quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O trabalho dos Jogos

Os Jogos Olímpicos produzem campeões, mas fazem muito mais assolando preconceitos e relativizando o poder idealizado do dinheiro e das grandes potências. Até esportes desconhecidos onde não há a “bola” que nós tanto amamos no Brasil, são inesperadamente exaltados. Jamais vi tanta gente batalhar por medalhas — meros símbolos — que abrem as portas para a riqueza e para a fama. Também despem atletas de países tidos como “adiantados” de sua crosta emocional quando são derrotados, do mesmo modo que mostram campeões nascidos em lugares fora do lugar, como o interior de Bahia ou a velha África — o continente mais esbulhado do planeta.

Nas arenas e, sobretudo, nas piscinas, todos se despem, revelando o que Marcel Mauss — num ensaio de 1935, quando 11 jogos olímpicos já haviam sido realizados, chamou de “técnicas de corpo”. Essas posturas que, a despeito de nossas motivações, manifestam-se involuntariamente, já que nos foram impostas de fora para dentro.

São exemplares dessas técnicas o comer parcimonioso mesmo morto de fome; o soltar um “ai” quando se sente dor, como se faz no Brasil, e não um ouch, como faz um americano. Você jamais vai deixar o seu “ai!”, do mesmo modo que o abraço será contido pelos americanos. Ele é caloroso, e calvinistas são treinados para abolir o calor humano. Santa Joana d’Arc, que se vestia de soldado para lutar, foi desmascarada quando a tropa assava castanhas. Joana pediu sua porção, um soldado atirou-lhe as castanhas e ela abriu, em vez de — como fazem os homens — fechar as pernas. As técnicas de corpo denunciaram sua condição.

Em todos os esportes notam-se práticas que, por trás do “atleta universal”, desvendam o membro de um grupo particular. Já falei do “drible” que abrasileirou o futebol no Brasil. No basquete, impressiona-me o “enterrar” veemente dos americanos negros como — quem sabe? — ajustar contas com odioso e perene preconceito vigente nos oficialmente igualitários Estados Unidos. Pois, como se sabe, o basquetebol foi roubado pelos negros, que deram a esse esporte uma elegância de balé russo.

Resultado de imagem para espirit olimpico charge
O mesmo ocorre nas comemorações nas quais os atletas se despem de suas contenções olímpicas e choram ao ouvir o hino dos seus países. Nesse momento, o esporte é englobado pela terra onde nasceram. O ideal olímpico de competir, e não de ganhar ou perder, é permanentemente desmentido pelo humano concreto e festivo quando pulamos na vitória ou abaixamos a cabeça na derrota. Na efusão e no luto, as técnicas de corpo de cada sistema cultural mostram a sua força, burlando as regras gerais.

E como ninguém — e muitos menos, como americanos e franceses explicitaram fora e dentro das picadeiros — é feito somente de ética, os gestos fazem com que o tal “espírito olímpico” ganhe, paradoxalmente, um corpo.

Os corpos são biologicamente iguais, mas diferem nas suas expressões. Tornar-se humano comporta um uniforme. Seja uma fatiota completa, um suspiro ou um sensual soltar de cabelo — esse sinal que produz jogos corporais melhores do que os olímpicos, os quais, no entanto, também motivam medalhas de ouro, prata e bronze ou simplesmente desqualificam os contendores.

A propósito disso, vale lembrar o que, em 1905, dizia Mark Twain: “Não há poder sem roupa. É isso que governa a raça humana. Deixem os poderosos nus em pelo, e nenhum estado poderia ser governado. Governantes pelados não poderiam exercer autoridade alguma — eles pareceriam e seriam como todo mundo”.

Talvez por isso as piscinas americanas foram por tanto tempo segregadas. Tal como comer junto, o nadar junto despe papéis sociais e revela por meio de corpos. Negro ou branco, gordo ou magro, feio ou atraente. O despir coletivo das piscinas sugere familiaridade fluidez e mistura. No meio líquido, o desejo flutua e pode superar a norma. Trata-se do que Moneygrand chama do “efeito praia”. Nadar é a modalidade esportiva que mais contraria a moral burguesa.

