Largo da Lapa, Rio (1965), Armando Viana |
terça-feira, 5 de setembro de 2017
Elementar, meu caro Watson
Sherlock Holmes certamente resolveria o mistério. Entre ensaios de violinos e contando com a lubrificação criativa de algumas doses de ópio, chacoalharia seu tédio para impiedosamente desvendar, sem muito esforço, diga-se, a pergunta que há muito nos corrói: “que país é este? ”
Lendo somente a primeira página dos jornais, retiraria pistas que o levariam a brilhantes e certeiras deduções denunciando de maneira clara e evidente os elementos necessários a resposta ao dilema.
Para Holmes, as informações disponíveis a olhos vistos constituiriam as pistas e o corpo probatório necessário para entender o que somos, seremos e como chegamos aqui. Lamentavelmente, a indisponibilidade dos serviços Sherlock faz com que todo este acervo de evidencias seja desperdiçado. Sem a ajuda de Holmes, só se vê desordem do caos. Sem jamais avistar o consolo das explicações.
Permanece o mistério sobre uma nação que, 500 anos após a chegada do primeiro português, ainda acredita que a exploração de recursos naturais é o único caminho para o desenvolvimento. Vê o meio ambiente como obstáculo. É incapaz de inovar. Ou de, pelo menos nesse campo, ter ideias originais.
Carece de explicação o que levou o povo a se autodeclarar pais do futuro, potência emergente, entre outros adjetivos temperados com arrogância. Ao mesmo tempo, grita por esclarecimento as razões pelas quais este mesmo povo celebra despioras. Somos servos da mediocridade. E escravos da ausência de ambição.
Clama por esclarecimentos a lógica que suporta uma nação controlada por cleptocratas confessos enquanto seu povo se divide para apoiar profetas falsos, populistas baratos, e torcidas uniformizadas. Povo que torce, mas não debate. Não gosta, mas tolera. Reclama, mas não muda.
Carece de elucidação porque depois de tanta agua ter passado embaixo de nossa ponte para um futuro melhor, nos empenhamos em destruí-la. Não conseguimos pensar além de algumas poucas semanas. Sem dar a menor importância, condenamos nossa ponte a implosão pelas ideias ultrapassadas, irrelevantes, ou simplesmente medíocres.
A gente não aprendeu. E talvez tenha esquecido o que soube um dia. Elementar, meu caro Watson.
Lendo somente a primeira página dos jornais, retiraria pistas que o levariam a brilhantes e certeiras deduções denunciando de maneira clara e evidente os elementos necessários a resposta ao dilema.
Para Holmes, as informações disponíveis a olhos vistos constituiriam as pistas e o corpo probatório necessário para entender o que somos, seremos e como chegamos aqui. Lamentavelmente, a indisponibilidade dos serviços Sherlock faz com que todo este acervo de evidencias seja desperdiçado. Sem a ajuda de Holmes, só se vê desordem do caos. Sem jamais avistar o consolo das explicações.
Permanece o mistério sobre uma nação que, 500 anos após a chegada do primeiro português, ainda acredita que a exploração de recursos naturais é o único caminho para o desenvolvimento. Vê o meio ambiente como obstáculo. É incapaz de inovar. Ou de, pelo menos nesse campo, ter ideias originais.
Carece de explicação o que levou o povo a se autodeclarar pais do futuro, potência emergente, entre outros adjetivos temperados com arrogância. Ao mesmo tempo, grita por esclarecimento as razões pelas quais este mesmo povo celebra despioras. Somos servos da mediocridade. E escravos da ausência de ambição.
Clama por esclarecimentos a lógica que suporta uma nação controlada por cleptocratas confessos enquanto seu povo se divide para apoiar profetas falsos, populistas baratos, e torcidas uniformizadas. Povo que torce, mas não debate. Não gosta, mas tolera. Reclama, mas não muda.
