sexta-feira, 29 de setembro de 2017

O sistema se protege

A reação ao afastamento de Aécio Neves é muito mais do que uma tentativa de salvar a pele do tucano. O Congresso vê o caso como uma chance de ouro para medir forças com o Judiciário e impor algum tipo de freio à Lava Jato. Além de suspender o mandato do mineiro, a primeira turma do Supremo determinou seu recolhimento noturno. A medida inflamou os parlamentares que acusam o tribunal de extrapolar na interpretação da lei.

Eles argumentam que a Constituição só permite a prisão de congressistas em flagrante de crime inafiançável. Mesmo assim, a decisão precisa do aval do plenário da Câmara ou do Senado, como ocorreu no caso do ex-petista Delcídio do Amaral.

O problema é que o Código de Processo Penal define o recolhimento como medida “diversa da prisão”. Por isso, os ministros que votaram pela punição entendem que não cabe consulta alguma aos senadores.

Por trás da polêmica jurídica, o que se discute é o futuro de dezenas de parlamentares sob suspeita de corrupção. Eles temem ser vítimas do “efeito Orloff”: o castigo aplicado a Aécio hoje poderia ser estendido a qualquer um amanhã.

Isso explica a reação suprapartidária em defesa do senador, que quase chegou à Presidência e em menos de três anos se tornou um dos políticos mais impopulares do país.

A salvação de Aécio interessa em primeiro lugar ao PSDB e ao governo Temer, que conta com ele para arquivar mais uma denúncia contra o presidente. A novidade é a adesão do PT, que decidiu abraçar o inimigo em nome da cruzada contra a Lava Jato.

O partido chamou o tucano de hipócrita e golpista, mas defendeu que o Senado derrube a decisão do Supremo. É o que deve acontecer, sob risco de uma crise institucional.

Nada disso ocorreria se o Senado tivesse cumprido seu dever quando Aécio foi gravado pedindo R$ 2 milhões a Joesley Batista. Em vez de puni-lo, o Conselho de Ética arquivou o caso sem nem sequer abrir investigação.

Imagem do Dia

Deus e o diabo em dois capítulos

Capítulo 1: a fé sobe ao palanque para 2018

A gente olha para o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e logo pressente a luz: ali está um homem de fé, um servo de Deus. Na semana passada, ele gravou uma mensagem em vídeo, numa produção bem caseira e bem cristã, em que se dirige aos evangélicos: “Me sinto muito à vontade para conversar com vocês porque temos os mesmos valores, valores da lei de Deus e dos homens, visando crescer, visando colaborar com o país. Preciso da oração de todos, estaremos aqui trabalhando, conto com vocês”.

Esse mundo brasileiro é realmente um pandeiro abençoado. Até em sua religiosidade monetária, religiosidade da qual ninguém desconfiava, o ministro copia os Estados Unidos. Nas cédulas do dólar americano, a gente lê, em maiúsculas, “IN GOD WE TRUST”. O ministro da Fazenda também “trust” nesse “God” aí. Esse negócio de God, sabe como é, a gente tem que “trust”. Será comédia? Será piada? Será um enredo maluco de escola de samba? Será a macroeconomia do Senhor? Ou será que Meirelles quer ser presidente do Brasil com o apoio da Assembleia de Deus?


Pelo sim, pelo não, “a fé não costuma faiá”. Não há de fazer mal a fé inabalável do ministro. Deus opera na reunião do Copom. Milagres nas planilhas. Um coro ecoa na sala: “Sai, depressão, sai dessa economia, que ela não te pertence!”. Outro coro, com hiperinflação de decibéis, emenda: “Em nome de Jesus, cresce, PIB!”. Eis então que, já desenganado pelos economistas, o corpo exangue das finanças públicas reage. “Aleluia, aleluia!”

O que mais comove nas aparições eclesiais de Henrique Meirelles é a autenticidade. Realmente. Quanta verdade interior! Que semblante profético! Mais que um pregador do Evangelho, o atual ministro de Michel Temer, filiado ao PSD de Gilberto Kassab, que foi também presidente do Banco Central nos dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva, é puro ecumenismo eleitoral. Nele, todas as seitas partidárias se fundem numa só voz. A voz dele, por certo.

