quinta-feira, 6 de junho de 2019

Ainda vivo e necessário

O ministro Paulo Guedes vem repetindo que, depois de “seis governos social-democratas”, chegou a hora do liberalismo puro e duro. Não são poucos os que afirmam que a agenda social reformista, estrangulada pela crise fiscal, esgotou-se.

Na realidade, aquilo que Guedes chama de social-democracia foi uma visão generosa de país gestada na luta contra o autoritarismo e cristalizada na Constituição de 1988.


Tratava-se de compatibilizar competição política, liberdades individuais e políticas públicas que reduzissem a pobreza e as múltiplas desigualdades —de renda bem como de acesso a direitos civis e sociais.

Com muito ensaio-e-erro, a agenda social reformista, implementada tanto por governos tucanos quanto por petistas, mudou o país para melhor: o contingente de pobres encolheu, enquanto os desníveis de toda ordem diminuíram algo.

Mesmo assim, o país está muito longe daquele imaginado pela geração de democratas dos anos 1980. Milhões de pessoas continuam apenas parcialmente cidadãs, sobrevivendo nas fronteiras do salário mínimo, vítimas de desrespeitos múltiplos.

Têm razão os que advertem que a expansão do gasto social nos termos em que se deu sob os governos do PSDB, e especialmente do PT, chegou ao limite por volta de 2014.

Fosse a política dos governos petistas menos focalizada no curto prazo e no êxito fácil, a bonança dos anos 2000 poderia ter sido aproveitada para promover reformas progressistas, especialmente na Previdência Social e na legislação trabalhista.

Mas sobram razões para duvidar de que as propostas ultraliberais do ministro sirvam à construção de uma sociedade minimamente decente.

Estão aí as mudanças contidas no projeto da reforma da Previdência relativas à aposentadoria rural, ao Benefício de Prestação Continuadae, sobretudo, à criação do regime de capitalização. Está aí a proposta, hoje meio esquecida, da carteira verde amarela de minguados direitos para o trabalhador.

Na verdade, o liberalismo do ministro e seus seguidores é mais próximo do darwinismo social do século 19 —com a exumação do mercado desregulado e do cada um por si— do que do liberalismo temperado, que foi um dos ingredientes do progresso social europeu ocidental, no segundo pós-guerra. Equivale a abrir mão da perspectiva de um país mais coeso porque menos iníquo.

Mudanças no sistema previdenciário e em outras políticas sociais, atentas às limitações fiscais, são necessárias e urgentes. Mas há outras respostas possíveis nos marcos de um reformismo social renovado, que continua tão vivo quanto necessário. Espera-se das oposições trazê-las à luz.
Maria Hermínia Tavares de Almeida:

Bolsonaro leva gestão para trás, não para direita

Jair Bolsonaro não leva o seu governo para a direita. Na economia, leva-o para baixo. Nas outras áreas, para trás. Por decreto, afrouxou o controle de armas e munições num instante em que cresce o número de mortos a bala. Por projeto de lei, sugere que sejam premiados os motoristas infratores num país que ocupa a quarta colocação no ranking mundial das mortes no trânsito. Com o decreto, esquartejou o Estatuto do Desarmamento. Com o projeto, tenta esmigalhar o Código Nacional do Trânsito.


Dizer que o presidente assumiu o volante sem definir um itinerário não traduz adequadamente o que se passa. Sabia-se que o capitão rumava para a direita. Mas não se imaginou que faria uma opção preferencial pela contramão. Imaginou-se menos ainda que governaria em marcha à ré.

Alega-se que a volta ao passado foi avalizada pelas urnas. Conversa fiada. No segundo turno, o eleitorado de Bolsonaro foi tonificado pelo voto de pessoas que não admitiam votar de jeito nenhum no adversário Fernando Haddad. Elegeram o rival do flagelo petista, não o demolidor de marcos civilizatórios.

Argumenta-se, de resto, que Bolsonaro apenas assegura direitos. Com as armas, o direito do brasileiro à autodefesa. Com os mimos aos infratores, o direito ao trabalho de categorias como os caminhoneiros, penalizados a granel. Ignora-se o essencial: na escala de direitos, a sociedade prevalece sobre o indivíduo. Sobretudo quando a vida alheia está em jogo.

