribunais internacionais por homicídios em massa.
Mentira como programa de governo
O presidente disse que acabou com a Lava Jato porque não havia mais corrupção. Talvez nós estejamos vivendo a maior corrupção da história do Brasil. No enfrentamento da Covid, foram gastos 600 bilhões de reais. Se imaginarmos, como hipótese, que tenham sido desviados cerca de 3% desse valor, que é um percentual até otimista, isso geraria um desvio de 18 bilhões de reaisGil Castello Branco, fundador da organização Contas Abertas
Nova carta ao povo brasileiro
O quadro político já está suficientemente preocupante para que as lideranças democráticas parem de falar “nem-nem” e gritem “não”. Ofereçam juntos uma alternativa ao Brasil, desde o primeiro turno. O Brasil precisa de uma Nova Carta ao povo brasileiro, desta vez assinada por todos os líderes de partidos empenhados em eleger um presidente democrático e lúcido em 2022. A carta do candidato Lula, em 2002, mostrou sua disposição de, se eleito, respeitar o bom senso a serviço do Brasil. Foi esta mudança de postura que o elegeu, com o aval de um grande empresário como vice-presidente, e durante seus oito anos ele cumpriu o compromisso assumido. Mas, tanto quanto no governo Fernando Henrique, faltou vontade, competência ou condições para fazer uma nova carta assinada também por dirigentes de outros partidos democratas e progressistas, concertando alguns programas, propostas e reformas que o Brasil precisava e ainda precisa.
O livro “Por que falhamos: o Brasil de 1992 a 2018” sugere 24 erros cometidos pelos governos desde Itamar até Temer, que levaram o eleitor a escolher o descaminho atual. O primeiro erro foi a opção por dividir, no lugar de somar, as forças dos democratas progressistas. Especialmente a divisão entre PT e PSDB, se digladiando para ver qual teria mais votos em cada cidade, em vez de juntos fazerem a inflexão histórica que o Brasil precisava e continua precisando. Apesar de divergências sobre o tamanho, o papel, o uso e os limites do Estado, PT e PSDB têm basicamente a mesma concepção de futuro para o Brasil. Mesmo assim, preferiram pagar pedágio a políticos fisiológicos, no lugar de se unirem pelo Brasil.
Esta divisão está no fundo das causas da tragédia histórica que enfrentamos. Seria uma irresponsabilidade deixar que a divisão reeleja e amplie a tragédia.
As lideranças democráticas e progressistas, que se dividiram e se opuseram entre elas no passado, precisam se unir desde o primeiro turno para, em 2022, o eleitor eleger um governo de transição. Precisam desde já escrever uma carta ao povo brasileiro assinada por todos os candidatos, afirmando os riscos que o país corre e a disposição deles para encontrarem o nome com mais condições para atrair os eleitores; assim como explicitar os compromissos para um governo de coalizão.
Esta unidade na adversidade é comum quando as disputas partidárias e os interesses pessoais ficam subordinadas ao interesse nacional. Momentos em que a divisão significa suicídio. Cada líder precisa colocar o interesse nacional na frente do seu partido e dos seus interesses pessoais, explicitando isto em uma nova carta ao povo brasileiro.
O livro “Por que falhamos: o Brasil de 1992 a 2018” sugere 24 erros cometidos pelos governos desde Itamar até Temer, que levaram o eleitor a escolher o descaminho atual. O primeiro erro foi a opção por dividir, no lugar de somar, as forças dos democratas progressistas. Especialmente a divisão entre PT e PSDB, se digladiando para ver qual teria mais votos em cada cidade, em vez de juntos fazerem a inflexão histórica que o Brasil precisava e continua precisando. Apesar de divergências sobre o tamanho, o papel, o uso e os limites do Estado, PT e PSDB têm basicamente a mesma concepção de futuro para o Brasil. Mesmo assim, preferiram pagar pedágio a políticos fisiológicos, no lugar de se unirem pelo Brasil.
Esta divisão está no fundo das causas da tragédia histórica que enfrentamos. Seria uma irresponsabilidade deixar que a divisão reeleja e amplie a tragédia.
As lideranças democráticas e progressistas, que se dividiram e se opuseram entre elas no passado, precisam se unir desde o primeiro turno para, em 2022, o eleitor eleger um governo de transição. Precisam desde já escrever uma carta ao povo brasileiro assinada por todos os candidatos, afirmando os riscos que o país corre e a disposição deles para encontrarem o nome com mais condições para atrair os eleitores; assim como explicitar os compromissos para um governo de coalizão.
Esta unidade na adversidade é comum quando as disputas partidárias e os interesses pessoais ficam subordinadas ao interesse nacional. Momentos em que a divisão significa suicídio. Cada líder precisa colocar o interesse nacional na frente do seu partido e dos seus interesses pessoais, explicitando isto em uma nova carta ao povo brasileiro.
Por que envolver o Exército em crise política?
A resposta é simples: o sonho chavista de poder do presidente que tenta usar o Exército em seu projeto pessoal. O Brasil não é a terra do ídolo inspirador do presidente e não vai se transformar em algo similar. Aqui, “EB” quer dizer Exército Brasileiro e não “Exército Bolsonarista”. O Exército enfrenta o mesmo problema das outras instituições brasileiras: o risco de erosão. Infelizmente, a mentalidade anarquista do presidente age para destruir e desmoralizar as instituições, e banalizar o desrespeito pessoal, funcional e institucional. Junto com seguidores extremistas, alimenta um fanatismo que certamente terminará em violência.
