segunda-feira, 15 de maio de 2023

Extermínio no futuro


Na era do computador, o extermínio é mais científico
Vergílio Ferreira

Big techs como aliadas da pandemia

Em maio, tiro férias. Não paro de escrever. Na verdade, dedico-me a escrever bobagens, ler livros inúteis e trabalhar imagens sem nenhum valor comercial.

Continuo com olho no mundo.

A OMS suspendeu a emergência internacional, embora a pandemia não tenha acabado. Bill Gates é um bilionário, sou apenas um remediado, como se diz em Minas. No entanto concordo plenamente com ele que é necessário trabalhar para evitar a próxima pandemia.

Gates propõe uma estrutura mundial de vigilância que custaria US$ 1 bilhão por ano, um décimo dos gastos em defesa, uma gota no oceano de trilhões de dólares perdidos com uma pandemia.

No livro “Como evitar a próxima pandemia”, ele fala na necessidade de haver um bom número de pessoas que acordam todas as manhãs pensando no tema. Não é meu caso. Às vezes acordo de pá virada; às vezes, melancólico. Nem todas as manhãs dedico à humanidade.


Mas isso não significa que não possa ajudar. Nos meus 65 anos de profissão, nunca vi uma etapa tão produtiva do jornalismo como durante a pandemia. De modo geral, não temos tempo para comemorar nem para lamentar erros: há sempre uma tarefa à frente.

Escrevi um diário com mais de 250 entradas. Tornei-me mais aberto ao que C.P. Snow chama de terceira cultura: cientistas e divulgadores que aos poucos vão substituindo os intelectuais tradicionais, revelando alguns sentidos mais profundos de nossa vida, redefinindo quem somos nós.

Nossa batalha central foi combater o negacionismo e as fake news sobre vacinas. No caso brasileiro, elas nasciam do próprio governo. Essa luta, de alguma forma, continua nos dias de hoje. As big techs concentradas no lucro resistem a algum tipo de controle sobre as redes sociais. Algumas, como Google e Telegram, já levaram grandes pancadas financeiras na Europa.

Mas não desistem.

O Google no Canadá quer limitar as notícias de jornal apenas porque foi votada uma lei exigindo que pague direitos autorais a quem gastou dinheiro e suor para produzi-las. O Telegram costuma abrigar supremacistas brancos, neonazistas, bolsonaristas e tutti quanti. Resiste a colaborar com a democracia e, na verdade, a ataca de frente, ao mentir sobre o Projeto das Fake News.

Existe um ranço colonial nesse desprezo pela soberania brasileira. O Telegram pertence a russos que resolveram deslocar a empresa para os Emirados Árabes, em “busca de mais liberdade”. Com esse vínculo afetivo com a extrema direita mundial, custa acreditar que o Telegram não seja uma invenção dos magos que giram em torno de Putin.

A verdade para mim é que, sem combater as fake news, por meio das leis e da educação, não estaremos preparados para enfrentar a próxima pandemia, o próximo ataque às escolas, a avalanche de discursos de ódio que as redes despejam no país.

O Brasil precisa resistir em duas frentes. Aqui dentro, é necessário afirmar a soberania diante das big techs que decidiram se transformar num ator político. Lá fora, já que o presidente viaja com frequência, é preciso falar da necessidade de articulação dos diferentes esforços nacionais para controlar esse processo destrutivo.

Se as big techs já desprezam governos e democracias agora, o que não farão no futuro próximo quando desenvolverem seu mais poderoso instrumento: a inteligência artificial? Por isso, caro Bill Gates, temos de marchar juntos para deter a próxima pandemia, mas com um olhar bem mais além da saúde pública, um olhar para o processo mesmo que criou a sua e outras grandes fortunas.

A próxima pandemia pode nascer de um vírus respiratório. Existem algumas dezenas deles pedindo passagem. No entanto o vírus do lucro a todo vapor, sem pensar nas consequências humanas, pode acabar suplantando todos os outros. Na trincheira da comunicação, nossa tarefa é defender a vacina, que pode ser de RNA mensageiro, mas às vezes precisa ser também uma dose de democracia.

Por que jovens são atraídos para a extrema direita?

Os jovens aparecem nas enquetes mundiais cada vez mais inclinados à extrema-direita e utilizando os símbolos e bandeiras do fascismo, e até mesmo do nazismo. É algo novo e pouco estudado que preocupa as forças democráticas.

Há quem se pergunte com algum espanto por que é que estes jovens, que a princípio seriam considerados idealistas e seguidores dos valores da liberdade, acabam encurralados por forças extremistas e violentas.

Talvez deva ser lembrado que, como ensina a psicologia tradicional, os jovens estão passando pela fase mais turbulenta de suas vidas; a mais enigmática para eles que ainda não se sentem adultos, mas também não se sentem crianças. E ao mesmo tempo são atraídos pela violência. Talvez porque esta seja também a era da rebelião.