Findos os Jogos, chega o peso de chumbo da realidade, com seus problemas e dilemas. E como os esportes coletivos são mais importantes no Brasil do que os individuais, ganhamos os Jogos com as medalhas do futebol e do vôlei. Mais uma prova de que, no Brasil, o todo é mais importante do que a parte com quem mantém um instável equilíbrio.

A rotina pós-olímpica vai dizer se vamos confirmar a farsa dos nadadores americanos ou se vamos ser — como os medalhistas olímpicos — fiéis ao melhor de nós mesmos. Essa regra de ouro que faz a glória das disputas nas quais reis e canoeiros tornam-se iguais!

Roberto DaMatta

Perdas e danos

Há dez anos o Brasil aprovava um novo marco legal para o combate às drogas. A Lei 11.343/2006 nascia com a perspectiva de intensificar penas para o crime de tráfico e reduzir a criminalização dos usuários. Seu efeito, porém, mostrou-se desastroso: cadeias superlotadas, mais mulheres nas prisões e criminalização da população negra e pobre. Por outro lado, não há nenhum indicador de que as redes de tráfico tenham sido coibidas.

De 2005 até dezembro de 2014, segundo dados do Ministério da Justiça, a população carcerária teve um salto vertiginoso de 111,4%, ultrapassando a marca de 620 mil presos. Isso colocou o Brasil na vergonhosa posição de quarto país com a maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos EUA, China e Rússia.

Em 2005, o porcentual de pessoas incriminadas por tráfico de drogas correspondia a 11% da população carcerária. Em 2014, segundo dados do Infopen, esse número alcançou 27%. Se considerarmos apenas as mulheres, o impacto foi ainda mais cruel: 64% das presas no Brasil respondiam por tráfico de drogas.

O grande responsável por essa desastrosa situação foi o aumento da pena mínima de três para cinco anos, mesmo para pequenos traficantes. Soma-se a isso a relutância dos juízes em aplicar a diminuição de pena para réus primários e a insistência no encarceramento, muito embora o Supremo Tribunal Federal já tenha decidido que a equiparação a crime hediondo não impede a aplicação de penas alternativas, como ocorre para outros crimes não violentos como o furto.

Resultado de imagem para criminalização das drogas  charge
O resultado é uma distorção racista e classista, já enraizada na cultura brasileira, mas bastante escancarada no sistema prisional: embora não existam dados sociodemográficos específicos dos presos por tráfico de drogas, o perfil geral da população prisional brasileira é composto majoritariamente por negros (61,6%) e de baixa escolaridade (oito em cada dez estudaram, no máximo, até o ensino fundamental). O foco da atuação policial no combate à venda de drogas no varejo e ao transporte feito por "mulas" faz com que um contínuo fluxo de jovens desempregados sejam levados ao sistema prisional mesmo sem praticar qualquer ato violento, enquanto as grandes organizações têm seu complexo sistema de comércio e corrupção inalterado.

A lógica militar de combate às drogas faz com que 90% das prisões por tráfico sejam em flagrante e por pequenas quantidades. Esta pessoa provavelmente passará todo o processo no regime fechado de prisão por suposto "perigo à ordem pública" - pautado não na violência da pessoa, mas na ideia abstrata do "inimigo traficante" produzida pela mídia. A guerra às drogas é a grande responsável por manter em prisão provisória, ou seja, sem julgamento definitivo, 40% dos atuais presos do Brasil.

Em uma década, o Brasil acumulou conhecimento e dados suficientes para deixar claro que sua política antidrogas vem promovendo um violento massacre às populações mais vulneráveis e tornado cada vez mais insustentável o sistema prisional. Existe uma demanda crescente dentro e fora do país para a revisão da abordagem proibicionista e tratamento da questão dentro de seu devido lugar, que é a saúde pública.

Nesse sentido, o STF (Supremo Tribunal Federal) tem em suas mãos uma oportunidade histórica. Ainda nesse semestre deve ser retomado o julgamento sobre o Recurso Extraordinário nº 635.659, da Defensoria Pública de São Paulo, que discute a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.