Para aventuras políticas pessoais, instituições sólidas e funcionais são sempre um imenso obstáculo. Projetos populistas e totalitários, não importa seu matiz ideológico, não avançam sem subverter a ordem, sem corromper as instituições. E uma das instituições mais sólidas é o Exército (assim como a Marinha e a Força Aérea). Ao invés de recuperação e aperfeiçoamento das instituições, assistimos ao agravamento da situação existente e a erosão da Saúde, Justiça, Meio Ambiente e Educação.
O presidente tenta também desmoralizar o sistema eleitoral, mas não apresenta as provas de fraude que diz possuir. Semeia dúvidas sobre o Tribunal de Contas da União, valendo-se de relatório e dados falsos. No orçamento da União, apresenta uma nova forma de “mensalão” – o chamado orçamento secreto. Nas Relações Exteriores, graças ao Senado, escapamos do vexame da quase nomeação de um embaixador esdrúxulo junto aos EUA, e agora temos à frente a investida demagógica de uma nomeação para a África do Sul. Oxalá o Senado poupe o Brasil de mais essa.
Esse é o contexto em que se desenvolve mais uma tentativa de erosão de uma das instituições de maior prestígio do Brasil – o Exército Brasileiro. O caso do general no palanque, em mais um evento populista promovido pela autoridade maior, é da alçada do comandante da Força, que decidiu dentro das suas atribuições. Problemas disciplinares são resolvidos diariamente por todos os comandantes, nos diversos níveis. Não é esse o problema. O problema é muito maior e mais grave. É político. E tem um responsável – o presidente. Para realizar seu projeto pessoal, ele vem testando o Exército frequentemente. Isso é deliberado. É projeto de poder. Não acontece só por despreparo, irresponsabilidade e inconsequência. Isso é processo planejado, que vem sendo adotado e tentado de forma sistemática. É também um processo covarde, pois as consequências são sempre creditadas a outras pessoas e instituições. Ocorre que a responsabilidade pessoal e funcional está muito bem definida e o responsável maior deve arcar com as consequências.
É covardia transferir essa conta ao Exército. E é totalmente inaceitável a tentativa permanente de arrastar o Exército para o erro histórico de assumir um protagonismo político em apoio a uma aventura pessoal perseguida de forma paranoica. O Exército não é e não pode ser uma ferramenta de uso pessoal, partidário ou de intimidação política. A missão do Exército não é auxiliar uns e outros em disputas eleitorais e em jogo de poder, dividindo os brasileiros. O Exército tem uma missão constitucional definida.
O Brasil precisa de paz, de união nacional, de governo que trabalhe e promova o desenvolvimento socioeconômico com boa administração. O Brasil precisa de políticas públicas sensatas, de combate à corrupção, eliminação de privilégios e redução da desigualdade. Precisa de vacina e emprego. É preciso que o voto da maioria sirva para governar para o bem de todos e não para interesses pessoais, familiares ou de grupos. O Brasil não merece uma polarização entre quem já teve oportunidade de governar e se perdeu em demagogia e escândalos de corrupção e quem mostra diariamente que tem como objetivo um projeto de poder semelhante, apenas com sinal trocado.
O País não pode ficar entre dois polos que se alimentam e se comportam como cabos eleitorais um do outro. O Brasil não merece mais erosão em suas instituições. Ao contrário, nossas instituições precisam de melhorias e aperfeiçoamentos. A democracia depende do aperfeiçoamento institucional constante. O Exército Brasileiro, assim como as outras instituições que compõem a Nação, não pode continuar a ser covardemente prejudicado por causa de um projeto de poder pessoal e populista.
Para aventuras políticas pessoais, instituições sólidas e funcionais são sempre um imenso obstáculo. Projetos populistas e totalitários, não importa seu matiz ideológico, não avançam sem subverter a ordem, sem corromper as instituições. E uma das instituições mais sólidas é o Exército (assim como a Marinha e a Força Aérea). Ao invés de recuperação e aperfeiçoamento das instituições, assistimos ao agravamento da situação existente e a erosão da Saúde, Justiça, Meio Ambiente e Educação.
O presidente tenta também desmoralizar o sistema eleitoral, mas não apresenta as provas de fraude que diz possuir. Semeia dúvidas sobre o Tribunal de Contas da União, valendo-se de relatório e dados falsos. No orçamento da União, apresenta uma nova forma de “mensalão” – o chamado orçamento secreto. Nas Relações Exteriores, graças ao Senado, escapamos do vexame da quase nomeação de um embaixador esdrúxulo junto aos EUA, e agora temos à frente a investida demagógica de uma nomeação para a África do Sul. Oxalá o Senado poupe o Brasil de mais essa.
