sexta-feira, 8 de dezembro de 2017
Desafio é decidir sem prever o amanhã
Em meio à crise política permanente, caso a caso, o Supremo Tribunal Federal vem decidindo questões específicas, mas que produzem regras gerais que, espera-se, valerão para casos futuros, e questões abstratas que, na atual conjuntura, sabe-se exatamente a quem afetam especificamente. Ao decidir se Assembleias Estaduais podem resolver sobre a prisão de seus deputados, o STF escreve mais um capítulo dessa história.
Segundo a Constituição, os membros do Congresso Nacional só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável e a casa a que pertençam pode decidir sobre a prisão pelo voto da maioria. Foi esse o caso de Delcídio do Amaral. Havia de fato flagrante? Tratava-se de um Senador específico, mas ao decidir sobre isso, imaginavase, o STF decidia também sobre a possibilidade de prisão de todo e qualquer congressista.
Segundo o Código de Processo Penal, são medidas cautelares “diversas da prisão” a suspensão do exercício de função pública e o recolhimento domiciliar no período noturno. Mas caso elas sejam aplicadas a congressistas, a casa a que pertença pode votar sobre tais medidas da mesma forma que faz sobre a prisão? Por seis votos a cinco o STF decidiu que sim. A questão foi formalmente colocada em abstrato, mas ao decidir, em meio a um conflito com o Senado, decidia sobre a situação exata do senador Aécio Neves.
Agora, o STF deverá decidir se essa mesma regra vale também para deputados estaduais. Segundo quatro ministros, a decisão não é do tribunal, mas dos constituintes, que estabeleceram que aos deputados se aplicam “as regras desta Constituição” sobre inviolabilidade, imunidades e perda de mandato. Segundo outros cinco, no entanto, essas garantias dizem respeito apenas aos congressistas, não tendo “a amplitude que lhe foi conferida pelas assembleias legislativas” e, portanto, os deputados estaduais não teriam esse poder.
O julgamento foi suspenso, aguardando o posicionamento de ministros ausentes, mas, independentemente da tese vencedora, o principal desafio hoje de um STF dividido não é apenas convencer a sociedade de que decide de fato conforme dita a Constituição, e não conforme a conjuntura, mas é também saber que decide hoje em meio a uma crise que impede prever como será a conjuntura de amanhã.
Segundo a Constituição, os membros do Congresso Nacional só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável e a casa a que pertençam pode decidir sobre a prisão pelo voto da maioria. Foi esse o caso de Delcídio do Amaral. Havia de fato flagrante? Tratava-se de um Senador específico, mas ao decidir sobre isso, imaginavase, o STF decidia também sobre a possibilidade de prisão de todo e qualquer congressista.
Agora, o STF deverá decidir se essa mesma regra vale também para deputados estaduais. Segundo quatro ministros, a decisão não é do tribunal, mas dos constituintes, que estabeleceram que aos deputados se aplicam “as regras desta Constituição” sobre inviolabilidade, imunidades e perda de mandato. Segundo outros cinco, no entanto, essas garantias dizem respeito apenas aos congressistas, não tendo “a amplitude que lhe foi conferida pelas assembleias legislativas” e, portanto, os deputados estaduais não teriam esse poder.
O julgamento foi suspenso, aguardando o posicionamento de ministros ausentes, mas, independentemente da tese vencedora, o principal desafio hoje de um STF dividido não é apenas convencer a sociedade de que decide de fato conforme dita a Constituição, e não conforme a conjuntura, mas é também saber que decide hoje em meio a uma crise que impede prever como será a conjuntura de amanhã.
Previdência: misturando o joio e o trigo
Ninguém pode ignorar a gravidade situação que se configurou em torno da Reforma da Previdência Social. Ao longo de décadas, distorções de toda ordem comprometeram o sistema, que ao mesmo tempo em que se confundiu com a assistência social também acolheu uma série de privilégios corporativos, hoje insuportáveis e inadmissíveis. Além disso, a mudança no perfil demográfico do país agravou o quadro que não terá sustentabilidade caso nada seja feito para ajusta-la.
Uma eventual derrota da reforma — o que supõe até mesmo a possibilidade de que sequer venha a ser votada — traria evidentes transtornos de ordem fiscal e econômica. Do ponto de vista fiscal, basta fazer contas: o comprometimento do orçamento com esse tipo de despesa tornará o cobertor ainda mais curto para custeio e investimento em áreas como Segurança, Saúde e Educação. No longo prazo, o caos sorrirá à beira do abismo.
(E antes que ressurja o velho nhe-nhe-nhém a propósito do pagamento dos juros da dívida do governo, cabe que se pergunte, antes, por quê, afinal, o Brasil carrega essa despesa, em montante tão expressivo. Por que o país, afinal deve e tem que pagar? Simplesmente porque faltam-lhe recursos que deem conta de todas as despesas nas mais diversas áreas. São as despesas e os gastos elevados que levam à dívida, não o contrário. Neste caso, é possível saber que a galinha nasceu antes do ovo.)
Do ponto de vista econômico, a incapacidade revelada de o governo aprovar o ajuste deve disparar todos alarmes da desconfiança em relação ao futuro; assustados, investidores tenderiam a se recolher; os custos de captação de recursos por parte do governo — justamente para arcar as despesas — se elevariam (juros mais altos). A incerteza retrairia investimento na economia real. A pálida recuperação econômica iria pelo ralo; o recrudescimento da crise estaria dado, com todos seus efeitos.
Politicamente, o governo Temer estaria basicamente acabado e até que a ação política pudesse reestabelecer alguma ordem, após a eleição, o país teria vivido pelo menos um ano de caos econômico, político e, naturalmente, social. Com efeito, as perspectivas seriam péssimas.
Pode-se argumentar que o atual governo realmente não merece condescendência dada as precárias condições ética, moral e política que nele se encerram. Sob esse aspecto, o governo é vergonhoso e é difícil discordar de qualquer crítica dessa natureza. O comprometimento com a corrupção e com o hiperfisiologismo de sua coalizão é inegável. Trata-se, aí, de um terreno devastado; somente Poliana para omitir os graves problemas e a crise do sistema político.
Todavia, colocar a justa crítica política à frente da questão econômica e de suas consequências sociais parece um equivoco tão grande quanto o que comentem economistas que, em virtude da aflição econômica, desprezam o gravíssimo quadro político que coexiste com o problema fiscal.
Não aprovar a reforma da Previdência apenas para punir o governo Temer é um tiro no pé tão estúpido quanto fechar os olhos para sua política e absolve-lo em nome do imperativo econômico da reforma.
Como quase tudo no Brasil desta quadra histórica, a situação é complexa e a discussão é pobre. É claro que politicamente o governo se favorecerá da eventual aprovação da reforma tanto quanto será afetado por sua rejeição. É evidente que o país perde com a não aprovação da Proposta de Emenda Constitucional da Previdência tanto quanto o tapar o sol com a peneira em relação à degeneração política será um desastre no longo prazo.
