quinta-feira, 6 de julho de 2023
Enfim extintos ou em vias de
Quando começou, era uma partida entre um campeão de xadrez e um computador. O homem, já levando a vantagem de jogar com as brancas e começar o jogo, ganhou a primeira e todas as seguintes. Era natural —como uma máquina burra poderia derrotar o homem? Mas, um dia, o computador, que não era burro, venceu e seguiram-se muitas vitórias. Foi quando o computador soube da frase de Bernard Shaw, de que a capacidade de jogar xadrez desenvolve tremendamente a capacidade de jogar xadrez. E, como não era burro, deixou os cavalos e bispos para o homem e investiu sua inteligência em coisa mais séria. Por exemplo, tomar o poder.
Neste momento, 350 dos maiores cientistas do mundo na área da tecnologia estão apavorados com o avanço da inteligência artificial, nome já reduzido à terrível sigla em maiúsculas IA. Para eles, dependendo da progressão da IA, a humanidade corre risco de extinção semelhante ao de uma guerra nuclear, de uma pandemia sem controle ou da destruição do meio ambiente.
Teme-se que, com a IA, a desinformação em massa, com tsunamis de fotos, vídeos, áudios, textos e números falsos, faça com que as pessoas não saibam mais o que é verdade. Ninguém confiará em ninguém, e isso romperá os sistemas de crédito e comércio internacional. Seguir-se-ão falências gigantes, com desemprego planetário e substituição de trabalhadores humanos por robôs. Já se acredita que os robôs fazem melhor do que nós em quesitos complexos.
Cientistas que participaram do desenvolvimento da IA estão se demitindo das empresas de tecnologia que eles próprios criaram —porque não querem se comprometer com o que vai acontecer. Discordo. Como corresponsáveis pelo estrago, deveriam lutar para amenizá-lo ou para retardar seus efeitos.
Para eles, impedir o avanço da IA está fora de cogitação. Não depende mais de nós. Nesse tabuleiro de xadrez, já não jogamos com as brancas.
Neste momento, 350 dos maiores cientistas do mundo na área da tecnologia estão apavorados com o avanço da inteligência artificial, nome já reduzido à terrível sigla em maiúsculas IA. Para eles, dependendo da progressão da IA, a humanidade corre risco de extinção semelhante ao de uma guerra nuclear, de uma pandemia sem controle ou da destruição do meio ambiente.
Teme-se que, com a IA, a desinformação em massa, com tsunamis de fotos, vídeos, áudios, textos e números falsos, faça com que as pessoas não saibam mais o que é verdade. Ninguém confiará em ninguém, e isso romperá os sistemas de crédito e comércio internacional. Seguir-se-ão falências gigantes, com desemprego planetário e substituição de trabalhadores humanos por robôs. Já se acredita que os robôs fazem melhor do que nós em quesitos complexos.
Cientistas que participaram do desenvolvimento da IA estão se demitindo das empresas de tecnologia que eles próprios criaram —porque não querem se comprometer com o que vai acontecer. Discordo. Como corresponsáveis pelo estrago, deveriam lutar para amenizá-lo ou para retardar seus efeitos.
Para eles, impedir o avanço da IA está fora de cogitação. Não depende mais de nós. Nesse tabuleiro de xadrez, já não jogamos com as brancas.
Humanidade
Depois de conhecer a humanidade
suas perversidades
suas ambições
Eu fui envelhecendo
E perdendo
as ilusões
o que predomina é a
maldade
porque a bondade:
Ninguém pratica
Humanidade ambiciosa
E gananciosa
Que quer ficar rica!
Quando eu morrer…
Não quero renascer
é horrível, suportar a humanidade
Que tem aparência nobre
Que encobre
As péssimas qualidades
Notei que o ente humano
É perverso, é tirano
Egoísta interesseiros
Mas trata com cortesia
Mas tudo é hipocrisia
São rudes, e trapaceiros.
Carolina Maria de Jesus, "Meu estranho diário"
suas perversidades
suas ambições
Eu fui envelhecendo
E perdendo
as ilusões
o que predomina é a
maldade
porque a bondade:
Ninguém pratica
Humanidade ambiciosa
E gananciosa
Que quer ficar rica!
