sexta-feira, 20 de maio de 2016

Charge (Foto: Moisés)

Nós que nos amávamos tanto

Dois pontos de vista antagônicos separam, em linhas gerais, o país: “foi golpe” e “foi impeachment”. Quem acha que houve golpe, quem foi às ruas de vermelho protestar e quem abriu cartazinhos em Cannes acredita que estamos desgovernados, vivendo tempos de ilegalidade; quem acha que houve impeachment acredita que temos um governo interino, por pouco representativo que seja. Ainda que tenha sido contra o impeachment, eu me incluo nesse segundo grupo. Por ridículos que sejam os deputados e senadores que afastaram Dilma, seus votos são tão válidos quanto os dela, e o impeachment é uma ferramenta legal, à qual o PT não hesitou em recorrer inúmeras vezes.

Não há consenso em relação às pedaladas, mas para cada jurista que acha que elas não são suficientes para afastar ninguém, há pelo menos outro para garantir que sim, que elas foram crime fiscal. Tudo isso já foi dito e redito mil vezes, exaustivamente; mas não há hipótese de um lado convencer o outro, ou de o outro convencer o um.

Os dois estão separados por convicções, por formas muito diferentes de entender o que deve ser feito para tirar o Brasil do buraco e, lamentavelmente, por camadas cada vez mais profundas de ódio. Mas não há apenas crápulas de um lado, ou canalhas de outro. Nenhum deles detém o monopólio das virtudes, do esclarecimento ou da inteligência. O Brasil não está dividido entre manipulados pela mídia golpista, de um lado, e gente cega pela ideologia, do outro. Está dividido entre pessoas que pensam diferente umas das outras, e que não estão conseguindo ver acima dessa diferença.

Não sei quando vamos conseguir transpor essa muralha de rancor, se é que um dia vamos conseguir. Histórias cruéis de separação entre amigos e família, que tantas vezes ouvi contar a respeito de outros países, mas que nunca acreditei que pudessem acontecer no Brasil, viraram lugar-comum. Uma amiga está afastada da filha; outra não conversa com a sobrinha há mais de um ano, e nem tem vontade.

A internet, que eu tanto amo, piora as coisas. Pessoas escrevem desaforos que jamais diriam em voz alta, ainda que os pensassem; mas o que é pensado e não dito não magoa ninguém, e ainda pode ser remediado. A palavra escrita fica para sempre.

Há alguns dias li isso na página de um amigo:

“Sinal dos tempos: evitei dar like numa foto agora, indo contra o impulso automático, porque iria gerar mal-estar na pessoa simplesmente por ser eu”.

Por acaso, ele é um dos homens mais doces e sensíveis que conheço; a prova é, justamente, ter percebido o quanto a sua simples presença seria constrangedora. Seu crime é ser contra o governo Dilma.

Para mim, esse clima de ódio será, para sempre, a verdadeira herança maldita da política brasileira, a grande maldição que Lula lançou sobre o país ao dividi-lo oficialmente entre “nós” e “eles”, autorizando todo mundo a ofender o próximo, à esquerda e à direita, e levantando, espero que não para sempre, a tampa das nossas desavenças.
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É difícil julgar um governo que ainda não completou uma semana, mas Temer começou mal. Até pela polarização do país, ele não podia se dar ao luxo de errar, ainda mais onde não precisava. Já nem vou discutir a capacidade técnica do seu ministério, mas é inaceitável, no momento atual do país, nomear pessoas que estão às voltas com a Lava-Jato; e é inaceitável, no momento atual do mundo, constituir um ministério com grau zero de diversidade.

Não se trata de nomear “representantes do mundo feminino” (!) ou minorias apenas por nomear. Envolver vozes diversas, e eventualmente dissonantes, enriquece qualquer grupo, e melhora os seus resultados. Pessoas de gêneros, etnias e classes sociais diferentes fazem diferentes perguntas e têm diferentes níveis de sensibilidade; hoje não é mais possível abrir mão dessa quantidade de experiências e interesses.