Carece de elucidação porque depois de tanta agua ter passado embaixo de nossa ponte para um futuro melhor, nos empenhamos em destruí-la. Não conseguimos pensar além de algumas poucas semanas. Sem dar a menor importância, condenamos nossa ponte a implosão pelas ideias ultrapassadas, irrelevantes, ou simplesmente medíocres.
A gente não aprendeu. E talvez tenha esquecido o que soube um dia. Elementar, meu caro Watson.
O legado de Janot
A Odebrecht roubava pela via tradicional do superfaturamento de obra pública. Já a JBS assaltava direto o Tesouro Nacional, via BNDES. Não precisava de gazua. Era uma “marca fantasia” dos guardiões das chaves. Simplesmente entrava e servia-se.
Se a delação da Odebrecht e seus 77 ladrões fez sumir de cena a “narrativa” do costume e varejou de rombos o casco do lulismo com os seus modestos 415 políticos “ajudados”, é de se imaginar o estrago que poderiam fazer as dos 2ésleys até a eleição que decidirá se a democracia no Brasil vai ou não tornar-se “excessiva” como a da Venezuela se tivessem tido, de Brasília, os mesmos “incentivos” para contar tudo que Curitiba deu àquele pé-de-chinelo do Marcelo Odebrecht.
Não pelos 1820 desencaixes que confessam ter feito para 4,3 xs mais políticos que a Odebrecht para animar brigas de gangues. Pela saga épica, mesmo, da nata do banditismo petista infiltrada no comando dos fundos de pensão e dos bancos públicos alistando a escória planetária do crime organizado em estados nacionais – Venezuela, Cuba, a Argentina kirshnerista, Angola, Guiné Bissau, e por aí – para montar, a partir de um modesto açougue de Anápolis, sob a batuta de um Foro de São Paulo voando nas asas do estado brasileiro, uma lavanderia global de dinheiro roubado abarcando 30 países. Como foi, bilhão por bilhão, que o PT fez da Petros, entregue à “gestão” de um fundador da CUT, sócia dos carniceiros de Goiás. O que mais, além do casal Santana, exportou de tecnologia cleptológica proprietária para párias da civilização e aprendizes de genocida para comprar o conforto de superfaturar em dolar longe dos controles brasileiros e, ora com, ora sem o concurso da Previ, do Funcef, do Postalis, do Itamaraty e sabe-se lá do que mais, ir comprando a “competência” com que os 2ésleys esmagaram um a um os seus concorrentes nacionais e internacionais até toda a jogada ser “branqueada” pelo BNDES e os maiores laranjas do PT em todos os tempos ficarem sozinhos na arena global com mais de R$ 180 bi no caixa por ano. E tudo para, como foi minuciosamente mapeado na sentença do Mensalão e eles repetem de viva voz todos os dias desde então, ressuscitar dos mortos, agora marrom, o totalitarismo que foi vermelho no século 20.
O resultado prático da cruzada de Rodrigo Janot e Luis Edson Fachin, aquele que subiu ao STF pelos palanques dos comícios do MST para Dilma em que discursava cheio de paixão e acaba de avalizar a “isenção” do companheiro, foi privar o mundo de conhecer essa odisséia, o que, incidentalmente, livra Lula das manchetes todas que ela poderia render até outubro de 2018. Quinze anos de Lula por 15 minutos de Temer e lá se vão, em velocidade recorde, os 2ésleys, com seus iates, aviões, bagagens e arquivos, para o mundo dos muito muito ricos, liquidando a toque de caixa suas operações na terra arrasada da América Latina enquanto o Brasil, à beira do colapso, discute firulas à espera do momento de decidir, a seis ou sete semanas do dia da eleição, se arranca Lula do palanque para a cadeia em pleno comício ou carrega-o para a Presidência da Republica.