Quando eu morrer…
Não quero renascer
é horrível, suportar a humanidade
Que tem aparência nobre
Que encobre
As péssimas qualidades
Notei que o ente humano
É perverso, é tirano
Egoísta interesseiros
Mas trata com cortesia
Mas tudo é hipocrisia
São rudes, e trapaceiros.
Carolina Maria de Jesus, "Meu estranho diário"
O antigo versus o moderno no Brasil
A história do Brasil tem sido marcada por um constante conflito entre o arcaico e o moderno. Esse embate atravessou séculos e influenciou muitos aspectos da sociedade brasileira. O país só conseguiu avançar quando o novo foi capaz de sobrepujar o antigo, deslocando os interesses arraigados nos aparelhos do Estado. Exemplos notáveis dessa transformação foram a derrocada da oligarquia cafeeira e o fim da República Velha, que impulsionaram o Brasil em direção à industrialização e à modernidade durante os governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.
E a história tem suas ironias. O golpe de 1964, embora tenha surgido como uma reação às reformas de base, acabou promovendo uma espécie de “modernização conservadora”, conferindo ao Estado uma mínima racionalidade e capacidade de planejamento. Mas sua essência de ser um depositário de interesses patrimonialistas e corporativistas permaneceu inalterada. Posteriormente, a promulgação da Constituição Cidadã em 1988 representou um marco significativo em direção à contemporaneidade. Ela consagrou direitos sociais, estabeleceu um ordenamento democrático e criou condições propícias para o pleno funcionamento de instituições republicanas permanentes, como o Ministério Público e a Polícia Federal. O que foi semeado em 1988 agora mostra sua eficácia e se torna o embrião de um Estado Moderno em contraposição ao Estado patrimonialista.
A luta entre o arcaico e o moderno não cessou. Nos anos 90, essa disputa se deslocou para a esfera econômica. Naquela época, era imperativo deixar para trás a espiral inflacionária, modernizar e reestruturar o sistema financeiro, controlar os gastos públicos, acabar com os cartórios e criar regras estáveis que fortalecessem uma economia aberta e de mercado.
O governo de Fernando Henrique Cardoso foi bem-sucedido nessa modernização, especialmente para promover a modernização econômica. Ele conseguiu proteger áreas estratégicas como a Educação ou a Saúde contra práticas predatórias e aliados vorazes. Além disso, deu um grande passo rumo à modernidade ao criar agências reguladoras.
No entanto, a continuidade desse processo de modernização foi interrompida nos governos de Lula e Dilma, que promoveram o ressurgimento do arcaísmo. Mecanismos de Estado permanentes, como as agências reguladoras, perderam relevância, enquanto o governo se tornou hipertrofiado. Instituições de excelência, como o Itamaraty, foram negligenciadas, sem mencionar a instrumentalização de entidades como o BNDES e empresas públicas como a Petrobrás. A responsabilidade fiscal foi abandonada.
É herança destes tempos a aliança entre um projeto de poder, o patrimonialismo político e um capitalismo parasitário que se acostumou a se beneficiar das benesses do Estado, resistindo ao risco e à livre concorrência.
Vale ressaltar que os responsáveis pelo desvio de recursos públicos agiram como se ainda estivessem na era analógica, deixando rastros por todos os lados. Enquanto isso, as instituições de investigação avançaram para a era digital, tornando-se capacitadas e qualificadas para cumprir seu papel em um Estado de Direito.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, o arcaico se manifestou por meio de posicionamentos e políticas públicas que geraram retrocessos nos direitos humanos, especialmente no que diz respeito a minorias e grupos vulneráveis. Além disso, houve críticas relacionadas à violação de princípios fundamentais de igualdade e não discriminação. Outro ponto muito debatido foi a flexibilização das normas de proteção ambiental com o enfraquecimento dos órgãos de fiscalização e adoção de uma retórica contrária à preservação do meio ambiente e ao combate às mudanças climáticas.