Há deliberada intenção de misturar o joio e o trigo; muito oportunismo posto sobre a mesa. A reforma servindo de biombo para a política; a política como bode expiatório da reforma. Um impasse desastroso. É neste ponto em que estamos.
Verbos no futuro do pretérito — haveria, deveria, caberia — são normalmente irritantes em situações como esta; apontam o necessário admitindo, implicitamente, a impossibilidade da ação; o lavar as mãos em relação ao que se faria, mas, efetivamente, não será feito.
Mas, ora, difícil ignorar que o país, de fato, carece de compreender o desafio e, assim, separar os problemas, sem renunciar a nenhum deles: a urgência econômica acompanhada do rigor político. Mitigar — nem que seja aos poucos — os problemas da previdência sem negligenciar a questão ética-política é o desafio, a tarefa fundamental. Mas, o país, no seu conjunto, parece estar cansado de toda a complexidade que brota do real. Nisso, interesses, dos mais diversos grupos, se aproveitam e fazem o debate pender para lá ou para cá, sem encontrar o ponto de equilíbrio que melhor expresse alguma verdade.
Haveria, sim, que agir a liderança política, que não temos. Liderança capaz de separar e comunicar, didaticamente, a natureza e importância tanto das questões econômicas quanto políticas. Caberia, sim, clareza, credibilidade, confiança e pragmatismo. Haveria, seria, caberia que se fizesse que se faria…
Mas, não haveria nem há, neste momento, acúmulo ou liderança capaz de dar conta do desafio: políticos, economistas, analistas de todo o tipo trocam os pés pelas mãos, às vezes, como inocentes úteis de uma causa que sequer percebem ou sentem apenas parcialmente.
O fato é que tudo está para ser feito, e é necessário fazer de tudo (econômica e politicamente), sem renunciar a nada; sem ignorar a nada. Ajustes econômicos e políticos são elementos indivisíveis e complementares. São ou deveriam ser inescapáveis, como o longo prazo costuma mostrar, depois que a oportunidade é morta.
Carlos Melo
Uma eventual derrota da reforma — o que supõe até mesmo a possibilidade de que sequer venha a ser votada — traria evidentes transtornos de ordem fiscal e econômica. Do ponto de vista fiscal, basta fazer contas: o comprometimento do orçamento com esse tipo de despesa tornará o cobertor ainda mais curto para custeio e investimento em áreas como Segurança, Saúde e Educação. No longo prazo, o caos sorrirá à beira do abismo.
(E antes que ressurja o velho nhe-nhe-nhém a propósito do pagamento dos juros da dívida do governo, cabe que se pergunte, antes, por quê, afinal, o Brasil carrega essa despesa, em montante tão expressivo. Por que o país, afinal deve e tem que pagar? Simplesmente porque faltam-lhe recursos que deem conta de todas as despesas nas mais diversas áreas. São as despesas e os gastos elevados que levam à dívida, não o contrário. Neste caso, é possível saber que a galinha nasceu antes do ovo.)
Politicamente, o governo Temer estaria basicamente acabado e até que a ação política pudesse reestabelecer alguma ordem, após a eleição, o país teria vivido pelo menos um ano de caos econômico, político e, naturalmente, social. Com efeito, as perspectivas seriam péssimas.
Pode-se argumentar que o atual governo realmente não merece condescendência dada as precárias condições ética, moral e política que nele se encerram. Sob esse aspecto, o governo é vergonhoso e é difícil discordar de qualquer crítica dessa natureza. O comprometimento com a corrupção e com o hiperfisiologismo de sua coalizão é inegável. Trata-se, aí, de um terreno devastado; somente Poliana para omitir os graves problemas e a crise do sistema político.
Todavia, colocar a justa crítica política à frente da questão econômica e de suas consequências sociais parece um equivoco tão grande quanto o que comentem economistas que, em virtude da aflição econômica, desprezam o gravíssimo quadro político que coexiste com o problema fiscal.
Não aprovar a reforma da Previdência apenas para punir o governo Temer é um tiro no pé tão estúpido quanto fechar os olhos para sua política e absolve-lo em nome do imperativo econômico da reforma.
Como quase tudo no Brasil desta quadra histórica, a situação é complexa e a discussão é pobre. É claro que politicamente o governo se favorecerá da eventual aprovação da reforma tanto quanto será afetado por sua rejeição. É evidente que o país perde com a não aprovação da Proposta de Emenda Constitucional da Previdência tanto quanto o tapar o sol com a peneira em relação à degeneração política será um desastre no longo prazo.
Há deliberada intenção de misturar o joio e o trigo; muito oportunismo posto sobre a mesa. A reforma servindo de biombo para a política; a política como bode expiatório da reforma. Um impasse desastroso. É neste ponto em que estamos.
Verbos no futuro do pretérito — haveria, deveria, caberia — são normalmente irritantes em situações como esta; apontam o necessário admitindo, implicitamente, a impossibilidade da ação; o lavar as mãos em relação ao que se faria, mas, efetivamente, não será feito.
Mas, ora, difícil ignorar que o país, de fato, carece de compreender o desafio e, assim, separar os problemas, sem renunciar a nenhum deles: a urgência econômica acompanhada do rigor político. Mitigar — nem que seja aos poucos — os problemas da previdência sem negligenciar a questão ética-política é o desafio, a tarefa fundamental. Mas, o país, no seu conjunto, parece estar cansado de toda a complexidade que brota do real. Nisso, interesses, dos mais diversos grupos, se aproveitam e fazem o debate pender para lá ou para cá, sem encontrar o ponto de equilíbrio que melhor expresse alguma verdade.
Haveria, sim, que agir a liderança política, que não temos. Liderança capaz de separar e comunicar, didaticamente, a natureza e importância tanto das questões econômicas quanto políticas. Caberia, sim, clareza, credibilidade, confiança e pragmatismo. Haveria, seria, caberia que se fizesse que se faria…
Mas, não haveria nem há, neste momento, acúmulo ou liderança capaz de dar conta do desafio: políticos, economistas, analistas de todo o tipo trocam os pés pelas mãos, às vezes, como inocentes úteis de uma causa que sequer percebem ou sentem apenas parcialmente.
O fato é que tudo está para ser feito, e é necessário fazer de tudo (econômica e politicamente), sem renunciar a nada; sem ignorar a nada. Ajustes econômicos e políticos são elementos indivisíveis e complementares. São ou deveriam ser inescapáveis, como o longo prazo costuma mostrar, depois que a oportunidade é morta.
Carlos Melo
O novo será candidato. De novo
“Quem representa o novo na política?” A pergunta se repete em todos os microfones. “Quem é o novo?”, indagam os comentaristas de programa de televisão. Os donos das legendas de aluguel procuram no novo seus novos clientes. Em jantares de gente influente, o sujeito com quilometragem nos bastidores do poder pousa os talheres sobre a toalha rendada, abre os braços – elegantemente, sem invadir o espaço aéreo dos pratos vizinhos – e, com mãos espalmadas para o lustre, interpela os comensais:
– Onde está o novo?