No fim de agosto, com o acinte que só a onipotência comporta, a plena e eternamente indultada JBS, na qual até o STF soberanamente proibiu-se de tocar, mandou informar a quem interessar possa que, sendo assim, fica recusada a auditoria forense requisitada pelo BNDES para medir os prejuizos incorridos e mantido Wesley na presidência para comandar, ele próprio, uma “investigação independente” sobre o paradeiro do dinheiro que os Batista são acusados de nos roubar…
Tudo isso pede uma reflexão serena sobre os custos e benefícios dessa nossa exaustiva ciranda. Ministério Público, Judiciário e imprensa dificilmente erram por aquilo que fazem. Acusar ou prender alguem que não tem culpa nenhuma; mentir frontalmente contra fatos é expor-se a ser desmascarado na sequência. Mas omissão é o assassinato sem cadáver. Não acusar quem esteja atolado em culpas; não expor a falcatrua de que se tem conhecimento; suprimir ou supervalorizar a circunstância que qualifica o fato, não produz flagrante nem prova.
Mas como mata!
O instrumento da delação premiada foi importado dos EUA pela metade. Não ha dúvida, nem sobre a eficácia da ferramenta, nem sobre a perigosa discricionariedade que o seu uso requer. Mas lá o eleitor tem o poder de cassar ou eleger juizes e promotores o que faz a discricionariedade pender sempre para o lado certo. No Brasil, promotores e juizes habitam o Olimpo, e para sempre. E tudo que põem para andar “fecha” necessariamente no máximo em 11. Reclamações, daí em diante, só para o bispo.
Isto de bom ou mau negócio depende sempre da parte na transação de onde vem a avaliação mas, se algo ficou indiscutivelmente demonstrado nestes quase quatro anos é que as delações, agora em edições sucessivas ajustadas “on demand”, vão pondo os marajás com seus “reajustes” leoninos para corrigir inflações que não ha cada vez mais ricos, o Brasil cada vez mais pobre, a reforma dessa mamata cada vez mais longe, os impostos cada vez mais altos e as instituições democráticas cada vez mais em frangalhos.
O Congresso é a ponta televisionavel do longo mergulho do Brasil na permissividade. Mas também os juízes e promotores regiamente “auxiliados”, os donos de jornais e televisões e os cidadãos em geral participaram dele por ação ou por omissão. A alternativa possivel para as decisões sem volta dos 11 é construirmos pela e com a política que ainda podemos eleger ou não a cada quatro anos uma saída para a frente. Um novo contrato que ofereça a quem quiser aderir ao Brasil a oportunidade de comprometer-se com uma nova regra do jogo a ser “apitada”, daqui por diante, diretamente pelos eleitores seria um caminho com garantia de execução. Mas abandonados à vingança da vingança da vingança como vamos, seguiremos nos entredevorando, dentada por dentada, ao sabor de um jogo que, definitivamente, não é o nosso.
Se a delação da Odebrecht e seus 77 ladrões fez sumir de cena a “narrativa” do costume e varejou de rombos o casco do lulismo com os seus modestos 415 políticos “ajudados”, é de se imaginar o estrago que poderiam fazer as dos 2ésleys até a eleição que decidirá se a democracia no Brasil vai ou não tornar-se “excessiva” como a da Venezuela se tivessem tido, de Brasília, os mesmos “incentivos” para contar tudo que Curitiba deu àquele pé-de-chinelo do Marcelo Odebrecht.
Não pelos 1820 desencaixes que confessam ter feito para 4,3 xs mais políticos que a Odebrecht para animar brigas de gangues. Pela saga épica, mesmo, da nata do banditismo petista infiltrada no comando dos fundos de pensão e dos bancos públicos alistando a escória planetária do crime organizado em estados nacionais – Venezuela, Cuba, a Argentina kirshnerista, Angola, Guiné Bissau, e por aí – para montar, a partir de um modesto açougue de Anápolis, sob a batuta de um Foro de São Paulo voando nas asas do estado brasileiro, uma lavanderia global de dinheiro roubado abarcando 30 países. Como foi, bilhão por bilhão, que o PT fez da Petros, entregue à “gestão” de um fundador da CUT, sócia dos carniceiros de Goiás. O que mais, além do casal Santana, exportou de tecnologia cleptológica proprietária para párias da civilização e aprendizes de genocida para comprar o conforto de superfaturar em dolar longe dos controles brasileiros e, ora com, ora sem o concurso da Previ, do Funcef, do Postalis, do Itamaraty e sabe-se lá do que mais, ir comprando a “competência” com que os 2ésleys esmagaram um a um os seus concorrentes nacionais e internacionais até toda a jogada ser “branqueada” pelo BNDES e os maiores laranjas do PT em todos os tempos ficarem sozinhos na arena global com mais de R$ 180 bi no caixa por ano. E tudo para, como foi minuciosamente mapeado na sentença do Mensalão e eles repetem de viva voz todos os dias desde então, ressuscitar dos mortos, agora marrom, o totalitarismo que foi vermelho no século 20.