Ao mesmo tempo, quando olha para o governo, a população precisa se sentir representada — e é muito difícil para a maioria da população se sentir representada pelo grupo bisonho e quase caricatural escolhido por Temer, que em pouco ou nada lembra um “ministério de notáveis”.

Para mim, tão preocupante quanto a homogeneidade do ministério é notar a falta de fio terra do presidente interino que, como político de larga experiência, devia saber melhor onde pisa. Não é possível que ele não tenha se dado conta da péssima mensagem que a falta de diversidade do seu ministério transmitia, assim como não é possível que não tenha percebido o tamanho do impacto da extinção do MinC, outro equívoco desnecessário.

A favor do presidento destaque-se que, tendo dito e feito besteiras (no que tem sido, aliás, acompanhado pelos seus ministros), está demonstrando saber ouvir e correr atrás do prejuízo. Flávia Piovesan e Maria Silvia Bastos Marques são dois grandes nomes. Se continuar assim, o segundo escalão vai dar um banho no primeiro.

Aliás, já está dando.

Cora Rónai

Fora com os rabos

Cada vez fica mais esfarrapado o cardápio de críticas dos petistas. Nem mesmo quem foi contra o impeachment está aguentando o discurso do "golpe" e de um governo de mãos limpas. Que dirão os que vão agora pagar o desmazelo com as contas públicas, em favor de uns e outros!

Com doutrinação de um primarismo inconsequente, mesmo os outros da intelliguêntsia se ajoelham reverentes a uma canalha como diante de deuses da libertação. Também as cabeças pensantes alemãs se prostraram diante de Hitler, Stalin, Mao. Não seria aqui que mostrariam isenção e pensamento político independente. Lá fora perderiam a cabeça, aqui, a mamata. Ainda mais com tanto coleguinha, ou o próprio, agarrado às tetas governamentais.


Uma semana de governo interino bastou para se conhecer o maior número de rabos presos com o PT em dinheiro ou ideologia vesga. E a lista dos mamadores das tetas públicas, em nome do povo, que é apenas jujuba para adoçar bocas desavisadas, vai aumentando.

O analfabetismo diante da política brasileira, demonstrado pelo defensores do petismo desenfreado, deixa o país estarrecido. Como chamar de velho ou com cheiro de naftalina um ministério que é composto na maior parte por ex-aliados do PT e ex-integrantes do governos Dilmas e Lula? Velhice e naftalina também assim compuseram aqueles ministérios e até mesmo a base aliada. Desconhecem aliados como José Sarney, Collor ou Paulo Maluf?

Essa 
intelliguêntsia de boteco e de bistrô renega o prejuízo, o mais desavergonhado roubo aos cofres públicos em favor próprio ou de terceiros perpetrado pelo PT em nome da pobreza e da liberdade, quando só favoreceu os ricos, os apaniguados, os banqueiros e os corruptos.

Em respeito a tantos milhões, que pagarão por anos o desatino petista, deviam se dedicar a colaborar com a recuperação para que aqueles a quem defendem tanto no blá-blá-blá não sofram ainda mais. Não precisam apoiar o governo temporário, mas deixarem de ser cretinos. Seria de uma grande ajuda para os menos favorecidos em vez de ficar de birrinha de vítimizados a peso de ouro.