Quem já viveu muito sabe que no passado a esquerda chegou a oferecer aos jovens ideais entrelaçados com a violência para libertá-los. Foi a violência contra os bandidos que eram então a burguesia, os exploradores, os que os mantinham na pobreza. Basta lembrar o que foi a figura de Che Guevara em Cuba, e depois no mundo como símbolo de resistência e idealismo para os jovens. Era a luta do bem contra o mal. Hoje esse ídolo está quebrado como tantos outros criados pela extrema esquerda.

Palavras como revolução, esquerda, luta contra o capitalismo e o fascismo foram mágicas para os jovens em busca de ideais. Permitia-lhes expressar seus instintos violentos em busca de melhores sonhos.

Quando falamos de jovens, não podemos esquecer que ontem e hoje todos se sentem atraídos pela violência, seja qual for o signo. São as bandeiras da rebelião, de qualquer cor política.

Há famílias que se surpreendem com o fato de seus filhos, crescendo e às vezes ainda crianças, se sentirem fascinados por jogos e filmes violentos e sangrentos. A psicologia sempre estudou esse fenômeno do ponto de vista fisiológico. É o momento em que seu filho ou filha ainda não é adulto, mas não se sente mais criança. Eles apenas se sentem desconfortáveis. Por isso costumam estar juntos, em grupos, em bandos, com seus símbolos de qualquer cor. Eles até tendem a se vestir todos iguais por medo de serem encurralados. É o fenômeno da matilha que protege.

Tudo isso é conhecido. É um clássico. Por isso, não deve surpreender que os jovens de hoje, num momento histórico de mudança radical, de uma inteligência artificial que assusta até os adultos, se sintam mais desarmados e desamparados do que nunca.

Sempre em busca do novo e do ideal, os jovens, por nossa causa, não deles, não se sentem mais atraídos pelo que chamamos de ideais de esquerda sintetizados no slogan da Revolução Francesa de igualdade, liberdade e fratenidade .

Ninguém pode negar que, para um jovem de hoje, a política é vista mais como um negócio do que como um ideal de vida. Na democracia, que já foi símbolo de liberdade contra o despotismo e a escravidão, hoje os jovens descobrem a corrupção e os mesquinhos interesses pessoais.

Você entra na política para ficar rico, mesmo que seja à custa de trair o próprio coração da democracia e seus valores. E isso hoje abrange também a esquerda e não só a direita. Onde estão os ídolos políticos capazes de fazer vibrar o coração dos jovens e seus ideais hoje? O que eles ouvem mesmo de seus pais é que “todo mundo é ladrão”, que todos acabam presos por interesses rastejantes muito distantes dos ideais do passado.

Mas por que os jovens de hoje, que não se entusiasmam mais com os ideais da esquerda, acabam admirando a nova direita violenta? Por que, depois dos idealismos da liberdade e da luta contra a escravidão, a juventude de hoje desenterra os mitos de Deus, da pátria e da família, símbolos do mais rançoso conservadorismo?

Por que os jovens que um dia lutaram pelos ideais do pacifismo, que gritavam: “Faça amor e não faça guerra”, hoje se alistam nas fileiras negras da política violenta de uma extrema-direita que se alegra em atiçar instintos animais?

A resposta a estas questões inquietantes não é fácil, mas é urgente analisá-las porque pode acabar por infestar aqueles que serão os dirigentes do futuro. Algo deve existir nas palavras de ordem violentas da extrema-direita para que consigam atrair cada vez mais novas gerações, embora a única coisa que saibam oferecer na política seja a incitação à violência e o amor às armas e à morte.

Não por acaso, aqui no Brasil, a extrema-direita lançou de imediato o ideal dos armamentos, a paixão pelas armas de fogo, permitindo até menores de idade frequentar clubes de tiro. Em sua campanha eleitoral, Bolsonaro ensinou uma menina de cinco anos, levada em seus braços, a imitar com seus dedos inocentes o disparo de uma arma.

Não, não são os jovens que estão traindo os ideais que um dia lhes permitiram sonhar na política e exercitar seus instintos naturais de luta. Somos os anciãos que estão traindo seus ideais libertadores com uma política e uma democracia cada vez mais maculada por interesses pessoais e mesquinhos.

Os jovens sempre correrão em busca de ideais nos quais possam manifestar o fogo que os incita em suas veias. Se a esquerda, outrora símbolo de esperanças libertadoras, um dia ofereceu aos jovens refúgio e paz, hoje, um triste paradoxo, parece ser a extrema direita que lhes oferece a miragem onde podem desencadear as demandas de luta e inquietação que são naturais de sua idade.

Para aqueles de nós que ainda acreditam nos valores da democracia e da liberdade, nossa rejeição ao ressurgimento das bandeiras do extremismo de direita não deve ser suficiente. Precisamos resgatar para os nossos jovens o ressurgimento de novos ideais libertadores, adaptados aos novos tempos de mudança em que todos nós, e não apenas os jovens, nos encontramos presos e confusos.