Também houve questionamentos quanto às atitudes, nos moldes do passado e hostis, em relação a jornalistas e meios de comunicação independentes, além de tentativas para controlar e descredibilizar a imprensa. Na área da cultura, foram realizados cortes orçamentários e uma política de terra arrasada (a Fundação Palmares que o diga). Na educação o atraso aconteceu com a adoção de medidas contrárias aos avanços alcançados anteriormente, incluindo mudanças na abordagem das questões de gênero nas escolas.
Hoje estamos vivendo mais uma fase importante no confronto entre o arcaico e o moderno. E o arcaico ainda detém hegemonia, com os poderes se mantendo alheios aos anseios da sociedade. A rejeição pela sociedade brasileira a esse modelo do toma-lá-dá-cá e à institucionalização do balcão de negócios é profunda. Existe uma crise de representatividade que os partidos políticos ainda não conseguiram compreender em sua totalidade.
Também é ilusório pensar que o governo representa o moderno e a oposição representa o arcaico. Essa visão simplista não corresponde à realidade. Nada é mais arcaico do que um discurso incoerente e alianças casuísticas que contradizem valores éticos.
Embora o antigo ainda não tenha sido superado e o novo ainda não tenha surgido plenamente, é positivo o fato de que a forma engessada de fazer política e negócios por parte de setores empresariais encontra obstáculos nas ações das instituições republicanas, que apontam para um horizonte mais promissor.
A peleja entre o arcaico e o moderno é uma constante na história política do Brasil. Desde a superação da oligarquia cafeeira e a consolidação da República até os desafios enfrentados atualmente, o embate entre ideias ultrapassadas e visões progressistas moldou a trajetória do país. A modernização do Estado, das instituições e da economia é essencial para o avanço da sociedade brasileira.
Neste momento, é necessário reconhecer a importância de fortalecer as instituições republicanas, promover a transparência, a ética e a responsabilidade fiscal. Somente assim poderemos superar os resquícios do arcaico e consolidar um Estado moderno, comprometido com o bem-estar e o desenvolvimento do povo brasileiro.
E a história tem suas ironias. O golpe de 1964, embora tenha surgido como uma reação às reformas de base, acabou promovendo uma espécie de “modernização conservadora”, conferindo ao Estado uma mínima racionalidade e capacidade de planejamento. Mas sua essência de ser um depositário de interesses patrimonialistas e corporativistas permaneceu inalterada. Posteriormente, a promulgação da Constituição Cidadã em 1988 representou um marco significativo em direção à contemporaneidade. Ela consagrou direitos sociais, estabeleceu um ordenamento democrático e criou condições propícias para o pleno funcionamento de instituições republicanas permanentes, como o Ministério Público e a Polícia Federal. O que foi semeado em 1988 agora mostra sua eficácia e se torna o embrião de um Estado Moderno em contraposição ao Estado patrimonialista.
A luta entre o arcaico e o moderno não cessou. Nos anos 90, essa disputa se deslocou para a esfera econômica. Naquela época, era imperativo deixar para trás a espiral inflacionária, modernizar e reestruturar o sistema financeiro, controlar os gastos públicos, acabar com os cartórios e criar regras estáveis que fortalecessem uma economia aberta e de mercado.
O governo de Fernando Henrique Cardoso foi bem-sucedido nessa modernização, especialmente para promover a modernização econômica. Ele conseguiu proteger áreas estratégicas como a Educação ou a Saúde contra práticas predatórias e aliados vorazes. Além disso, deu um grande passo rumo à modernidade ao criar agências reguladoras.
No entanto, a continuidade desse processo de modernização foi interrompida nos governos de Lula e Dilma, que promoveram o ressurgimento do arcaísmo. Mecanismos de Estado permanentes, como as agências reguladoras, perderam relevância, enquanto o governo se tornou hipertrofiado. Instituições de excelência, como o Itamaraty, foram negligenciadas, sem mencionar a instrumentalização de entidades como o BNDES e empresas públicas como a Petrobrás. A responsabilidade fiscal foi abandonada.