Esperamos que os ministros do Supremo assumam para a si a responsabilidade de corrigir essa distorção, deixando de punir usuários e abrindo caminho para uma política de drogas menos violadora, menos encarceradora e menos seletiva.

Jessica Carvalho Morris e Henrique Apolinário

Um tônico para o Brasil e para a humanidade

Resultado de imagem para superação charge
Temos algumas peculiaridades. Somos muito mais ou menos no ordinário, nas rotinas e no dia a dia. Mas vamos além para fazer o extraordinário, como nos desfiles da Sapucaí e no boi bumbá de Parintins. Superamos tudo para encantar, quando temos uma plateia para deslumbrar. Somos um povo alegórico e nostálgico, que necessita de significados especiais para produzir usando a capacidade plena. O Brasil não tem, no caso das manifestações espetaculares, uma ética de compromisso. Mas um engajamento de princípios, uma ética de princípios. Se o Brasil aplicasse na política a ética que aplicou no esforço para fazer as Olimpíadas, seria um país muito melhor
Murillo de Aragão

Quando a Primavera chegar, a Era da Canalhice já será um cadáver em adiantado estado de decomposição

A última semana deste agosto é também a última semana do mais longo e mais patético velório político da história do Brasil. Daqui a poucos dias, milhões de brasileiros estarão festejando o fim de uma farsa que durou 13 anos e meio. Não é pouca coisa. Quando a primavera chegar, a Era da Canalhice já será um cadáver em decomposição.


Por enquanto, o governo Michel Temer é uma esperança espreitada por dúvidas. Melhor assim, atesta a comparação com a certeza medonha parida pelos governos de Lula e Dilma: com a permanência dessa dupla e seus comparsas no poder, seria proibido sonhar com a salvação de um Brasil devastado pela inépcia, pelo cinismo e pela corrupção.

No mesmo instante em que Dilma foi despejada do Planalto, sem que o presidente interino tivesse sequer esboçado uma única e escassa mudança de rumo, tudo subitamente pareceu menos aflitivo, mais respirável, menos desolador. Meia dúzia de decisões sensatas depois, o reinado do lulopetismo se reduzira a uma lembrança tão remota quanto a chegada de Cabral.

A reconstrução do Brasil não será fácil. Para torná-la menos penosa, lembremo-nos o tempo todo do legado de Lula e Dilma. Aconteça o que acontecer, o país que se vai sempre será infinitamente pior do que o país que está chegando.

Olimpíada cansa

Ai, que lombeira! Já fiquei fatigado na festa de abertura. Lembrou-me o Samba do Crioulo Doido, do Stanislaw, com Santos Dumont na mesma praia de índios, ritmistas de escola de samba e bicicletas-floreira. Ufa!

Depois tome gente correndo, nadando, sacando, socando, saltando, se dopando. E a Terra de Santa Cruz se notabilizando no judô, tiro, vara e boxe, o que explica muito sobre nós mesmos.

Outro fator que merece reflexão, e tem grande correspondência com isto, é o Exército recebendo 70% das medalhas numa Olimpíada civil. Seria uma profecia do que se dará com o Bananão depois do desembarque de 21 mil soldados nas ruas, avenidas e morros da Cidade Maravilhosa? É sabido que os nossos homens de caserna adoram manter posição depois que a conquistam. Basta ver quanto tempo permaneceram no mesmo sítio após aquele 1º de abril de 1964 de funesta memória. Em função disso, o momento pede uma torcida ainda maior que a do Maracanã pelo ouro futebolístico. Oremos e roguemos a todos os santos.

Após as primeiras reações ao Evento veio o ludopédio. Mais uma vez presenciamos a usurpação do ex-esporte bretão pelo poder público, pelo poder econômico, governo, empresas, entidades oficiais e pelo marketing.

O próprio presidente-twitter (discursos de até 140 caracteres) foi postando com celeridade em sua rede social: “a seleção olímpica de #futebol conquista #ouro inédito em momento histórico do país. Hora de nos reerguermos com a grandeza do nosso #BRA!”.

