terça-feira, 19 de janeiro de 2016
Guerra à guerra de informação
A dominância absoluta desse tipo de expediente na imprensa brasileira hoje é o maior sintoma da gravidade da nossa doença política. Com a corrupção das instituições básicas da Republica pela distribuição de cargos para facilitar a ordenha do Tesouro Nacional oficialmente promovida a instrumento único de conquista e perpetuação no poder, a resposta do Judiciário adotando a delação premiada como antídoto, mas num ambiente atravancado de foros especiais e privilégios de “segredo de justiça” que ensejam a acumulação de “bombas de informação” de efeito retardado, e a mudança no padrão de gestão das empresas de comunicação que transferiram o foco da sua atenção das repercussões institucionais de seus produtos exclusivamente para as injunções de negócio atrelados a eles, formou-se a “tempestade perfeita” que enredou a imprensa numa guerra de (des)informação operada de forma cada vez mais profissional e sistemática em que ha muito mais a perder que reputações.
O vazamento de meias-verdades e mentiras inteiras a conta-gotas numa velocidade que torna impossível apurar cada uma delas transformou-se no fulcro da luta política no Brasil. Essa distorção insinua-se por uma sutileza que, no mais das vezes, passa despercebida pelo leitor: muito mais frequentemente do que não, as redações estão editando com o destaque que só se justificaria se fossem “furos” próprios, apurados e confirmados, aquilo que não passa de denuncia recebida de terceiros envolvidos na luta pelo poder, sem nenhum esforço de reportagem ou investigação autônoma. Mesmo quando há registro de que o órgão apenas “teve acesso” àquela informação, o tiro sobe às manchetes por baixo de logomarcas que – seja fato, seja factóide – emprestam ao que vai afirmado nelas uma credibilidade que, por princípio, deveria ser-lhe negada.
A esta altura já é tão certo e sabido que esse expediente tornou-se a principal arma do arsenal dessa guerra que informaria muito mais mostrar de onde veio cada tiro do que apenas estrondá-lo. A primeira providência para incluir a imprensa fora dessa briga de navalha no escuro é, portanto, banir esse assunto das manchetes, seja o que for que seja dito, sejam quais forem as galonas na farda do agente escalado para dize-lo. Não se trata de não registrar fatos mas sim de passar a cobrir a guerra de informação como guerra de informação que é, tomando dela a devida distância. O fato de estar cada vez mais difícil, aliás, acertar esses tiros apenas no que foi inicialmente mirado, é a prova da irrelevância dessa linha de “investigação jornalística” como contribuição para a solução dos gravíssimos problemas em que se debate o país. De Eduardo Cunha a Leonardo Picciani, da Dilma ao Renan na Petrobras, de Lula a Fernando Collor, passando pelos partidos de A a Z, qualquer fio de meada que se puxe, reservadas as raríssimas exceções que confirmam a regra, chacoalha todos juntos. E isso porque ninguém entre eles representa senão a parte que lhe cabe no latifúndio do privilégio que todos loteiam juntos para criar e sustentar a legião dos “Sem Crise” que os mantém no poder contra a vontade expressa do resto do Brasil.
Dilma Rousseff sofre um processo de impeachment por violação da Lei de Responsabilidade Fiscal porque é no grande oceano do déficit público que desaguam os crimes individuais de todos que agora tratam de escudá-la. No fim (e no começo) é a dinheiro sem trabalho que tudo se resume: o Brasil com privilégios inflou mais, na “Era PT”, do que o Brasil sem privilégios aguenta sustentar, e a economia está paralisada ha um ano não porque não haja solução para isso mas porque a solução passa necessariamente, ou pela extinção de privilégios nunca tocados antes, ou pela oficialização da exploração servil da maioria por uma minoria, situação que, por definição, só se estabelece quando se extingue a democracia. Não existe dificuldade alguma para que qualquer equipe técnica razoavelmente qualificada encontre meios de equacionar as contas do Brasil, dada a circunstância política que torne possível aplicar a matemática à baliza do merecimento, única alternativa para o privilégio. Cabe à imprensa construir essa circunstância dando a conhecer às forças vivas da nação os dados exatos do problema em todas as suas minúcias, isto é, mostrar, nesses dois brasis, onde estão os empregos, os salários, o trabalho e a produção e onde essas coisas correspondem ou não uma à outra. O resto o bom senso faz.
O Brasil não permanece perdido em seu labirinto em função das escolhas erradas de uma “sub-raça” incapaz de tomar o destino em suas mãos como gostam de afirmar os reacionários de sempre, sejam os da matriz “positivista”, sejam os da esquerdista que se diz “vanguarda” de quem não sabe o que é bom para si.