Armar civis não elimina a matança que produz 65 mil cadáveres por ano. Elevar o número de pontos para a perda da carteira não injeta responsabilidade na cabeça do mau motorista. Eliminar o exame toxicológico de caminhoneiros não resolve o drama da sobrecarga de trabalho. Acabar com a multa para o transporte irregular de crianças não melhora os pais. É como se Bolsonaro quisesse tratar o câncer destruindo os exames.

O furor retroativo do presidente deixa mal até os seus melhores ministros. Ao justificar os retrocessos no trânsito, Tarcísio de Freitas, titular da pasta da Infraestrutura, declarou: "O Código já é antigo. Tem mais de 20 anos. Ele necessita de atualização". Ora, o hábito de comer ovo frito também é antigo. E não há na praça ninguém sugerindo às pessoas que comecem a desfritar ovos.

Tarcísio prosseguiu: "Dois terços das penalidades do Código Brasileiro de Trânsito são graves e gravíssimas. Acaba sendo muito fácil o cidadão perder a carteira, atingir a pontuação. E isso tem se mostrado ineficaz, porque os Detrans não conseguem operacionalizar os processos para a suspensão do direito de dirigir." Não seria o caso de aparelhar os Detrans para assegurar as punições?

Enquanto Bolsonaro desperdiça energia com a volta ao passado, deixa de se concentrar nos projetos que apontam para o futuro, como a reforma da Previdência. Costuma dizer que o caos econômico não é obra do atual governo. Verdade. Mas a perda de tempo já puxou para baixo o PIB no primeiro trimestre. O crescimento econômico de 2019 foi para o saco, como se diz. O capitão logo estará na alça de mira. Se bobear, acaba atropelado pelas circunstâncias.

Manifesto pela Educação

A obtusa visão do presidente Jair Bolsonaro sobre educação é tão perniciosa que anima vozes dos mais diferentes matizes político-ideológicos, tidas como irreconciliáveis, a sair em uníssono em defesa de uma área que está na espinha dorsal de qualquer plano para o desenvolvimento do Brasil que se pretende sério.

Reunidos na Universidade de São Paulo (USP) na terça-feira passada, seis ex-ministros da Educação assinaram um manifesto no qual declaram ter “grande preocupação” com as políticas adotadas pelo governo federal para a área. No entender dos signatários, estas podem produzir “efeitos irreversíveis e até fatais” num futuro não muito distante.

O grupo – do qual fazem parte José Goldemberg (1991-1992, governo de Fernando Collor), Murilio Hingel (1992-1995, Itamar Franco), Cristovam Buarque (2003-2004, Lula), Fernando Haddad (2005-2012, Lula e Dilma Rousseff), Aloizio Mercadante (2012-2014 e 2015-2016, Dilma Rousseff) e Renato Janine Ribeiro (2015, Dilma Rousseff) – afirma que a área da educação é vista como uma “ameaça” por Jair Bolsonaro. “A educação se tornou a grande esperança, a grande promessa da nacionalidade e da democracia. Com espanto, porém, vemos que, no atual governo, ela é apresentada como ameaça”, lê-se num trecho do manifesto assinado pelos ex-ministros.

É possível enumerar pontos positivos e negativos na gestão de cada um dos signatários do manifesto à frente da pasta da Educação, alguns deles, a bem da verdade, com mais erros do que acertos. Mas isto não vem ao caso. O que merece nota é o fato de todos eles, acertando ou errando, terem afinidade com a área da educação. Conhecem as necessidades da pasta e, sobretudo, não negam o papel fundamental da educação como um dos pilares de políticas públicas benfazejas que podem tirar o País desse longo e inaceitável atraso no qual nos encontramos.

O presidente Jair Bolsonaro, se vê alguma coisa, é o exato oposto. Quando se manifesta sobre temas relacionados à educação, abre as comportas de uma usina de preconceitos e desconhecimento. Comete erros factuais inaceitáveis para quem ocupa o mais alto cargo do Poder Executivo federal (ver editorial Como Bolsonaro vê a educação, publicado em 4/5/2019).