O “grandeza do nosso #BRA” me recordou a campanha publicitária de um certo banco. Mas, tudo bem, banqueiros harmonizam com o Feteapá, Festival de Temeridade Que Assola O País. Já o significado exato deste “reerguermos” é o que assistiremos nos próximos episódios da série House of Cards, versão candanga.

Infelizmente, minha estafa não parou por aí. Teve ainda o episódio dos nadadores ianques que bancaram os pinóquios de posto de gasolina, o técnico alemão que expirou num acidente de trânsito, o francês que saiu obrando e correndo, o africano que cruzou os punhos em protesto contra a matança do seu povo, Usain Bolt saindo com ex-mulher de traficante. São tantas olimpílulas que daria até para fazer uma lista do Buzzfeed.

Isso sem mencionar o quesito Neymar. Esse provou, com todas as letras, não ter espírito olímpico, só uma vaga mediunidade. E olhe lá.

Exauriu-me tanto a Rio 2016 que não consegui nem ver o Encerramento. Aliás, das poucas coisas coisas em comum que possuo com Michel Temer – entendo perfeitamente a ausência dele na cerimônia de entrega da pira ao Mario Bros. Chega uma hora que ninguém aguenta mais tanta superação.

Entretanto, o que mais esfalfa a gente é tomar contato agora com essa dura realidade. Centenas de heróis concorreram ao ouro. E agora milhões de mortais vão concorrer ao pagamento da conta.

Ai, que lombeira!

Deem-me licença para tomar um fôlego: logo começa a maratona das eleições municipais.

Carlos Castelo

Imagem do Dia

Bestiário

Característicos da Baixa Idade Média, os bestiários eram textos recheados de belas iluminuras, catálogos detalhados de animais, em sua maioria, imaginários. Bestiário é também o título de uma das melhores coletâneas de contos de Julio Cortázar, o escritor argentino, um de meus favoritos. Como os catálogos da Idade Média, o Bestiário de Cortázar descreve em situações bizarras a condição humana tão próxima das bestas, do estado bruto dos animais.

Passados os Jogos Olímpicos, em que, por duas semanas, ludibriamo-nos com os feitos quase sobre-humanos dos atletas, imagens e histórias que fazem com que acreditemos que somos mais deuses do que bestas, voltamos à dura realidade da bestialidade que nos aflige. Das ignóbeis propostas do candidato republicano à presidência dos EUA ao êxodo de venezuelanos, mais de 300 mil refugiados rumo à Colômbia – sim, há uma crise humanitária em larga escala logo ali, crise ofuscada pelo drama brutal da Síria e do Oriente Médio. Como o Brasil haverá de lidar com a crise da Venezuela? Como enfrentaremos a escalada dos extremismos mundo afora e a bestialidade quase banal do noticiário brasileiro? Nesses primeiros dias pós-olímpicos a ressaca maior não é a ausência de competições e modalidades para acompanhar na TV, mas a constatação de que estamos mais para a estupidez do nadador Ryan Lochte do que para a leveza feroz da ginasta Simone Biles, aquela que voa com o salto que leva seu nome.

Resultado de imagem para bestiário medieval
Em breve passagem pela cidade pós-olímpica, abro os jornais e leio sobre as afrontas adicionais ao ajuste fiscal pretendido – o possível reajuste dos salários dos ministros do STF. Leio sobre estudo que traça simulações a partir da PEC dos gastos, a proposta de emenda constitucional para limitar as despesas do governo, cuja conclusão é de que há diversos problemas na formulação da proposta.

Salta aos olhos a conclusão da análise preparada pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados: “O limite (dos gastos) previsto na PEC pode não ser suficiente para atender os aumentos (do funcionalismo público) já concedidos”.

Espanta-me que o governo fale com tanta desenvoltura sobre a reforma da Previdência quando a população que por ela será diretamente afetada sequer compreendeu por que urge aprovar essa reforma, e como ela haverá de impactar o futuro de milhões de brasileiros.

