sábado, 3 de maio de 2025
Vai apostar?
Se Fernando Collor, por problemas de saúde, vai cumprir a pena em casa, o mesmo acontecerá com Jair Bolsonaro quando ele for condenado pelo Supremo Tribunal Federal. Quem aposta?
Um enigma facilmente desvendável
Distraída, a maioria eleitoral norte-americana não percebeu a simplicidade do enigma que lhes foi apresentado na eleição presidencial passada, e tampouco a perceberam os milhões de turistas que por lá andaram.
O enigma é como aquela gente conseguiu condensar todos os defeitos do país num só indivíduo – Donald Trump – e, em seguida, elevar o resultado à enésima potência. Para ser bem compreendido, tal enigma requer algumas indagações complementares. A que defeitos estamos nos referindo? Por que não os percebemos com a devida antecedência? No que toca aos americanos, muitas respostas podem ser cogitadas. Desde o aparecimento, em 1885, do livro Congressional Government, de Woodrow Wilson, os americanos continuaram a louvar as qualidades de seus dois grandes partidos – o Democrata e o Republicano – não se dando conta de que a quase totalidade dos livros sobre o governo federal publicados no último meio século carrega títulos como Presidential Power (R. Neustadt, 1960), The Imperial Presidency (Arthur Schlesinger, 1973), The Personal President – Power Invested, Promise Unfullfilled (Theodore Lowi, 1985), Presidency by Plebiscite (Craig A. Rimerman, 1993).
O caso dos visitantes estrangeiros é mais facilmente compreensível. Turistas raramente viajam a países pobres ou perigosos. Visitam países ricos, nos quais possam se esbaldar fazendo compras, seguros ou bem cuidados, que lhes propiciem amplas possibilidades de lazer. Sabendo que são países pobres e violentos, pouquíssimos vão à Bolívia ou vêm ao Brasil, e mesmo os que viajam aos Estados Unidos evitam bairros sabidamente marcados por conflitos raciais ou riots (ataques violentos em larga escala), como o de Watts (Los Angeles) de 1965 ou o de Detroit de 1967.
Na mais que notória simbiose entre racismo e violência, não há como esquecer o assassinato de um homem negro, George Floyd, por um policial branco, Derek Chauvin, que sufocou Floyd sob sua bota durante quase 10 minutos.
Este exemplo decorre de uma longa história de racismo e fanatismo. Remonta aos tempos da Ku Klux Klan, aquele bando de encapuzados ridículos que não se cansava de assassinar negros e de incendiar igrejas, principalmente as batistas, que se empenhavam em lhes dar proteção. No Michigan, na localidade chamada Wayne County, a extrema direita não encarnava apenas o racismo, mas também o antintelectualismo, atacando justamente um ponto do qual todo americano deveria se orgulhar: o melhor sistema de ensino universitário do mundo. Pelo menos 15 das melhores universidades do Primeiro Mundo têm sede nos Estados Unidos. Cabe indagar se foi de caso pensado que o atual inquilino da Casa Branca escolheu como alvo de suas agressões a icônica Universidade Harvard.
O duplo viés (doméstico e estrangeiro) a que me referi explica uma parte da vasta ignorância a respeito da sociedade americana, do padrão raivoso de conflito que nela periodicamente se manifesta e, em particular, de sua receptividade a um gênero de populismo especialmente virulento. Um bom exemplo é a própria Guerra Civil de 1861-1865. O número de presidentes assassinados (quatro) também impress i ona: Abraham Li ncol n (1865); James Garfield (1881); William McKinley (1901); e John F. Kennedy (1963), sem esquecer o número de líderes da melhor estirpe, como Martin Luther King Jr. (1968), atingido por um tiro na sacada de um hotel em Memphis, Tennessee, e Robert Kennedy (1968), este tendo antes exercido a Procuradoria-Geral dos Estados Unidos.
Claro, assim como há pontos baixos, também os há altos. O ponto forte do sistema é, sem dúvida, o Judiciário (o que, paradoxalmente, explica por que o país contabiliza, em números absolutos, a maior população carcerária do mundo). Pelo lado positivo, basta lembrar que ele mandou prender (no dia 14/5/2011), sob acusação de assédio sexual no hotel de Nova York onde se hospedara, o francês Dominique Strauss-Kahn, ex-presidente do Fundo Monetário Internacional, mandando retirá-lo do avião em que já embarcara.