É herança destes tempos a aliança entre um projeto de poder, o patrimonialismo político e um capitalismo parasitário que se acostumou a se beneficiar das benesses do Estado, resistindo ao risco e à livre concorrência.
Vale ressaltar que os responsáveis pelo desvio de recursos públicos agiram como se ainda estivessem na era analógica, deixando rastros por todos os lados. Enquanto isso, as instituições de investigação avançaram para a era digital, tornando-se capacitadas e qualificadas para cumprir seu papel em um Estado de Direito.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, o arcaico se manifestou por meio de posicionamentos e políticas públicas que geraram retrocessos nos direitos humanos, especialmente no que diz respeito a minorias e grupos vulneráveis. Além disso, houve críticas relacionadas à violação de princípios fundamentais de igualdade e não discriminação. Outro ponto muito debatido foi a flexibilização das normas de proteção ambiental com o enfraquecimento dos órgãos de fiscalização e adoção de uma retórica contrária à preservação do meio ambiente e ao combate às mudanças climáticas.
Também houve questionamentos quanto às atitudes, nos moldes do passado e hostis, em relação a jornalistas e meios de comunicação independentes, além de tentativas para controlar e descredibilizar a imprensa. Na área da cultura, foram realizados cortes orçamentários e uma política de terra arrasada (a Fundação Palmares que o diga). Na educação o atraso aconteceu com a adoção de medidas contrárias aos avanços alcançados anteriormente, incluindo mudanças na abordagem das questões de gênero nas escolas.
Hoje estamos vivendo mais uma fase importante no confronto entre o arcaico e o moderno. E o arcaico ainda detém hegemonia, com os poderes se mantendo alheios aos anseios da sociedade. A rejeição pela sociedade brasileira a esse modelo do toma-lá-dá-cá e à institucionalização do balcão de negócios é profunda. Existe uma crise de representatividade que os partidos políticos ainda não conseguiram compreender em sua totalidade.
Também é ilusório pensar que o governo representa o moderno e a oposição representa o arcaico. Essa visão simplista não corresponde à realidade. Nada é mais arcaico do que um discurso incoerente e alianças casuísticas que contradizem valores éticos.
Embora o antigo ainda não tenha sido superado e o novo ainda não tenha surgido plenamente, é positivo o fato de que a forma engessada de fazer política e negócios por parte de setores empresariais encontra obstáculos nas ações das instituições republicanas, que apontam para um horizonte mais promissor.
A peleja entre o arcaico e o moderno é uma constante na história política do Brasil. Desde a superação da oligarquia cafeeira e a consolidação da República até os desafios enfrentados atualmente, o embate entre ideias ultrapassadas e visões progressistas moldou a trajetória do país. A modernização do Estado, das instituições e da economia é essencial para o avanço da sociedade brasileira.
Neste momento, é necessário reconhecer a importância de fortalecer as instituições republicanas, promover a transparência, a ética e a responsabilidade fiscal. Somente assim poderemos superar os resquícios do arcaico e consolidar um Estado moderno, comprometido com o bem-estar e o desenvolvimento do povo brasileiro.
O louco sempre tem razão
Gosto muito de um autor inglês, Gilbert Keith Chesterton, que, sendo também um exímio humorista, era não apenas um grande escritor como um escritor grande. De físico volumoso e avantajado, se movia com a agilidade de um jovem potro, sobretudo quando se tratava de esgrimir com ideias.
Não é sem motivo que Chesterton tenha passado despercebido pelos quatro ou cinco leitores que restam no Brasil. Ocorre que, além de gordo, ele era confessadamente um conservador, um pensador católico – se autodenominava um católico ortodoxo – fiel às concepções filosóficas de Santo Thomas de Aquino, seu santo de devoção, que, aliás, era também um tipo muito gordo, de barriga imensa, tanto que em sua mesa de trabalho foi recortada uma meia lua na qual ele se inseria pacientemente para poder ler e escrever – caso contrário não alcançaria nem os seus livros nem seus lápis. É o que consta a respeito desse pensador em cuja obra Chesterton busca se ancorar.
Cabe aqui um parêntesis.