Fico igualmente surpresa com a tranquilidade com que se trata o impeachment iminente da presidente afastada. Não que eu guarde qualquer boa lembrança de seu desastroso governo – artigos escritos para este jornal ao longo da era Dilma Rousseff atestam minha aversão pelas políticas econômicas por ela postas em prática.

Contudo, impeachment não é coisa corriqueira, da vida, de todos os dias. É ferida que conosco permanecerá depois de Temer receber a faixa presidencial. Michel Temer, aquele que em breve assumirá a liderança definitiva do País. Que rumos dará ao Brasil? Terá pulso para enfrentar a bestialidade de nossa política, pergunta que já fiz em artigos anteriores? Conseguirá encontrar solução para a destruição das finanças estaduais e municipais que ameaça qualquer tentativa de ajuste fiscal e de reconstrução institucional?

No Bestiário de Cortázar há um conto curioso. Um homem escreve cartas para uma amiga que viajou para Paris. Ele está hospedado em seu imaculado apartamento, meticulosamente arrumado, tudo disposto milimetricamente em seu lugar. O problema é que o homem padece de patologia bestial: ele vomita coelhinhos. Os pequenos roedores destroem, pouco a pouco, tudo o que está no apartamento – os móveis, as roupas nos armários, os objetos de estimação da dona ausente.

Temer é homem que tomará conta do País que, ao contrário do apartamento da viajante do conto de Cortázar, nada tem de meticulosamente arrumado. Será ele capaz de feito olímpico, digno de deuses, para colocá-lo no lugar? Ou será ele como seus antecessores, mais um vomitador de coelhinhos? A trégua que lhe foi concedida acaba de se encerrar. Resta-lhe pouco tempo para mostrar a que veio.

Igualdade não é liberdade

Todos os homens são iguais em sociedade. Nenhuma sociedade se pode fundamentar noutra coisa que não seja a noção de igualdade. Acima de tudo não pode fundamentar-se no conceito de liberdade. A igualdade é qualquer coisa que quero encontrar na sociedade, ao passo que a liberdade, nomeadamente a liberdade moral de me dispor à subordinação, transporto-a comigo.

A sociedade que me acolhe tem portanto que me dizer: "É teu dever ser igual a todos nós". E não pode acrescentar mais que isto: "Desejamos que tu, com toda a convicção, de tua livre e racional vontade, renuncies aos teus privilégios".

bancos capitalismo fome Papa Francisco e a FAO, perseguem a mesma utopia. Mas igualdade no mundo, mais solidariedade. Mas infelizmente, o capital não tem coração.:
O nosso único passe de mágica consiste no facto de prescindirmos da nossa existência para podermos existir.

A mais elevada finalidade da sociedade é consequência das vantagens que assegura a cada um. Cada um sacrifica racionalmente a essa consequência uma grande quantidade de coisas. A sociedade, portanto, muito mais. Por causa da dita consequência, a vantagem pontual de cada membro da sociedade anda perto de se reduzir a nada.

Johann Wolfgang von Goethe (1749 - 1832) 

O mais no mesmo

Admitindo-se que Michel Temer se torne presidente definitivo da República, dentro de uma semana, seu primeiro grande problema coincidirá com o afastamento de Dilma Rousseff: o aumento salarial dos ministros do Supremo Tribunal Federal, do Procurador Geral e dos Defensores Públicos, com reflexos no custo de vida, na inflação e na popularidade do novo chefe do governo. Até agora, Michel só fez bondades e aumentou as despesas do governo. Deveria adiar mais essa, mas terá coragem?

Às trapalhadas de Madame seguir-se-á a confusão do sucessor? Continuará a população sofrendo as consequências de péssimos governos, já que as contas permanecerão sendo pagas pelo cidadão comum? Ainda mais porque o tempo das maldades está à vista de todos, com as reformas da Previdência Social e Trabalhista, além da elevação de impostos.

Não demora que novos pedidos de impeachment venham a pipocar na Praça dos Três Poderes. Porque popularidade o presidente nunca teve. Nem terá, se sua performance for igual à da antecessora.

