sexta-feira, 20 de maio de 2016

Despreparo cultural

O Brasil teima em ser atrasado

Acho que foi em 2012 ou 2013, não lembro. Um sujeito (não nos conhecíamos) do Ministério da Cultura telefonou-me: queria conversar comigo. Eu disse que sim. Ele queria que eu participasse da equipe que iria escrever o Plano Nacional de Cultura. Eu não estava afim – por isso fiz uma pergunta que ele não esperava: “Quanto você vai me pagar?” O sujeito aparentemente levou um susto: “Como? Quanto eu vou pagar?” Expliquei: “Você não ganha pelo seu trabalho? Então é justo que eu seja pago pelo meu trabalho”. Ele disse que me telefonaria depois. Desliguei - certo que o sujeito não me ligaria mais. Engano. Dois dias depois ele retornou e me ofereceu uma remuneração, que achei pouco – e fiz uma contraproposta. Ele aceitou no ato.

Eles queriam que eu escrevesse um texto sobre a assim chamada “cultura popular”, coisa simples, que liquidei em alguns dias.

Palhaço
Mas o que eu quero lhes dizer é que participei de duas reuniões com a “turma” que dominava o Ministério da Cultura. Numa delas, vi uma cena típica dos tempos: ao meu lado direito, um sujeito pôs sobre a mesa ostensivamente um chaveiro com a efígie de Trotsky; a duas pessoas dele, outro sujeito em resposta tinha sobre a mesa um chaveiro que homenageava Stalin. Pensei comigo: “O que estou fazendo aqui?”

Ouvi mais que falei. O que ouvi não me agradou. O jargão era o óbvio: desenvolvimento desigual e combinado, forças produtivas, cultura das elites, cultura do povo, alguém comentou que tinha lido um artigo sobre Eros Velúsia, uma bailarina que marcou época no chamado teatro de revista. Outro citou Antônio Cândido, um terceiro falou em Alfredo Bosi, um sujeito fez a exegese do circo, mas ninguém se pronunciou a respeito de uma política de cultura.

Bem, para resumir: escrevi meu texto, recebi o pagamento e nunca mais estive no Ministério da Cultura.

Às vezes, chegavam-me ecos do acontecia por lá, os quais não me agradavam. O fato é que o MC foi, como tantos outros ministérios, aparelhado pelo PT e pelo PCdoB, que refletiram na estrutura burocrática as alas e grupos e subgrupos desses partidos, cada qual buscando a hegemonia e o domínio sobre os demais. O Ministério da Cultura - visto de fora - não seguia itinerários administrativos e políticos determinados, como qualquer unidade da estrutura governamental, mas parecia um arquipélago de tendências e intenções partidárias. Com um adicional: muitas decisões eram estapafúrdias.

A liberação de grana refletia isso. Certa vez, li, espantado, que um poeta de quinta categoria de Brasília (eu li esse poeta e, por isso, sei exatamente por que ele é de quinta) foi indicado pelo ministério para “representar os escritores de Brasília na Feira Internacional de Frankfurt”. Não sei quais os critérios da escolha, mas o sujeitinho recebeu passagens, diárias e um pagamento adicional, muitas mordomias. Noutra ocasião, um grupo de escritores recebeu grana para, cada qual, se instalar numa capital do mundo (sim do mundo!) – e lá, captando o espírito do lugar, escrever um livro. Não sei também os critérios de escolha, como não sei se os livros foram escritos. Mas isto talvez não fosse o mais importante. A intenção talvez fosse cooptá-los, fazer um agrado, sei lá.

Não vou falar a respeito da Lei Rouanet - tão generosa para com os “amigos” e “aliados”. Outro dia, recebi no Facebook uma mensagem que listava doze projetos estranhos e absurdos favorecidos pela Lei Rouanet. Não vou falar sobre eles, mas muitos que nos últimos dias gritavam contra o impeachment da Dilma constavam da listagem. Uma das propostas beneficiadas foi uma peça escatológica, onde uns sujeitos, em círculo, enfiavam o dedo ou o nariz no rabicó dos outros.

Nesses tantos anos petistas, a chamada intelectualidade brasileira calou-se diante dos descalabros. Alguns – claro – porque estavam comprometidos e eram beneficiários; outros, não beneficiários, fizeram boca de siri por razões ideológicas; terceiros, nada disseram por prudência, talvez receio do patrulhamento que inevitavelmente viria.

Houve um tempo em que educação e cultura eram entendidas como complementares e, não, como duas coisas estanques, uma lá, outra cá. Eram tempos de gente da maior qualidade na sua direção: Capanema, Carlos Drummond de Andrade (chefe de gabinete de Capanema), Josué Montello, Augusto Meyer, José Honório Rodrigues, Adonias Filho, Edmundo Moniz, Edson Nery da Fonseca, José Simeão Leal. Gente que o regime militar afastou. Gente que desapareceu. Os governos petistas não trouxeram gente equivalente, mas convocou os chamados “núcleos de cultura” dos partidos dominantes, muitos dos quais são incapazes de definir cultura.

Todos falam nos danos econômicos, políticos, na dívida, na inflação, no emburacamento dos Fundos de Pensão, na corrupção, mas poucos falam nos danos na cultura. Falo de cadeira, pois jamais recebi um tostão furado pelos livros que escrevi (a não ser meus direitos autorais), jamais recebi um agrado e, à exceção da minha participação na elaboração do Plano Nacional de Cultura, recusei todos os demais convites que me fizeram. Não transformei minha vida intelectual em nenhuma badalação: não gosto sequer de noites de autógrafos, não participo de rodas, mas duvido que muitos pseudoescritores que vagam por aí tenham vendido mais livros que eu. O tal poetastro de quem falei acima não vendeu 1% do que eu vendi.

Reitero não vejo nenhum problema na volta do velho MEC, desde haja uma faxina e organização da instituição. Eu seria mais radical: eu, por exemplo, extinguiria o Ministério da Ciência e Tecnologia, fundiria CNPq e Capes, levava a FINEP para o BNDES. A fusão CNPq e Capes evitaria que pesquisadores brasileiros, que acham que o Estado é deles, recebessem, à sorrelfa, bolsas e auxílios de um e outro para o mesmo projeto.

O Estado brasileiro precisa ser refeito – e drasticamente reduzido com o fito de ser eficiente e eficaz
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