sábado, 17 de junho de 2017

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Quanto tempo a democracia suportará?

O destino do PSDB não tem mais importância; a legenda demonstrou que está sincronizada com a média do sistema político nacional. Nem promessas de voltar atrás no apoio ao governo Temer são relevantes. Risíveis são as declarações de que se pautaram pela ''ética da responsabilidade'', pesando meios e fins em relação ao país. Triste fim de Max Weber, acabar como sofisma em bico de tucano.

Pedantismos sociológicos à parte, o maior problema é mesmo o Brasil, hoje um vazio de ideias e lideranças; deixado à sorte da crise, sem referências que possam contornar a situação. Tão cedo, não se constituirá um centro capaz de reestruturar seu sistema político, reformando e modernizando-o. A lacuna ao centro favorecerá a polarização e o populismo, o que traz riscos evidentes.

De imediato, o que se vê é que a crise não cessará: o governo Temer é um trem descarrilhado; admite todo o tipo de concessões para se salvar e se fortalecer de modo a atropelar o que resta de instituições. Seus desmentidos não escondem intenções de que o objetivo é desqualificar os principais agentes da Lava Jato: o ministro Edson Fachin e o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. ''Estancar a sangria'', como disse Romero Jucá.


No quadro presente, será improvável fazer reformas estruturais e conduzir ajustes fiscais relevantes. A reforma Trabalhista, por adiantada tramitação, ainda vai; mas a da Previdência tende a ficar para as calendas — dificilmente será aprovado mais que um símbolo. Ao mesmo tempo, renegociações com estados e todo tipo de interesses que possam significar proteção política agravarão a situação das contas públicas.

À existência de um teto de gastos, é justo imaginar cortes de investimentos e na área social ou aumentos de impostos. Também a economia será incapaz de um salto significativo; a aceleração, se houver, será lenta. Para investidores estrangeiros, o país ainda é melhor caminho para ganhos elevados do que os demais BRICS; mais cautelosos, nativos olham com apreensão, colocam o pé no freio. Dificilmente, o padrão de crescimento do primeiro trimestre se repetirá.

Ao mesmo tempo, no front político não há perspectiva de paz: as denúncias contra o presidente, sua equipe e aliados não cessarão; há, sem dúvida, muito potencial de desgastes. Enterrar a Lava Jato é sonho de dez em cada dez dos mais de trezentos picaretas que, em quase todos os partidos, estão envolvidos com ela. Mas, não há força para isso: bem ou mal, a sociedade reage. No mínimo, há um empate estabelecido. Para desespero de Jucá, o sistema continuará a sangrar.

O sistema de pesos e contrapesos da democracia foi afetado: o Tribunal Superior Eleitoral deu mostras de uma Justiça incapaz de arbitrar o conflito político; houve aí o desgaste de personagens e instituições, que, pela omissão ou ação parcial, perderam credibilidade. A possibilidade de algum avanço nesse campo ficará por conta do Supremo Tribunal Federal — a última cidadela, também cercada de controvérsia.

Logo, o país não sai da sinuca tão já. As eleições do ano que vem devem ocorrer envoltas nesse ambiente — e é plausível que o país continue encalacrado mesmo depois delas. Numa atmosfera de muita incerteza, a disputa eleitoral pode ferver ao mesmo ritmo das tensões sociais, com retroalimentação de ambos. PT, Ciro Gomes, Marina Silva, Jair Bolsonaro, João Doria; nomes colocados, qual seria capaz de abrir diálogos, propor pactos e estabelecer limites às contendas? De onde menos se espera é mesmo de onde nada vem.

A pergunta que não pode ser negligenciada é: quanto tempo a democracia brasileira suportará? Nossas tradições não nos garantem. Ademais, democracia não prescinde de lideranças. O diabo é enxergar onde elas estão. A ''ética da responsabilidade'' exigirá coragem para mudar, posturas morais, propostas reformistas no campo político; comunicação, diálogo e firmeza. Não há espaço para sofismar.

Carlos Melo

Tanta pressa pode parecer confissão de culpa

A suspensão do recesso parlamentar de julho, sugerida pelo deputado Rodrigo Maia para apressar a votação no Legislativo da denúncia do procurador-geral Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer, conduz a duas constatações. A primeira é animadora para Temer: o presidente da Câmara não apresentaria a ideia se, na contabilidade do Planalto, a bancada governista não tivesse votos de sobra para sepultar a denúncia ─ que só será julgada pelo Supremo Tribunal Federal se aprovada por dois terços dos deputados federais.