Esse é o contexto em que se desenvolve mais uma tentativa de erosão de uma das instituições de maior prestígio do Brasil – o Exército Brasileiro. O caso do general no palanque, em mais um evento populista promovido pela autoridade maior, é da alçada do comandante da Força, que decidiu dentro das suas atribuições. Problemas disciplinares são resolvidos diariamente por todos os comandantes, nos diversos níveis. Não é esse o problema. O problema é muito maior e mais grave. É político. E tem um responsável – o presidente. Para realizar seu projeto pessoal, ele vem testando o Exército frequentemente. Isso é deliberado. É projeto de poder. Não acontece só por despreparo, irresponsabilidade e inconsequência. Isso é processo planejado, que vem sendo adotado e tentado de forma sistemática. É também um processo covarde, pois as consequências são sempre creditadas a outras pessoas e instituições. Ocorre que a responsabilidade pessoal e funcional está muito bem definida e o responsável maior deve arcar com as consequências.
É covardia transferir essa conta ao Exército. E é totalmente inaceitável a tentativa permanente de arrastar o Exército para o erro histórico de assumir um protagonismo político em apoio a uma aventura pessoal perseguida de forma paranoica. O Exército não é e não pode ser uma ferramenta de uso pessoal, partidário ou de intimidação política. A missão do Exército não é auxiliar uns e outros em disputas eleitorais e em jogo de poder, dividindo os brasileiros. O Exército tem uma missão constitucional definida.
O Brasil precisa de paz, de união nacional, de governo que trabalhe e promova o desenvolvimento socioeconômico com boa administração. O Brasil precisa de políticas públicas sensatas, de combate à corrupção, eliminação de privilégios e redução da desigualdade. Precisa de vacina e emprego. É preciso que o voto da maioria sirva para governar para o bem de todos e não para interesses pessoais, familiares ou de grupos. O Brasil não merece uma polarização entre quem já teve oportunidade de governar e se perdeu em demagogia e escândalos de corrupção e quem mostra diariamente que tem como objetivo um projeto de poder semelhante, apenas com sinal trocado.
O País não pode ficar entre dois polos que se alimentam e se comportam como cabos eleitorais um do outro. O Brasil não merece mais erosão em suas instituições. Ao contrário, nossas instituições precisam de melhorias e aperfeiçoamentos. A democracia depende do aperfeiçoamento institucional constante. O Exército Brasileiro, assim como as outras instituições que compõem a Nação, não pode continuar a ser covardemente prejudicado por causa de um projeto de poder pessoal e populista.
O mal que nos ronda
Ontem, sem máscara, o presidente Jair Bolsonaro participou de mais um desfile de motos, desta vez em São Paulo, reunindo milhares de partidários motorizados que o apoiam. Na sexta-feira, em São Mateus (ES), Bolsonaro se referiu aos críticos como “os que buscam o poder pelo poder” e se definiu como “um presidente que acredita em Deus, que é leal ao seu povo, que acredita nos militares e que nunca jogou fora das quatro linhas da Constituição”. Na quinta-feira, havia recomendado ao ministro da Saúde, “um tal de (Marcelo) Queiroga”, que decretasse o fim do uso obrigatório de máscaras durante a pandemia, sem levar em conta que a média de óbitos por covid-19 continua altíssima.
A banalização das atitudes negacionistas e antidemocráticas divide o país. Uma parte da população endossa qualquer ato ou gesto do presidente da República e advoga uma ordem política na qual ele concentre todo o poder, ou seja, um Estado de exceção. Esse tipo de pensamento circula intensamente nos grupos de WhatsApp e outras redes sociais, enraizando comportamentos pautados pelo preconceito, pela excludência e pelo ódio. Em qualquer ambiente social, o clima político não é nada bom para o diálogo e a boa convivência.
A filósofa judia-alemã Hannah Arendt (1906-1975), após testemunhar o julgamento do criminoso nazista Adolph Eichmann, escreveu um livro (“Eichmann em Jerusalém”, Companhia das Letras) no qual sugere que o mal não provém necessariamente da malevolência ou do desejo de fazer o mal. Na década de 1960, Adolf Eichmann fora capturado na Argentina por agentes do Mossad, a polícia secreta de Israel, e transportado para Jerusalém, onde ocorreu o famoso julgamento do criminoso nazista. Eichmann era imaginado como um homem sanguinário, mas o julgamento mostrou um burocrata de carreira sem maior importância, que tinha por objetivo primordial vencer na vida a todo custo, cheio de esperanças, incapaz de refletir sobre as consequências de suas ações: mandar centenas demilhares de judeus para as câmaras de gás e crematórios.
Eichmann poderia frequentar qualquer ambiente social sem sequer ser notado. Foi com base na sua personalidade e no seu julgamento que Arendt elaborou sua teoria sobre a “banalidade do mal”. Para a filósofa, as pessoas agem de certa maneira por sucumbirem às falhas de seus próprios julgamentos e pensamentos. A recusa em ver as pessoas que cometem atos dessa natureza como “monstros”, como no caso de Eichmann, traz para o nosso cotidiano esse tipo de ação. Não se trata apenas de examinar as falhas de sistema político, devemos examinar também as falhas de julgamentos e pensamentos de cada um de nós. A ideia de que o mal é uma coisa banal não elimina os horrores de suas consequências, como a morte recente de uma jovem grávida no Lins de Vasconcelos, em mais uma operação policial no Rio de Janeiro.