Acaba de perder o apoio do PSDB e do DEM, sem saber se manterá o PMDB. Os sindicatos fogem dele, as massas com maior intensidade. A classe média nem chegou perto do palácio do Planalto e as elites bancam o avestruz em meio à tempestade, enfiando a cabeça na areia.

Em suma, a nação dá sinais de distância, passo inicial para a rejeição. Não demora muito para repetir-se o drama anterior. Também, nada existe que justifique mudanças fundamentais no processo institucional. Faltam dois anos para o Brasil continuar na mesma. Só que desta vez o desfecho será pior. A continuidade do mais no mesmo levará à desagregação final.

Teria Michel Temer viajando para China, Japão, Índia, Argentina e Estados Unidos, condições para retomar o desenvolvimento nacional? Carece o provável novo governo de respaldo para dar a volta por cima.

Novas eleições gerais resolveriam alguma coisa? O povo não mudou, continua o mesmo. Os problemas, mais agudos. A desilusão, no mínimo igual. Mas a proximidade do caos, cada vez mais perto.

Os ministros do Supremo chegando aos 40 mil reais mensais, fora as polpudas vantagens, olham lá de cima os 880 reais que mais da metade da população recebe. Nem se fala, hoje, dos parlamentares, dos funcionários públicos privilegiados e de quantos se abrigam à sombra do Estado Nacional. Melhor seria caracterizar o afastamento desses dois Brasís: o formal e o real. O mais no mesmo permanecerá por quanto tempo ainda?

Desemprego crescente está descapitalizando o FGTS e o INSS, ao mesmo tempo

O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, como todos sabem, tem sua arrecadação à base de 8 por cento das folhas salariais dos empregados regidos pela CLT. Contribuição dos empregadores, portanto, dedutível do imposto de renda. Dessa forma, quanto mais alta estiver a taxa de emprego e o nível de remuneração, mais elevada estará a receita. Mas vem acontecendo exatamente o contrário. Desemprego crescente, arrecadação declinante.

Na edição de 19 de agosto do Diário Oficial, a Caixa Econômica Federal publicou o relatório sobre o desempenho do FGTS no exercício de 2015. Houve decréscimo em relação à receita de 2014. Em 2014,a diferença entre a arrecadação e os saques foi de 18,45 bilhões , em 2015 desceu para 14,4 bilhões de reais. A perda terá sido de 4 bilhões? Nada disso. Temos que incluir, no ano passado, a inflação de 10,6 por cento, registrada pelo IBGE.

A queda nominal ficou em 4 bilhões , mas a perda real alcançou , em inúmeras redondos, 6 bilhões de reais.


A arrecadação, portanto, não acompanhou os desembolsos. Os saques, decorrentes das demissões sem justa causa, atingiram nada menos que 99,1 bilhões de reais. No final de 2015, o saldo do FGTS ficou na escala de 364 bilhões de reais.

A liberação de recursos do FGTS não se encontra condicionada às demissões, tem origem também nas aposentadorias. Porém, neste caso, não entra a multa rescisória de 40 por cento a ser paga pelos empregadores sobre os saldos existentes. Mas esta é outra questão. O que é fundamental destacar é que a fonte da arrecadação, tanto do FGTS quanto do INSS, depende do mercado de trabalho. Se este se retrai , escolhem as receitas do FGTS e do INSS. E, também em consequência, declina o consumo, numa primeira fase, e o Imposto de Renda no final da ópera. Pois quanto menos se recebe, menos se pode comprar e pagar o IR.
No caso do INSS, a perda decorrente da alta do desempenho é bem maior que a do FGTS. Isso porque o INSS tem contribuição dos empregados e também quanto a das empresas, sendo que estas têm de recolher 20% sobre a folha de salários. Os empregados, 11% até o teto de 5,1 mil reais por mês, valor máximo das aposentadorias e pensões.

Além de tudo isso, existem centenas de milhares de episódios de sonegação e de trabalhos sem carteira assinada, especialmente no setor de serviços e, sobretudo, no meio rural.