O ano novo, que também atende pelo número de 2018, entrará em cena prometendo sangue novo, um nome novo, uma cara nova, uma proposta nova, um projeto novo. O eleitorado, pobre eleitorado, reza à espera desse novo aí, mais ou menos como aquelas antigas patotas que acampavam na fazenda da tia à espera dos discos voadores que viriam na madrugada. O eleitorado acredita que o novo descerá do olimpo das novas celebridades, do púlpito de uma igreja devidamente nova, de alguma caserna tinindo de nova, ou, ainda, de um partido novo.
Sem trocadilho, há mesmo um novo partido na praça que conseguiu registro no TSE com o título de Partido Novo, o que não faz nenhuma diferença. O novo está em todo lugar, em todas as legendas, e faz tempo, muito tempo. O novo não é bem uma novidade. Desde que existem eleições, a histeria em torno do novo é uma espécie de moda que não sai de moda. Candidatos querem parecer novos, inclusive os muito fossilizados; os jovens querem parecer virginalmente novos, mesmo quando são velhas raposas do tráfico de influência e da corrupção mais deslavada.
Mas não desanimemos. Essa mania uterina pelo novo tem pelo menos uma vantagem. Desde já, nós sabemos quem vai ganhar as eleições presidenciais do ano que vem: vai ser alguém que – a despeito das evidências irrefutáveis, que serão numerosas e contundentes – conseguir convencer o eleitorado de que é a mais nova encarnação do novo. Tem sido assim desde sempre, e em 2018, de novo, o novo será candidato à Presidência da República. Só falta alguém para vestir o figurino.
Como sempre, os eleitores se recusarão peremptoriamente a reconhecer que esse novo aí já caiu de podre há muitas décadas. O eleitor esquece – e sobre essa lei inexorável da política se sustenta o sucesso dos velhos políticos (que são os mais eficazes em se passar por novos). Alguns desses velhos políticos, os mais velhos entre os velhos, não contentes em se fantasiar de novos, decidiram que a própria República teria de se batizar de nova – ou você já se esqueceu da Nova República, capitaneada por um José Sarney de bigode acaju-escuro? Em outras ocasiões, o Estado se transubstanciou no novo – ou você não se lembra mais do Estado Novo de Getúlio Vargas?
É certo que República brasileira um dia já foi nova, isso quando um milico monarquista inventou de proclamá-la. Acontece que poucos anos depois ela ficou com cara de velha: a República Velha (1889-1939) foi precocemente chamada de velha porque seus presidentes tinham estampa de velhos, com suas barbas brancas iguais às do imperador deposto, o provecto Pedro II.
Até o dinheiro brasileiro já abraçou o adjetivo novo, ou você também já perdeu a memória do cruzeiro novo, que valeu de 1967 a 1970, e do cruzado novo, que circulou entre 1989 e 1990? As duas moedas viraram pó, mas o adjetivo novo, num milagre monetário, não foi corroído pela inflação e sobreviveu novinho “em folha”, como se dizia antigamente.
Por isso, o novo vai subir nos palanques do ano novo e, não duvide, você vai acabar votando nele, mesmo correndo o risco de que, duas ou três semanas depois das eleições, o seu novo desmorone tão caquético quanto o Estado Novo, a Nova República, o cruzeiro novo e o cruzado novo.
Com todo o respeito, o novo é uma das mais velhas pragas da política moderna. Na União Soviética, a tirania stalinista prometia um “homem novo”, e até Jean-Paul Sartre acreditou nessa balela quando se avistou com Che Guevara. Nos anos 1930, nos Estados Unidos, Roosevelt lançou o seu New Deal e foi muito bem-sucedido, embora os méritos por ter tirado a américa do buraco sejam mais do “deal” do que do “new”. O novo é uma obsessão de nossa era: a camisa, a religião, a prótese, o celular, a mulher, o namorado, tudo tem de ser novo. Por que só o candidato teria de ser velho?
Novo de esquerda, novo de direita, nova esquerda, nova direita, arre, vem de tudo por aí. Na renovação e no rejuvenescimento de nossos velhos esquecimentos, seremos todos crédulos no ano novo.
– Onde está o novo?
O ano novo, que também atende pelo número de 2018, entrará em cena prometendo sangue novo, um nome novo, uma cara nova, uma proposta nova, um projeto novo. O eleitorado, pobre eleitorado, reza à espera desse novo aí, mais ou menos como aquelas antigas patotas que acampavam na fazenda da tia à espera dos discos voadores que viriam na madrugada. O eleitorado acredita que o novo descerá do olimpo das novas celebridades, do púlpito de uma igreja devidamente nova, de alguma caserna tinindo de nova, ou, ainda, de um partido novo.
Sem trocadilho, há mesmo um novo partido na praça que conseguiu registro no TSE com o título de Partido Novo, o que não faz nenhuma diferença. O novo está em todo lugar, em todas as legendas, e faz tempo, muito tempo. O novo não é bem uma novidade. Desde que existem eleições, a histeria em torno do novo é uma espécie de moda que não sai de moda. Candidatos querem parecer novos, inclusive os muito fossilizados; os jovens querem parecer virginalmente novos, mesmo quando são velhas raposas do tráfico de influência e da corrupção mais deslavada.
Mas não desanimemos. Essa mania uterina pelo novo tem pelo menos uma vantagem. Desde já, nós sabemos quem vai ganhar as eleições presidenciais do ano que vem: vai ser alguém que – a despeito das evidências irrefutáveis, que serão numerosas e contundentes – conseguir convencer o eleitorado de que é a mais nova encarnação do novo. Tem sido assim desde sempre, e em 2018, de novo, o novo será candidato à Presidência da República. Só falta alguém para vestir o figurino.
Como sempre, os eleitores se recusarão peremptoriamente a reconhecer que esse novo aí já caiu de podre há muitas décadas. O eleitor esquece – e sobre essa lei inexorável da política se sustenta o sucesso dos velhos políticos (que são os mais eficazes em se passar por novos). Alguns desses velhos políticos, os mais velhos entre os velhos, não contentes em se fantasiar de novos, decidiram que a própria República teria de se batizar de nova – ou você já se esqueceu da Nova República, capitaneada por um José Sarney de bigode acaju-escuro? Em outras ocasiões, o Estado se transubstanciou no novo – ou você não se lembra mais do Estado Novo de Getúlio Vargas?
É certo que República brasileira um dia já foi nova, isso quando um milico monarquista inventou de proclamá-la. Acontece que poucos anos depois ela ficou com cara de velha: a República Velha (1889-1939) foi precocemente chamada de velha porque seus presidentes tinham estampa de velhos, com suas barbas brancas iguais às do imperador deposto, o provecto Pedro II.
Até o dinheiro brasileiro já abraçou o adjetivo novo, ou você também já perdeu a memória do cruzeiro novo, que valeu de 1967 a 1970, e do cruzado novo, que circulou entre 1989 e 1990? As duas moedas viraram pó, mas o adjetivo novo, num milagre monetário, não foi corroído pela inflação e sobreviveu novinho “em folha”, como se dizia antigamente.