Cruzando a tormenta

Aqui na Pauliceia desvairada de Mário de Andrade e dilacerada (apud Mário Chamie) – há mários que vêm para o bem, diria o segundo que foi primeiro, pequeno homem e imenso poeta -, o céu não está para brigadeiro nem pra condor, devido a um mar impróprio para a migração de cardumes, isso por culpa de ondas muito crispadas a produzirem frio na terra, nuvens molhando nossa cabeça e ventos moderados, mas ainda assim capazes de abater árvores podres. Com cabelos molhados, a cabeça põe-se a pensar e aí aparecem pensamentos aparentemente próprios pra compartilhar, pelo menos na visão deste autor imodesto. Ainda meio dormido, acabei de comentar na Rádio Estadão que o Parlamentério de Michel Miguel tem duas bandas. Uma, sã, é composta por duas pastas que o Parlamento não quis contaminar, por saber que o buraco é muito mais embaixo e que não tem engenho nem cacife popular para enfrentar e resolver. Refiro-me à Fazenda de Meirelles, cuja missão é deter a sangria de recursos com o garrote dos ajustes. E ao Itamaraty de Serra para garimpar dinheiro no lado de lá do Atlântico Sul. Independentes, ambos dão sinais de que podem mesmo se encarregar da reconstrução e da rearrumação geral da República destrambelhada, desmantelada e desmazelada, mas só depois de evitar que o País continue afundando e a Nação, coitada, empobrecendo. A crise é tal que o crime organizado do Congresso não ambicionou justamente os dois de que a retirada do pântano da crise aguda mais depende. Deo gratias, diria Padre Carlos, meu professor de Latim no seminário dos redentoristas de Bodocongó, em Campina Grande. A banda podre do governo provisório, de que, enfim, podemos dispor, é composta pelos ministros comprometidos na Lava Jato e pelo líder na Câmara, puxado direto do bolso da algibeira do Cara de Cunha. Sem falar no secretário da Cultura, importado da mais desastrada administração municipal do País, a do tal Paes do Rio de janeiro, fevereiro e maio, comandada pelo construtor de ciclovia suspensa sobre a ressaca surpreendente (mesmo ocorrendo há milênios) e sempre assessorado pelo inveterado demolidor de maxilares femininos. Deus inspire Meirelles a mostrar didaticamente à população, assolada por 14 anos de cretinice ideológica, a ter uma ideia exata e necessária das dimensões do rombo no cofre das viúvas, ai, meu Deus. E ao vampiro anêmico compete ao Senhor indicar-lhe o caminho das pedras preciosas de além do Atlântico Sul para podermos caminhar sobre as ondas até o outro lado do mar das tormentas. Deus ilumine dom Miguel e nos valha, sempre que necessário for. Assim seja! E se for mesmo, aleluia, carne no prato e farinha na cuia.
José Nêumanne

O mundo pop do golpe

O “exército do Stédile” estava perdendo a guerra da opinião pública e os que ainda insistem em falar em “golpe” trocaram os carimbados MST, CUT, UNE e MTST por uma tropa de elite: os artistas, que se misturam às mocinhas bonitas da classe média alta de Rio e São Paulo que ilustram as manifestações da Avenida Paulista e as capas dos jornais.
O Palácio Gustavo Capanema, do Minc, foi ocupado por artistas no início da tarde desta segunda-feira (16). A iniciativa foi contra o governo do presidente em exercício, Michel Temer, e o fim do Ministério da Cultura
Manifestante no Palácio Gustavo Capanema no Rio
 Como a turma do vermelho é a minoria da minoria, a estratégia petista é usar a transformação do Ministério da Cultura em Secretaria como pretexto para mobilizar os aliados do ambiente artístico, que acham chiquérrimo ser “de esquerda” e, a partir disso, defendem qualquer coisa. Os “movimentos sociais” dividem, mas o PT acha que esse “mundo pop” soma. É assim que artistas e assemelhados invadem prédios da área de Cultura, para ganhar espaço nas TVs e atrair simpatias entre os que não entenderam nada das pedaladas fiscais e caem na história do “golpe”.
Eliane Cantanhêde

Ser comandada por um secretário diminuirá nossa Cultura?

Será que estamos viciados em reclamar? Tenho a impressão que sim. O que realmente importa é deixado de lado. Já os penduricalhos, esses são levados a sério.

O que foi que o Ministério da Cultura dos governos Lula/Dilma fez de importante para a Cultura brasileira? Criou a TV Brasil, essa maravilha que não sai do traço? Beneficiou o Brasil, onde, como?