A segunda constatação não permite que Temer durma em sossego. Tanta afobação comprova que, também aos olhos do presidente e seus aliados íntimos, a base de apoio no Congresso é perturbadoramente volátil ─ e pode derreter se a temperatura política for elevada por descobertas da Lava Jato, ou revelações decorrentes de delações premiadas, que transformem o chefe de governo em protagonista de mais histórias muito mal contadas. Vêm aí confissões de grosso calibre. E os alvos principais continuam a ser Lula, Dilma e Temer.


A pressa do presidente reforça a suspeita de que nem todos os pecados que cometeu foram desvendados. Nessa hipótese, o agravamento da crise política terá sido apenas adiado com a rejeição da denúncia. Um escândalo de bom tamanho pode levar o sempre dubitativo PSDB a redescobrir a relevância do respeito à lei, a normas éticas, à moral e aos bons costumes. Temer precisa preservar a aliança para chegar ao fim do verão perigoso. “Em setembro, a melhora dos indicadores econômicos vai inibir os que sonham com a queda do governo”, ouviu de Temer nesta quinta-feira um ministro tucano.

No Brasil com 14 milhões de desempregados, talvez o item mais perverso do legado maldito de Lula e Dilma, o governo só sobreviverá até dezembro de 2018 se a economia sair da UTI nos próximos dois meses. Tudo somado, resta a Temer convocar uma reunião do Ministério para resumir numa frase o que devem fazer tanto o presidente quanto os integrantes do primeiro escalão até a tempestade amainar:

─ Senhores ministros: oremos.

Paisagem brasileira

Paraty, Luís Cláudio Morgilli (1955)

Para o bem da humanidade, marxismo e capitalismo precisam se relacionar

Nos dias de hoje, poucas pessoas se identificam como adeptos do marxismo ou do socialismo científico, que seria a denominação mais correta. A maioria dos simpatizantes se posiciona como esquerdista ou progressista. No meu caso pessoal, continuo me considerando marxista, por acreditar que este é o caminho do futuro longínquo da humanidade – se a vida, é claro, conseguir ser preservada da insanidade dos governantes, que insistem em permitir a acelerada devastação do planeta para consumo descontrolado das riquezas naturais.

É evidente que o capitalismo, nos moldes atuais, não poderá continuar a prevalecer até o final dos tempos, porque seria grave ameaça à humanidade. Da mesma forma, não se pode conceber que se implante nos dias de hoje o comunismo idealizado em 1848 por Karl Marx e Fiedrich Engels. Se alguém defende qualquer uma das duas hipóteses, com certeza é caso de internação. Tanto o marxismo quanto o capitalismo necessitam de uma equalização, que começa a ser esboçada nos países nórdicos.

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Há mais de 7 bilhões de pessoas no mundo, das quais cerca de 30% (2,2 bilhões) vivem em estado de pobreza, 850 milhões tem dificuldades para se alimentar e 120 milhões estão morrendo de fome. O continente mais desigual é a América Latina, onde o Brasil exibe a estranha experiência de conviver a miséria absoluta e a riqueza total, tendo como resultado o recorde mundial de homicídios.

Isso significa que o modelo brasileiro de capitalismo não está dando certo. É preciso aprimorá-lo, e o equilíbrio sempre está no meio, até as paralelas se encontram no infinito, como lembrava Belchior.

Para colocar ordem na discussão, pode-se dizer que foi o comunismo (socialismo científico) que provocou a humanização do capitalismo primitivo, em que predominava a exploração do homem pelo homem, quando praticamente não havia direitos trabalhistas e sociais. O capitalismo se aperfeiçoou, não há dúvida, mas ainda é um regime altamente negativo.
Marx e Engels foram importantes pensadores, mas suas teses estão desatualizadas, claro. Não podem mais ser tomadas ao pé da letra. No entanto, ainda é preciso segui-los no que se refere à necessidade de superação das desigualdades sociais e da defesa da vida.

Os países nórdicos fizeram uma adaptação muito positiva do capitalismo, lá o Estado é forte e procura ser mais justo em relação ao interesse público. Mas esses países ainda têm de evoluir, especialmente no que se refere à questão da assistência médica à população. Lá também existe a ditadura dos planos de saúde, vejam que paradoxo.

No socialismo científico de Marx e Engels, o direito à vida seria garantido através de um sistema de saúde que contemplasse todos os cidadãos. Até hoje continua a ser uma das mais importantes metas sociais a serem alcançadas pela humanidade, há países que caminham nesse sentido, como o Reino Unido, mas há riscos de retrocesso.
Os marxistas modernos não mais defendem estatização das fontes de produção, planejamento central nem luta de classes. Mas têm certeza de que o mundo do futuro será mais marxista, em termos de proteção aos carentes, igualdade de oportunidades, sistema universal de saúde, garantia de educação de qualidade para todas as crianças, restrições ao consumismo, proteção do meio ambiente etc., metas que ainda não despertam interesse no capitalismo praticado nos dias de hoje na grande maioria dos países, sejamos francos, e nesse particular China e Estados Unidos são imbatíveis.