Por isso, o novo vai subir nos palanques do ano novo e, não duvide, você vai acabar votando nele, mesmo correndo o risco de que, duas ou três semanas depois das eleições, o seu novo desmorone tão caquético quanto o Estado Novo, a Nova República, o cruzeiro novo e o cruzado novo.
Com todo o respeito, o novo é uma das mais velhas pragas da política moderna. Na União Soviética, a tirania stalinista prometia um “homem novo”, e até Jean-Paul Sartre acreditou nessa balela quando se avistou com Che Guevara. Nos anos 1930, nos Estados Unidos, Roosevelt lançou o seu New Deal e foi muito bem-sucedido, embora os méritos por ter tirado a américa do buraco sejam mais do “deal” do que do “new”. O novo é uma obsessão de nossa era: a camisa, a religião, a prótese, o celular, a mulher, o namorado, tudo tem de ser novo. Por que só o candidato teria de ser velho?
Novo de esquerda, novo de direita, nova esquerda, nova direita, arre, vem de tudo por aí. Na renovação e no rejuvenescimento de nossos velhos esquecimentos, seremos todos crédulos no ano novo.
Geddel e Lúcio foram bem criados pela mamãe gatuna
Ex-chefe da Casa Civil de Lula e ex-melhor amiga de Dilma Rousseff, Erenice Guerra acaba de ter o título de Matriarca da Ladroagem roubado por Marluce Vieira Lima. Perto do que andou fazendo a mãe do ex-ministro Geddel Vieira Lima e do deputado federal Lúcio Vieira Lima, as bandalheiras de Erenice e seus filhotes parecem coisa de meliante aprendiz.
Primeiro guardou os quilos de cédulas no próprio apartamento. Depois em outros endereços, até que a polícia invadiu o único apartamento do mundo com vista para um mar de grana furtada. Num trecho da denúncia de 64 páginas, Raquel faz o resumo da ópera composta pelos Vieira Lima, em parceria com um punhado de comparsas, entre 2010 e 2017:
A mamãe larápia e os filhos gatunos se associaram “com a finalidade de cometer crimes de ocultação de origem, localização, disposição, movimentação e a propriedade de cifras milionárias de dinheiro vivo proveniente diretamente de infrações penais como corrupção, peculato, organização criminosa, além de outros ciclos anteriores de lavagem de dinheiro”.
A Procuradoria Geral exige uma indenização por danos coletivos no valor de 51 milhões de reais, o mesmo tamanho da fortuna que posou para a posteridade naquele apartamento em Salvador. Raquel Dodge pede que Lúcio “passe a ser monitorado com tornozeleira eletrônica e seja obrigado ao recolhimento domiciliar noturno nos dias de trabalho”. Para Marluce, solicita prisão domiciliar em tempo integral.
Caso se juntassem na mesma cela de cadeia onde Geddel já está, os três talvez ficassem mais felizes. O Brasil decente certamente ficaria bem melhor.
Na denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, informa que a baiana de 79 anos “tinha um papel ativo e relevante nos atos de lavagem de dinheiro. Apesar de ser uma senhora de idade, não se limitava a emprestar o nome aos atos e a ceder o closet. Era ativa”. Era ela, por exemplo, quem guardava o dinheiro ilícito amealhado pelos meninos.
Primeiro guardou os quilos de cédulas no próprio apartamento. Depois em outros endereços, até que a polícia invadiu o único apartamento do mundo com vista para um mar de grana furtada. Num trecho da denúncia de 64 páginas, Raquel faz o resumo da ópera composta pelos Vieira Lima, em parceria com um punhado de comparsas, entre 2010 e 2017:
A mamãe larápia e os filhos gatunos se associaram “com a finalidade de cometer crimes de ocultação de origem, localização, disposição, movimentação e a propriedade de cifras milionárias de dinheiro vivo proveniente diretamente de infrações penais como corrupção, peculato, organização criminosa, além de outros ciclos anteriores de lavagem de dinheiro”.
A Procuradoria Geral exige uma indenização por danos coletivos no valor de 51 milhões de reais, o mesmo tamanho da fortuna que posou para a posteridade naquele apartamento em Salvador. Raquel Dodge pede que Lúcio “passe a ser monitorado com tornozeleira eletrônica e seja obrigado ao recolhimento domiciliar noturno nos dias de trabalho”. Para Marluce, solicita prisão domiciliar em tempo integral.
Caso se juntassem na mesma cela de cadeia onde Geddel já está, os três talvez ficassem mais felizes. O Brasil decente certamente ficaria bem melhor.
Grandes mudanças são possíveis em uma geração, mas é preciso ter um projeto de Estado
Pela primeira vez na minha vida, fui assistir a uma corrida de cavalos.
Achei um programa delicioso, que te transporta na história, porque é evidente que a cultura de turfe perdeu a importância nas últimas décadas.
A audiência é quase 100% de homens de uma certa idade, e o ambiente - o Jockey Club do Rio de Janeiro - respira grandezas do passado, uma vez que deve ser difícil competir hoje com os sites de aposta.
Mas a experiência de estar lá te proporciona muito mais do que uma oportunidade de perder dinheiro. A visão do Rio, do dia virando noite, é um espetáculo. A corrida é emocionante, com público gritando incentivos e o barulho dos cavalos batendo contra o chão. E os cavalos são magníficos.
Falo isso como leigo total, porque não entendo nada de cavalos. Nunca tive nenhum interesse pelo animal.
Por que, então, de repente e pela primeira vez, resolvi assistir às corridas?
Não posso responder com 100% de certeza. Examinar a motivação por trás de todas as nossas ações é um caminho para a loucura.
Mas desconfio que o meu raciocínio interior foi o seguinte: poucos meses atrás, uma das minhas enteadas deu à luz. De certa maneira, virei avô. Aí passei a pensar nos meus avós.
Tenho lembranças muito vagas de um deles, e nenhuma memória do outro. Mas o que eles tiveram em comum foram os cavalos. Fui ao Jóquei como consequência de refletir sobre meus avós.
Um trabalhava para uma empresa de mudanças; o outro, entregando cerveja. Ambos tinham um amor sem fim por cavalos.
De um lado da família, tem a história de que, durante a Segunda Guerra Mundial, quando tocavam as sirenes anunciando bombardeios alemães, o meu avô largava a família para ir acalmar os cavalos. Do outro lado, existem lendas de um homem que nunca aceitava o momento em que a empresa substituía os cavalos por caminhões.
São apenas duas gerações antes de mim, mas é um mundo que nem sequer consigo nem imaginar com muita clareza. É uma realidade - do campo - muito distante da minha na cidade. Vejo as fotos e parece algo de séculos atrás. E me faltou contato com eles para fazer a ponte entre um mundo e o outro.
No caso do meu avô materno, fica fácil explicar a falta de conexão. Ele morreu cedo, minado pelo álcool. Era ele o que entregava cerveja, fazendo paradas frequentes para provar a mercadoria.