Certa vez estava eu escolhendo livros numa livraria (claro, me refiro a um tempo em que havia livrarias, ou seja, um lugar onde era possível pesquisar assuntos, livros e autores) quando chegou um amigo, professor de filosofia, que de imediato veio bisbilhotar um dos livros escolhidos por mim.
– Ah, lendo autores da direita!
Não digo o nome do professor porque é um grande amigo, embora vítima de um equívoco político que já vicejava robusto no Brasil de todos os equívocos. Militantes acham que devem ler só livros com os quais concordam – a esquerda com seus prediletos e a direita idem. Pois eu acho o contrário, com o que já entro no motivo pelo qual comecei citando Chesterton. Ao amigo, respondi assim:
– Como no futebol, é preciso saber o que pensam os adversários.
Pois Chesterton está entre os meus adversários que mais admiro. É um homem culto, inteligente, intelectualmente honesto – e que tem todo o direito de discordar de mim, pobre mortal. Por isso fico estarrecido quando vejo políticos e militantes esbravejando xingamentos uns contra os outros, muitas vezes sem ter a menor ideia do que o outro está dizendo. Bastam os chavões, as palavras de ordem, os berros histéricos. Nesse circo dos horrores, as divisões são claras: de um lado está a verdade, do outro não há verdade alguma.
Tento me explicar melhor. Um dos jornalistas que eu mais admirei foi Paulo Francis, o feroz polemista. Seu texto era um ringue, sobravam diretos de direita e de esquerda. No entanto, eu discordava de 80% do que o Francis escrevia. Mas ele era brilhante e isso me bastava. Era com o que eu arejava minhas próprias ideias.
Agora vamos ao Chesterton. Grande criador de frases fulminantes que não eram jogos gratuitos de palavras, mas estocadas que sintetizavam longas reflexões, com o que ele combatia os medíocres lugares comuns que circulam nos debates políticos e filosóficos.
Um desses lugares comuns reza que o louco é alguém que perdeu a razão. Diante da obviedade, Chesterton tragava prazerosamente seu inseparável charuto e fulminava:
– Não. O louco é alguém que perdeu tudo, exceto a razão.
Como não se pensou nisso antes? O louco sempre tem razão. O louco sempre tem na ponta da língua a solução para todos os problemas do mundo. Seja para acusar os judeus de todas as desgraças que nos abatem, como para apontar os negros como raça inferior. O louco, com duas pequenas ideias coletadas em alguma apostila ou manual, acusa genericamente a todos que não pensam como ele. É simples. Ele está certo e o resto do mundo está errado. Axioma primeiro da cloroquina.
Aliás, é curioso. O socialismo, tal como idealizado no século XIX, fracassou, a não ser que achemos que China, Rússia, Venezuela, Cuba, sejam modelos de países socialistas. Portanto, a direita no Brasil combate um mero fantasma, que tem como utilidade criar a paranoia coletiva do medo do comunismo. Da mesma forma, a esquerda, viciada em suas razões, perdeu o rumo e está perplexa. Desde que uma de suas estrelas sapateou num palco declarando que odiava a classe média, ela calou-se e, pelo que parece, não reflete mais.
Direita e esquerda, que estupidificam o debate de ideias no Brasil, são nossos loucos preferenciais. Estão cheias de razão, tudo sabem e tudo explicam.
Diante do que Chesterton soltaria uma baforada irônica de seu charuto e diria:
– Estão vendo? Perderam tudo exceto a razão. Estão cobertos de razão.
Portanto, o louco não perdeu a razão. Ele perdeu a solidariedade, o convívio fraterno, o humor, o respeito ao outro, a generosidade, a empatia, o reconhecimento e a aceitação do outro, com suas igualdades e diferenças.
Enfim, o louco já não sabe o que é amar.
Não é sem motivo que Chesterton tenha passado despercebido pelos quatro ou cinco leitores que restam no Brasil. Ocorre que, além de gordo, ele era confessadamente um conservador, um pensador católico – se autodenominava um católico ortodoxo – fiel às concepções filosóficas de Santo Thomas de Aquino, seu santo de devoção, que, aliás, era também um tipo muito gordo, de barriga imensa, tanto que em sua mesa de trabalho foi recortada uma meia lua na qual ele se inseria pacientemente para poder ler e escrever – caso contrário não alcançaria nem os seus livros nem seus lápis. É o que consta a respeito desse pensador em cuja obra Chesterton busca se ancorar.