Gilberto Kassab em pessoa, presidente do PSD, lançou o nome de Meirelles como pré-candidato à Presidência. Enquanto isso, o ministro orará, e orará, e orará para que seus cortejados evangélicos não prefiram o original. No tabuleiro que se desenha para 2018, está faltando um candidato evangélico da gema, algo como esse prefeito do Rio, Marcelo Crivella. Se um religioso com poder, com banca e com estatura para unificar as igrejas evangélicas resolver se candidato – orai, economistas do Senhor –, pode levar. Meirelles dependerá, ainda, de muita oração.

Capítulo 2: a farda conspira contra o palanque de 2018

Enquanto Meirelles invoca Deus para subir no palanque de 2018, quem corre perigo é o palanque. Há militares interessados em derrubar a democracia. Convém não esquecer o que disse o general da ativa do Exército, Antonio Hamilton Mourão. Em uma palestra numa loja maçônica de Brasília, no dia 15, ele declarou que, no entendimento de seus “companheiros do Alto-Comando do Exército”, uma “intervenção militar” virá se o Judiciário “não solucionar o problema político”.

Mourão se referia ao problema da corrupção, e foi mais do que explícito: “Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos de impor isso”. Apologia mais escancarada do golpe militar, impossível.

Será tragédia? Será piada de mau gosto? Será revival de 1964? Será meramente loucura? Até agora, o general não foi punido nem foi medicado. Tudo como dantes no quartel dos aspirantes.

E Mourão não é uma andorinha só. Quase um ano atrás, outra alta patente fez a mesmíssima ameaça. No dia 15 de dezembro de 2016, na página 2 do jornal O Estado de S. Paulo, o general Rômulo Bini Pereira, ex-chefe do Estado-Maior do Ministério da Defesa, escreveu um artigo, “Alertar é preciso”, em que alertou mesmo: “Se o clamor popular alcançar relevância, as Forças Armadas poderão ser chamadas a intervir, inclusive em defesa do Estado e das instituições. (...). Não é apologia ou invencionice. Por isso, repito: alertar é preciso”.

Todos sabemos que um golpe militar a essa altura é improvável. Essas quarteladas estão fora de moda, todos sabemos também, e as chances para esse tipo de aventura são reduzidas. Mesmo assim, fiquemos de olho. Se há um único ponto previsível sobre o futuro, é que o futuro é imprevisível, inclusive para os apóstolos (os bons e os maus) e para os milicos (os disciplinados e os rebelados). Não subestimemos a sandice. Há megalomanias redentoras – e demoníacas – no altar e na caserna.

Sem poder elevar estatura, Senado rebaixa teto

Charge do dia 29/09/2017
Em 18 de maio, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, suspendeu o mandato de Aécio Neves, proibindo-o de frequentar o Senado. Os colegas do senador tucano receberam a notícia com rara naturalidade. Eunício Oliveira, o presidente do Senado, gastava baldes de saliva para explicar as providências que adotara para cumprir a decisão judicial.

Decorridos quatro meses, uma trinca de ministros da Primeira Turma do Supremo ressuscitou as medidas cautelares contra Aécio, que haviam sido derrubadas por uma liminar de Marco Aurélio Mello. Adicionaram ao rol de imposições o recolhimento domiciliar noturno, previsto no Código de Processo Penal como medida cautelar ''diversa da prisão''. E os mesmos senadores que haviam lavado as mãos para o drama penal de Aécio agora querem fazer sumir o sabonete. Natural: 44 dos 81 senadores estão encrencados em inquéritos no Supremo.

Aquele Eunício reverente às deliberações da Suprema Corte desapareceu. Surgiu em cena um outro Eunício, mais próximo do personagem que a Odebrecht identificou nas suas planilhas de propinas como Índio. Rodeado de investigados com a faca entre os dentes, o pajé do Senado quer derrubar no plenário as deliberações do Supremo.

Sem querer, os ministros da Suprema Corte descobriram uma maneira de unir os partidos políticos. Ao espremer o tucano Aécio, produziram um movimento suprapartidário de autoproteção. Os senadores não enxergam corruptos no espelho. Mas não querem correr o risco de ser Aécio amanhã. Estalando de solidariedade, tramam livrar o grão-tucano de suas complicações penais. Do PMDB ao PT, todos engancharam suas bancadas no trenzinho da impunidade. Verificou-se que o grande mal do Senado é a cumplicidade não doer.