Por que tanta gente apoia essas atitudes negativas de Bolsonaro, mesmo sabendo que muitas de suas ações têm consequências trágicas para a sociedade, como no caso da crise sanitária em que estamos vivendo? Porque o conservadorismo da sociedade é o berço das suas ideias mais reacionárias. Um empresário satisfeito com os próprios negócios na pandemia pode muito bem ignorar o que ocorre ao seu redor e achar que tudo vai muito bem, obrigado. Um militar austero que a vida inteira economizou para chegar ao fim do mês com as contas em dia não tem do que reclamar se ocupar um cargo comissionado que multiplicou sua renda mensal. Um caminhoneiro que abastece seu veículo com diesel subsidia- do também não. O agricultor que se beneficia da alta do dólar na exportação de sua produção a mesma coisa. O problema é o que ronda tudo isso.
Um dos grandes críticos do liberalismo foi o jurista alemão Carl Schmitt (1888-1985). Segundo ele, os pressupostos do liberalismo não davam conta das situações excepcionais, nas quais alguém deveria ter a possibilidade de suspender as leis, ou seja, decidir quando a situação está normal ou excepcional. A vida estaria acima da lei, daí a possibilidade de ignorá-la para proteger o Estado e os cidadãos. Schmitt foi um ideólogo do Estado nazista, o que liquidou sua carreira acadêmica após a II Guerra Mundial. Entretanto, alguns conceitos de Schmitt sobre a política, a distinção entre amigo e inimigo e a excepcionalidade foram exumados por conservadores e pensadores políticos de direita, principalmente depois dos atentados de 11 de setembro, nos Estados Unidos. Suas ideias também circulam no Brasil.
A banalização das atitudes negacionistas e antidemocráticas divide o país. Uma parte da população endossa qualquer ato ou gesto do presidente da República e advoga uma ordem política na qual ele concentre todo o poder, ou seja, um Estado de exceção. Esse tipo de pensamento circula intensamente nos grupos de WhatsApp e outras redes sociais, enraizando comportamentos pautados pelo preconceito, pela excludência e pelo ódio. Em qualquer ambiente social, o clima político não é nada bom para o diálogo e a boa convivência.
A filósofa judia-alemã Hannah Arendt (1906-1975), após testemunhar o julgamento do criminoso nazista Adolph Eichmann, escreveu um livro (“Eichmann em Jerusalém”, Companhia das Letras) no qual sugere que o mal não provém necessariamente da malevolência ou do desejo de fazer o mal. Na década de 1960, Adolf Eichmann fora capturado na Argentina por agentes do Mossad, a polícia secreta de Israel, e transportado para Jerusalém, onde ocorreu o famoso julgamento do criminoso nazista. Eichmann era imaginado como um homem sanguinário, mas o julgamento mostrou um burocrata de carreira sem maior importância, que tinha por objetivo primordial vencer na vida a todo custo, cheio de esperanças, incapaz de refletir sobre as consequências de suas ações: mandar centenas demilhares de judeus para as câmaras de gás e crematórios.
Eichmann poderia frequentar qualquer ambiente social sem sequer ser notado. Foi com base na sua personalidade e no seu julgamento que Arendt elaborou sua teoria sobre a “banalidade do mal”. Para a filósofa, as pessoas agem de certa maneira por sucumbirem às falhas de seus próprios julgamentos e pensamentos. A recusa em ver as pessoas que cometem atos dessa natureza como “monstros”, como no caso de Eichmann, traz para o nosso cotidiano esse tipo de ação. Não se trata apenas de examinar as falhas de sistema político, devemos examinar também as falhas de julgamentos e pensamentos de cada um de nós. A ideia de que o mal é uma coisa banal não elimina os horrores de suas consequências, como a morte recente de uma jovem grávida no Lins de Vasconcelos, em mais uma operação policial no Rio de Janeiro.
Por que tanta gente apoia essas atitudes negativas de Bolsonaro, mesmo sabendo que muitas de suas ações têm consequências trágicas para a sociedade, como no caso da crise sanitária em que estamos vivendo? Porque o conservadorismo da sociedade é o berço das suas ideias mais reacionárias. Um empresário satisfeito com os próprios negócios na pandemia pode muito bem ignorar o que ocorre ao seu redor e achar que tudo vai muito bem, obrigado. Um militar austero que a vida inteira economizou para chegar ao fim do mês com as contas em dia não tem do que reclamar se ocupar um cargo comissionado que multiplicou sua renda mensal. Um caminhoneiro que abastece seu veículo com diesel subsidia- do também não. O agricultor que se beneficia da alta do dólar na exportação de sua produção a mesma coisa. O problema é o que ronda tudo isso.
Um dos grandes críticos do liberalismo foi o jurista alemão Carl Schmitt (1888-1985). Segundo ele, os pressupostos do liberalismo não davam conta das situações excepcionais, nas quais alguém deveria ter a possibilidade de suspender as leis, ou seja, decidir quando a situação está normal ou excepcional. A vida estaria acima da lei, daí a possibilidade de ignorá-la para proteger o Estado e os cidadãos. Schmitt foi um ideólogo do Estado nazista, o que liquidou sua carreira acadêmica após a II Guerra Mundial. Entretanto, alguns conceitos de Schmitt sobre a política, a distinção entre amigo e inimigo e a excepcionalidade foram exumados por conservadores e pensadores políticos de direita, principalmente depois dos atentados de 11 de setembro, nos Estados Unidos. Suas ideias também circulam no Brasil.
