Mais importante do que saber da última troca de farpas entre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e o presidente Jair Bolsonaro, ou noticiar que já há panos quentes de lado a lado, é entender a questão de fundo. Do que está se falando afinal de contas?
Tuítes à parte, quando Bolsonaro insinua que querem levá-lo à velha política ou ao destino de outros presidentes, ele está jogando mais fumaça na zona de nevoeiro que hoje se espalha perigosamente na política brasileira. Depois de tantas fases da Operação Lava-Jato, e tudo o que nos foi revelado, a opinião pública está traumatizada. E o caminho mais fácil é condenar a política como suja, velha, perniciosa e, por conseguinte, descartável. Quando o presidente confirma esse sentimento com suas frases ambíguas e suas perguntas com indiretas, ele está aumentando a rejeição aos políticos em geral, e não às práticas que o país quer ver encerradas.
Articular e negociar é da natureza da política. O que é preciso saber é com que moeda se negocia. O que gerou os casos de corrupção foi o uso da corrupção como moeda. A nomeação para cargos públicos de pessoas sem qualificação, e feita apenas para favorecer o político ou grupo que o indicou, o sobrepreço cobrado na obra e no contrato, as artimanhas para desviar dinheiro público para o caixa 2 eleitoral. Aliás, o caixa 2 nunca foi um crime solitário. É parte de outras ilegalidades. Não tem uma gravidade menor, como se diz com espantosa frequência.
Em qualquer país democrático, mas principalmente em um presidencialismo como o nosso, é forçoso negociar com o Congresso. E o presidente como o líder da coalizão tem que conversar insistentemente com sua base e com os outros partidos. A fragmentação aumentou muito nas últimas eleições. O partido do presidente tem a segunda maior bancada e apenas 52 deputados. No próprio PSL há seguidas demonstrações de resistência à reforma da Previdência. Bolsonaro não conseguiu unificar nem mesmo os deputados do próprio partido. Esta semana, em que oito ministros irão ao Congresso, é uma oportunidade. Mas o presidente jamais estará excluído desse esforço de convencimento, do trabalho de unir no mesmo objetivo o grupo que defenderá seu programa de governo no parlamento. É um equívoco a ideia, defendida por Bolsonaro, de que depois que o Executivo envia um projeto o trabalho se encerra, e a bola passa a ser do legislativo. A declaração mostra que ele não entendeu a natureza da função que exerce.
É errada também a ideia de que o líder da articulação do Executivo pode ser o presidente da Câmara dos Deputados. É isso que o deputado Rodrigo Maia quis dizer quando avisou que não se pode “terceirizar” a articulação. Maia tem poderes sobre a pauta, e sobre vários pontos da tramitação. Pode ajudar ou atrapalhar. Mas quem coordena as forças do governo, ou de eventuais aliados, na aprovação de uma reforma necessariamente é o próprio governo.
Há uma dificuldade extra neste momento que não estava no roteiro: a queda precoce da popularidade presidencial. Quando a popularidade cai, o presidente perde força de atração das suas bases e de outros grupos políticos. A exceção a essa regra foi o ex-presidente Temer, que conseguiu aprovar o teto de gastos e a reforma trabalhista, mesmo sendo o mais impopular dos presidentes desde a redemocratização. Mas aquele era um momento específico pós-impeachment. Jair Bolsonaro chegou ao pior nível de qualquer presidente neste período normalmente vivido como “lua de mel”.
O que o fez perder peso junto à opinião pública? O fato de que este é um governo que se afoga em copo d'água. O bate-boca do fim de semana com Maia foi apenas o caso mais recente. São muitas as crises fabricadas pelo próprio governo nestes poucos 84 dias. Na maioria das brigas, não havia uma questão importante em jogo. Com irrelevâncias, este governo vai queimando o precioso capital político do início de mandato.