Aqui no Rio temos a Biblioteca Nacional que guarda o que D.João VI trouxe da Torre do Tombo, quando veio fugido de Napoleão para cá. Pois bem, a longa viagem pelo Atlântico não fez um centésimo do mal que o descuido de nossos governos faz com documentos que são relatos da história de Portugal e, portanto, da do Brasil.

Há quem diga que nos países mais civilizados não há ministério da Cultura. Isso não é bem assim. Podem não ter esse nome, podem ter sido batizados com outros nomes, mas não é isso o que importa.

Vamos começar pelo país que criou a instituição ministério da Cultura: foi a França, durante o governo De Gaulle e sob os auspícios de um dos maiores intelectuais de seu tempo, André Malraux, que a batizou de Ministério da Cultura e da Comunicação.

Devemos nos lembrar que a França, saída de uma guerra terrível, precisava, urgentemente, restaurar seu acervo cultural e foi essa a principal preocupação do ministro: que as municipalidades dos diversos departamentos da França recuperassem seus museus, teatros, bibliotecas e escolas dramáticas e de música. E assim foi feito.

Mas não ficou só nisso: com o tempo, as estações de rádio e os canais de TV estatais também vieram a receber subsídios do ministério da Cultura. A televisão, hoje em dia, é a maior diversão dos franceses. Os programas de suas estações não dão traço: sua audiência é fantástica.

O cinema francês, que tantas obras-primas deu ao mundo, não depende apenas de dinheiro público, como o nosso. Basta ter paciência e ao fim de um filme francês, prestar atenção à longa lista de créditos para compreender como por lá a história é bem diferente.

Na Inglaterra, não há um ministério da Cultura. O que lá existe é um Departamento de Cultura, Mídia e Esporte. Quem estiver interessado que leia tudo que o British Film Institute faz pelo cinema inglês: http://www.bfi.org.uk

Na Alemanha, são os Institutos Goethe que há mais de 60 anos estimulam o diálogo da cultura alemã com parceiros ao redor do mundo. Trabalhando em conjunto com institutos culturais dos países que hospedam um Goethe Institut, são os cursos de língua e cultura germânicas que acabam por financiar, em conjunto com o Ministério do Exterior Alemão, a possibilidade da exibição de filmes, festivais de música e de teatro, orquestras, óperas, museus e a conservação de monumentos que dão vida às cidades alemãs.

Nesses países do hemisfério norte, assim como nos EUA, além do governo, são instituições e investidores privados que promovem a cultura nacional. A bilheteria paga os impostos e retribui com lucro a aposta dos investidores. Perguntem ao Woody Allen ou ao Martin Scorsese quem os financia...

Aqui, a cantoria é outra. Aqui, o Ministério da Cultura arca com os custos e a bilheteria, bem, essa só Deus sabe de quem é. Como disse José Nêumanne em seu artigo de 18 de maio para o Estadão, “a pasta [da Cultura] foi sempre usada para uma ação entre amigos, à nossa custa. Lula e Dilma a aparelharam para servir ao PT e à indústria fonográfica. E a usaram para tungar direitos de nossos autores e aumentar os lucros das multinacionais da cultura e de artistas nativos que se beneficiam da “bolsa show”, sob as bênçãos de Xangô e do Senhor do Bonfim. Enquanto as traças devoram a Biblioteca Nacional e os museus sob sua égide se tornam inaptos para visitas públicas”.

Da minha parte, votos de muita força ao Secretário Nacional de Cultura, Marcelo Calero.

Controle da mídia? De novo?