Motos e mortos unidos
Carta ao bolsonarista renitente
Prezado bolsonarista,
Eu já entendi porque você votou em Jair Bolsonaro em 2018. Foi uma mistura de revolta contra o que você chamava de “roubalheira do PT”, com o cansaço da velha política representada por Michel Temer, a busca por uma alternativa econômica e, em alguns casos, o fanatismo político e religioso. Aliado a isso, a facada que o candidato recebeu a poucos dias da eleição, e que não saiu das TVs, multiplicou por mil sua exposição até o ponto de você achar que só havia ele para votar. Está claro e até dá para entender o inaceitável. Mas, agora que tudo isso desabou, o que me ocupa nestes dias é tentar compreender por que você ainda cogita votar neste homem em 2022.
Se estou correto, os anseios que o fizeram eleger Bolsonaro foram destruídos. A corrupção que você odiava ganhou força. A começar pelo desmantelamento da Lava-Jato com o apoio explícito do seu presidente. Houve também a demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça porque ele se negou a demitir o diretor da Polícia Federal e nomear um delegado amigo do chefe. Você sabe, Bolsonaro queria ter um canal direto na PF para impedir que investigações contra seus filhos e seus amigos prosperassem. É tão simples quanto escandaloso. Você viu.
Você deve lembrar ainda que Bolsonaro, sua mulher e seus filhos abasteceram suas contas privadas com dinheiro público desviado dos salários dos servidores de gabinetes da família, com as famosas rachadinhas. Uma delas, a do zerinho senador, está sob investigação do Ministério Público no Rio. O mesmo zerinho que com salário de R$ 33,7 mil brutos comprou uma mansão de R$ 6 milhões em Brasília. Se a casa fosse financiada pelo Banco do Brasil, ele teria de dar uma entrada de R$ 1,2 milhão. O restante seria pago em 189 meses, com a primeira parcela de R$ 67,7 mil, o dobro do que ele recebe no Senado.
Na velha política, o colo oferecido pelo Centrão ao presidente, em troca de verbas bilionárias do orçamento que era para ser secreto e virou o mal-afamado “tratoraço”, não deixa margem para qualquer dúvida. O governo Bolsonaro virou abrigo para a turma que sempre se agarrou ao poder e que esteve presente nos governos de Sarney, Collor, FHC, Lula, Dilma e Temer. Apesar do seu voto de protesto, a velha política do toma lá dá cá está de volta, como uma estaca fincada no coração do seu querido presidente. E agora sem a Lava-Jato.
A alternativa econômica virou fiasco. O grande feito deste governo, a reforma da Previdência, quem resolveu foi o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia. Ainda assim, o tamanho da reforma que era para ser de R$ 1,2 trilhão caiu para R$ 800 bi por intervenção do seu presidente. De resto, Bolsonaro boicotou todos os projetos do seu Posto Ipiranga. Há um apagão no horizonte, o teto de gastos está ameaçado, a inflação se aproxima dos 10% anuais e você, caro bolsonarista renitente, vê seu dinheiro sumir cada vez mais cedo da sua carteira.
Na religião, Bolsonaro é uma fraude. Você conhece algum cristão verdadeiro que seja tão desalmado quanto ele? Faça uma seleção das suas piores frases sobre as mortes causadas pela Covid e você me dirá. Ou lembre-se do que ele falou sobre tortura e assassinato por razões políticas e reflita. Na questão do fanatismo político pode-se até encontrar semelhanças entre os métodos do seu presidente e a intolerância de alguns de vocês. Mas mesmo estes sairão perdendo, a não ser que sejam militares e estejam agarrados numa teta do governo.
Os que pregam uma intervenção militar são minoria entre vocês bolsonaristas. E são toscos intelectualmente. Imaginam que o Brasil vai melhorar se o capitão puder governar sem freios e impedimentos legais ou institucionais. Estão enganados, você sabe. O país vai piorar, muito mais do que já piorou sob a guarda do capitão. Se você não for amigo da família, vai ficar na estrada, prezado bolsonarista iludido. Espere enrolado na bandeira por tempos melhores, você vai ser tratado como se estivesse na fila do INSS esperando um benefício. Vai mofar.
Diante disso tudo, por que você ainda está disposto a votar nele outra vez?
Eu já entendi porque você votou em Jair Bolsonaro em 2018. Foi uma mistura de revolta contra o que você chamava de “roubalheira do PT”, com o cansaço da velha política representada por Michel Temer, a busca por uma alternativa econômica e, em alguns casos, o fanatismo político e religioso. Aliado a isso, a facada que o candidato recebeu a poucos dias da eleição, e que não saiu das TVs, multiplicou por mil sua exposição até o ponto de você achar que só havia ele para votar. Está claro e até dá para entender o inaceitável. Mas, agora que tudo isso desabou, o que me ocupa nestes dias é tentar compreender por que você ainda cogita votar neste homem em 2022.
