sexta-feira, 10 de novembro de 2017

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Outras Paisagens Espetaculares 25

Muito além do jardim

O Ministério da Justiça sabe quais foram os Estados que gastaram indevidamente o dinheiro que lhes foi enviado, no fim do ano passado, para a construção e reforma de presídios e compra de equipamentos.

É óbvio que aquisição de equipamentos não quer dizer necessariamente apenas compra de viaturas, que no Ceará, por exemplo, de tão enfeitadas e até intimidativas ganharam o apelido de “bichonas”.

O Governo Federal até que tem buscado conferir se o dinheiro foi aplicado mesmo em construções e reformas de presídios e em equipamentos e não sabe ainda o que nós também, pagadores de impostos, temos o direito de saber.

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Uma bolada de 1 bilhão e 200 milhões de reais foi repartida entre os Estados e o Distrito Federal. Portanto, a cada um exatos 44 milhões e 700 mil reais. Dinheiro do Fundo Penitenciário Federal.

Nas aferições do Ministro da Justiça, houve em alguns Estados aplicação diferente do que havia sido previsto. Outros não tinham nem projeto.

Esses repasses, é bom lembrar, foram ao final do ano passado. E o que aconteceu neste ano na área? Mais de 130 homicídios em chacinas em presídios. Só naquela greve da Policia Militar no Espirito Santo foram 165 assassinatos.

O responsável pelo Mapa da Violência, que se edita desde 1998, o sociólogo Júlio Jacobo, entende ser necessária uma mudança de mentalidade:

- A nossa polícia trabalha muito com o flagrante mais imediato. (...) Temos uma política de encarceramento que entupi nossas cadeias de pequenos meliantes, enquanto grandes organizações criminosas operam por aí. Não temos uma estrutura que pesquise, que faça inteligência.

De 250 mil presos na virada do século, ano 2000, temos hoje no País mais de 600 mil encarcerados, a maioria aguardando sentenças ou decisões terminativas.

Parece haver um distanciamento entre gestão e vontade política, que precisam estar juntas. Sempre juntas.

Nada do que se planeja, por maiores que sejam as boas intenções, sairá do papel, segundo Guaracy Mingardi, do Fórum Brasileiro de Segurança, se não se enfrentar o que ele chama de colapso estrutural.

Colapso estrutural tem a ver com lentidão do judiciário (e aí já é outro grande problema nesta República de juízes nem sempre bem qualificados, espécies de divindades de tão inalcançáveis, rodeados de assessores sempre prontos a decidirem por eles); mais a hesitação do Ministério Público para desencalhar com maturidade e justeza os processos sob seu encargo.

Junte-se a isso a rivalidade entre as policias Civil e Militar, sempre às turras, ora disputando espaços, ora fazendo coisas parecidas. E mais o sistema prisional.

Questões como a do Ministério Público são de natureza política. O restante é estrutural.

Conheci o coronel José Vicente da Silva, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública, num debate no qual participamos na Folha de São Paulo juntamente com o Professor Denis Lerer Rosenfield, da UFRS, e o então Ministro da Justiça do Governo FHC, José Gregori.

Pelos seus cálculos do coronel José Vicente, o custo da violência no Brasil é de 700 milhões de reais por dia, o que, segundo ele, pode ser reduzido à metade.

Fala coronel:

- Minha sugestão é arrumar dinheiro novo para investir na segurança, é acelerar o projeto de legalização do jogo, e a estimativa anual seria mais ou menos de 2 bilhões por mês de impostos. Poderia pegar de 30% a 50% desse valor, ao menos nos cinco primeiros anos, para aplicar na segurança, na construção de presídios, pagar hora extra para policiais trabalharem, e exigindo contrapartidas- treinamento, ninguém pode ter folga superior a 40 horas e assim vai...

Rápido no gatilho, o Presidente do Senado, Eunicio Oliveira, já admitiu incluir na pauta para votação o projeto da legalização dos jogos conhecidos como de azar que dormita por lá há alguns anos.

Edson Vidigal

O uso de paraísos fiscais elos super-ricos empobrece o mundo?

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O vazamento dos Paradise Papers - um grande arquivo de documentos detalhando as atividades financeiras de algumas das empresas e pessoas mais ricas do mundo - reacendeu o debate sobre os chamados "paraísos fiscais". Mais especificamente, sobre os eventuais efeitos colaterais de sua existência e uso.