O alcoolismo jogou a família à precariedade. Minha mãe fala pouco sobre a sua infância. Mas suas mãos falam por ela. Ainda hoje tremem quando chega uma conta para pagar. Herdou um trauma, por vasculhar a casa em busca de moedas sempre quando chegava o sujeito sinistro que cobrava o aluguel. Ela lembra do buraco na parede que servia para os ratos entrarem. Tem a lembrança do leite condensado para colocar no pão somente nos dias especiais.
Felizmente são memórias distantes, de décadas atrás. Ela nasceu em 1937. Quando chegou à adolescência, a situação da família ainda era precária - teve que deixar a escola para trabalhar e ajudar no orçamento -, mas a essa altura já havia um Estado de bem-estar social para protegê-la.
Ela não precisava mais se preocupar com contas médicas, por exemplo, já que o sistema de saúde nacional britânico estava funcionando.
Hoje em dia ela fica com raiva ao observar que os problemas de sua infância ainda não foram totalmente resolvidos. Um crescimento na força produtiva deveria conduzir até níveis de proteção e investimento mais altos. Em vez disso, a desigualdade é crescente, e a precariedade aumenta.
Eu compartilho dessa raiva, mas, por morar no Brasil, tenho uma visão um pouco diferente - os dramas da infância dela ainda são muito comuns por aqui, e parecem estar piorando.
Por um lado, fico muito preocupado vendo o exército de pessoas morando nas ruas. Como incluí-los, como absorvê-los em um mercado de trabalho digno?
Por outro lado, posso ter uma visão mais otimista do que muitos brasileiros - porque sei que a situação em que as pessoas estão não necessariamente é o que elas são, ou, melhor dizendo, o que poderiam ser.
Tenho a história da minha família como prova e consolo. Também tenho uma amiga francesa, filha de imigrantes argelinos analfabetos, que fala sete línguas.
Grandes mudanças são possíveis no espaço de uma geração. É necessário haver um projeto de Estado - porque tem coisas que dificilmente o mercado resolve.
Mas o potencial humano existe. Nas condições certas para um avanço coletivo, um jumento da lama pode virar um magnífico cavalo de corrida.
Tim Vickery
Achei um programa delicioso, que te transporta na história, porque é evidente que a cultura de turfe perdeu a importância nas últimas décadas.
A audiência é quase 100% de homens de uma certa idade, e o ambiente - o Jockey Club do Rio de Janeiro - respira grandezas do passado, uma vez que deve ser difícil competir hoje com os sites de aposta.
Mas a experiência de estar lá te proporciona muito mais do que uma oportunidade de perder dinheiro. A visão do Rio, do dia virando noite, é um espetáculo. A corrida é emocionante, com público gritando incentivos e o barulho dos cavalos batendo contra o chão. E os cavalos são magníficos.
Falo isso como leigo total, porque não entendo nada de cavalos. Nunca tive nenhum interesse pelo animal.
Por que, então, de repente e pela primeira vez, resolvi assistir às corridas?
Não posso responder com 100% de certeza. Examinar a motivação por trás de todas as nossas ações é um caminho para a loucura.
Mas desconfio que o meu raciocínio interior foi o seguinte: poucos meses atrás, uma das minhas enteadas deu à luz. De certa maneira, virei avô. Aí passei a pensar nos meus avós.
Tenho lembranças muito vagas de um deles, e nenhuma memória do outro. Mas o que eles tiveram em comum foram os cavalos. Fui ao Jóquei como consequência de refletir sobre meus avós.
Um trabalhava para uma empresa de mudanças; o outro, entregando cerveja. Ambos tinham um amor sem fim por cavalos.
De um lado da família, tem a história de que, durante a Segunda Guerra Mundial, quando tocavam as sirenes anunciando bombardeios alemães, o meu avô largava a família para ir acalmar os cavalos. Do outro lado, existem lendas de um homem que nunca aceitava o momento em que a empresa substituía os cavalos por caminhões.
São apenas duas gerações antes de mim, mas é um mundo que nem sequer consigo nem imaginar com muita clareza. É uma realidade - do campo - muito distante da minha na cidade. Vejo as fotos e parece algo de séculos atrás. E me faltou contato com eles para fazer a ponte entre um mundo e o outro.
No caso do meu avô materno, fica fácil explicar a falta de conexão. Ele morreu cedo, minado pelo álcool. Era ele o que entregava cerveja, fazendo paradas frequentes para provar a mercadoria.
O alcoolismo jogou a família à precariedade. Minha mãe fala pouco sobre a sua infância. Mas suas mãos falam por ela. Ainda hoje tremem quando chega uma conta para pagar. Herdou um trauma, por vasculhar a casa em busca de moedas sempre quando chegava o sujeito sinistro que cobrava o aluguel. Ela lembra do buraco na parede que servia para os ratos entrarem. Tem a lembrança do leite condensado para colocar no pão somente nos dias especiais.
Felizmente são memórias distantes, de décadas atrás. Ela nasceu em 1937. Quando chegou à adolescência, a situação da família ainda era precária - teve que deixar a escola para trabalhar e ajudar no orçamento -, mas a essa altura já havia um Estado de bem-estar social para protegê-la.
Ela não precisava mais se preocupar com contas médicas, por exemplo, já que o sistema de saúde nacional britânico estava funcionando.
Hoje em dia ela fica com raiva ao observar que os problemas de sua infância ainda não foram totalmente resolvidos. Um crescimento na força produtiva deveria conduzir até níveis de proteção e investimento mais altos. Em vez disso, a desigualdade é crescente, e a precariedade aumenta.
Eu compartilho dessa raiva, mas, por morar no Brasil, tenho uma visão um pouco diferente - os dramas da infância dela ainda são muito comuns por aqui, e parecem estar piorando.
Por um lado, fico muito preocupado vendo o exército de pessoas morando nas ruas. Como incluí-los, como absorvê-los em um mercado de trabalho digno?
Por outro lado, posso ter uma visão mais otimista do que muitos brasileiros - porque sei que a situação em que as pessoas estão não necessariamente é o que elas são, ou, melhor dizendo, o que poderiam ser.
Tenho a história da minha família como prova e consolo. Também tenho uma amiga francesa, filha de imigrantes argelinos analfabetos, que fala sete línguas.
Grandes mudanças são possíveis no espaço de uma geração. É necessário haver um projeto de Estado - porque tem coisas que dificilmente o mercado resolve.
Mas o potencial humano existe. Nas condições certas para um avanço coletivo, um jumento da lama pode virar um magnífico cavalo de corrida.
Tim Vickery
Paisagem brasileira
Mina de ouro ao sul do Parque Nacional das Montanhas de Tumucumaque (Daniel Beltrá) |
Temer faz uma operação de compra e venda para votar reforma da Previdência
Reportagem de Adriana Fernandes, Vera Rosa e Idiana Tomazelli, O Estado de São Paulo desta quinta-feira, revela com destaque uma vergonhosa operação de compra e venda de deputados pelo Presidente Michel Temer, no sentido de que tentem aprovar a reforma da Previdência Social nos termos desejados pelo governo. Uma vergonha, onde está a consciência dos parlamentares que possuem dúvida quanto ao êxito de tal reforma? Onde está a consciência de Michel Temer e do ministro Henrique Meirelles, verdadeiro líder do movimento? O Palácio do Planalto já possui uma imagem ruim junto à opinião pública, ficará ainda pior.