No fim de agosto, com o acinte que só a onipotência comporta, a plena e eternamente indultada JBS, na qual até o STF soberanamente proibiu-se de tocar, mandou informar a quem interessar possa que, sendo assim, fica recusada a auditoria forense requisitada pelo BNDES para medir os prejuizos incorridos e mantido Wesley na presidência para comandar, ele próprio, uma “investigação independente” sobre o paradeiro do dinheiro que os Batista são acusados de nos roubar…
Tudo isso pede uma reflexão serena sobre os custos e benefícios dessa nossa exaustiva ciranda. Ministério Público, Judiciário e imprensa dificilmente erram por aquilo que fazem. Acusar ou prender alguem que não tem culpa nenhuma; mentir frontalmente contra fatos é expor-se a ser desmascarado na sequência. Mas omissão é o assassinato sem cadáver. Não acusar quem esteja atolado em culpas; não expor a falcatrua de que se tem conhecimento; suprimir ou supervalorizar a circunstância que qualifica o fato, não produz flagrante nem prova.
Mas como mata!
O instrumento da delação premiada foi importado dos EUA pela metade. Não ha dúvida, nem sobre a eficácia da ferramenta, nem sobre a perigosa discricionariedade que o seu uso requer. Mas lá o eleitor tem o poder de cassar ou eleger juizes e promotores o que faz a discricionariedade pender sempre para o lado certo. No Brasil, promotores e juizes habitam o Olimpo, e para sempre. E tudo que põem para andar “fecha” necessariamente no máximo em 11. Reclamações, daí em diante, só para o bispo.
Isto de bom ou mau negócio depende sempre da parte na transação de onde vem a avaliação mas, se algo ficou indiscutivelmente demonstrado nestes quase quatro anos é que as delações, agora em edições sucessivas ajustadas “on demand”, vão pondo os marajás com seus “reajustes” leoninos para corrigir inflações que não ha cada vez mais ricos, o Brasil cada vez mais pobre, a reforma dessa mamata cada vez mais longe, os impostos cada vez mais altos e as instituições democráticas cada vez mais em frangalhos.
O Congresso é a ponta televisionavel do longo mergulho do Brasil na permissividade. Mas também os juízes e promotores regiamente “auxiliados”, os donos de jornais e televisões e os cidadãos em geral participaram dele por ação ou por omissão. A alternativa possivel para as decisões sem volta dos 11 é construirmos pela e com a política que ainda podemos eleger ou não a cada quatro anos uma saída para a frente. Um novo contrato que ofereça a quem quiser aderir ao Brasil a oportunidade de comprometer-se com uma nova regra do jogo a ser “apitada”, daqui por diante, diretamente pelos eleitores seria um caminho com garantia de execução. Mas abandonados à vingança da vingança da vingança como vamos, seguiremos nos entredevorando, dentada por dentada, ao sabor de um jogo que, definitivamente, não é o nosso.
Uma prodigiosa discórdia
É possível medir o índice de felicidade e estabilidade social de um país estudando as grandes polêmicas que o dividem. Um país que discute se está em ditadura ou em democracia, como aconteceu em Angola ao longo da passada semana, ainda tem um longo e sofrido caminho a percorrer. O mesmo se pode dizer do Brasil, onde quase todas as grandes polêmicas dos últimos meses têm como origem a extrema corrupção da sua classe política. Nas duas Coreias discute-se a guerra. Nos Estados Unidos, a ligação, ou não, entre a terrível tempestade que quase afundou Houston, o aquecimento global e as lamentáveis escolhas políticas do presidente Donald Trump. São, todas elas, discussões sérias, urgentes, fundamentais.