Se estou correto, os anseios que o fizeram eleger Bolsonaro foram destruídos. A corrupção que você odiava ganhou força. A começar pelo desmantelamento da Lava-Jato com o apoio explícito do seu presidente. Houve também a demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça porque ele se negou a demitir o diretor da Polícia Federal e nomear um delegado amigo do chefe. Você sabe, Bolsonaro queria ter um canal direto na PF para impedir que investigações contra seus filhos e seus amigos prosperassem. É tão simples quanto escandaloso. Você viu.
Você deve lembrar ainda que Bolsonaro, sua mulher e seus filhos abasteceram suas contas privadas com dinheiro público desviado dos salários dos servidores de gabinetes da família, com as famosas rachadinhas. Uma delas, a do zerinho senador, está sob investigação do Ministério Público no Rio. O mesmo zerinho que com salário de R$ 33,7 mil brutos comprou uma mansão de R$ 6 milhões em Brasília. Se a casa fosse financiada pelo Banco do Brasil, ele teria de dar uma entrada de R$ 1,2 milhão. O restante seria pago em 189 meses, com a primeira parcela de R$ 67,7 mil, o dobro do que ele recebe no Senado.
Na velha política, o colo oferecido pelo Centrão ao presidente, em troca de verbas bilionárias do orçamento que era para ser secreto e virou o mal-afamado “tratoraço”, não deixa margem para qualquer dúvida. O governo Bolsonaro virou abrigo para a turma que sempre se agarrou ao poder e que esteve presente nos governos de Sarney, Collor, FHC, Lula, Dilma e Temer. Apesar do seu voto de protesto, a velha política do toma lá dá cá está de volta, como uma estaca fincada no coração do seu querido presidente. E agora sem a Lava-Jato.
A alternativa econômica virou fiasco. O grande feito deste governo, a reforma da Previdência, quem resolveu foi o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia. Ainda assim, o tamanho da reforma que era para ser de R$ 1,2 trilhão caiu para R$ 800 bi por intervenção do seu presidente. De resto, Bolsonaro boicotou todos os projetos do seu Posto Ipiranga. Há um apagão no horizonte, o teto de gastos está ameaçado, a inflação se aproxima dos 10% anuais e você, caro bolsonarista renitente, vê seu dinheiro sumir cada vez mais cedo da sua carteira.
Na religião, Bolsonaro é uma fraude. Você conhece algum cristão verdadeiro que seja tão desalmado quanto ele? Faça uma seleção das suas piores frases sobre as mortes causadas pela Covid e você me dirá. Ou lembre-se do que ele falou sobre tortura e assassinato por razões políticas e reflita. Na questão do fanatismo político pode-se até encontrar semelhanças entre os métodos do seu presidente e a intolerância de alguns de vocês. Mas mesmo estes sairão perdendo, a não ser que sejam militares e estejam agarrados numa teta do governo.
Os que pregam uma intervenção militar são minoria entre vocês bolsonaristas. E são toscos intelectualmente. Imaginam que o Brasil vai melhorar se o capitão puder governar sem freios e impedimentos legais ou institucionais. Estão enganados, você sabe. O país vai piorar, muito mais do que já piorou sob a guarda do capitão. Se você não for amigo da família, vai ficar na estrada, prezado bolsonarista iludido. Espere enrolado na bandeira por tempos melhores, você vai ser tratado como se estivesse na fila do INSS esperando um benefício. Vai mofar.
Diante disso tudo, por que você ainda está disposto a votar nele outra vez?
Indiferença com o futuro do País
Sem nenhum pudor, o governo Bolsonaro é cada vez mais uma administração orientada exclusivamente ao circunstancial, ao imediato. Não se vê mais sequer a pretensão de manifestar alguma preocupação com o futuro. De forma escancarada, Jair Bolsonaro tem mostrado que, em suas decisões, o médio e o longo prazos não têm nenhum peso.
Em primeiro lugar, chama a atenção que, em todas as negociações com o Poder Legislativo, o Executivo federal não apresenta nenhuma preocupação com uma agenda estrutural para o País.
É de fato estranho. Um governo que foi eleito prometendo revolucionar o cenário econômico e o ambiente de negócios e promover uma nova forma de fazer política faz agora inúmeras concessões ao Centrão sem pedir nada em troca. Não almeja nenhuma reforma. Contenta-se com que o Centrão lhe conceda sobrevivência política.
Além de não trabalhar pelas reformas, o governo Bolsonaro ainda dificulta as que poderiam ser aprovadas. O caso da reforma tributária é acintoso. O Congresso tinha a possibilidade, como há muito tempo não se via, de aprovar um novo marco tributário, a partir das propostas da Câmara (formuladas pelo economista Bernard Appy) e do Senado (de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly).
No entanto, o governo de Jair Bolsonaro não apoiou nenhum dos dois projetos, tampouco trabalhou por eventual melhoria dos textos. Seu interesse tem se resumido a criar um novo imposto a partir da união do PIS/Cofins e a falar de uma nova CPMF. Haja estreiteza de horizontes.
A indiferença com o futuro do País é também constatada pelo desmonte que o governo federal vem realizando em áreas que incidem diretamente sobre as novas gerações, em especial, educação, ciência e meio ambiente.