Seu desapreço por uma área que enxerga apenas como o front de uma batalha ideológica, batalha esta que só existe em sua imaginação e na paranoia conspirativa de alguns membros de seu círculo de interlocutores, manifesta-se pelas escolhas que fez até agora para o comando do Ministério da Educação.

O atual ministro, Abraham Weintraub, não satisfeito em amesquinhar políticas públicas voltadas para a educação, insiste em ridicularizar sua própria posição, uma das mais importantes no primeiro escalão da República. Talvez como forma de escamotear sua absoluta incompetência para o cargo de ministro da Educação, Abraham Weintraub vem tentando, pateticamente, manter acesa a chama da militância bolsonarista nas redes sociais por meio de vídeos em que aparece dançando com um guarda-chuva, distribuindo bombons ou tocando gaita. Talvez um dia chegue a vez de vídeos com propostas robustas e bem estruturadas para resolver os crônicos problemas da pasta.

A reunião de ex-ministros da Educação não foi um caso isolado. No mês passado, sete ex-ministros do Meio Ambiente nos governos de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer criticaram, também por um manifesto, o que chamaram de “desmonte” da governança socioambiental e a política do governo de Jair Bolsonaro para a área. De igual forma, 11 ex-ministros da Justiça manifestaram-se contra alguns pontos do decreto que flexibilizou as regras para posse e porte de armas de fogo. Outras críticas também já tinham sido feitas ao projeto anticrime idealizado pelo ministro Sergio Moro.

O presidente Jair Bolsonaro pode receber todas essas manifestações de integrantes de governos passados com desdém ou com humildade. Não só o seu governo, mas o País tem muito a ganhar se a humildade prevalecer.

Imagem do Dia

Leopoldo Gotuzzo (Brasil, 1887 – 1983)

Desejo animal de extinção

A ararinha-azul só existe em cativeiro. Está extinta na natureza desde 2001 e é um símbolo da luta conservacionista no Brasil, como a onça-pintada e o boto-cor-de-rosa, ambos ameaçados. Porém, poucos brasileiros sabem que outros três pássaros deixaram de voar desde o início do século: o gritador-do-nordeste, o limpa-folha-do-nordeste e o caburé-de-pernambuco. A vítima mais recente é o gritador, um tipo de sabiá avistado pela última vez em 2007, em um resquício de Mata Atlântica em Alagoas. Além das quatro aves, outras 1.173 espécies estão em risco no País, representando 13% dos vertebrados, informa o “Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção”, do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Entre os que beiram o sumiço estão a baleia-azul, o pica-pau-amarelo, a preá, o bugio-marrom, o tamanduá-bandeira, a suçuarana.


Nem por isso o governo dá a mínima atenção ao assunto. Desde que assumiu, Bolsonaro defende a flexibilização da legislação, o que resulta no desmonte do sistema de proteção ambiental brasileiro, aperfeiçoado desde 1967, quando a caça de espécies nativas foi proibida. Um conjunto de cinco propostas tramita na Câmara pedindo a liberação da caça esportiva, a criação de reservas particulares de caça, a permissão para a captura, criação e comércio de animais silvestres, a proibição do porte de armas de fogo para fiscais ambientais, a eliminação de penas pesadas para crimes ambientais e poder aos municípios sobre o que pode ser abatido ou capturado. Contrariando as recomendações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, o Ibama, há até o desejo de explorar petróleo perto do Parque Nacional de Abrolhos, no sul da Bahia, que é um berçário de baleias.

“Estamos diante de um amontoado de barbaridades”, diz Warner Bento Filho, do WWF-Brasil. A ONG denuncia que as propostas estão repletas de armadilhas jurídicas. Uma delas mudaria o status dos animais nativos, que se tornariam “bens de domínio público” em vez de “propriedade do estado”. Outro caso ocorreu em abril, quando o Ministério da Agricultura pediu ao do Meio Ambiente que revisse os critérios para a definição de espécies aquáticas ameaçadas.