A reunião de autocrítica do PT nessa terça, coordenada pelo presidente Rui Falcão, decidiu que o partido está “contaminado”. E que ficou “refém” dos aliados. A culpa é sempre dos outros. O partido, que um dia foi símbolo da ética, se considera inocente. De tudo. Melhor seria só pedir desculpas, amigo leitor. Mas não vou discutir isso. Me preocupa é que voltou a circular, nela, um tema velho, equivocado, autoritário, como o do controle de mídia. Talvez porque, na visão da companheirada, caso tivesse o governo tido a coragem (digamos assim) de ir mais longe, e o impeachment não teria sido sacramentado. É o fim.

Claro que a imprensa não é neutra. Nem se pretende isso. Algum tempo faz participei, em São Paulo, de seminário junto com o jornalista Clóvis Rossi. E chegamos à conclusão de que os meios de comunicação de então viviam momentos de normalidade como exceção e de equilíbrio como alienação. Ao mesmo tempo sendo razão e sentimento, utopia e realidade, Apolo e Dionísio, Florestan e Eusebius, Quixote, Sancho e todas as dualidades clássicas da alma humana. Hoje, não se mostra muito diferente. Em qualquer parte do vasto e insensato mundo.

Ocorre que, passado algum tempo, vemos que a imprensa também é, crescentemente, um ator importante na democracia. Especialmente a brasileira. Sobretudo quando temos distâncias grandes entre o futuro prometido a quem sobrevive, Deus sabe como, e as promessas vãs desse futuro imaginário. Entre a previsibilidade do discurso oficial do poder e as inconstâncias do mundo real.

Entre a ilusão e o desemprego, o sonho e a fome, a fé e a desesperança. Produzindo o que Karin Thomas denomina “ilusão da realidade ou realidade da ilusão”. Problema, para quem anda fora da linha, é que já não dá para enganar o povo por muito tempo. Apenas isso. Problema grande.

No mundo novo da informação com múltiplas fontes, não dá mais. Essa é a novidade. Confirmando o paradoxo de Toffler, hesitando sempre entre a universalização e a tribalização. A Suprema Corte americana, com a doutrina de free speech, já confirmou que “a maior disseminação de fontes diversas e antagônicas é essencial ao bem público”. Levando o justice Hugo Black a declarar em 1945, no case Associated Press vs. United States, que “a mais ampla disseminação de informação possível é condição para uma sociedade livre”. Para nosso bem, senhores, o futuro imaginado já chegou. É hoje.

Voltar a pretender controle da mídia é (quase) inacreditável. Sobretudo em tempos de corrupção endêmica. Na verdade, em qualquer tempo. Porque uma tese assim tem, como propósito, mais que tudo proteger os poderosos. Quem acha que roubar para partidos políticos não é roubar. Quem bota grana pública no bolso. Quem lhes passa essa grana. Quem não está dando a mínima para nossa indignação. Seriam eles os grandes beneficiários dessa trama, leitor amigo. Pelo menos isso deveria ter aprendido, a companheirada. Caso estivesse mesmo interessada em não repetir, no futuro, os erros do passado recente. Compreendendo, enfim, que controle de mídia é censura. Simples assim. E que uma imprensa verdadeiramente livre é o melhor instrumento da democracia.

José Paulo Cavalcanti Filho

Despreparo cultural

O Brasil teima em ser atrasado

Acho que foi em 2012 ou 2013, não lembro. Um sujeito (não nos conhecíamos) do Ministério da Cultura telefonou-me: queria conversar comigo. Eu disse que sim. Ele queria que eu participasse da equipe que iria escrever o Plano Nacional de Cultura. Eu não estava afim – por isso fiz uma pergunta que ele não esperava: “Quanto você vai me pagar?” O sujeito aparentemente levou um susto: “Como? Quanto eu vou pagar?” Expliquei: “Você não ganha pelo seu trabalho? Então é justo que eu seja pago pelo meu trabalho”. Ele disse que me telefonaria depois. Desliguei - certo que o sujeito não me ligaria mais. Engano. Dois dias depois ele retornou e me ofereceu uma remuneração, que achei pouco – e fiz uma contraproposta. Ele aceitou no ato.