Pior também para os recursos públicos. Isso porque, dispostos a negociar seus votos no balcão da história, os deputados querem, em vez de R$ 3 bilhões, um total de R$ 5,5 bilhões para serem distribuídos a prefeitos municipais onde têm suas bases políticas.
Mas não é só isso. Eles querem também uma renúncia fiscal da ordem de 22,8 bilhões, constituída principalmente através de anistia e de parcelamentos em 15 anos das dívidas que produtores rurais acumularam ao longo dos anos para com o INSS e o Funrural. Na Câmara, o deputado Beto Mansur comanda o balcão aberto aos que pretendem vender o voto.
No Planalto, as duas principais figuras que querem atravessar a ponte utilizam-se do ministro Eliseu Padilha, verdadeiro articulador da base política do Executivo no Congresso. Não sei por qual razão o ministro Antonio Imbasahy ainda não se demitiu ou não foi demitido.
O governo avalia possuir 260 votos certos, mas a emenda constitucional que aumenta o limite de idade necessita de 308 votos em duas sessões. O problema não está nas duas sessões. Encontra-se numa vergonhosa compra de consciências e disposições. Os que querem vender o voto sequer examinam o conteúdo e os reflexos da matéria. Preocupam-se apenas com os reflexos para seus próprios interesses.
E Michel Temer segue em frente. Atravessou a Esplanada de Brasília e submeteu a barganha à analise da equipe econômica chefiada por Henrique Meirelles. O enígma a ser decifrado talvez não esteja no voto, mas sim na voz dos bancos que operam em larga escala no setor da Previdência Privada. ESses bancos receberam de janeiro a novembro deste ano recursos da ordem de 40,5 bilhões de reais vinculados a planos de Previdência Complementar. Sua força é muito grande, tanto assim, como publiquei ontem, sua captação atingiu este ano um total de 720 bilhões de reais.
Tal montante supera até o total de recursos aplicados nas Cadernetas de Poupança que atingiram, agora, neste mês, R$ 700 bilhões. Portanto, como se vê, é intensa e legítima a preocupação da sociedade brasileira para com seu futuro pessoal. Mas esta preocupação não pode ultrapassar, é claro, a capacidade de aplicação mensal nos fundos previdenciários abertos. Isso de um lado.
De outro lado, evidentemente, cerca de 80% da mão de obra ativa brasileira, cujo total é de 104 milhões de pessoas, não têm capacidade de adquirir seguros sociais e de saúde. Enquanto isso, o governo Michel Temer não se mostra capaz de voltar sua atenção para os grupos de renda menor.
Estamos no Brasil, país em que o salário médio é de 2,3 mil reais por mês. Com salários tão baixos, como a maioria da população pode adquirir planos previdenciários privados de valores mais altos do que sua renda? A resposta cabe ao presidente da República, porque a população, através da recente pesquisa do Datafolha já respondeu por si.
Pedro do Coutto
Pior também para os recursos públicos. Isso porque, dispostos a negociar seus votos no balcão da história, os deputados querem, em vez de R$ 3 bilhões, um total de R$ 5,5 bilhões para serem distribuídos a prefeitos municipais onde têm suas bases políticas.
Mas não é só isso. Eles querem também uma renúncia fiscal da ordem de 22,8 bilhões, constituída principalmente através de anistia e de parcelamentos em 15 anos das dívidas que produtores rurais acumularam ao longo dos anos para com o INSS e o Funrural. Na Câmara, o deputado Beto Mansur comanda o balcão aberto aos que pretendem vender o voto.
No Planalto, as duas principais figuras que querem atravessar a ponte utilizam-se do ministro Eliseu Padilha, verdadeiro articulador da base política do Executivo no Congresso. Não sei por qual razão o ministro Antonio Imbasahy ainda não se demitiu ou não foi demitido.
O governo avalia possuir 260 votos certos, mas a emenda constitucional que aumenta o limite de idade necessita de 308 votos em duas sessões. O problema não está nas duas sessões. Encontra-se numa vergonhosa compra de consciências e disposições. Os que querem vender o voto sequer examinam o conteúdo e os reflexos da matéria. Preocupam-se apenas com os reflexos para seus próprios interesses.
E Michel Temer segue em frente. Atravessou a Esplanada de Brasília e submeteu a barganha à analise da equipe econômica chefiada por Henrique Meirelles. O enígma a ser decifrado talvez não esteja no voto, mas sim na voz dos bancos que operam em larga escala no setor da Previdência Privada. ESses bancos receberam de janeiro a novembro deste ano recursos da ordem de 40,5 bilhões de reais vinculados a planos de Previdência Complementar. Sua força é muito grande, tanto assim, como publiquei ontem, sua captação atingiu este ano um total de 720 bilhões de reais.
Tal montante supera até o total de recursos aplicados nas Cadernetas de Poupança que atingiram, agora, neste mês, R$ 700 bilhões. Portanto, como se vê, é intensa e legítima a preocupação da sociedade brasileira para com seu futuro pessoal. Mas esta preocupação não pode ultrapassar, é claro, a capacidade de aplicação mensal nos fundos previdenciários abertos. Isso de um lado.
De outro lado, evidentemente, cerca de 80% da mão de obra ativa brasileira, cujo total é de 104 milhões de pessoas, não têm capacidade de adquirir seguros sociais e de saúde. Enquanto isso, o governo Michel Temer não se mostra capaz de voltar sua atenção para os grupos de renda menor.
Estamos no Brasil, país em que o salário médio é de 2,3 mil reais por mês. Com salários tão baixos, como a maioria da população pode adquirir planos previdenciários privados de valores mais altos do que sua renda? A resposta cabe ao presidente da República, porque a população, através da recente pesquisa do Datafolha já respondeu por si.
Pedro do Coutto
Choque de desconfiança
Vai ser a eleição da desconfiança, sugerem as pesquisas. Os eleitores não escondem suas dúvidas sobre a honestidade, a sinceridade e a capacidade de liderança dos atuais candidatos à Presidência. Essa resiliência se reflete nas taxas de rejeição, persistentemente elevadas. O caso de Lula é exemplar. Aos 72 anos, é o político mais popular — nove entre dez eleitores o reconhecem, segundo o Datafolha, e, entre esses, 67% afirmam conhecê-lo “muito bem”. Natural para quem atravessou metade da vida em cima de um palanque.
O primeiro comício de Lula candidato aconteceu 35 anos atrás, na Curitiba de 1982. Eleito presidente, duas décadas depois, manteve três discursos diários, por rádio e TV, durante oito anos. Elegeu Dilma Rousseff falando por ela na campanha de 2010, às vezes imitando-a, como fez em Salgueiro (PE) para uma plateia de sertanejos. Escanteado por Dilma, em 2014, persevera como o eterno candidato preferencial do PT.