Abarrotado de investigados, o Senado se deu conta de que é uma casa de pequenas criaturas. Impossibilitados de elevar a própria estatura, os senadores decidiram rebaixar o teto. Do jeito que a coisa vai, bastará a um senador conservar-se agachado no plenário para ser considerado um sujeito de grande altivez. Os 95% de culpados e cúmplices do Senado dão aos outros 5% uma péssima reputação.

À força da ironia

Vivemos nessa selva. A imensa maioria está doente de impotência e de ressentimentos. E alguns poucos como nós, marginais doentes de nostalgia e presos ainda a um punhado de valores que alguém mostrou alguma vez serem universais, sobrevivemos apenas à força de ironia.
 
Neste contexto social individualista, decadente e cada vez mais violento, que para muitos é a inevitável pós-modernidade, é impossível alcançar o equilíbrio. Para os que ainda creditamos na superioridade da ética, e conservamos um ou dois princípios, e empedernidamente acreditamos na existência de utopias que vale a pena, o equilíbrio em si se transforma em utopia. Porque, na pós-modernidade, todas as forças se desataram com exagero: há mais gente, mais carências, mais fome, mais injustiças, mais filhos da puta, mais conflitos e cada vez mais graves
Mempo Giardinelli, "Impossível equilíbro"

Medo

O Brasil deu errado, é a sensação que eu tenho. Às vezes penso se não seria melhor fechar tudo e recomeçar... Sei que esse pensamento é tosco, mas olhe em volta e veja se não concorda comigo.

Para início de conversa, qual a emoção que domina as conversas hoje, nos botecos e esquinas do país, de norte a sul? É o medo, não é não?

O que se passa no Rio, sempre o tambor nacional, disfarça o que se passa no resto do Brasil, mas todos sabemos que a Rocinha é só o espaço mais conhecido dentre todos os espaços onde o medo impera. É uma favela enorme, a maior do mundo, talvez, e fica num dos locais onde a vista é das mais deslumbrantes. O que atrai a mídia que lhe dá muita visibilidade. Infelizmente, essa visibilidade não dá ao Rio a segurança que poderia dar.


Segundo os melhores dicionários, “Medo é a emoção despertada por um perigo iminente, pela aproximação do mal, real ou imaginário; é o sentimento que provoca insegurança; é condição que o homem enfrenta ao nascer, ao se ver retirado do conforto e segurança do ventre materno”.

Claro que o medo do carioca é infernal. Andamos assustados nas ruas. Ser mãe no Rio é padecer no paraíso as 24 horas do dia... Além do medo pelo que pode acontecer com nossas crianças, temos medo do que pode vir a acontecer conosco caso tenhamos a audácia de falar ao celular na calçada, por exemplo...

Tivemos aqui por poucos, pouquíssimos dias, as Forças Armadas na favela da Rocinha. Na quarta-feira, 27/9, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse numa entrevista ao jornalista Roberto D’Avila que as FFAA ficariam aqui até 2018. Mas ontem, dia 28, o mesmo ministro comunicou que nesta sexta-feira as tropas deixarão o morro, que prender bandido é função da polícia e que a guerra entre traficantes, que tanto sacrificava os moradores da favela, tinha sido vencida, a paz reinava na área!

Foi o que bastou para que o prefeito Crivella comunicasse à população que agora, sim, poderemos dar um banho de loja na Rocinha. Foi isso mesmo que você leu: Banho de Loja! Não é maravilhoso? Que tal uma filial da Prada, por exemplo, prefeito?

Com esse prefeito, não é o caso de termos muito medo? Diga a verdade, Leitor, dá para dizer adeus ao medo?

Claro que não. Sobretudo porque não é só a guerra nos morros do Rio que provoca medo. A mim, por exemplo, me assustam tanto quanto o enfraquecimento do nosso Supremo Tribunal Federal, o vedetismo dos togados, a atitude baixo nível dos nossos congressistas, o inacreditável anseio pelo fim da Lava-Jato, a palavra de certos militares!

Assim como a falta de dinheiro para salvar nossas escolas, nossos hospitais, e até para apagar os inúmeros incêndios que destroem nossas matas...

Nenhuma boa notícia? Tivemos sim, uma boa, uma ótima notícia. A excelente Carta ao PT assinada pelo ex-ministro Antonio Palloci. A verdadeira Nova Carta aos Brasileiros. Vamos rezar para que os eleitores a leiam e pensem bem nesse trecho: "afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?".