O que dizer, porém, de um país que debate, com vibrante entusiasmo — colocando nisso toda a alma e emoção dos mais dramáticos dilemas éticos —, as qualidades e defeitos de dois livros de exercícios para crianças dos quatro aos seis anos de idade?
Foi o que aconteceu em Portugal nos últimos dias. A publicação de dois manuais escolares, um destinado a meninas e outro a rapazes, com textos semelhantes, da mesma autora, mas ilustrações de duas artistas diferentes, desencadeou uma medonha troca de argumentos entre correntes inimigas: de um lado, os que se insurgiam contra o machismo intolerável da editora; do outro, os que defendiam o direito às meninas a gostarem mais de princesas do que de carrinhos e os meninos, mais de futebol do que de bordados.
Um exercício, em particular, indignou as/os feministas. Tratava-se de um labirinto. Acontece que o labirinto no caderno dos rapazes era um pouco mais intrincado do que aquele que surgia no caderno das meninas. A página com os dois labirintos foi reproduzida em diversos jornais, fazendo com que alguns dos mais respeitados cronistas portugueses, homens e mulheres, produzissem violentas colunas criticando a editora.
Alarmado com o imenso alarido, o governo português, através da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Gênero, aconselhou a editora a recolher os polêmicos livros — o que esta fez, apressadamente, sem sequer se defender.
Foi então que o comediante Ricardo Araújo Pereira surgiu num programa televisivo de sátira política, o “Governo Sombra”, com os dois livros na mão. Começou por dizer que lera os livros e se sentira defraudado, pois ao contrário do que todos os críticos haviam dito, não encontrara neles nenhum explícito indício de preconceito machista. Os labirintos diferentes não resultaram de uma opção deliberada, mas do simples acaso. Noutros desenhos, aliás, as meninas surgem em situações que denotariam uma maior inclinação intelectual: por exemplo, lendo livros, enquanto os meninos brincam com carrinhos.
Ricardo Araújo Pereira acusou os muitos detratores dos agora famosos (ou infames) manuais escolares, de nem sequer os terem lido. Alguns dos visados reagiram, confirmando que sim, que não haviam lido os livros, mas insistindo no protesto.
A prodigiosa discórdia portuguesa não só comprova amplamente a minha tese inicial, sobre a possibilidade de avaliar o índice de felicidade dos diferentes países através das suas principais polêmicas, como nos alerta para os excessos do pensamento dito politicamente correto.
Países a braços com grandes problemas discutem grandes problemas. Países sem problemas discutem o sexo dos anjos. Literalmente. Antes desta grave questão dos manuais escolares já me havia surpreendido ao assistir a debates épicos, nos jornais portugueses e nas redes sociais, sobre dramas tão relevantes quanto a presumível flatulência de um jovem cantor.
Países felizes são, regra geral, países chatos. A felicidade é irmã do tédio. A lista dos países mais felizes do mundo, no Relatório Mundial sobre a Felicidade, da responsabilidade da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas, é liderada, sem surpresa, pela Noruega, Dinamarca e Islândia. É claro que até nesses países podem acontecer brutais irrupções de irracionalidade, como em 2011, quando o terrorista cristão de extrema direita Anders Breivik assassinou 77 pessoas; no geral, porém, é mais certo morrer de tédio do que a tiro.
Lembro que na Suécia, em março deste ano, estalou um inédito escândalo de corrupção: o deputado de um partido conservador utilizou em benefício próprio as milhas acumuladas no cartão que o Estado oferece aos parlamentares para uso gratuito dos transportes públicos no país. Ao que parece, o deputado corrupto terá usado os pontos do cartão para comprar um pacote de amendoins.
Talvez o ideal seja viver em Oslo (ou em Lisboa), lendo os jornais brasileiros ou angolanos. Assim, não correremos o risco nem de morrer de tédio, nem tão pouco a tiro.
