O presidente se assustou com a aparição repentina. A figura que surgiu na sala do Palácio do Planalto não convenceu muito. Era um tipo alto, moreno, bronzeado, vestindo uma camisa florida em tons azuis, uma bermuda branca e sandálias. A barba era longa, mas bem aparada e os óculos escuros comprados certamente numa ótica parisiense.
- Mas quem é você? perguntou o presidente.
- Ué, você não me chamou? Estava esperando faz tempo esse chamado. Sou deus, mas sou democrático. Preciso atender à maioria da população e eles vivem me pedindo a mesma coisa. Quando você pediu achei que estava na hora.
- Na hora de quê?
- De tirar você daqui. Levar pra outro lugar. Tem gente querendo botar você em cana. Eu espero a justiça dos homens decidir antes aí eu entro.
- Mas a justiça divina não está comigo?
- Não sei o que lhe faz acreditar nisso. Aliás vocês vivem usando meu santo nome em vão. Já estou meio cansado disso. Andei conversando com o Alexandre de Moraes...
- Com o Alexandre, não!!! Ele quer ver minha caveira.
- Justamente. Precisava falar com ele porque essa história de caveira, defunto, etc tem que passar por mim. É minha administração.
- Eu não usei seu santo nome em vão. Achei que eu tinha prerrogativas. Estou fazendo um governo todo família, tradição e propriedade. Achei que seria do seu agrado.
- Quem falou? Quem anda falando em meu nome?
- Quem acredita no senhor.
- Quem acredita em mim ou que acredita no meu poder de persuasão, minha força de marketing, ...?
-Achei que a gente podia escolher. Brasil acima de tudo e Deus acima de todos.
- Eu estou acima de tudo, seu idiota. Não percebeu que essa frase é um equívoco só? Imagina se o Brasil vai estar acima de mim? Deus é deus e basta. E falando nisso lhe proíbo de continuar falando em meu nome. Vamos indo. Tá ficando tarde e sou uma pessoa muito solicitada.
- É...quer dizer. Eu falei no sentido figurado. Queria dizer que ninguém me tira daqui, só o senhor.
-Pois é. Estou tirando. Ou você acha que eu estou satisfeito com o seu governo? Ninguém está. Vamos indo, anda. Chama a Michelle, os meninos e vamos embora. Estou com um ônibus aí fora da viação Celeste para levar vocês pra casa.
- Mas nós não queremos...
- Eu decido e vai por mim. Melhor sair sob a minha proteção do que esperar que a PF baixe por aqui na operação Familícia.
- Jura? Eles estão vindo?
- Eu não juro por mim mesmo, meu filho. Só digo a verdade.
-Não sei o que é isso.
-Pois é. Se até hoje você não aprendeu não vai ser agora. Vamos indo. O tempo urge.
- Mas eu estava gostando tanto de brincar de presidente.
- O povo não estava gostando nada de você ser presidente.
- Posso fazer uma última pergunta, antes de ir, já que estou na frente de deus?
- Diga.
- Qual é o significado da vida?
- Ora, meu filho, piada velha numa hora dessas? Vamos embora antes que a casa caia.
E no meio dos escombros do palácio, deus foi saindo levando pelos braços o JMB que olhava para os lados com olhar saudoso. Uma lágrima rolou, mas ele logo desmentiu
- Homem não chora.