Mas nem tudo é tão admirável. Este ano, a Justiça admitiu a eleição e a consequente posse do sr. Trump na presidência mesmo após ele ser condenado por falsificar registros financeiros para ocultar pagamento feito à ex-atriz pornô Stormy Daniels, e tendo, no mínimo, meia dúzia de indiciamentos por outras condutas. Anteriormente, em 2016, o processo eleitoral fora regido pelo inacreditável arcaísmo do Colégio Eleitoral, graças ao qual Trump chegou à presidência, embora sua adversária, Hillary Clinton, tenha granjeado a maioria dos votos populares.
Em se tratando de Donald Trump, tudo o que até aqui foi dito ainda é pouco. E continua a ser pouco mesmo com o acréscimo de sua macabra parceria com Vladimir Putin, cujo currículo tem como principal destaque seus anos de aprendizado na KGB. Isso porque o risco de o sr. Putin detonar uma de suas 6 mil bombas atômicas é relativamente pequeno. Nem ele deve estar próximo de tamanha alucinação. O risco de o sr. Trump detonar a organização econômica mundial não é pequeno. Basta ver que ele se dispõe a começar por seu próprio país.
O enigma é como aquela gente conseguiu condensar todos os defeitos do país num só indivíduo – Donald Trump – e, em seguida, elevar o resultado à enésima potência. Para ser bem compreendido, tal enigma requer algumas indagações complementares. A que defeitos estamos nos referindo? Por que não os percebemos com a devida antecedência? No que toca aos americanos, muitas respostas podem ser cogitadas. Desde o aparecimento, em 1885, do livro Congressional Government, de Woodrow Wilson, os americanos continuaram a louvar as qualidades de seus dois grandes partidos – o Democrata e o Republicano – não se dando conta de que a quase totalidade dos livros sobre o governo federal publicados no último meio século carrega títulos como Presidential Power (R. Neustadt, 1960), The Imperial Presidency (Arthur Schlesinger, 1973), The Personal President – Power Invested, Promise Unfullfilled (Theodore Lowi, 1985), Presidency by Plebiscite (Craig A. Rimerman, 1993).
O caso dos visitantes estrangeiros é mais facilmente compreensível. Turistas raramente viajam a países pobres ou perigosos. Visitam países ricos, nos quais possam se esbaldar fazendo compras, seguros ou bem cuidados, que lhes propiciem amplas possibilidades de lazer. Sabendo que são países pobres e violentos, pouquíssimos vão à Bolívia ou vêm ao Brasil, e mesmo os que viajam aos Estados Unidos evitam bairros sabidamente marcados por conflitos raciais ou riots (ataques violentos em larga escala), como o de Watts (Los Angeles) de 1965 ou o de Detroit de 1967.
Na mais que notória simbiose entre racismo e violência, não há como esquecer o assassinato de um homem negro, George Floyd, por um policial branco, Derek Chauvin, que sufocou Floyd sob sua bota durante quase 10 minutos.
Este exemplo decorre de uma longa história de racismo e fanatismo. Remonta aos tempos da Ku Klux Klan, aquele bando de encapuzados ridículos que não se cansava de assassinar negros e de incendiar igrejas, principalmente as batistas, que se empenhavam em lhes dar proteção. No Michigan, na localidade chamada Wayne County, a extrema direita não encarnava apenas o racismo, mas também o antintelectualismo, atacando justamente um ponto do qual todo americano deveria se orgulhar: o melhor sistema de ensino universitário do mundo. Pelo menos 15 das melhores universidades do Primeiro Mundo têm sede nos Estados Unidos. Cabe indagar se foi de caso pensado que o atual inquilino da Casa Branca escolheu como alvo de suas agressões a icônica Universidade Harvard.
O duplo viés (doméstico e estrangeiro) a que me referi explica uma parte da vasta ignorância a respeito da sociedade americana, do padrão raivoso de conflito que nela periodicamente se manifesta e, em particular, de sua receptividade a um gênero de populismo especialmente virulento. Um bom exemplo é a própria Guerra Civil de 1861-1865. O número de presidentes assassinados (quatro) também impress i ona: Abraham Li ncol n (1865); James Garfield (1881); William McKinley (1901); e John F. Kennedy (1963), sem esquecer o número de líderes da melhor estirpe, como Martin Luther King Jr. (1968), atingido por um tiro na sacada de um hotel em Memphis, Tennessee, e Robert Kennedy (1968), este tendo antes exercido a Procuradoria-Geral dos Estados Unidos.