Cabe aqui um parêntesis.
Certa vez estava eu escolhendo livros numa livraria (claro, me refiro a um tempo em que havia livrarias, ou seja, um lugar onde era possível pesquisar assuntos, livros e autores) quando chegou um amigo, professor de filosofia, que de imediato veio bisbilhotar um dos livros escolhidos por mim.
– Ah, lendo autores da direita!
Não digo o nome do professor porque é um grande amigo, embora vítima de um equívoco político que já vicejava robusto no Brasil de todos os equívocos. Militantes acham que devem ler só livros com os quais concordam – a esquerda com seus prediletos e a direita idem. Pois eu acho o contrário, com o que já entro no motivo pelo qual comecei citando Chesterton. Ao amigo, respondi assim:
– Como no futebol, é preciso saber o que pensam os adversários.
Pois Chesterton está entre os meus adversários que mais admiro. É um homem culto, inteligente, intelectualmente honesto – e que tem todo o direito de discordar de mim, pobre mortal. Por isso fico estarrecido quando vejo políticos e militantes esbravejando xingamentos uns contra os outros, muitas vezes sem ter a menor ideia do que o outro está dizendo. Bastam os chavões, as palavras de ordem, os berros histéricos. Nesse circo dos horrores, as divisões são claras: de um lado está a verdade, do outro não há verdade alguma.
Tento me explicar melhor. Um dos jornalistas que eu mais admirei foi Paulo Francis, o feroz polemista. Seu texto era um ringue, sobravam diretos de direita e de esquerda. No entanto, eu discordava de 80% do que o Francis escrevia. Mas ele era brilhante e isso me bastava. Era com o que eu arejava minhas próprias ideias.
Agora vamos ao Chesterton. Grande criador de frases fulminantes que não eram jogos gratuitos de palavras, mas estocadas que sintetizavam longas reflexões, com o que ele combatia os medíocres lugares comuns que circulam nos debates políticos e filosóficos.
Um desses lugares comuns reza que o louco é alguém que perdeu a razão. Diante da obviedade, Chesterton tragava prazerosamente seu inseparável charuto e fulminava:
– Não. O louco é alguém que perdeu tudo, exceto a razão.
Como não se pensou nisso antes? O louco sempre tem razão. O louco sempre tem na ponta da língua a solução para todos os problemas do mundo. Seja para acusar os judeus de todas as desgraças que nos abatem, como para apontar os negros como raça inferior. O louco, com duas pequenas ideias coletadas em alguma apostila ou manual, acusa genericamente a todos que não pensam como ele. É simples. Ele está certo e o resto do mundo está errado. Axioma primeiro da cloroquina.
Aliás, é curioso. O socialismo, tal como idealizado no século XIX, fracassou, a não ser que achemos que China, Rússia, Venezuela, Cuba, sejam modelos de países socialistas. Portanto, a direita no Brasil combate um mero fantasma, que tem como utilidade criar a paranoia coletiva do medo do comunismo. Da mesma forma, a esquerda, viciada em suas razões, perdeu o rumo e está perplexa. Desde que uma de suas estrelas sapateou num palco declarando que odiava a classe média, ela calou-se e, pelo que parece, não reflete mais.
Direita e esquerda, que estupidificam o debate de ideias no Brasil, são nossos loucos preferenciais. Estão cheias de razão, tudo sabem e tudo explicam.
Diante do que Chesterton soltaria uma baforada irônica de seu charuto e diria:
– Estão vendo? Perderam tudo exceto a razão. Estão cobertos de razão.
Portanto, o louco não perdeu a razão. Ele perdeu a solidariedade, o convívio fraterno, o humor, o respeito ao outro, a generosidade, a empatia, o reconhecimento e a aceitação do outro, com suas igualdades e diferenças.
Enfim, o louco já não sabe o que é amar.
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