Para muitas pessoas, as quantias gigantescas de dinheiro circulando em sistemas financeiros secretos estão, na verdade, aumentando a pobreza no mundo.

A BBC analisou alguns dos pontos dessa discussão, começando com a explicação de como esses esquemas funcionam.

O que são paraísos fiscais?

Um paraíso fiscal é um país ou território que oferece taxas mínimas de imposto para pessoas e empresas estrangeiras - e compartilha o mínimo possível de informações com os países de origens, onde os impostos são geralmente muito maiores.
Os procedimentos são bem diretos. Em vez de registrar os lucros no país onde ocorre a venda de produtos ou serviços, empresas os registram nesses paraísos. Multinacionais podem ter suas matrizes nesses locais e se beneficiar da baixa taxação. Tanto o Google quanto o Facebook fazem esse chamado "planejamento tributário".


Pessoas físicas podem simplesmente se tornarem moradoras de países com baixos impostos ou criar um truste no exterior - ou seja, colocando seus bens sob a administração de terceiros. Enquanto as pessoas permanecem no truste, os lucros de seus ativos não estão sujeitos a impostos sobre rendimento, e suas receitas não são taxadas.

E o ponto mais crucial - beneficiários de trustes não estão sujeitos a impostos sobre herança quando a morre a pessoa que colocou os ativos ali para eles.
Quantos são?

De acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), existem mais de 40 lugares no mundo que se encaixam na definição de paraíso fiscal. Eles variam de países como a Suíça a territórios britânicos como a Ilha de Jersey e a Ilha de Man.

Até alguns Estados americanos são paraísos fiscais: Delaware, Nevada e Wyoming se beneficiam do sistema federativo e tem legislações fiscais bem generosas.

O principal argumento é que, estocando suas riquezas em paraísos fiscais, empresas e pessoas evitam impostos nos países onde eles fazem negócios e ganham dinheiro. Isso priva governos locais de recursos para serviços públicos e projetos de infraestrutura.

A queda na arrecadação se torna um problema para o cidadão comum quando aumentos de impostos são necessários para compensar a evasão.

A situação é ainda mais dramática em países mais pobres. Na África, por exemplo, receitas perdidas por causa da evasão dos super-ricos são estimadas em US$ 14 bilhões por ano.

Esse dinheiro, de acordo com a Oxfam (confederação de ONGs que lutam contra a pobreza), poderia cobrir os custos de cuidados com a saúde de 4 milhões de crianças e empregar professores suficientes para educar todas as crianças do continente.

Estima-se que a África perca mais dinheiro com evasão fiscal do que recebe de ajuda internacional.

'Fake news' - o tamanho da encrenca

O fato de dizer a verdade de fato compreende muito mais que a informação quotidiana fornecida pelos jornalistas, ainda que sem eles nunca nos pudéssemos situar num mundo em mudança perpétua
Hannah Arendt, "Verdade e Política"

Entre outros tantos pontos de interesse, o ensaio Verdade e Política, publicado originalmente na revista The New Yorker em 1967, traz um alerta de rara densidade filosófica sobre a função essencial da imprensa na democrática. Hannah Arendt não defende interesses corporativos de donos de jornal nem reproduz doutrinas liberais com frases feitas. Sem nenhum parti pris a favor da mídia, ela enxerga um cenário menos maniqueísta, em que as versões da realidade se entrecruzam em direções pouco previsíveis – e nos convence de que a verdade de fato (ou a verdade factual) precisa mesmo ser tomada como a “própria textura do domínio político”.

Isso quer dizer que se não houver a verificação dos fatos, realizada segundo os procedimentos consagrados da reportagem jornalística, a política se afasta do que deveria ser, pois terá perdido sua relação com a verdade. A filósofa insiste que a política deve, sim, basear-se nos fatos, mas adverte: quem apura os fatos não são os políticos, mas os jornalistas, ao lado de outros profissionais que têm em comum a característica de não pertencerem ao campo político.