Claro, assim como há pontos baixos, também os há altos. O ponto forte do sistema é, sem dúvida, o Judiciário (o que, paradoxalmente, explica por que o país contabiliza, em números absolutos, a maior população carcerária do mundo). Pelo lado positivo, basta lembrar que ele mandou prender (no dia 14/5/2011), sob acusação de assédio sexual no hotel de Nova York onde se hospedara, o francês Dominique Strauss-Kahn, ex-presidente do Fundo Monetário Internacional, mandando retirá-lo do avião em que já embarcara.
Mas nem tudo é tão admirável. Este ano, a Justiça admitiu a eleição e a consequente posse do sr. Trump na presidência mesmo após ele ser condenado por falsificar registros financeiros para ocultar pagamento feito à ex-atriz pornô Stormy Daniels, e tendo, no mínimo, meia dúzia de indiciamentos por outras condutas. Anteriormente, em 2016, o processo eleitoral fora regido pelo inacreditável arcaísmo do Colégio Eleitoral, graças ao qual Trump chegou à presidência, embora sua adversária, Hillary Clinton, tenha granjeado a maioria dos votos populares.
Em se tratando de Donald Trump, tudo o que até aqui foi dito ainda é pouco. E continua a ser pouco mesmo com o acréscimo de sua macabra parceria com Vladimir Putin, cujo currículo tem como principal destaque seus anos de aprendizado na KGB. Isso porque o risco de o sr. Putin detonar uma de suas 6 mil bombas atômicas é relativamente pequeno. Nem ele deve estar próximo de tamanha alucinação. O risco de o sr. Trump detonar a organização econômica mundial não é pequeno. Basta ver que ele se dispõe a começar por seu próprio país.
Estamos na sociedade da informação
Estamos na sociedade da informação. Somos autênticos informívoros, necessitamos de informação para sobreviver, como necessitamos de alimento, calor ou contato social. Nas ciências da comunicação, considera-se que informação é tudo aquilo que reduz a incerteza de um sistema. Nesse sentido, todos nós nos alimentamos de informação que nos permite não apenas prever como também controlar os acontecimentos de nosso meio.
Previsão e controle são duas das funções fundamentais da aprendizagem, inclusive nos organismos mais simples.
Na vida social, a informação é ainda mais essencial porque os fenômenos que nos rodeiam são complexos e cambiantes e, portanto, ainda mais incertos do que os que afetam os outros seres vivos. A incerteza é ainda maior na sociedade atual, como consequência da descentração do conhecimento e dos vertiginosos ritmos de mudança em todos os setores da vida.
Um traço característico de nossa cultura da aprendizagem é que, em vez de ter de buscar ativamente a informação com que alimentar nossa ânsia de previsão e controle, estamos sendo abarrotados, superalimentados de informação, na maioria das vezes em formato fast food. Sofremos uma certa obesidade informativa, consequência de uma dieta pouco equilibrada.
Juan Ignácio Pozo
Previsão e controle são duas das funções fundamentais da aprendizagem, inclusive nos organismos mais simples.
Na vida social, a informação é ainda mais essencial porque os fenômenos que nos rodeiam são complexos e cambiantes e, portanto, ainda mais incertos do que os que afetam os outros seres vivos. A incerteza é ainda maior na sociedade atual, como consequência da descentração do conhecimento e dos vertiginosos ritmos de mudança em todos os setores da vida.
Um traço característico de nossa cultura da aprendizagem é que, em vez de ter de buscar ativamente a informação com que alimentar nossa ânsia de previsão e controle, estamos sendo abarrotados, superalimentados de informação, na maioria das vezes em formato fast food. Sofremos uma certa obesidade informativa, consequência de uma dieta pouco equilibrada.
Juan Ignácio Pozo
Como ultradireita está dividindo a Alemanha
Especialistas alertam: para onde se olha, as trincheiras estão aumentando. Nos Estados Unidos, Donald Trump divide um país e seus aliados democráticos mundo afora; na Alemanha, quem faz isso é o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD). E se a Europa está dividida sobre como lidar com a migração, o mundo inteiro não chega a um acordo sobre o que fazer a respeito das mudanças climáticas.
