Uma eventual derrota da reforma — o que supõe até mesmo a possibilidade de que sequer venha a ser votada — traria evidentes transtornos de ordem fiscal e econômica. Do ponto de vista fiscal, basta fazer contas: o comprometimento do orçamento com esse tipo de despesa tornará o cobertor ainda mais curto para custeio e investimento em áreas como Segurança, Saúde e Educação. No longo prazo, o caos sorrirá à beira do abismo.
(E antes que ressurja o velho nhe-nhe-nhém a propósito do pagamento dos juros da dívida do governo, cabe que se pergunte, antes, por quê, afinal, o Brasil carrega essa despesa, em montante tão expressivo. Por que o país, afinal deve e tem que pagar? Simplesmente porque faltam-lhe recursos que deem conta de todas as despesas nas mais diversas áreas. São as despesas e os gastos elevados que levam à dívida, não o contrário. Neste caso, é possível saber que a galinha nasceu antes do ovo.)
Politicamente, o governo Temer estaria basicamente acabado e até que a ação política pudesse reestabelecer alguma ordem, após a eleição, o país teria vivido pelo menos um ano de caos econômico, político e, naturalmente, social. Com efeito, as perspectivas seriam péssimas.
Pode-se argumentar que o atual governo realmente não merece condescendência dada as precárias condições ética, moral e política que nele se encerram. Sob esse aspecto, o governo é vergonhoso e é difícil discordar de qualquer crítica dessa natureza. O comprometimento com a corrupção e com o hiperfisiologismo de sua coalizão é inegável. Trata-se, aí, de um terreno devastado; somente Poliana para omitir os graves problemas e a crise do sistema político.
Todavia, colocar a justa crítica política à frente da questão econômica e de suas consequências sociais parece um equivoco tão grande quanto o que comentem economistas que, em virtude da aflição econômica, desprezam o gravíssimo quadro político que coexiste com o problema fiscal.
Não aprovar a reforma da Previdência apenas para punir o governo Temer é um tiro no pé tão estúpido quanto fechar os olhos para sua política e absolve-lo em nome do imperativo econômico da reforma.
Como quase tudo no Brasil desta quadra histórica, a situação é complexa e a discussão é pobre. É claro que politicamente o governo se favorecerá da eventual aprovação da reforma tanto quanto será afetado por sua rejeição. É evidente que o país perde com a não aprovação da Proposta de Emenda Constitucional da Previdência tanto quanto o tapar o sol com a peneira em relação à degeneração política será um desastre no longo prazo.
Há deliberada intenção de misturar o joio e o trigo; muito oportunismo posto sobre a mesa. A reforma servindo de biombo para a política; a política como bode expiatório da reforma. Um impasse desastroso. É neste ponto em que estamos.
Verbos no futuro do pretérito — haveria, deveria, caberia — são normalmente irritantes em situações como esta; apontam o necessário admitindo, implicitamente, a impossibilidade da ação; o lavar as mãos em relação ao que se faria, mas, efetivamente, não será feito.
Mas, ora, difícil ignorar que o país, de fato, carece de compreender o desafio e, assim, separar os problemas, sem renunciar a nenhum deles: a urgência econômica acompanhada do rigor político. Mitigar — nem que seja aos poucos — os problemas da previdência sem negligenciar a questão ética-política é o desafio, a tarefa fundamental. Mas, o país, no seu conjunto, parece estar cansado de toda a complexidade que brota do real. Nisso, interesses, dos mais diversos grupos, se aproveitam e fazem o debate pender para lá ou para cá, sem encontrar o ponto de equilíbrio que melhor expresse alguma verdade.
Haveria, sim, que agir a liderança política, que não temos. Liderança capaz de separar e comunicar, didaticamente, a natureza e importância tanto das questões econômicas quanto políticas. Caberia, sim, clareza, credibilidade, confiança e pragmatismo. Haveria, seria, caberia que se fizesse que se faria…
Mas, não haveria nem há, neste momento, acúmulo ou liderança capaz de dar conta do desafio: políticos, economistas, analistas de todo o tipo trocam os pés pelas mãos, às vezes, como inocentes úteis de uma causa que sequer percebem ou sentem apenas parcialmente.
O fato é que tudo está para ser feito, e é necessário fazer de tudo (econômica e politicamente), sem renunciar a nada; sem ignorar a nada. Ajustes econômicos e políticos são elementos indivisíveis e complementares. São ou deveriam ser inescapáveis, como o longo prazo costuma mostrar, depois que a oportunidade é morta.
Carlos Melo
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