O tiro inicial pela liberação da caça foi dado em 2016, pelo ex-deputado Valdir Colatto (MDB-SC). No ano passado, ele perdeu sua quarta reeleição consecutiva, mas ganhou a chefia do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que saiu da pasta do Meio Ambiente e foi parar na Agricultura. Colatto é considerado pelos ambientalistas uma raposa no galinheiro. Ele nega. “Qualquer projeto pode ser aprovado totalmente ou desfigurado”, diz, com razão. Parte dos deputados da Frente Parlamentar Ambientalista quer apenas engavetar o que tramita. É tido como certo que se aprovados, quase tudo será discutido no STF. O apoio popular é questionável. Em 22 de maio, uma pesquisa do Ibope em 142 municípios demonstrou que 93% dos brasileiros são contra a liberação. Nas grandes cidades, a rejeição é de 95%, no interior, 91%. Nas redes sociais, correm manifestos com mais de 500 mil assinaturas.

O temor é que a pressão sobre a fauna aumente apenas para cumprir promessas da campanha presidencial. De acordo com o MMA, os maiores riscos hoje estão no aumento da atividade agrícola, na derrubada de florestas e no crescimento desordenado das cidades. A caça e a captura são o quinto fator de extermínio, atrás também da produção de energia e da poluição, respectivamente. “Ninguém precisa de caça para viver. É uma irresponsabilidade”, reclama a atriz e ativista ambiental Alexia Dechamps. Questionado se haveria algum estudo de impacto, o MMA afirmou em nota que a “questão da caça em unidades de conservação é a pauta de discussões”. É só reler a sentença para perceber a lógica torta. Áreas de conservação não devem ser destinadas ao abate de animais que lá estão para serem mantidos vivos.

Valdir Colatto diz que seu principal objetivo quando parlamentar era o controle de espécies exóticas, como o javali, o javaporco e o lebrão, que exterminam plantações e transmitem doenças. Para a fundadora da Ampara Silvestre, Juliana Camargo, o argumento é só uma desculpa para atirar no que aparecer na frente. Ela cita que das doze suçuaranas libertadas na Mata Atlântica nos últimos quatro anos por órgãos ambientais, oito foram abatidas. Existiriam formas menos brutais de manejo, com captura e esterilização de animais exóticos. “A alternativa ética dá trabalho, mas não é injusta”, diz Juliana.

Há também miopia e até revanchismo. Na terça-feira 28, Bolsonaro voltou a defender a extinção da Estação Ecológica dos Tamoios, em Angra dos Reis (RJ). Para ele, o lugar deveria ser aberto ao turismo de massa. A “nossa Cancún”, disse. Cobrindo só 5% da Baía de Ilha Grande, é um dos locais mais intactos do estado do Rio. Permitir a exploração ali seria ruim até para os pescadores, já que os peixes que os sustentam não teriam onde se reproduzir. O presidente também ignorou que Tamoios é justificada pela necessidade de monitoramento dos reatores da usina nuclear de Angra. Em 2012, Bolsonaro foi multado por pesca ilegal naquelas águas. Ele brigou para não pagar até conseguir a anulação. Em 27 março, o fiscal que o flagrou foi exonerado. José Augusto Morelli perdeu o cargo de chefe de operações do Ibama e se diz perseguido por ter cumprido a lei.

Disputas entre a Câmara e o Senado acabaram por alterar o Código Florestal, contrariando o Executivo. Como os senadores não gostam de prazos curtos para a votação das medidas provisórias vindas da Câmara, resolveram retaliar na quarta-feira 29, anunciando que vão ignorar solenemente a votação que alteraria a legislação ambiental. Como a MP que desobrigaria os produtores rurais a recuperarem áreas desmatadas ou degradadas vai perder a validade na segunda-feira 3, os ambientalistas comemoraram. A lei que caduca anistiaria o desmatamento de 5 milhões de hectares — o dobro da área do estado de Sergipe.