Vivemos tempos polarizados, e os abismos entre diferentes grupos sociais – e até entre países inteiros – estão se aprofundando. Ao mesmo tempo, a lista de desafios que exigem ação conjunta só cresce. Guerras, conflitos, migração, comércio, clima, questões sociais e problemas relacionados ao progresso tecnológico afetam o mundo todo, independente de onde você estiver e qual lado assumir.
Por muito tempo, as sociedades democráticas tiveram a reputação de serem mais eficazes na resolução de problemas. Partia-se do pressuposto de que, ao enfrentar desafios sociais de maneira aberta e conjunta, a probabilidade de encontrar boas soluções apoiadas por uma ampla maioria seria maior.
Mas em um mundo cada vez mais polarizado, essa reputação foi abalada. A disposição para o compromisso e o consenso diminuiu, e o clima político é marcado por uma intransigência crescente.
O sociólogo Nils Teichler, do Instituto de Pesquisa para a Coesão Social (FGZ) da Universidade de Bremen, na Alemanha, alerta sobre as consequências da polarização. Se grupos sociais se bloqueiam mutuamente, os compromissos políticos se tornam impossíveis, afirma.
"Quanto mais pré-estabelecidas são as ideias em relação a um grupo, e quanto mais as diferenças na simpatia por diferentes grupos se baseiam em características isoladas, maior é o risco para a coesão social", explica.
O que a popularidade da AfD tem a ver com preconceitos na sociedade
Em um estudo recente sobre divisão social, o FGZ descobriu algo interessante: em regiões onde a direita radical é forte, até mesmo pessoas que não votam na AfD tendem a ter mais "pré-conceitos" a respeito de minorias.
Os pesquisadores analisaram a relação entre o sucesso regional da AfD e as simpatias por determinados grupos sociais. "Encontramos indícios de que, em regiões onde a AfD foi particularmente bem-sucedida politicamente, as pessoas têm menos simpatia por grupos desfavorecidos e minorias sociais", afirma Teichler.
As atitudes mais negativas eram, sobretudo, direcionadas a migrantes, muçulmanos, pessoas LGBT+ ou indivíduos com baixo nível educacional. "Ou seja, encontramos sinais de divisão em regiões onde a AfD é mais forte", diz o pesquisador.
Mas o que veio primeiro: a divisão ou a ultradireita?
De acordo com Teichler, os dois fenômenos caminham juntos.
Instrumentalização da imigração
A ultradireita também alerta sobre a divisão social. No entanto, atribui isso a apenas um fator: a migração, a ser resolvida com o fechamento das fronteiras. O presidente dos EUA, Donald Trump, constantemente retrata imigrantes como criminosos e perigosos. A líder da AfD, Alice Weidel, já chamou homens muçulmanos de "homens com facas" e mulheres muçulmanas de "meninas de véu".
Mas não é só a AfD que adota uma linguagem populista. Até mesmo o futuro chanceler da Alemanha, o conservador Friedrich Merz, já se referiu a crianças de famílias de imigrantes como "pequenos paxás", termo que no país tem conotação pejorativa, aludindo a homens orientais que tratam mulheres como suas subordinadas – clara referência a muçulmanos.
"A guinada à direita que estamos vendo no momento afetou quase todos os partidos na Alemanha", analisa Cihan Sinanoglu, chefe do Monitor Nacional de Discriminação e Racismo do Centro Alemão de Pesquisa sobre Integração e Migração (DeZIM).
Sinanoglu afirma ainda que algumas das leis mais restritivas sobre asilo e imigração foram aprovadas com ajuda dos social-democratas, verdes e liberais.
Ele diz que os demais partidos erram ao pensar que conseguirão reconquistar o eleitorado da ultradireita adotando essas políticas restritivas. Fazer isso, critica, não ajuda a combater as políticas racistas da AfD.
"É o que mostra o exemplo do leste alemão, onde há muito menos refugiados e pessoas de origem migratória do que no oeste do país. Ao mesmo tempo, no entanto, é lá que estão os redutos da AfD", pontua o sociólogo.
Sinanoglu defende um debate aberto sobre migração e sobre os limites da sociedade para lidar com isso. No entanto, ele considera um erro político reduzir as divisões na sociedade apenas à questão migratória.
E esse erro cobra um preço alto, sobretudo da comunidade migrante, alerta ele. "Por exemplo, se agora falamos o tempo todo sobre migração irregular, os imigrantes sabem muito bem de quem se está falando nesses debates."
