– Onde está o novo?
O ano novo, que também atende pelo número de 2018, entrará em cena prometendo sangue novo, um nome novo, uma cara nova, uma proposta nova, um projeto novo. O eleitorado, pobre eleitorado, reza à espera desse novo aí, mais ou menos como aquelas antigas patotas que acampavam na fazenda da tia à espera dos discos voadores que viriam na madrugada. O eleitorado acredita que o novo descerá do olimpo das novas celebridades, do púlpito de uma igreja devidamente nova, de alguma caserna tinindo de nova, ou, ainda, de um partido novo.
Sem trocadilho, há mesmo um novo partido na praça que conseguiu registro no TSE com o título de Partido Novo, o que não faz nenhuma diferença. O novo está em todo lugar, em todas as legendas, e faz tempo, muito tempo. O novo não é bem uma novidade. Desde que existem eleições, a histeria em torno do novo é uma espécie de moda que não sai de moda. Candidatos querem parecer novos, inclusive os muito fossilizados; os jovens querem parecer virginalmente novos, mesmo quando são velhas raposas do tráfico de influência e da corrupção mais deslavada.
Mas não desanimemos. Essa mania uterina pelo novo tem pelo menos uma vantagem. Desde já, nós sabemos quem vai ganhar as eleições presidenciais do ano que vem: vai ser alguém que – a despeito das evidências irrefutáveis, que serão numerosas e contundentes – conseguir convencer o eleitorado de que é a mais nova encarnação do novo. Tem sido assim desde sempre, e em 2018, de novo, o novo será candidato à Presidência da República. Só falta alguém para vestir o figurino.
Como sempre, os eleitores se recusarão peremptoriamente a reconhecer que esse novo aí já caiu de podre há muitas décadas. O eleitor esquece – e sobre essa lei inexorável da política se sustenta o sucesso dos velhos políticos (que são os mais eficazes em se passar por novos). Alguns desses velhos políticos, os mais velhos entre os velhos, não contentes em se fantasiar de novos, decidiram que a própria República teria de se batizar de nova – ou você já se esqueceu da Nova República, capitaneada por um José Sarney de bigode acaju-escuro? Em outras ocasiões, o Estado se transubstanciou no novo – ou você não se lembra mais do Estado Novo de Getúlio Vargas?
É certo que República brasileira um dia já foi nova, isso quando um milico monarquista inventou de proclamá-la. Acontece que poucos anos depois ela ficou com cara de velha: a República Velha (1889-1939) foi precocemente chamada de velha porque seus presidentes tinham estampa de velhos, com suas barbas brancas iguais às do imperador deposto, o provecto Pedro II.
Até o dinheiro brasileiro já abraçou o adjetivo novo, ou você também já perdeu a memória do cruzeiro novo, que valeu de 1967 a 1970, e do cruzado novo, que circulou entre 1989 e 1990? As duas moedas viraram pó, mas o adjetivo novo, num milagre monetário, não foi corroído pela inflação e sobreviveu novinho “em folha”, como se dizia antigamente.
Por isso, o novo vai subir nos palanques do ano novo e, não duvide, você vai acabar votando nele, mesmo correndo o risco de que, duas ou três semanas depois das eleições, o seu novo desmorone tão caquético quanto o Estado Novo, a Nova República, o cruzeiro novo e o cruzado novo.
Com todo o respeito, o novo é uma das mais velhas pragas da política moderna. Na União Soviética, a tirania stalinista prometia um “homem novo”, e até Jean-Paul Sartre acreditou nessa balela quando se avistou com Che Guevara. Nos anos 1930, nos Estados Unidos, Roosevelt lançou o seu New Deal e foi muito bem-sucedido, embora os méritos por ter tirado a américa do buraco sejam mais do “deal” do que do “new”. O novo é uma obsessão de nossa era: a camisa, a religião, a prótese, o celular, a mulher, o namorado, tudo tem de ser novo. Por que só o candidato teria de ser velho?
Novo de esquerda, novo de direita, nova esquerda, nova direita, arre, vem de tudo por aí. Na renovação e no rejuvenescimento de nossos velhos esquecimentos, seremos todos crédulos no ano novo.
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