A Educação precisa de paz

Nenhum país do mundo alcançou o crescimento sustentado sem construir um amplo pacto para alavancar a qualidade da Educação. E em nenhum lugar a Educação deu o salto necessário em clima de guerra ideológica, caça às bruxas, denuncismo, estigmatização de professores ou falta absoluta de diretrizes; traços marcantes desses cinco meses do governo Bolsonaro na área educacional.

Nesse curto espaço de tempo, o MEC foi palco de uma guerra intestina entre alas do bolsonarismo. No seu interior instalou-se uma dança de cadeiras, responsável por dezenas de demissões nos principais escalões do Ministério.

Aquilo que educadores de diversas colorações temiam de fato aconteceu. O ministro Abraham Weintraub está causando mais danos do que o seu antecessor Ricardo Vélez Rodriguez, tal tem sido sua obstinação em levar até as últimas consequências a guerra contra o “marxismo cultural”.

Questões que poderiam ser enfrentadas de maneira racional, como o contingenciamento de verbas em decorrência da queda da arrecadação, as deficiências do sistema de ensino federal, ou a prioridade do ensino básico (de resto defendida pela ampla maioria dos educadores), foram ideologizadas pelo ministro em um ambiente punitivo.

Como disse o presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, “a sociedade foi para as ruas tratar da Educação porque o ministro assumiu o ministério falando ‘vou cortar 30% da universidade A, B e C”. De fato, as declarações de Weintraub de que puniria as universidades que fossem palco de ”balbúrdia” incendiaram a pradaria. Da mesma maneira, suas afirmações contra o ensino de ciências humanas colocaram mais lenha na fogueira.

Reconheça-se, Weintraub conseguiu a proeza de levar às ruas estudantes, professores, funcionários e pais de alunos. Não para reclamar por salários, mas em defesa da Educação, algo raro em nossa história de reinvidicações quase sempre corporativistas. E na esteira fez ressurgir a UNE, entidade esvaziada desde seu aparelhamento por forças de esquerda.

Sua resposta às manifestações foi criticada amplamente, desagradando até mesmo a setores moderados do governo. Sem apresentar provas, acusou, irresponsavelmente, professores de fazer proselitismo em salas de aula em favor dos atos públicos. Como se não bastasse, o MEC divulgou uma nota oficial que transformou o denuncismo em política oficial de Estado, prática abjeta usada e larga escala na Revolução Cultural da China, também adotada na Alemanha de Hitler e na União Soviética de Stalin.

Ninguém é ingênuo. Há sempre quem queira se apropriar de manifestações legítimas da sociedade. Que o diga a presidente do PT, Gleisi Hoffman, ávida por enfiar de contrabando nos atos em defesa da Educação a bandeira do “Lula Livre”. Mas este tipo de oportunismo também aconteceu nas manifestações pró-governo, onde uma minoria adotou palavras de ordem antidemocráticas. Tanto em um caso como no outro, os desvios não tiraram a legitimidade das ruas.

Falta ao ministro respeito à liturgia do cargo. Convocado pela Câmara, ofendeu deputados ao insinuar que eles nunca trabalharam na vida. No dia da segunda manifestação, divulgou um vídeo patético, onde aparece dançando com um guarda-chuva, como se fosse o Gene Kelly em “Dançando na Chuva”. O propósito do vídeo foi transferir responsabilidades sobre o desleixo com o Museu Nacional.

Difícil crer que o atual titular da pasta, por falta de serenidade e de liderança, leve a bom termo a missão que até agora tem relegado a segundo plano.

No final do ano termina a validade do Fundeb, instrumento fundamental para o financiamento da Educação. Sua renovação exigirá muita negociação entre os entes federativos e os gestores da área educacional. Se esse processo não for bem conduzido, retroagiremos a antes de 1996, quando o ministro Paulo Renato Souza criou o Fundo.

Weintraub já deu provas soberbas de que não é apenas o homem errado no lugar errado. É uma persona non grata por ser o grande obstáculo ao que a Educação mais precisa atualmente: paz.
Hubert Alquéres

Cada pessoa come até 121 mil partículas de plástico por ano

Entre 2% e 5% de todo o plástico produzido no mundo acaba despejado nos oceanos, em forma de resíduo. Ali, esse material vai se degradando lentamente, se deteriorando - e se transforma no chamado microplástico, pequenas partículas que podem ser microscópicas ou chegar até 5 milímetros de comprimento.