Quase 30% das pessoas que vivem na Alemanha têm o que se chama de "origem migratória", ou seja: vieram do exterior ou são filhos de imigrantes por parte paterna ou materna. Metade dessas pessoas têm cidadania alemã; muitos nasceram no país.
Sinanoglu diz que a sociedade alemã se apega a normas que continuam excluindo os migrantes, mesmo aqueles que já estão na Alemanha há décadas. E o que está acontecendo agora, prossegue ele, é que os migrantes estão sendo simbolicamente despojados de sua cidadania – com amplas consequências sociais. "As pessoas estão se retraindo, vivendo com medo, pensando em emigrar. Isso afeta nossos relacionamentos amorosos, nossas amizades."
Para ele, não há dúvidas de que a ultradireita está impulsionando essa divisão – e as sociedades ocidentais têm sua parcela de culpa nisso, já que os políticos no poder, seja na Alemanha, no Reino Unido, na França ou nos EUA, não estariam enfrentando a verdadeira causa da divisão em suas sociedades: as questões sociais.
Por isso, Sinanoglu defende que é preciso focar em questões concretas, como moradia a preços acessíveis, salários justos e oportunidades reais de ascensão social. "Devemos focar nessas questões sociais em vez de levantar ideais e valores abstratos que jamais serão aplicáveis a muitas partes dessa sociedade", argumenta.
Para ele, é um erro falar sobre coesão social e segurança apenas da ótica da migração. "Estamos falando da segurança de quem? As pessoas que estão falando neste momento sobre segurança e ordem em relação à migração são as mesmas que flexibilizaram o mercado de trabalho, que precarizaram os empregos e que trouxeram a insegurança às vidas das pessoas."
Vivemos tempos polarizados, e os abismos entre diferentes grupos sociais – e até entre países inteiros – estão se aprofundando. Ao mesmo tempo, a lista de desafios que exigem ação conjunta só cresce. Guerras, conflitos, migração, comércio, clima, questões sociais e problemas relacionados ao progresso tecnológico afetam o mundo todo, independente de onde você estiver e qual lado assumir.
Por muito tempo, as sociedades democráticas tiveram a reputação de serem mais eficazes na resolução de problemas. Partia-se do pressuposto de que, ao enfrentar desafios sociais de maneira aberta e conjunta, a probabilidade de encontrar boas soluções apoiadas por uma ampla maioria seria maior.
Mas em um mundo cada vez mais polarizado, essa reputação foi abalada. A disposição para o compromisso e o consenso diminuiu, e o clima político é marcado por uma intransigência crescente.
O sociólogo Nils Teichler, do Instituto de Pesquisa para a Coesão Social (FGZ) da Universidade de Bremen, na Alemanha, alerta sobre as consequências da polarização. Se grupos sociais se bloqueiam mutuamente, os compromissos políticos se tornam impossíveis, afirma.
"Quanto mais pré-estabelecidas são as ideias em relação a um grupo, e quanto mais as diferenças na simpatia por diferentes grupos se baseiam em características isoladas, maior é o risco para a coesão social", explica.
O que a popularidade da AfD tem a ver com preconceitos na sociedade
Em um estudo recente sobre divisão social, o FGZ descobriu algo interessante: em regiões onde a direita radical é forte, até mesmo pessoas que não votam na AfD tendem a ter mais "pré-conceitos" a respeito de minorias.
Os pesquisadores analisaram a relação entre o sucesso regional da AfD e as simpatias por determinados grupos sociais. "Encontramos indícios de que, em regiões onde a AfD foi particularmente bem-sucedida politicamente, as pessoas têm menos simpatia por grupos desfavorecidos e minorias sociais", afirma Teichler.
As atitudes mais negativas eram, sobretudo, direcionadas a migrantes, muçulmanos, pessoas LGBT+ ou indivíduos com baixo nível educacional. "Ou seja, encontramos sinais de divisão em regiões onde a AfD é mais forte", diz o pesquisador.
Mas o que veio primeiro: a divisão ou a ultradireita?
De acordo com Teichler, os dois fenômenos caminham juntos.
Instrumentalização da imigração
A ultradireita também alerta sobre a divisão social. No entanto, atribui isso a apenas um fator: a migração, a ser resolvida com o fechamento das fronteiras. O presidente dos EUA, Donald Trump, constantemente retrata imigrantes como criminosos e perigosos. A líder da AfD, Alice Weidel, já chamou homens muçulmanos de "homens com facas" e mulheres muçulmanas de "meninas de véu".
