Pedantismos sociológicos à parte, o maior problema é mesmo o Brasil, hoje um vazio de ideias e lideranças; deixado à sorte da crise, sem referências que possam contornar a situação. Tão cedo, não se constituirá um centro capaz de reestruturar seu sistema político, reformando e modernizando-o. A lacuna ao centro favorecerá a polarização e o populismo, o que traz riscos evidentes.
De imediato, o que se vê é que a crise não cessará: o governo Temer é um trem descarrilhado; admite todo o tipo de concessões para se salvar e se fortalecer de modo a atropelar o que resta de instituições. Seus desmentidos não escondem intenções de que o objetivo é desqualificar os principais agentes da Lava Jato: o ministro Edson Fachin e o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. ''Estancar a sangria'', como disse Romero Jucá.
À existência de um teto de gastos, é justo imaginar cortes de investimentos e na área social ou aumentos de impostos. Também a economia será incapaz de um salto significativo; a aceleração, se houver, será lenta. Para investidores estrangeiros, o país ainda é melhor caminho para ganhos elevados do que os demais BRICS; mais cautelosos, nativos olham com apreensão, colocam o pé no freio. Dificilmente, o padrão de crescimento do primeiro trimestre se repetirá.
Ao mesmo tempo, no front político não há perspectiva de paz: as denúncias contra o presidente, sua equipe e aliados não cessarão; há, sem dúvida, muito potencial de desgastes. Enterrar a Lava Jato é sonho de dez em cada dez dos mais de trezentos picaretas que, em quase todos os partidos, estão envolvidos com ela. Mas, não há força para isso: bem ou mal, a sociedade reage. No mínimo, há um empate estabelecido. Para desespero de Jucá, o sistema continuará a sangrar.
O sistema de pesos e contrapesos da democracia foi afetado: o Tribunal Superior Eleitoral deu mostras de uma Justiça incapaz de arbitrar o conflito político; houve aí o desgaste de personagens e instituições, que, pela omissão ou ação parcial, perderam credibilidade. A possibilidade de algum avanço nesse campo ficará por conta do Supremo Tribunal Federal — a última cidadela, também cercada de controvérsia.
Logo, o país não sai da sinuca tão já. As eleições do ano que vem devem ocorrer envoltas nesse ambiente — e é plausível que o país continue encalacrado mesmo depois delas. Numa atmosfera de muita incerteza, a disputa eleitoral pode ferver ao mesmo ritmo das tensões sociais, com retroalimentação de ambos. PT, Ciro Gomes, Marina Silva, Jair Bolsonaro, João Doria; nomes colocados, qual seria capaz de abrir diálogos, propor pactos e estabelecer limites às contendas? De onde menos se espera é mesmo de onde nada vem.
A pergunta que não pode ser negligenciada é: quanto tempo a democracia brasileira suportará? Nossas tradições não nos garantem. Ademais, democracia não prescinde de lideranças. O diabo é enxergar onde elas estão. A ''ética da responsabilidade'' exigirá coragem para mudar, posturas morais, propostas reformistas no campo político; comunicação, diálogo e firmeza. Não há espaço para sofismar.
Carlos Melo
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