Os mares estão cheio disso, em um processo que começou nos anos 1950, quando a indústria mundial passou a produzir mais maciçamente esses materiais.

Mas esse lixo todo não para no mar. Essas pequenas partículas acabam ingeridas por animais marinhos e, assim, entrando na cadeia alimentar. No fim da linha, nós, humanos, acabamos comendo plástico.

Resíduos do material também podem acabar entrando em nosso organismo quando consumimos produtos embalados em plástico, seja um invólucro que envolve a carne processada, seja a água tomada na garrafinha.


Mas quanto de plástico realmente estamos ingerindo?

Para responder a essa pergunta, um grupo de cientistas do Departamento de Biologia da Universidade de Victoria, no Canadá, resolveu fazer um levantamento inédito. Liderados pelo pesquisador Kieran Cox, eles revisaram e compilaram 26 estudos anteriores que analisaram as quantidades de partículas de microplásticos em peixes, moluscos, açúcares, sais, álcoois, água - de torneira e engarrafada - e no próprio ar.

Então, usando como base as Diretrizes Alimentares - guia com a recomendação do governo americano -, os cientistas avaliaram quanto desses alimentos costuma ser ingerido por homens, mulheres e crianças por ano

O resultado foi que a ingestão de microplásticos varia de 74 mil a 121 mil partículas por ano, conforme idade e sexo.

E se você é daqueles que só bebe água de garrafinha, um alerta: a pesquisa constatou que quem prefere água assim em vez da de torneira pode estar ingerindo microplásticos a mais.

"Indivíduos que cumprem sua ingestão de água recomendada apenas por meio de fontes engarrafadas podem estar ingerindo mais 90 mil microplásticos anualmente, em comparação com 4 mil microplásticos para quem consome apenas água da torneira", pontua Cox, em artigo publicado nesta quarta-feira no periódico científico Environmental Science & Technology.

Segundo o estudo, crianças do sexo feminino ingerem 74 mil partículas em média, contra 81 mil de crianças do sexo masculino. No caso dos adultos, mulheres ingerem uma média de 98 mil microplásticos enquanto os homens, 121 mil.

É muito difícil quantificar em termos de volume ou mesmo tamanho toda essa quantidade de microplásticos. Isso porque as partículas podem ser microscópicas - mas, por conceito, um fragmento de até 5 milímetros de comprimento ainda pode ser chamado de microplástico.

Se considerarmos o limite extremo dessa escala, ingerir 121 mil partículas de microplásticos - na hipótese de isso ser feito de uma só vez - seria o equivalente a engolir uma fita plástica de 605 metros.

No ano passado, uma pesquisa encontrou microplásticos em sal de cozinha. O trabalho, realizado por cientistas sul-coreanos em parceria com a ONG Greenpeace, encontrou o material em 36 de 39 marcas analisadas.

Também no ano passado, outra pesquisa demonstrou pela primeira vez o que já se suspeitava: que nós, seres humanos, estamos ingerindo microplásticos. O estudo, desenvolvido pelo médico Philipp Schwabl, da Divisão de Gastroenterologia e Hepatologia da Universidade de Medicina de Viena, na Áustria, encontrou partículas de microplásticos em fezes humanas colhidas em oito países diferentes: Finlândia, Itália, Japão, Holanda, Polônia, Rússia, Reino Unido e Áustria.

A reportagem da BBC News Brasil pediu para que Schwabl analisasse os dados do estudo divulgado nesta quarta. Considerando que o seu próprio estudo encontrou uma média de 20 partículas de microplásticos em cada 10 gramas de fezes humanas, ele afirma que é bem pertinente que a ingestão anual desse material seja superior a 70 mil partículas.