Mas não é só a AfD que adota uma linguagem populista. Até mesmo o futuro chanceler da Alemanha, o conservador Friedrich Merz, já se referiu a crianças de famílias de imigrantes como "pequenos paxás", termo que no país tem conotação pejorativa, aludindo a homens orientais que tratam mulheres como suas subordinadas – clara referência a muçulmanos.
"A guinada à direita que estamos vendo no momento afetou quase todos os partidos na Alemanha", analisa Cihan Sinanoglu, chefe do Monitor Nacional de Discriminação e Racismo do Centro Alemão de Pesquisa sobre Integração e Migração (DeZIM).
Sinanoglu afirma ainda que algumas das leis mais restritivas sobre asilo e imigração foram aprovadas com ajuda dos social-democratas, verdes e liberais.
Ele diz que os demais partidos erram ao pensar que conseguirão reconquistar o eleitorado da ultradireita adotando essas políticas restritivas. Fazer isso, critica, não ajuda a combater as políticas racistas da AfD.
"É o que mostra o exemplo do leste alemão, onde há muito menos refugiados e pessoas de origem migratória do que no oeste do país. Ao mesmo tempo, no entanto, é lá que estão os redutos da AfD", pontua o sociólogo.
Sinanoglu defende um debate aberto sobre migração e sobre os limites da sociedade para lidar com isso. No entanto, ele considera um erro político reduzir as divisões na sociedade apenas à questão migratória.
E esse erro cobra um preço alto, sobretudo da comunidade migrante, alerta ele. "Por exemplo, se agora falamos o tempo todo sobre migração irregular, os imigrantes sabem muito bem de quem se está falando nesses debates."
Quase 30% das pessoas que vivem na Alemanha têm o que se chama de "origem migratória", ou seja: vieram do exterior ou são filhos de imigrantes por parte paterna ou materna. Metade dessas pessoas têm cidadania alemã; muitos nasceram no país.
Sinanoglu diz que a sociedade alemã se apega a normas que continuam excluindo os migrantes, mesmo aqueles que já estão na Alemanha há décadas. E o que está acontecendo agora, prossegue ele, é que os migrantes estão sendo simbolicamente despojados de sua cidadania – com amplas consequências sociais. "As pessoas estão se retraindo, vivendo com medo, pensando em emigrar. Isso afeta nossos relacionamentos amorosos, nossas amizades."
Para ele, não há dúvidas de que a ultradireita está impulsionando essa divisão – e as sociedades ocidentais têm sua parcela de culpa nisso, já que os políticos no poder, seja na Alemanha, no Reino Unido, na França ou nos EUA, não estariam enfrentando a verdadeira causa da divisão em suas sociedades: as questões sociais.
Por isso, Sinanoglu defende que é preciso focar em questões concretas, como moradia a preços acessíveis, salários justos e oportunidades reais de ascensão social. "Devemos focar nessas questões sociais em vez de levantar ideais e valores abstratos que jamais serão aplicáveis a muitas partes dessa sociedade", argumenta.
Para ele, é um erro falar sobre coesão social e segurança apenas da ótica da migração. "Estamos falando da segurança de quem? As pessoas que estão falando neste momento sobre segurança e ordem em relação à migração são as mesmas que flexibilizaram o mercado de trabalho, que precarizaram os empregos e que trouxeram a insegurança às vidas das pessoas."
O que não está na Internet
O maior erro do nosso tempo é a ideia que tudo está na Internet.
Outro é que quase tudo está na Internet.
O erro não seria grave se não prejudicasse tanto quem acredita nele. Mas prejudica.
Imagine-se que se dizia que, procurando bem, quase tudo o que Portugal tem existe em Lisboa.
Pode não haver tudo o que se colhe e cozinha em Trás-os-Montes, mas, conhecendo bem as vielas de Lisboa, já dá para ficar com uma boa ideia do que é a cozinha transmontana.
Ora, o conteúdo da Internet está para todos os livros e todas as publicações do mundo como Lisboa está para Portugal.
Só não está como Freixo de Espada à Cinta está para Portugal porque há muitos, muitos livros e publicações na Internet que só uma pequeníssima minoria, académica ou endinheirada, pode ler.
Nós apenas podemos saber que existem: a única coisa que podemos consultar é o catálogo, para sabermos o que estamos a perder.