Eles queriam que eu escrevesse um texto sobre a assim chamada “cultura popular”, coisa simples, que liquidei em alguns dias.

Palhaço
Mas o que eu quero lhes dizer é que participei de duas reuniões com a “turma” que dominava o Ministério da Cultura. Numa delas, vi uma cena típica dos tempos: ao meu lado direito, um sujeito pôs sobre a mesa ostensivamente um chaveiro com a efígie de Trotsky; a duas pessoas dele, outro sujeito em resposta tinha sobre a mesa um chaveiro que homenageava Stalin. Pensei comigo: “O que estou fazendo aqui?”

Ouvi mais que falei. O que ouvi não me agradou. O jargão era o óbvio: desenvolvimento desigual e combinado, forças produtivas, cultura das elites, cultura do povo, alguém comentou que tinha lido um artigo sobre Eros Velúsia, uma bailarina que marcou época no chamado teatro de revista. Outro citou Antônio Cândido, um terceiro falou em Alfredo Bosi, um sujeito fez a exegese do circo, mas ninguém se pronunciou a respeito de uma política de cultura.

Bem, para resumir: escrevi meu texto, recebi o pagamento e nunca mais estive no Ministério da Cultura.

Às vezes, chegavam-me ecos do acontecia por lá, os quais não me agradavam. O fato é que o MC foi, como tantos outros ministérios, aparelhado pelo PT e pelo PCdoB, que refletiram na estrutura burocrática as alas e grupos e subgrupos desses partidos, cada qual buscando a hegemonia e o domínio sobre os demais. O Ministério da Cultura - visto de fora - não seguia itinerários administrativos e políticos determinados, como qualquer unidade da estrutura governamental, mas parecia um arquipélago de tendências e intenções partidárias. Com um adicional: muitas decisões eram estapafúrdias.

A liberação de grana refletia isso. Certa vez, li, espantado, que um poeta de quinta categoria de Brasília (eu li esse poeta e, por isso, sei exatamente por que ele é de quinta) foi indicado pelo ministério para “representar os escritores de Brasília na Feira Internacional de Frankfurt”. Não sei quais os critérios da escolha, mas o sujeitinho recebeu passagens, diárias e um pagamento adicional, muitas mordomias. Noutra ocasião, um grupo de escritores recebeu grana para, cada qual, se instalar numa capital do mundo (sim do mundo!) – e lá, captando o espírito do lugar, escrever um livro. Não sei também os critérios de escolha, como não sei se os livros foram escritos. Mas isto talvez não fosse o mais importante. A intenção talvez fosse cooptá-los, fazer um agrado, sei lá.

Não vou falar a respeito da Lei Rouanet - tão generosa para com os “amigos” e “aliados”. Outro dia, recebi no Facebook uma mensagem que listava doze projetos estranhos e absurdos favorecidos pela Lei Rouanet. Não vou falar sobre eles, mas muitos que nos últimos dias gritavam contra o impeachment da Dilma constavam da listagem. Uma das propostas beneficiadas foi uma peça escatológica, onde uns sujeitos, em círculo, enfiavam o dedo ou o nariz no rabicó dos outros.

Nesses tantos anos petistas, a chamada intelectualidade brasileira calou-se diante dos descalabros. Alguns – claro – porque estavam comprometidos e eram beneficiários; outros, não beneficiários, fizeram boca de siri por razões ideológicas; terceiros, nada disseram por prudência, talvez receio do patrulhamento que inevitavelmente viria.

Houve um tempo em que educação e cultura eram entendidas como complementares e, não, como duas coisas estanques, uma lá, outra cá. Eram tempos de gente da maior qualidade na sua direção: Capanema, Carlos Drummond de Andrade (chefe de gabinete de Capanema), Josué Montello, Augusto Meyer, José Honório Rodrigues, Adonias Filho, Edmundo Moniz, Edson Nery da Fonseca, José Simeão Leal. Gente que o regime militar afastou. Gente que desapareceu. Os governos petistas não trouxeram gente equivalente, mas convocou os chamados “núcleos de cultura” dos partidos dominantes, muitos dos quais são incapazes de definir cultura.