José Eduardo Agualusa
O que dizer, porém, de um país que debate, com vibrante entusiasmo — colocando nisso toda a alma e emoção dos mais dramáticos dilemas éticos —, as qualidades e defeitos de dois livros de exercícios para crianças dos quatro aos seis anos de idade?
Foi o que aconteceu em Portugal nos últimos dias. A publicação de dois manuais escolares, um destinado a meninas e outro a rapazes, com textos semelhantes, da mesma autora, mas ilustrações de duas artistas diferentes, desencadeou uma medonha troca de argumentos entre correntes inimigas: de um lado, os que se insurgiam contra o machismo intolerável da editora; do outro, os que defendiam o direito às meninas a gostarem mais de princesas do que de carrinhos e os meninos, mais de futebol do que de bordados.
Um exercício, em particular, indignou as/os feministas. Tratava-se de um labirinto. Acontece que o labirinto no caderno dos rapazes era um pouco mais intrincado do que aquele que surgia no caderno das meninas. A página com os dois labirintos foi reproduzida em diversos jornais, fazendo com que alguns dos mais respeitados cronistas portugueses, homens e mulheres, produzissem violentas colunas criticando a editora.
Alarmado com o imenso alarido, o governo português, através da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Gênero, aconselhou a editora a recolher os polêmicos livros — o que esta fez, apressadamente, sem sequer se defender.
Foi então que o comediante Ricardo Araújo Pereira surgiu num programa televisivo de sátira política, o “Governo Sombra”, com os dois livros na mão. Começou por dizer que lera os livros e se sentira defraudado, pois ao contrário do que todos os críticos haviam dito, não encontrara neles nenhum explícito indício de preconceito machista. Os labirintos diferentes não resultaram de uma opção deliberada, mas do simples acaso. Noutros desenhos, aliás, as meninas surgem em situações que denotariam uma maior inclinação intelectual: por exemplo, lendo livros, enquanto os meninos brincam com carrinhos.
Ricardo Araújo Pereira acusou os muitos detratores dos agora famosos (ou infames) manuais escolares, de nem sequer os terem lido. Alguns dos visados reagiram, confirmando que sim, que não haviam lido os livros, mas insistindo no protesto.
A prodigiosa discórdia portuguesa não só comprova amplamente a minha tese inicial, sobre a possibilidade de avaliar o índice de felicidade dos diferentes países através das suas principais polêmicas, como nos alerta para os excessos do pensamento dito politicamente correto.
Países a braços com grandes problemas discutem grandes problemas. Países sem problemas discutem o sexo dos anjos. Literalmente. Antes desta grave questão dos manuais escolares já me havia surpreendido ao assistir a debates épicos, nos jornais portugueses e nas redes sociais, sobre dramas tão relevantes quanto a presumível flatulência de um jovem cantor.
Países felizes são, regra geral, países chatos. A felicidade é irmã do tédio. A lista dos países mais felizes do mundo, no Relatório Mundial sobre a Felicidade, da responsabilidade da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas, é liderada, sem surpresa, pela Noruega, Dinamarca e Islândia. É claro que até nesses países podem acontecer brutais irrupções de irracionalidade, como em 2011, quando o terrorista cristão de extrema direita Anders Breivik assassinou 77 pessoas; no geral, porém, é mais certo morrer de tédio do que a tiro.
Lembro que na Suécia, em março deste ano, estalou um inédito escândalo de corrupção: o deputado de um partido conservador utilizou em benefício próprio as milhas acumuladas no cartão que o Estado oferece aos parlamentares para uso gratuito dos transportes públicos no país. Ao que parece, o deputado corrupto terá usado os pontos do cartão para comprar um pacote de amendoins.
Talvez o ideal seja viver em Oslo (ou em Lisboa), lendo os jornais brasileiros ou angolanos. Assim, não correremos o risco nem de morrer de tédio, nem tão pouco a tiro.
José Eduardo Agualusa
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