Como a Internet é pequena e rodeada por lixo, as pessoas que tomam a Internet por um todo estão condenadas a consultar as mesmas fontezinhas.
Em Portugal, por exemplo, nota-se perfeitamente que toda a gente vive dos mesmos dois dicionários online e da Wikipedia.
É como se toda a gente tivesse em casa os mesmos dois dicionários, ambos muito abreviados e aleatórios, e a mesma enciclopédia anglo-americana.
É nisto que dão a preguiça e a pressa: na pequenez, na monotonia, na previsibilidade, na falta de estímulo, no conhecimento feito numa cantina do Ikea, em que todos empurram as mesmas almôndegas de alce nos mesmos tabuleiros manchados de mostarda.
Nunca foi tão fácil fugir da manada. Nunca foi tão fácil ser jovem. Basta abrir um livro. Basta entrar numa biblioteca. Basta habituarmo-nos à emoção e ao prazer de procurar e de encontrar.
Por enquanto, a Internet é apenas um meio de transporte. Confiar nela é como confiar no que trazem os correios. Trazem muita coisa gira, mas são um acrescento. Não são um substituto.
Continua a ser preciso ir aos livros.
Outro é que quase tudo está na Internet.
O erro não seria grave se não prejudicasse tanto quem acredita nele. Mas prejudica.
Imagine-se que se dizia que, procurando bem, quase tudo o que Portugal tem existe em Lisboa.
Pode não haver tudo o que se colhe e cozinha em Trás-os-Montes, mas, conhecendo bem as vielas de Lisboa, já dá para ficar com uma boa ideia do que é a cozinha transmontana.
Ora, o conteúdo da Internet está para todos os livros e todas as publicações do mundo como Lisboa está para Portugal.
Só não está como Freixo de Espada à Cinta está para Portugal porque há muitos, muitos livros e publicações na Internet que só uma pequeníssima minoria, académica ou endinheirada, pode ler.
Nós apenas podemos saber que existem: a única coisa que podemos consultar é o catálogo, para sabermos o que estamos a perder.
Como a Internet é pequena e rodeada por lixo, as pessoas que tomam a Internet por um todo estão condenadas a consultar as mesmas fontezinhas.
Em Portugal, por exemplo, nota-se perfeitamente que toda a gente vive dos mesmos dois dicionários online e da Wikipedia.
É como se toda a gente tivesse em casa os mesmos dois dicionários, ambos muito abreviados e aleatórios, e a mesma enciclopédia anglo-americana.
É nisto que dão a preguiça e a pressa: na pequenez, na monotonia, na previsibilidade, na falta de estímulo, no conhecimento feito numa cantina do Ikea, em que todos empurram as mesmas almôndegas de alce nos mesmos tabuleiros manchados de mostarda.
Nunca foi tão fácil fugir da manada. Nunca foi tão fácil ser jovem. Basta abrir um livro. Basta entrar numa biblioteca. Basta habituarmo-nos à emoção e ao prazer de procurar e de encontrar.
Por enquanto, a Internet é apenas um meio de transporte. Confiar nela é como confiar no que trazem os correios. Trazem muita coisa gira, mas são um acrescento. Não são um substituto.
Continua a ser preciso ir aos livros.
Poder, República e corrupção
República: forma de governo em que o Estado prioriza o interesse do povo, sendo a própria população responsável pela eleição de um chefe de Estado que governará por um período limitado. O termo deriva do latim “res publica”, que significa “assunto público”. São definições clássicas. Alguns países avançados, como Reino Unido, Espanha, Suécia e Japão, ainda organizam suas democracias através de monarquias constitucionais. O Rei encarna o Estado e o parlamento traduz o governo nascido da vontade popular. Independente da configuração do sistema, volta e meia, a democracia é confrontada por líderes de viés autoritário ou por ditadores abertos.
A democracia necessita de legitimação permanente pelo voto, pela participação social e pelo desempenho eficaz na economia e na entrega de serviços públicos de qualidade. Quando a população percebe que a dinâmica democrática não está produzindo resultados, as instituições democráticas se enfraquecem.
Um dos principais vetores da crise da democracia contemporânea é a corrupção entranhada nas instituições. Ouçamos o austero ex-presidente do Uruguai José Mujica, pessoa carismática, nutrida por rara sabedoria e que cultivou sempre hábitos simples: “Se misturamos a vontade de ter dinheiro com a política estamos fritos. Quem gosta muito de dinheiro tem que ser tirado da política. É preciso castigar essa pessoa porque ela gosta de dinheiro? Não. Ela tem que ir para o comércio, para a indústria, para onde se multiplica a riqueza”.