Todos falam nos danos econômicos, políticos, na dívida, na inflação, no emburacamento dos Fundos de Pensão, na corrupção, mas poucos falam nos danos na cultura. Falo de cadeira, pois jamais recebi um tostão furado pelos livros que escrevi (a não ser meus direitos autorais), jamais recebi um agrado e, à exceção da minha participação na elaboração do Plano Nacional de Cultura, recusei todos os demais convites que me fizeram. Não transformei minha vida intelectual em nenhuma badalação: não gosto sequer de noites de autógrafos, não participo de rodas, mas duvido que muitos pseudoescritores que vagam por aí tenham vendido mais livros que eu. O tal poetastro de quem falei acima não vendeu 1% do que eu vendi.

Reitero não vejo nenhum problema na volta do velho MEC, desde haja uma faxina e organização da instituição. Eu seria mais radical: eu, por exemplo, extinguiria o Ministério da Ciência e Tecnologia, fundiria CNPq e Capes, levava a FINEP para o BNDES. A fusão CNPq e Capes evitaria que pesquisadores brasileiros, que acham que o Estado é deles, recebessem, à sorrelfa, bolsas e auxílios de um e outro para o mesmo projeto.

O Estado brasileiro precisa ser refeito – e drasticamente reduzido com o fito de ser eficiente e eficaz
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As aparências enganam

Engenho e arte na saída do atoleiro

Para sair de um atoleiro, é preciso calma, engenho e arte. Improvisar e tentar sair na marra costuma ser receita certa para afundar ainda mais na lama. Dilma Rousseff que o diga.

Conseguirá Michel Temer tirar a economia brasileira do enorme atoleiro em que Dilma a deixou? Tomara que sim. Mas é bom não ter ilusões sobre as proporções do desafio que tem pela frente, a exiguidade do tempo com que efetivamente conta, a precariedade dos recursos políticos a que terá de recorrer e as problemáticas fragilidades inerentes a seu governo.


Em meio a todas essas dificuldades, é animador constatar que o novo governo parece ter percebido, com muita clareza, que o âmago do gigantesco desafio que terá de enfrentar é a penosa reconstrução das finanças públicas. E ainda mais animador saber que o núcleo da nova equipe econômica, em Brasília, contará com profissionais tão qualificados como Ilan Goldfajn, Mansueto Almeida, Marcelo Caetano e Marcos Mendes.

Tendo em vista a devastação do quadro fiscal, ninguém espera, em sã consciência, que o reparo possa ser feito num par de anos. O que, sim, talvez se possa esperar é que o governo seja capaz de promover um choque de confiança decisivo, que desencadeie um círculo virtuoso que, aos poucos, na esteira de melhora persistente das contas públicas, permita vislumbrar a restauração da sustentabilidade fiscal em prazo um pouco mais longo.

Trata-se de viabilizar uma sequência de medidas que possam dar sinais críveis de que a deterioração das contas públicas pode ser revertida. E de que o novo presidente está efetivamente empenhado na mudança do regime fiscal. O ideal seria que o governo pudesse anunciar essa sequência de medidas tão logo quanto possível, mesmo tendo em conta que muitas delas não poderão ser implementadas de imediato. Um plano de jogo claramente explicitado, que eliminasse temores de surpresas e improvisações, seria um grande avanço.

É inevitável que boa parte dessas medidas requeira a aprovação de emendas constitucionais, que podem colocar à prova o apoio do novo governo no Congresso e exigir mais tempo do que Temer efetivamente tem.