Esse assunto é especialmente triste, pois não se trata apenas de não avançar – o que, por si só, já é grave, tendo em vista as difíceis condições atuais. O governo de Jair Bolsonaro tem promovido o retrocesso por vários meios: desorganização de políticas públicas, perseguição a funcionários públicos e professores, aparelhamento ideológico de órgãos públicos, corte de verbas em áreas essenciais para o País e um contínuo desmonte dos órgãos e mecanismos de controle, especialmente na área ambiental.
Em abril, por exemplo, uma instrução normativa conjunta do Ministério do Meio Ambiente, Ibama e ICMBio passou a exigir autorização de um superior do agente de fiscalização para a aplicação de multa. Sem constar do sistema de consolidação das multas, a nova instância de avaliação dos processos levou à paralisação das emissões de multas do Ibama e do ICMBio.
Já preocupante, o quadro piora cada vez mais. No mês seguinte, foi deflagrada operação que investiga o próprio ministro do Meio Ambiente por suspeita de colaborar com o desmatamento ilegal. Como se não bastasse, logo após a divulgação da investigação, o presidente Jair Bolsonaro reiterou sua concordância com a gestão da pasta ambiental. Num governo assim, não há espaço para preocupação com o futuro comum da população.
É de notar também que, mais recentemente, o descompromisso com o futuro adquiriu um novo patamar de descaramento. Em diversos meios, membros do governo e parlamentares governistas têm afirmado que o presidente Jair Bolsonaro não deve se preocupar com o “mau momento” do País (em especial, pandemia, desemprego e inflação) e a piora de seus índices de aprovação, pois até 2022 a economia vai melhorar e, de acordo com esses apoiadores do governo, isso será suficiente para a reeleição de Jair Bolsonaro.
Ainda que seja bastante frágil – é um conjunto de meros prognósticos –, o argumento expõe a face brutal do governo Bolsonaro. Não há nenhuma aspiração em prover condições para um futuro melhor para o País. Não há nenhuma pretensão de realizar um governo responsável. A exclusiva preocupação são as eleições de 2022.
É o descaramento total. Com todas as letras, o governo diz que o único que importa é Jair Bolsonaro ser reeleito. O restante é mero detalhe, que não merece nenhuma atenção, nenhum cuidado.
Em primeiro lugar, chama a atenção que, em todas as negociações com o Poder Legislativo, o Executivo federal não apresenta nenhuma preocupação com uma agenda estrutural para o País.
É de fato estranho. Um governo que foi eleito prometendo revolucionar o cenário econômico e o ambiente de negócios e promover uma nova forma de fazer política faz agora inúmeras concessões ao Centrão sem pedir nada em troca. Não almeja nenhuma reforma. Contenta-se com que o Centrão lhe conceda sobrevivência política.
Além de não trabalhar pelas reformas, o governo Bolsonaro ainda dificulta as que poderiam ser aprovadas. O caso da reforma tributária é acintoso. O Congresso tinha a possibilidade, como há muito tempo não se via, de aprovar um novo marco tributário, a partir das propostas da Câmara (formuladas pelo economista Bernard Appy) e do Senado (de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly).
No entanto, o governo de Jair Bolsonaro não apoiou nenhum dos dois projetos, tampouco trabalhou por eventual melhoria dos textos. Seu interesse tem se resumido a criar um novo imposto a partir da união do PIS/Cofins e a falar de uma nova CPMF. Haja estreiteza de horizontes.
A indiferença com o futuro do País é também constatada pelo desmonte que o governo federal vem realizando em áreas que incidem diretamente sobre as novas gerações, em especial, educação, ciência e meio ambiente.
Esse assunto é especialmente triste, pois não se trata apenas de não avançar – o que, por si só, já é grave, tendo em vista as difíceis condições atuais. O governo de Jair Bolsonaro tem promovido o retrocesso por vários meios: desorganização de políticas públicas, perseguição a funcionários públicos e professores, aparelhamento ideológico de órgãos públicos, corte de verbas em áreas essenciais para o País e um contínuo desmonte dos órgãos e mecanismos de controle, especialmente na área ambiental.
Em abril, por exemplo, uma instrução normativa conjunta do Ministério do Meio Ambiente, Ibama e ICMBio passou a exigir autorização de um superior do agente de fiscalização para a aplicação de multa. Sem constar do sistema de consolidação das multas, a nova instância de avaliação dos processos levou à paralisação das emissões de multas do Ibama e do ICMBio.
Já preocupante, o quadro piora cada vez mais. No mês seguinte, foi deflagrada operação que investiga o próprio ministro do Meio Ambiente por suspeita de colaborar com o desmatamento ilegal. Como se não bastasse, logo após a divulgação da investigação, o presidente Jair Bolsonaro reiterou sua concordância com a gestão da pasta ambiental. Num governo assim, não há espaço para preocupação com o futuro comum da população.
É de notar também que, mais recentemente, o descompromisso com o futuro adquiriu um novo patamar de descaramento. Em diversos meios, membros do governo e parlamentares governistas têm afirmado que o presidente Jair Bolsonaro não deve se preocupar com o “mau momento” do País (em especial, pandemia, desemprego e inflação) e a piora de seus índices de aprovação, pois até 2022 a economia vai melhorar e, de acordo com esses apoiadores do governo, isso será suficiente para a reeleição de Jair Bolsonaro.