O primeiro comício de Lula candidato aconteceu 35 anos atrás, na Curitiba de 1982. Eleito presidente, duas décadas depois, manteve três discursos diários, por rádio e TV, durante oito anos. Elegeu Dilma Rousseff falando por ela na campanha de 2010, às vezes imitando-a, como fez em Salgueiro (PE) para uma plateia de sertanejos. Escanteado por Dilma, em 2014, persevera como o eterno candidato preferencial do PT.
Lula lidera com 36% a preferência para 2018, informa a pesquisa da semana passada. É o dobro das intenções de voto do segundo colocado, Jair Bolsonaro, ex-capitão paraquedista que desceu na cena política em 1987, com um plano para explodir bombas na Vila Militar, da Academia das Agulhas Negras, em Resende (RJ), e em quartéis da cidade do Rio.
O resultado obtido por Lula é considerável, e compatível com o histórico de liderança mais reconhecida, cujas votações sempre foram acima do patamar alcançado pelo PT nas urnas, em torno de 20%. Pode ser visto como proeza, considerando-se a circunstância de ser um candidato já condenado a nove anos e seis meses de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, que figura como réu em mais cinco processos, está acusado em outros três e é, ainda, investigado em mais um dos casos de propinas em negócios da Petrobras, do BNDES, das indústrias de construção civil, de automóveis e de aviões. Lula vagueia pelo país em campanha na tentativa de transformar seus problemas judiciais em causa eleitoral.
O resultado obtido por Lula é considerável, e compatível com o histórico de liderança mais reconhecida, cujas votações sempre foram acima do patamar alcançado pelo PT nas urnas, em torno de 20%. Pode ser visto como proeza, considerando-se a circunstância de ser um candidato já condenado a nove anos e seis meses de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, que figura como réu em mais cinco processos, está acusado em outros três e é, ainda, investigado em mais um dos casos de propinas em negócios da Petrobras, do BNDES, das indústrias de construção civil, de automóveis e de aviões. Lula vagueia pelo país em campanha na tentativa de transformar seus problemas judiciais em causa eleitoral.
Mais significativa, porém, é a resiliência do eleitorado na rejeição ao ex-presidente. Há 12 meses seguidos, segundo o Datafolha, quatro em cada dez eleitores repetem que não votariam em Lula “de jeito nenhum”. Isso ocorre tanto nas capitais e cidades de regiões metropolitanas (40%) quanto nos municípios do interior (38%) com mais de 50 mil habitantes. Há uniformidade no repúdio por idade, por escolaridade (a partir do ensino médio), por renda (mais de dois salários mínimos) entre empregados, desempregados ou ocupados.
Alguns interpretam a persistência na rejeição a Lula como evidência de resistência a símbolos da corrupção na política desvendada nos inquéritos do mensalão e na Lava-Jato. Mais provável é a decepção de um eleitorado que não reconhece líderes com capacidade suficiente para resgatar o país de crises como a da saúde e reconduzi-lo à rota do desenvolvimento. O risco é de fragmentação superior à da eleição de 2014, quando um terço dos eleitores anulou, deixou em branco ou simplesmente se recusou a sair de casa para votar. Num cenário assim cabem os versos elegantes de Paulinho da Viola: “Desilusão, desilusão/ Danço eu dança você/ Na dança da solidão.”
Alguns interpretam a persistência na rejeição a Lula como evidência de resistência a símbolos da corrupção na política desvendada nos inquéritos do mensalão e na Lava-Jato. Mais provável é a decepção de um eleitorado que não reconhece líderes com capacidade suficiente para resgatar o país de crises como a da saúde e reconduzi-lo à rota do desenvolvimento. O risco é de fragmentação superior à da eleição de 2014, quando um terço dos eleitores anulou, deixou em branco ou simplesmente se recusou a sair de casa para votar. Num cenário assim cabem os versos elegantes de Paulinho da Viola: “Desilusão, desilusão/ Danço eu dança você/ Na dança da solidão.”
Dos agrotóxicos às secas e inundações
É muito preocupante: segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no mundo; mais de dois terços dos alimentos produzidos aqui são contaminados por esses agentes; nossos solos recebem, junto com sementes e mudas, “uma quantidade até 5 mil vezes maior de agrotóxicos que a permitida na Europa”, conforma recente estudo da pesquisadora Larissa Mies Bombardi, do Laboratório de Geografia Agrária da USP. Muitos dos ingredientes ativos consumidos no País já são proibidos nos Estados Unidos, na União Europeia, na China e no Canadá. Só entre 2000 e 2012 a venda de agrotóxicos no Brasil cresceu 288%. Monoculturas como a da soja concentram 80% dos produtos tóxicos agrícolas (Henrique Koifman, 30/11).
Mesmo na Europa, entretanto, o problema está presente. A polêmica mais recente está na renovação para uso, por mais cinco anos, do herbicida glifosato. No Brasil são muitos os projetos nessa área. E “oito brasileiros se intoxicam a cada dia com os produtos liberados”, pois nossa legislação na área é muito mais permissiva do que a europeia, por exemplo. Temos 504 agrotóxicos de uso permitido (Repórter Brasil, 2/12/17) para o café, cana-de-açúcar, citros, milho, soja, dos quais 30% proibidos pelos europeus estão na lista dos mais vendidos por aqui.
São muitos os produtos liberados entre nós, a ponto de já respondermos por 20% do que é comercializado mundialmente: entre 2000 e 2014 o consumo brasileiro passou de 170 mil toneladas anuais para 500 mil. Nos Estados do Rio Grande do Sul, do Paraná, de Goiás e de Mato Grosso o consumo do herbicida glifosato está entre 9 e 19 quilos por hectare – e o consumo excessivo pode causar câncer de mama, necrose de células e redução do tempo de vida dos animais. A França já anunciou que banirá o glifosato até 2022. O país ainda permite até 2 quilos por hectare e a média brasileira está entre 5 e 9 quilos por hectare. O consumo maior de agrotóxicos no Brasil, entretanto, não aumentou a produção nacional de alimentos por hectare.
Os estudos na área informam que trabalhadores rurais são as principais vítimas de contaminação. Depois deles, moradores próximos de plantações, principalmente pulverizadas (no Estado de São Paulo 75% da área plantada é pulverizada). De acordo com a sanitarista Telma de Cássia dos Santos Nery, em entrevista recente a Sucena S. Resk (Instituto Humanitas Unisinos, 4/12), 24% dos anos perdidos por incapacidade e 23% das mortes prematuras no mundo podem ser atribuídos à exposição a riscos ambientais e ocupacionais “evitáveis”. A poluição do ar causou 8 milhões de mortes precoces em 2015 e é hoje a principal causa de mortes por complicações cardiorrespiratórias, entre elas arritmia, enfarte do coração e derrame cerebral – relacionadas com o meio ambiente e câncer do pulmão. No Estado de São Paulo o número de mortes (11.200 em 2015) causadas pela poluição é maior que o de óbitos provocados por acidentes de trânsito (2.867), câncer de mama (3.620) ou aids (2.922).