Se revivessem nos dias de hoje, Marx e Engels estariam revoltados com a desigualdade social que persiste no mundo. Repita-se que 30% dos habitantes do planeta (2,2 bilhões de pessoas) passam necessidades, dos quais 850 milhões têm carência alimentar e 120 milhões estão literalmente morrendo de fome. Mas quem se interessa? Marx e Engels, com toda certeza, se interessariam.

Os crimes da mala e o cadáver do Brasil

Em 1928, em São Paulo, um imigrante italiano, Giuseppe Pistone, estrangulou sua mulher Maria Mercedes, que o denunciara como trambiqueiro. O que fazer com o cadáver? Pistone serrou-o pelas pernas, espremeu-o numa mala e despachou-o para um destinatário inexistente em Bordeaux, França. Ao ser içada a bordo do navio Massilia, em Santos, a mala abriu acidentalmente e revelou-se o seu conteúdo. Pistone foi preso e condenado a 31 anos. Cumpriu 13, saiu e até se casou de novo.

O caso passou à história como “o crime da mala”, embora não fosse o primeiro nem o último com esse nome. Há cinco anos, também em São Paulo, uma mulher matou a tiros o marido, executivo de uma grande empresa fabricante de pipoca. Experiente em enfermagem, ela o esquartejou e o distribuiu por três malas com rodinha, que enfiou no carro e levou até Cotia para se desfazer. Foi apanhada e presa. E este também não será o último caso do gênero.

Um novo tipo de crime da mala está em curso no Brasil. Consiste em esquartejar os escrúpulos e rechear malas, não com o que restou deles, mas com dinheiro ilícito. O caso mais flagrante é o do ex-deputado Rodrigo Loures, destacado pelo presidente Temer como seu “homem de confiança” para se entender com os amigos da JBS — e, dali a dias, filmado ao receber uma mala numa pizzaria e, assustado, tomar um táxi com ela no colo. A mala continha R$ 500 mil em espécie e soube-se depois que ele a escondeu na casa da mãe.

Na sequência, Fred Pacheco de Medeiros, operador e primo do senador Aécio Neves, também foi filmado acomodando em malas R$ 500 mil da mesma e generosa JBS. E, antes deles, o notório ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto era tão useiro em rechear mochilas com dinheiro que seu apelido era “Mocha”.

Em todas essas malas e mochilas, vai, aos pedaços, o cadáver do Brasil. 

Ruy Castro

Sobre aquilo que muda para permanecer exatamente como está

Os partidos políticos brasileiros não figuram, nem de longe, entre as instituições mais prestigiadas e benquistas pela população e frequentemente estão entre aquelas menos confiáveis na percepção dos brasileiros. As razões são várias: acusações de fisiologismo, de incapacidade de canalizar as vontades e demandas da sociedade e traduzi-las em políticas públicas, de distância existente entre seus modos de organização e operação num mundo cada vez mais rápido e digital, de falta de identidade, de ausência de transparência e de falta de democracia interna.

Recentemente, as investigações da Lava Jato colocaram luz sobre a promiscuidade das relações público-privadas no Brasil e o atacado de algumas: dos 35 partidos políticos hoje constituídos, 28 deles possuem representação na Câmara dos Deputados e 23 deles receberam doações financeiras de empresas investigadas, sobretudo Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão e Odebrecht. Isso não significa – de modo algum – afirmar que o repasse de recursos dessas empresas tenha se dado necessariamente de maneira irregular, mas demonstra o nível de influência do poder econômico e sua capilaridade entre aqueles que detém o monopólio da representação no país.

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Num cenário em que não são sucesso nem de público e nem de crítica, temos assistido a esforços de alguns partidos políticos brasileiros para mudar a própria imagem. O primeiro exemplo recente, na esteira do que o PFL fizera em meados da década passada, vem do “antigo” PTN (Partido Trabalhista Nacional). Desde dezembro de 2016 mudou de nome e atende por “Podemos” (PODE), numa tentativa de se distanciar da rubrica “partido” e se aproximar da rubrica “movimento”.

