“Tudo bem, caro jornalista... vou fazer umas confissões não digo políticas, mas existenciais. E tudo ‘off the record’, tá legal? Bem, digo-lhe que estou horrorizado com a hipocrisia reinante, quando todos negam o que sempre fizeram. Eu nunca reneguei minhas posições, digamos, estelionatárias. Para mim, nunca foi um defeito ou motivo de vergonha; sempre foi um grande prazer – chamemos de vocação. Por isso, vou me vingar da grossura que vejo no mundo da fraude clássica. Faltam à maioria dos ladrões elegância e ‘finesse’. Roubam por rancor, roubam o que lhes aparece na frente, se acham no direito de se vingar de passadas humilhações, mãe lavadeira, dores de corno, porradas na cara não revidadas.
Eu, não. Eu sou cordial, um cavalheiro; tenho paciência e sabedoria, comecei pouco a pouco, como as galinhas que roubei na infância, que de grão em grão enchiam o papo... Ha-ha-ha ...
Hoje, já estou bem de vida graças a Deus e posso aprofundar para você o que nos move à corrupção. Como bem observou o grande historiador Evaldo Cabral de Melo: mais do que afirmaram Sergio Buarque, Freire e Faoro, a incompetência e a corrupção são o que trava o pais há séculos. Tenho orgulho de nosso passado, tenho tradição.
Muita gente acha que roubamos por ambição. Mas, além do amor à bufunfa, à grana, roubamos por puro prazer. Isso. Grandes prazeres nos movem. Já tenho sete fazendas reais e sete imaginárias, mando em cidades do Nordeste, tenho tudo, mas sou viciado na deliciosa adrenalina que me arde no sangue na hora em que a mala preta voa em minha direção, cheia de dólares.
Vibro de alegria quando vejo os olhos indignados e envergonhados dos empresários me pagando a propina, suas mãos trêmulas me passando o tutu. Deleito-me quando o juiz me dá ganho de causa, ostentando honestidade, e finge não perceber minha piscadela marota na hora da liminar comprada. Sinto-me superior; adoro flutuar acima dos otários que me ‘compram’, eles se humilhando em vez de mim.
Roubar dá tesão; me liberta. Eu explico: roubar me tira do mundo dos ‘obedientes’ e me provoca quase um orgasmo quando embolso uma bolada. É um barato rolar nu sobre notas de US$ 100 na cama, comendo chocolatinhos do frigobar de um hotel vagabundo na cidade onde superfaturei uma rede de esgotos. Adoro ver o espanto de uma prostituta quando eu lhe arrojo US$ 1.000 entre as coxas e sinto sua gratidão nas carícias mais perversas.
Tenho prazer de ostentar dignidade em CPIs; sou ótimo ator e especialista em amnésias políticas. Tenho o grande prazer de usar palavras nobres em minhas negações: ‘Nego! Não admito aleivosias, patranhas assacadas contra minha honra ilibada, minha vida sem jaça’. E solto brados de honradez, socos nas mesas, babas indignadas, hipócritas lágrimas de esguicho e clamores a Deus.
Sei dizer muito bem, melhor até que nosso guia Lula, que nunca soube de nada de nada... Já declarei de testa alta na Câmara: ‘Não sei como esses milhões de dólares apareceram em minha conta na Suíça se eu nem tenho conta lá!’ O venerável Maluf criou uma escola. Esse grau de mentira deixa de ser mentira e vira uma arte.
Tenho o prazer de ficar indiferente aos xingamentos da mídia... É o que chamo de ‘prazer da cara de pau’. Aliás, minha cara é de ‘pau-brasil’ em homenagem ao nosso passado.
E a doce volúpia de ostentar seriedade em salões de ‘homens de bem’ que me xingam pelas costas, mas me invejam secretamente pela liberdade cínica que me habita? Sou olhado com admiração nas churrascarias entre picanhas e chuletas, e suas mulheres me olham com volúpia, imaginando os milhões que amealhei.
Sinto prazer vendo os puxa-sacos que me lambem com olhos trêmulos e mãos frias de medo e reverência.
Adoro ver a palidez de guardas e contínuos diante de minha arrogância, quando lhes mostro a carteira do Senado. Até me satisfazem pequenas alegrias parlamentares, como usar um jaquetão igual ao do Sarney, feito de ‘teflon’, onde nada cola. Com bom humor fraternal participo do visual de meus colegas, pintando os cabelos de acaju ou preto-nanquim.
E o prazer de levar uma vida aventurosa, secreta. Nada da chatice terrível dos honestos, pois sabemos que virtude dá úlcera. Adoro os jantares nordestinos, com moquecas e maracutaias, amo as cotoveladas cúmplices quando se liberam verbas, os cálidos abraços, os sussurros segredados nas varandas das máfias rurais.
Tenho orgulho do mal; pois, como dizia minha avó, há males que vêm para o bem. Explico-lhe, amigo: eu e meus pares temos provocado uma indignação na opinião pública que ajuda a mudar o país – nós somos o ‘mal’ que traz o ‘bem’. Eu só tenho inveja da maneira petista de mentir. Eles não sentem culpa de nada, pois roubaram em nome do ‘povo’. Eles são o ‘bem’ que vem para o ‘mal’.
Me dá um grande prazer minha respeitabilidade altaneira que confunde meus inimigos, na dúvida se eu tenho mesmo grandeza acima dos homens comuns. Posso, do alto de meu cinismo transcendental, ter até a coragem de ser covarde. Levo desaforo para casa, sim, dou beijos de Judas, sei dar abraços de tamanduá e chorar lágrimas de crocodilo... No fundo, eu me acho mesmo especial; não sou comum.
Sou profissional e didático... Eu me considero um Gilberto Freyre da escrotidão brasileira. Eu estou no lugar da verdade. Este país foi feito assim, na vala entre o público e o privado. Há uma grandeza insuspeitada na apropriação indébita, florescem ricos cogumelos na lama das roubalheiras... Tenho orgulho de ser um dos fundadores de uma nova ciência: a ‘canalhogia’ ou talvez a ‘filha-daputice’.
É isso, tenho o prazer de não ser nem de esquerda, nem de direita, tenho o prazer de não ser porra nenhuma. Aliás, todos esses picaretas ideológicos também não são nada. Meu partido sou eu mesmo presidente e militante. Vivo feliz com a grande delícia de minha corrupção assumida. Eu sou antes de tudo um forte.”