Quando saí do movimento estudantil para entrar na vida pública, nos idos de 1982, alguns conceitos eram muito caros: liturgia nos cargos, austeridade pessoal, honestidade, espírito público e sentimento republicano, independente de correntes políticas. Os líderes da redemocratização, Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, eram símbolos desses valores. Não há uma mancha em suas trajetórias.
No Império, a democracia brasileira abraçava apenas as elites. A Velha República é identificada com um Estado essencialmente patrimonialista. Na República Nova, as denúncias de corrupção foram permanentes. Durante o regime militar, apesar da ausência de liberdades, houve permanentes denúncias de corrupção.
A Nova República despertou, há 40 anos, esperanças de que a República encontraria a afirmação de sua essência. No entanto, enfrentamos escândalos recorrentes.
Agora, na era pós Lava a Jato, que teve parte de suas decisões anuladas pelo STF por erros processuais e não por julgamento de mérito, várias denúncias e suspeitas abalam a confiança da população nas instituições republicanas. E aí se envolvem todos os poderes e matizes ideológicos.
O presidente Collor, afastado por corrupção, mas inocentado pelo Judiciário, é preso, décadas depois, por reincidência na corrupção. O INSS é mergulhado num mar de corrupção. Denúncias são apuradas por más práticas de alguns parlamentares com suas emendas. Relações incestuosas entre interesses privados e públicos vêm à tona em relação a membros do Judiciário. A população olha tudo isso “bestializada” e com grande desconfiança e pessimismo.
O humorista brasileiro Stanislaw Ponte Preta cunhou uma frase irônica certa vez: “Restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos”. Não é certamente o caso. A democracia brasileira exige o reestabelecimento radical da ética republicana.
A democracia necessita de legitimação permanente pelo voto, pela participação social e pelo desempenho eficaz na economia e na entrega de serviços públicos de qualidade. Quando a população percebe que a dinâmica democrática não está produzindo resultados, as instituições democráticas se enfraquecem.
Um dos principais vetores da crise da democracia contemporânea é a corrupção entranhada nas instituições. Ouçamos o austero ex-presidente do Uruguai José Mujica, pessoa carismática, nutrida por rara sabedoria e que cultivou sempre hábitos simples: “Se misturamos a vontade de ter dinheiro com a política estamos fritos. Quem gosta muito de dinheiro tem que ser tirado da política. É preciso castigar essa pessoa porque ela gosta de dinheiro? Não. Ela tem que ir para o comércio, para a indústria, para onde se multiplica a riqueza”.
Quando saí do movimento estudantil para entrar na vida pública, nos idos de 1982, alguns conceitos eram muito caros: liturgia nos cargos, austeridade pessoal, honestidade, espírito público e sentimento republicano, independente de correntes políticas. Os líderes da redemocratização, Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, eram símbolos desses valores. Não há uma mancha em suas trajetórias.
No Império, a democracia brasileira abraçava apenas as elites. A Velha República é identificada com um Estado essencialmente patrimonialista. Na República Nova, as denúncias de corrupção foram permanentes. Durante o regime militar, apesar da ausência de liberdades, houve permanentes denúncias de corrupção.
A Nova República despertou, há 40 anos, esperanças de que a República encontraria a afirmação de sua essência. No entanto, enfrentamos escândalos recorrentes.
Agora, na era pós Lava a Jato, que teve parte de suas decisões anuladas pelo STF por erros processuais e não por julgamento de mérito, várias denúncias e suspeitas abalam a confiança da população nas instituições republicanas. E aí se envolvem todos os poderes e matizes ideológicos.
O presidente Collor, afastado por corrupção, mas inocentado pelo Judiciário, é preso, décadas depois, por reincidência na corrupção. O INSS é mergulhado num mar de corrupção. Denúncias são apuradas por más práticas de alguns parlamentares com suas emendas. Relações incestuosas entre interesses privados e públicos vêm à tona em relação a membros do Judiciário. A população olha tudo isso “bestializada” e com grande desconfiança e pessimismo.
O humorista brasileiro Stanislaw Ponte Preta cunhou uma frase irônica certa vez: “Restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos”. Não é certamente o caso. A democracia brasileira exige o reestabelecimento radical da ética republicana.
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