O segundo exemplo vem do PSL (Partido Social Liberal), que conta em seu interior com o Livres, movimento de renovação que busca dar nova cara ao partido e o caracteriza como o “primeiro partido startup do Brasil”. Defende maior liberdade individual, na economia e nos costumes, e desburocratização das relações econômicas.

Em comum, os dois partidos ganharam novos sites, cores novas e adotaram linguagem mais jovem, na tentativa de atrair e despertar interesse de um público com o qual não gozam de confiança e cansado do “mais do mesmo”. São ações legítimas e que buscam novos canais de diálogo num mundo também novo.

Se a mudança na embalagem por si só já é um fenômeno interessante de ser observar, seria uma grande contribuição à sociedade brasileira se os discursos viessem acompanhados também de mudanças nas respectivas práticas.

Façamos um exercício simples: suponhamos que você, leitor e cidadão brasileiro, queira saber quanto esses dois ou qualquer outro partido brasileiro tenha recebido em doações até hoje. O primeiro passo é uma visita ao portal eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Entre 2007 e 2009 não é possível saber quantas, quais e em que volume foram as doações de recursos para os nossos partidos, já que os dados não estão disponíveis. É somente em 2010 que tem início a preocupação em separar e deixar um pouco mais claro os recursos recebidos via doação de pessoas e empresas.

Pois bem, escolha então um ano a partir de 2010. Qualquer um. Imagine que você queira saber quais foram e em que valores aconteceram as doações de pessoas comuns (físicas), como eu e você, nesse ano. Tem paciência? Primeiramente, você vai notar que a prestação de contas dos partidos políticos não segue padrão algum. Sabe o formulário que você anualmente precisa preencher para declarar imposto de renda e que não permite que se avance para a próxima tela se tudo não estiver preenchido em detalhes e no formato exigido? Pois é, existe para você, mas não para o partido que recebe seu dinheiro.

Com exceção do período de campanha eleitoral, inexiste um sistema único e comum de prestação de contas para partidos políticos, que colete e organize esses dados de maneira inteligível. Na maioria dos casos, a prestação se resume a um documento escaneado, em formato pdf, com rasuras e de leitura quase impossível. Em muitos, não há sequer um campo destinado ao “total” dos valores e cabe ao interessado somar e calcular manualmente se quiser. Do mesmo modo, não é possível filtrar, visualizar graficamente ou sequer exportar os dados para fazer outros tipos de cruzamentos. Tudo isso precisa ser feito à mão, no melhor estilo euclidiano: “o pesquisador no Brasil é, antes de tudo, um forte”.

Convencido de que o site do TSE talvez não seja lá o melhor caminho para obtenção dessas informações, vá direito à fonte. Experimente visitar o site de um desses dois partidos, ou de qualquer outro dos nossos 33, para checar esses e outros quesitos simples relacionados à transparência. Relatórios que tragam receitas e despesas; salários daqueles que ocupam cargos de direção em qualquer uma das esferas; agenda dos dirigentes partidários ao menos na esfera nacional…

Se ainda restar um pouco de paciência, tente então descobrir, ainda no próprio site, se qualquer um dos nossos partidos aplica corretamente os recursos do Fundo Partidário a que têm direito – ao menos 20% dos recursos no Instituto ou Fundação responsável pela formação de seus quadros; 5% em atividades relacionadas à promoção da participação feminina na política e, no máximo, 50% com despesas de pessoal. E não vale um recibinho em pdf só dizendo que fez, sem detalhe algum de como e quando. Achou? Nem ao menos o recibinho em pdf? É, nem eu.

Fica a sensação, para qualquer pessoa que queira mais que cores bonitas em sites com linguagem jovem, de que a desorganização nesses casos é, no mínimo, estratégica. Enquanto boa parte dos partidos se debate com questões sobre como se aproximar da sociedade e como ganhar sua confiança, fica aqui a sugestão singela dessa que vos escreve: aproximar, primeiramente, o discurso e a prática. A vantagem do lado de cá dos trópicos é que o básico tem caráter revolucionário.

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Amsterdam
Amsterdam (Holanda)

Após o TSE, a Câmara sepultará escândalo vivo

A denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Michel Temer ainda não chegou ao Supremo Tribunal Federal. Mas a Câmara dos Deputados, que receberá o processo para decidir se autoriza ou não o Supremo a abrir uma ação penal contra o presidente da República, já decidiu o que fazer. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, prometeu a Temer uma tramitação rápida. Não importa o teor da denúncia. O Planalto e seus aliados organizam um enterro relâmpago para a peça.