Caso Dilma seja afastada de vez, como parece provável, Temer terá pouco mais de 31 meses de mandato. E, de agora até outubro, terá de lidar com um calendário atribulado, fadado a lhe dificultar as negociações com o Congresso, exatamente quando elas deveriam ser mais intensas: interinidade até pelo menos setembro, quando o Senado deverá se pronunciar sobre o impeachment, paralisação parcial do país com as Olimpíadas e mobilização dos parlamentares com as eleições municipais, a partir de agosto. O ano de 2017 poderá ser menos conturbado. Mas, já em meados do ano seguinte, o Congresso estará totalmente mobilizado com as eleições de 2018.

Temer pode ficar tentado a se animar com a lembrança de que Itamar Franco contava, de início, com um mandato ainda mais curto, de 27 meses. E de que ainda se deu ao luxo de dilapidar os primeiros sete, permitindo-se nomear nada menos que quatro ministros da Fazenda entre outubro de 1992 e maio de 1993. Foi nos 20 meses restantes que o Plano Real pôde ser concebido e implementado com grande sucesso. Mas é preciso ter em conta que as dificuldades de viabilização do Plano Real foram de natureza distinta. Não envolveram um esforço de reconstrução fiscal tão problemático como o que Temer agora tem pela frente.

Tampouco teve o governo Itamar de lidar com fatores de risco tão sérios como os que agora terão de ser enfrentados. Temer terá de governar sob o espectro da perda de mandato por decisão do Tribunal Superior Eleitoral. E terá de conviver com a probabilidade, nada desprezível, de que os desdobramentos da Lava-Jato e de operações similares acabem afetando as possibilidades da condução da política econômica, seja pelos efeitos diretos que poderão ter sobre o governo, seja pelos abalos que poderão provocar na bancada governista no Congresso.

Fácil não será. Mas não há dúvida de que o quadro se tornou bem mais promissor.

Rogério Furquim Werneck

O que significam os cortes anunciados no Bolsa Família

O anúncio da revisão do programa Bolsa Família, que poderia levar ao desligamento de pelo menos 10% dos beneficiários, divide a opinião de especialistas. Enquanto alguns veem na medida apenas uma prática corriqueira em qualquer programa social, outros apontam um cunho político nas alterações propostas.

O novo ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, anunciou na última semana um pente-fino no Bolsa Família – menina dos olhos dos governos do PT. Atualmente, 14 milhões de famílias recebem o benefício. A proposta do governo interino é fazer um cruzamento de diferentes bases de dados disponíveis, com o objetivo de checar se todos os inscritos cumprem, de fato, as condições de baixa renda e as contrapartidas exigidas. Estudos indicam que 10% não se enquadrariam mais nos critérios; mas, segundo o ministro, esse percentual poderia chegar a 30%.

"Acho que o processo de aprimoramento dos programas sociais é sempre algo bem-vindo. Minha leitura é de que não vai haver corte, mas um pente-fino mesmo, um cruzamento com outros bancos de dados para refinar o perfil dos beneficiários, coisa que já foi feita em outros lugares, inclusive no Rio de Janeiro", explica o economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas.

O economista – que já foi ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) do governo e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – ressalta, no entanto, que o Bolsa Família é um dos melhores programas sociais já implementados, responsável por 20% da redução da desigualdade no país desde 2001. A vantagem do programa, segundo o economista, é que ele custa pouco (menos de 0,6% do PIB) e é muito eficiente.

Um estudo do Ipea mostra que o programa estimula a economia do país por meio do aumento do consumo na camada mais pobre da população. Para cada R$ 1 aplicado pelo governo no programa de transferência de renda há um aumento de R$ 1,78 do PIB.

"O dinheiro do Bolsa Família é fundamental ponto de vista econômico, porque ele é gasto na periferia, fazendo o comércio local girar", explica o presidente do Instituto Data Popular, Renato Meirelles. Os números mostram que o programa reduz a taxa de natalidade, a mortalidade infantil e a evasão escolar, pois condiciona o recebimento do benefício a uma série de fatores, como a vacinação das crianças e a frequência escolar.