Ainda que seja bastante frágil – é um conjunto de meros prognósticos –, o argumento expõe a face brutal do governo Bolsonaro. Não há nenhuma aspiração em prover condições para um futuro melhor para o País. Não há nenhuma pretensão de realizar um governo responsável. A exclusiva preocupação são as eleições de 2022.
É o descaramento total. Com todas as letras, o governo diz que o único que importa é Jair Bolsonaro ser reeleito. O restante é mero detalhe, que não merece nenhuma atenção, nenhum cuidado.
Engasgos de ontem e de hoje
Se cada brasileiro tivesse no cérebro um espelho retrovisor, em dez minutos compreenderia por que temos tido um desempenho tão medíocre na promoção do crescimento econômico e do bem-estar. E por que vamos continuar falhando ainda por muito tempo.
Na economia, nada fizemos para erradicar a estrutura patrimonialista, vale dizer, o super-Estado burocrático que asfixia o setor privado. Na tecnologia, conseguimos fazer alguma coisa numas poucas empresas, como a Embraer; na educação, somos uma catástrofe. Se nossa renda per capita continuar crescendo à medíocre taxa de dois por ano, levaremos mais de uma geração para atingir o nível da Grécia ou Portugal. Nada a comemorar.
No que me concerne, prefiro seguir o conselho do marechal De Gaulle: “D’abord, la politique”. Olhar primeiro a política. Como o resto da América Latina, nos mantemos aferrados à mitologia do presidencialismo populista. O “salvador da pátria”.
O super-homem que encarna os anseios do povo. Que assegura a estabilidade política e a unidade de ação do Estado. Insistimos também na crença não menos idiota de que quanto mais partidos, melhor.
A partir dos anos cinquenta, a lenga-lenga populista continuou produzindo demagogos aos magotes. Juscelino Kubitschek cometeu vários erros, mas pelo menos governou tentando estabelecer um clima de concórdia e civilidade. Depois dele, uma turma para ninguém botar defeito: Jânio Quadros, Leonel Brizola, João Goulart, Adhemar de Barros e sabe Deus quantos mais. Havia populistas municipais, estaduais e federais.
Outra sandice difundida até entre as elites cultas é a de que os militares, só por serem militares, são mais eficientes na economia e na manutenção da estabilidade política. No pós-64, o processo sucessório presidencial sempre foi tumultuado. O marechal Costa e Silva atrapalhou o projeto do marechal Castello Branco. Falecido Costa e Silva, o alto comando militar deu um golpe, impedindo a posse do vice civil (o deputado mineiro Pedro Aleixo) e emplacando o general Emílio Garrastazu Médici.
Ernesto Geisel assumiu a presidência sem maiores problemas — até porque o líder das Forças Armadas era seu irmão Orlando Geisel — mas em 1978 esteve perto de ser por sua vez golpeado pelo general Sylvio Frota. Naquele sistema já em adiantado estado de decomposição, Ernesto Geisel conseguiu emplacar o general João Baptista de Figueiredo, que nos legou a “década perdida” dos anos 80 e uma inflação apontando para a vertical.
Na economia, nada fizemos para erradicar a estrutura patrimonialista, vale dizer, o super-Estado burocrático que asfixia o setor privado. Na tecnologia, conseguimos fazer alguma coisa numas poucas empresas, como a Embraer; na educação, somos uma catástrofe. Se nossa renda per capita continuar crescendo à medíocre taxa de dois por ano, levaremos mais de uma geração para atingir o nível da Grécia ou Portugal. Nada a comemorar.
No que me concerne, prefiro seguir o conselho do marechal De Gaulle: “D’abord, la politique”. Olhar primeiro a política. Como o resto da América Latina, nos mantemos aferrados à mitologia do presidencialismo populista. O “salvador da pátria”.
O super-homem que encarna os anseios do povo. Que assegura a estabilidade política e a unidade de ação do Estado. Insistimos também na crença não menos idiota de que quanto mais partidos, melhor.
A partir dos anos cinquenta, a lenga-lenga populista continuou produzindo demagogos aos magotes. Juscelino Kubitschek cometeu vários erros, mas pelo menos governou tentando estabelecer um clima de concórdia e civilidade. Depois dele, uma turma para ninguém botar defeito: Jânio Quadros, Leonel Brizola, João Goulart, Adhemar de Barros e sabe Deus quantos mais. Havia populistas municipais, estaduais e federais.
Outra sandice difundida até entre as elites cultas é a de que os militares, só por serem militares, são mais eficientes na economia e na manutenção da estabilidade política. No pós-64, o processo sucessório presidencial sempre foi tumultuado. O marechal Costa e Silva atrapalhou o projeto do marechal Castello Branco. Falecido Costa e Silva, o alto comando militar deu um golpe, impedindo a posse do vice civil (o deputado mineiro Pedro Aleixo) e emplacando o general Emílio Garrastazu Médici.
Ernesto Geisel assumiu a presidência sem maiores problemas — até porque o líder das Forças Armadas era seu irmão Orlando Geisel — mas em 1978 esteve perto de ser por sua vez golpeado pelo general Sylvio Frota. Naquele sistema já em adiantado estado de decomposição, Ernesto Geisel conseguiu emplacar o general João Baptista de Figueiredo, que nos legou a “década perdida” dos anos 80 e uma inflação apontando para a vertical.
Assinar:
Postagens (Atom)