O governo alega que o Brasil não pode perder tempo. É preciso cuidar de reformas como a da Previdência. É lorota. Deve-se a pressa de Temer ao medo do presidente de ser abalroado por novas delações. O doleiro Lúcio Funaro já exercita a língua. Rodrigo Rocha Loures, o homem da mala, é pressionado pela família. Eduardo Cunha se aconselha com um novo advogado. Sitiado pela suspeição, Temer vive a neurose do que está por vir.

Para desassossego de Temer, o procurador-geral Rodrigo Janot adiou a apresentação de sua denúncia para a última semana do mês. Se o Brasil fosse um país lógico, os deputados não se atreveriam a arquivar as acusações de corrupção, obstrução de Justiça e formação de organização criminosa. Não há lógica em sonegar ao país a oportunidade de conhecer o veredicto do Supremo Tribunal Federal sobre a reputação do presidente. Costuma-se dizer que o brasileiro não tem memória. Mas num país em que o TSE e a Câmara enterram escândalos vivos o que falta às autoridades não é memória, mas um mínimo de curiosidade.

O fim da pinguela

Se o gC dependia do PSDB para definir seu futuro, terá de se conformar com a indefinição. Os tucanos superaram a si mesmos ao levar a ambiguidade a patamares inéditos. Continuam no governo, mas já recorreram ao STF contra o próprio governo, pedindo que reveja a absolvição pelo TSE da chapa Dilma-Temer.

O partido fica onde está não pelo presidente, mas apesar dele. O compromisso, segundo o governador paulista Geraldo Alckmin, é com as reformas não com o governo.

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Não explicou como é possível dissociá-los, já que as reformas emanam dele e têm seu patrocínio, mas isso lhe pareceu secundário.

Temerosos de que novos escândalos venham a desabar sobre o presidente e seu governo, os tucanos acham mais prudente manter-se em cima do muro, prontos a saltarem para o lado de fora tão logo o Ministério Público acrescente novos itens ao prontuário presidencial. A expectativa é de que isso ocorra ainda esta semana.

As delações anunciadas do doleiro Lúcio Funaro e do ex-deputado Eduardo Cunha, além de possíveis novas denúncias da JBS, mantêm o presidente refém de si mesmo.

Os tucanos, porém, não estão em condições muito melhores. Daí a ambiguidade de sua conduta.

Unem-se ao presidente, ainda que pelo avesso, no temor da Justiça. Enquanto Temer receia por si e por seus ministros mais próximos, todos sob investigação policial, o PSDB preocupa-se com seu presidente licenciado, o senador afastado Aécio Neves, cuja prisão está sendo pedida pelo Ministério Público.

Todos temem perder o manto protetor do foro privilegiado. Estar no governo, ainda que sem meios para governar, parece mais seguro do que estar fora. Concretamente, a única reforma que, neste momento, importa a Temer e a seu governo é a de sua folha corrida.

Daí o empenho de melar a Lava Jato, tarefa a que se dedica hoje o conjunto da classe política, sem distinção de partidos ou de ideologia. O crime, afinal, não é de direta, nem de esquerda. E a ameaça comum de prisão une os seus cultores.

Lula continua a criticar Temer e seu governo, mas jamais esteve tão próximo dele. Finge que quer diretas, na certeza de que não virão – e na certeza de que, se vierem, não terá como vencê-las (dado o seu alto grau de rejeição) ou mesmo disputá-las, dada a iminência de sua condenação, ainda que responda em liberdade.

Mas a certeza predominante – e isso une todos os partidos – é de que, mesmo com a saída de Temer, a sucessão será indireta. Lula serve-se da crise – e de seu hipotético favoritismo eleitoral – para transmutar-se de infrator penal em perseguido político.

Finge estar em campanha, visitando seus redutos no Nordeste, enquanto inversamente negocia a preservação do status quo, privado da liberdade de desfilar impunemente pelas ruas do país, onde já constatou que desperta hostilidades.

Ele, Temer e PSDB buscam exorcizar o juiz Sérgio Moro e a Força Tarefa da Lava Jato. Acompanham a contagem regressiva da conclusão do mandato do procurador-geral Rodrigo Janot, que ameaça os três Poderes com uma fúria de fera ferida.

Coroando a semana, o ex-presidente Fernando Henrique confundiu a todos ao considerar que Michel Temer, embora legítimo, perdeu as condições de governar – e que, nessas condições, deveria antecipar as eleições diretas. Foi o único tucano a descer do muro, dando a impressão de que o fazia para credenciar-se ele próprio a ocupar a vaga de Temer e promover a antecipação que propôs.

Não achou, porém necessário explicar como, mas acabou por decretar o fim da pinguela que ele mesmo erigiu. Uma semana tucana, que precede outra, que se antevê turbulenta.