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É uma distinção crucial. A verdade dos fatos, investigada e verificada por um trabalho que não presta contas – nem deve prestar – a interesses políticos, assenta-se como um patrimônio comum da sociedade, onde se expõe à dinâmica natural do debate público. A partir daí se incorpora ao discurso político. Quando o discurso político usurpa a função de estabelecer a verdade factual, o que temos é o autoritarismo ou mesmo o totalitarismo. Para a saúde da política na democracia é indispensável que a função da verificação dos fatos não se confunda com a função do discurso político, ou a política não terá mais como ser fiscalizada por observadores críticos situados fora de seus domínios.

Isto posto, o que dizer de uma política que se faz cada vez mais – e cada vez mais ostensivamente – a despeito dos fatos? O que dizer de políticos que agem e falam como se desprezassem os fatos? O que dizer, ainda, das multidões que se compactam em torno de mentiras escarradas? Por certo, como todo mundo sabe, a mentira sempre compareceu à política, mas, vamos e convenhamos, a ordem de grandeza das mentiras políticas da atualidade desafia todos os patamares anteriores.

O fenômeno contemporâneo do populismo não é outro senão a formação de pactos de massa em torno de mentiras de pernas relativamente curtas e de consequências um tanto tenebrosas – à esquerda ou à direita, tanto faz (como de costume). Diante desse quadro, e do refluxo dos indicadores da qualidade das democracias no mundo, a imprensa tem conseguido fazer pouco, ou muito pouco. Há sinais de reação nos Estados Unidos, como o crescimento da carteira de assinantes do New York Times diretamente relacionado a um despertar do público diante das fraudes difundidas por Donald Trump, mas ainda é pouco. As parcelas majoritárias da sociedade, até mesmo nos países mais ricos, preferem se informar pelas redes sociais. As bolhas de opiniões mais ou menos extremadas, impenetráveis ao dissenso, reconfiguraram as bases sociais de lideranças mentirosas e polarizadas. A imprensa não consegue desmontar essas mentiras, por mais que sejam meritórios os esforços de fact checking. A adulteração da verdade factual se apossou da “textura do domínio político”.

As redes sociais não devem ser interpretadas como o mal em si. Elas trouxeram arejamentos preciosos para a vida social. Foram fundamentais na Primavera Árabe e nas manifestações de 2013 no Brasil. O problema – novo – é a sua conformação nos moldes de uma indústria do imaginário global e monopolista, que desarranjou por inteiro a esfera pública. As escalas são completamente outras. O Facebook tem atualmente algo como 2 bilhões de perfis ativos no mundo. A comparação com uma carteira de assinantes de um jornal brasileiro expõe o abismo: o Facebook tem aproximadamente 10 mil vezes mais “leitores” fiéis do que um grande diário de qualidade no Brasil. Nessa conta, a imprensa é um dado marginal e desprezível.

O “modelo de negócio” dessa nova indústria do imaginário é genial e mortífero. Nas redes, o usuário é ao mesmo tempo a mão de obra (gratuita), a matéria-prima (gratuita) e a mercadoria (bilionária). Uma empresa como o Facebook, esse monopólio global, não precisa contratar digitadores, fotógrafos, roteiristas, desenhistas, nada; seus usuários, crentes de que se estão divertindo e usufruindo um “serviço” gratuito de “inovação tecnológica”, fazem tudo isso de graça. A matéria-prima são as histórias pessoais dos usuários: uma foto sem camisa na piscina do condomínio, um prato de comida com geleia colorida pincelada ao fundo, um gato com cara de cachorro, um vídeo de colóquio acadêmico. E qual a mercadoria? Os olhos dessa gente que entrega de graça (e feliz) sua mão de obra e sua mercadoria. Os clientes são os anunciantes, que abandonam em massa os órgãos de imprensa – que, desgraçadamente, ainda têm de pagar pelo trabalho de repórteres, editores, diretores...

O que orienta a circulação dos “conteúdos” é o desejo dessa massa de escravos gozosos e sorridentes. A informação política que circula nas redes não precisa prestar contas aos fatos; sua função é reafirmar preconceitos, promover a reafirmação narcísica das multidões homogêneas, multidões de mesmos. A informação supostamente política virou definitivamente um item de entretenimento. Mentirosa ou verdadeira, ora, isso é o de menos.

As multidões não sabem situar-se “num mundo em mudança perpétua”. Descartaram a imprensa. A vitalidade da esfera pública abana um adeusinho de longe, talvez pelo Twitter.

Eugênio Bucci