Nesse contexto, entre os principais fatores ambientais estão os problemas causados por consumo, uso de e exposição a substâncias químicas, principalmente agrotóxicos. O Brasil é o maior consumidor mundial desses produtos, desde 2008/2009. A Organização Mundial da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer já têm informado que os agrotóxicos são cancerígenos. E que o Brasil utiliza regularmente vários deles, alguns banidos na União Europeia por causa dos graves impactos na saúde humana. Já o SUS lembra que o gasto do Ministério da Saúde com tratamentos contra câncer cresceu 66% nos últimos cinco anos: R$ 2,1 bilhões em 2010 e R$ 3,5 bilhões em 2015. O número de doentes em tratamento no SUS passou de 292 mil em 2010 para 393 mil em 2015. Segundo outros estudos, para cada dólar gasto na compra de agrotóxicos, US$ 1,28 deve ser aplicado nos custos externos com tratamento de saúde; mais de 60% no tratamento de trabalhadores em plantações de cana-de-açúcar. Outros complicadores ainda: a área pulverizada no Estado de São Paulo é de 11,82% do total, 30% dos agrotóxicos utilizados são contrabandeados, a fiscalização apontou a presença de usuários em áreas de controle ambiental.
Os problemas no campo não se resumem a questões derivadas dos agrotóxicos. O Cerrado, por exemplo, perdeu nos últimos 15 anos 263 mil quilômetros quadrados – uma área equivalente à do Estado de São Paulo. Causas apontadas: expansão desordenada da fronteira agropastoril, incentivo insuficiente às pesquisas em defesa do bioma. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, é preciso aumentar as áreas de proteção, ampliar a defesa dos recursos hídricos, explorar melhor o potencial farmacológico e dos cosméticos das plantas do cerrado.
Tudo isso adquire ainda um caráter de urgência, dado o agravamento de fenômenos climáticos, como, por exemplo, a maior sequência de anos com seca extrema em 12% da superfície terrestre do planeta, incluído o ano passado – a maior seca nos últimos 800 mil anos. O Nordeste brasileiro não fugiu à regra. Mas não apenas essa parte do território: em quatro anos, secas e inundações afetaram 55,7 milhões de brasileiros, mais de 25% da população nacional, com perdas de R$ 9 bilhões por ano (Instituto Humanitas Unisinos, 4/12). No Nordeste, de 2013 ao ano passado, 78,4% dos 1.794 municípios da região decretaram, ao menos uma vez, situação de emergência ou calamidade pública por causa da seca extrema. Outros 2.641 municípios decretaram emergência ou calamidade pública por causa de inundações e alagamentos – fenômeno que começa a repetir-se neste final de ano. “Este ano deve se confirmar como o pior do período chuvoso, o mais seco desde 1931, quando começou a série histórica”, diz Joaquim Gondim, superintendente da Agência Nacional da Águas.
Cuidemo-nos.
Mesmo na Europa, entretanto, o problema está presente. A polêmica mais recente está na renovação para uso, por mais cinco anos, do herbicida glifosato. No Brasil são muitos os projetos nessa área. E “oito brasileiros se intoxicam a cada dia com os produtos liberados”, pois nossa legislação na área é muito mais permissiva do que a europeia, por exemplo. Temos 504 agrotóxicos de uso permitido (Repórter Brasil, 2/12/17) para o café, cana-de-açúcar, citros, milho, soja, dos quais 30% proibidos pelos europeus estão na lista dos mais vendidos por aqui.
São muitos os produtos liberados entre nós, a ponto de já respondermos por 20% do que é comercializado mundialmente: entre 2000 e 2014 o consumo brasileiro passou de 170 mil toneladas anuais para 500 mil. Nos Estados do Rio Grande do Sul, do Paraná, de Goiás e de Mato Grosso o consumo do herbicida glifosato está entre 9 e 19 quilos por hectare – e o consumo excessivo pode causar câncer de mama, necrose de células e redução do tempo de vida dos animais. A França já anunciou que banirá o glifosato até 2022. O país ainda permite até 2 quilos por hectare e a média brasileira está entre 5 e 9 quilos por hectare. O consumo maior de agrotóxicos no Brasil, entretanto, não aumentou a produção nacional de alimentos por hectare.
Nesse contexto, entre os principais fatores ambientais estão os problemas causados por consumo, uso de e exposição a substâncias químicas, principalmente agrotóxicos. O Brasil é o maior consumidor mundial desses produtos, desde 2008/2009. A Organização Mundial da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer já têm informado que os agrotóxicos são cancerígenos. E que o Brasil utiliza regularmente vários deles, alguns banidos na União Europeia por causa dos graves impactos na saúde humana. Já o SUS lembra que o gasto do Ministério da Saúde com tratamentos contra câncer cresceu 66% nos últimos cinco anos: R$ 2,1 bilhões em 2010 e R$ 3,5 bilhões em 2015. O número de doentes em tratamento no SUS passou de 292 mil em 2010 para 393 mil em 2015. Segundo outros estudos, para cada dólar gasto na compra de agrotóxicos, US$ 1,28 deve ser aplicado nos custos externos com tratamento de saúde; mais de 60% no tratamento de trabalhadores em plantações de cana-de-açúcar. Outros complicadores ainda: a área pulverizada no Estado de São Paulo é de 11,82% do total, 30% dos agrotóxicos utilizados são contrabandeados, a fiscalização apontou a presença de usuários em áreas de controle ambiental.
Os problemas no campo não se resumem a questões derivadas dos agrotóxicos. O Cerrado, por exemplo, perdeu nos últimos 15 anos 263 mil quilômetros quadrados – uma área equivalente à do Estado de São Paulo. Causas apontadas: expansão desordenada da fronteira agropastoril, incentivo insuficiente às pesquisas em defesa do bioma. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, é preciso aumentar as áreas de proteção, ampliar a defesa dos recursos hídricos, explorar melhor o potencial farmacológico e dos cosméticos das plantas do cerrado.
Tudo isso adquire ainda um caráter de urgência, dado o agravamento de fenômenos climáticos, como, por exemplo, a maior sequência de anos com seca extrema em 12% da superfície terrestre do planeta, incluído o ano passado – a maior seca nos últimos 800 mil anos. O Nordeste brasileiro não fugiu à regra. Mas não apenas essa parte do território: em quatro anos, secas e inundações afetaram 55,7 milhões de brasileiros, mais de 25% da população nacional, com perdas de R$ 9 bilhões por ano (Instituto Humanitas Unisinos, 4/12). No Nordeste, de 2013 ao ano passado, 78,4% dos 1.794 municípios da região decretaram, ao menos uma vez, situação de emergência ou calamidade pública por causa da seca extrema. Outros 2.641 municípios decretaram emergência ou calamidade pública por causa de inundações e alagamentos – fenômeno que começa a repetir-se neste final de ano. “Este ano deve se confirmar como o pior do período chuvoso, o mais seco desde 1931, quando começou a série histórica”, diz Joaquim Gondim, superintendente da Agência Nacional da Águas.
Cuidemo-nos.
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