Projeto da morte no trânsito

Mais uma vez o presidente Jair Bolsonaro mostrou que só faz o que lhe dá na telha. Suas duas visitas ao Congresso em menos de dez dias, que muitos viram como um gesto de boa vontade, só ocorreram em razão de pautas políticas próprias. Na primeira, foi celebrar o humorista Carlos Alberto de Nóbrega, em homenagem proposta pelo deputado Alexandre Frota (PSL-SP). Na segunda, antes de ontem, foi levar um projeto de lei para a análise dos parlamentares. Um dos mais nefastos projetos já apresentados ao Congresso, que muda regras para condução e educação no trânsito.


A proposta de lei erra em todas as linhas. Primeiro, por que aumentar a validade do documento de habilitação? Pelo preço? Não faz sentido. O projeto deveria priorizar a fiscalização dos cursos de motorista. Também nada significa retirar a obrigatoriedade do uso de farol nas estradas. Apenas aumenta o risco nas pistas. Da mesma forma, é risível estabelecer que, em veículos de empresas, multas só podem ser dadas se o motorista não for identificado.

Há pontos ainda mais perigosos, como o de reduzir a gradação da penalidade para motociclistas que transportarem cargas em dimensões e peso acima do normal. Se você vir uma motocicleta conduzindo um armário, tudo bem, não é tão grave, segundo o projeto. Veículos com defeitos de fábrica poderão continuar circulando, e sua documentação não pode ser negada pelos órgãos oficiais, mesmo que o erro seja no funcionamento do freio. É ridículo.

Dobrar de 20 para 40 o volume de pontos para cassar a carteira de motorista infrator é convite à infração. Propor não multar mais motorista que não usar cadeirinha de segurança para transportar crianças é criminoso. A cada ano, 134 crianças de até 9 anos deixam de morrer por usar o equipamento. O presidente quer também acabar com os equipamentos eletrônicos de multas, os famosos pardais. “A multagem (sic) eletrônica vai deixar de existir para o bem dos motoristas do nosso Brasil”, disse o presidente, fazendo demagogia barata com a vida dos brasileiros.

Tão criminoso quanto o artigo da cadeirinha, que chocou o país e deve ser derrubado pelo Congresso, é o que acaba com o exame toxicológico de larga janela para candidatos a motorista profissional ou para a renovação da carteira. Esse exame, que vigora desde 2017, analisa geneticamente os candidatos e determina se fizeram uso de substância tóxicas nos 90 dias anteriores. Se o resultado for positivo, a habilitação é negada ou cassada.

Os números provam a eficiência da lei em vigor. Dados oficiais mostram que veículos pesados, que representam apenas 4% da frota nacional, são responsáveis por 38% dos acidentes nas estradas e 53% dos acidentes com vítimas fatais. Em média, 30% dos caminhoneiros usam drogas estimulantes para dirigir em longos percursos. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, houve queda de 38% nos acidentes nas rodovias federais no primeiro ano da lei do exame toxicológico que o projeto de Bolsonaro quer agora revogar.

As seguradoras estimam impacto negativo de cerca de R$ 200 bilhões por ano na economia do país com acidentes de trânsito. Só no primeiro ano da lei, reduziu-se em mais de R$ 70 bilhões a perda econômica derivada de acidentes. Estima-se que o exame toxicológico salvou a vida de 56 mil pessoas apenas nas regiões Sul e Sudeste em dois anos. No mesmo período, 2,2 milhões de motoristas profissionais ou candidatos tiveram suas habilitações cassadas ou negadas.

Presidentes vão eventualmente ao Parlamento levar emendas constitucionais, como a da reforma da Previdência. Projetos de lei são quase corriqueiros e dispensam a presença presidencial na sua apresentação. No ano passado, só a Câmara aprovou 149 deles. E por isso, para defender o elenco de barbaridades contidos no seu projeto, Jair Bolsonaro fez esta visita inusitada ao Congresso na terça-feira.

Houve gente dizendo “oba, o presidente está dando sinais de reconciliação com o Congresso”. “Começou a fase de distensão”, afirmaram outros. Nada disso, o que se viu foi um homem cumprindo sua agenda política, falando apenas com o seu público. Ele fez um gesto a caminhoneiros e a motoristas profissionais, como se estes, aliás, não tivessem filhos.
Ascânio Seleme