As dívidas para com a seguridade Social elevam-se á estratosfera de 1 trilhões e 800 bilhões de reais . Relativamente ao FGTS, revela o relatório da CEF, existem 1 bilhão e 800 milhões inscritos na dívida ativa. Será o único setor de endividamento existente? Fica a dica. Não importa no caso.

O importante é que há que atinja nível mensal de renda mais de 100 vezes maior do que o salário mínimo. Porém, os que se encontram nos andares mais altos não consomem cem vezes mais do que aqueles em patamares abaixo. Por aí, pode-se dimensionar a importância decisiva do trabalho na economia brasileira.

Portanto, o Brasil somente poderá sair da crise atual se o projeto econômico financeiro levar em conta o valor real do emprego e do salário. Dentro da dualidade eterna: o capital empreende, o trabalho consome. Esta roda gira sem cessar. É preciso atenção para a problema. É o que tem faltado.

MEC reprova livros didáticos por ver racismo e machismo nas imagens

O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) reprovou livros didáticos por considerar racistas e machistas imagens de mulheres, negros e até indianos em problemas sociais – como enchentes em São Paulo, dramas da seca na África e na Índia e até mesmo campanhas de saúde pública criadas pelo próprio governo federal.

Uma coleção de quatro volumes de Ciências da Natureza foi excluída do Programa Nacional do Livro Didático porque os avaliadores consideraram que algumas imagens caracterizam “discriminação e violação dos direitos humanos” ao reproduzir “estereótipos e preconceitos de condição social, étnico-racial e de gênero”.

Uma das imagens consideradas nocivas é a de mulheres africanas carregando vasos de barro, que ilustra a abertura de um capítulo sobre o drama da falta de água no planeta. Segundo o parecer, assinado em abril, ainda no governo Dilma, fotos como essa “trazem situações que retratam condições de inferioridade com relação aos negros e mulheres. Colocam também a mulher como vítima de desigualdade de direito a condições adequadas de vida”.

A mesma avaliação recebeu a foto de uma enchente cujas vítimas são pardas, e uma pintura naif que poderia muito bem ser interpretada como simpática ao movimento negro. Para o FNDE, as imagens ainda “enfatizam o desnível sociorracial acentuando distorções com conotações especificamente raciais e ferem o conceito de igualdade social”.

Na prática, o critério politicamente correto do MEC veta qualquer imagem dos livros em que mulheres, pardos ou negros estejam relacionados a notícias negativas. Acaba privando os estudantes da informação sobre o perfil étnico das pessoas que mais precisam de ajuda na sociedade brasileira.

Uma das imagens classificada como contrária aos direitos humanos foi produzida pelo próprio governo Dilma. Retrata o cantor Thiaguinho e sua bem-sucedida luta contra a tuberculose. Parte de uma campanha do Ministério da Saúde de conscientização sobre a doença, o cartaz ilustra o capítulo sobre doenças transmissíveis do livro de sexta série.

Até mesmo um cartaz de conscientização sobre a tuberculose, criado pelo Ministério da Saúde, foi considerado racista pelo MEC

O MEC viu racismo contra negros até mesmo em imagens que não são de negros. Foi o caso de uma fotografia de indianos com baldes na mão cercando um caminhão-pipa. A própria legenda no livro da sexta série informa que a foto é de Nova Déli e que a Índia é um dos países que mais sofrem com o racionamento de água.


A aprovação do FNDE define o sucesso de vendas de uma coleção de livros didáticos, pois seleciona as obras que serão usadas por 32 milhões de alunos do Ensino Fundamental de escolas públicas.

A autora da coleção, que prefere não se identificar por temer perder oportunidades no mercado editorial, foi professora de Ciências e Biologia na rede estadual e federal por 25 anos, escreve livros há 20 anos e já ganhou o prêmio Jabuti na categoria didáticos. Ao receber a notícia da reprovação dos livros, ela imaginou que os motivos seriam técnicos ou pedagógicos. Quando leu o relatório, ficou revoltada. “Nunca vi na minha vida uma barbaridade e uma perseguição como essas”, diz.