O que tem havido desde sempre é um cerco sistemática e cuidadosamente organizado – dos jesuítas do passado aos professores e intelectuais “orgânicos” de hoje – para impedir essa sociedade de conhecer todas as alternativas possíveis, especialmente aquelas que, testadas e aprovadas pelo mundo afora, têm mostrado eficácia para submeter representantes a representados, “contribuídos” a contribuintes, e extinguir sistemas de privilégio.
É para furar esse cerco que foi inventada a imprensa democrática.
Enquanto isso...
Aconteceu num janeiro de nove anos atrás. Lula estava na primeira semana do segundo mandato, quando sancionou a Lei do Saneamento Básico (nº 11.445/2007): “Estamos dizendo ao mundo: ‘olha, o Brasil está entrando na esfera do Primeiro Mundo e, de cabeça erguida, define, de uma vez por todas que, a depender do governo federal, não haverá momento na história futura deste país em que a gente deixe de priorizar o saneamento básico.”’
Governava há quatro anos, reelegera-se há dois meses e continuava fascinado por culpar adversários pelo retrocesso. Estribado na ênfase, arrematou: “Nós temos que trabalhar o dobro do que o governo passado para que a gente possa recuperar a irresponsabilidade a respeito do saneamento básico.”
Seu governo precisou de 32 meses para organizar um “grupo de trabalho” do plano de saneamento. E de mais 11 meses para regulamentar a lei, publicada três anos e meio antes.
Em janeiro de 2010, Lula entregou o poder a Dilma. O novo governo levou 41 meses e 13 dias — ou seja 230 semanas — para promover a primeira reunião do “GT”. Aconteceu na terça-feira 14 de maio de 2014 — sete anos, quatro meses e dez dias depois do discurso de Lula.
Ano passado foi criado um “Grupo Técnico de Macrodiretrizes e Estratégias”, sob supervisão de um “Comitê Técnico” do Ministério das Cidades. Em dezembro, o “GT” criado por Lula, finalmente, conseguiu concluir sua primeira tarefa — nove anos depois da lei. Produziu um relatório de 156 páginas com proposta de 41 “macrodiretrizes” e 137 “estratégias”, enunciadas depois de consulta a 80 especialistas “empregando a técnica do método Delphi”. Acrescentou uma seleção de 23 indicadores.
A principal conclusão do “GT” foi: Lula construiu, e Dilma sustentou até agora um Plano Nacional de Saneamento Básico sem prazos ou prioridades. Isto é, só existiu nos discursos presidenciais dos últimos 3.200 dias.
No relatório há um alerta para a degradação da qualidade da água potável nas maiores cidades. Entre 2010 e 2013, notou-se variação crescente (de 0,6 a 3,9%) nos percentuais de presença de coliformes em amostras coletadas nas saídas das estações de tratamento.
Pior é a situação na coleta de esgotos. A rede só alcança 58,2% dos domicílios. Entre 1995 e 2013 foi expandida à média anual de 1% ao ano, calcula a Confederação da Indústria. Desde 2007, cresce ao ritmo de 1,2% por ano.
Continua tudo igual, exceto nos discursos. Por isso, em 60 das cem maiores cidades, os baixos índices de coleta de esgoto resultam em altas taxas de internação por doenças diarreicas, responsáveis por mais de 80% das enfermidades causadas pelo inadequado saneamento ambiental, informa a pesquisadora Denise Kronemberger em estudo do Instituto Trata Brasil. As campeãs são Ananindeua, no Pará, Belford Roxo, no Rio, e Anápolis, em Goiás.
Sem prazos nem prioridades, o governo despeja dinheiro em obras definidas por critérios político-eleitorais. Ano passado, o Tribunal de Contas avaliou 491 contratos em cidades com mais de 50 mil habitantes, de 15 estados, que custaram R$ 10,4 bilhões. Encontrou de tudo: de obras paradas até a construção de uma estação de abastecimento de água em terreno contíguo a um cemitério. O lençol freático, claro, acabou contaminado.
José Casado
Governava há quatro anos, reelegera-se há dois meses e continuava fascinado por culpar adversários pelo retrocesso. Estribado na ênfase, arrematou: “Nós temos que trabalhar o dobro do que o governo passado para que a gente possa recuperar a irresponsabilidade a respeito do saneamento básico.”
Em janeiro de 2010, Lula entregou o poder a Dilma. O novo governo levou 41 meses e 13 dias — ou seja 230 semanas — para promover a primeira reunião do “GT”. Aconteceu na terça-feira 14 de maio de 2014 — sete anos, quatro meses e dez dias depois do discurso de Lula.
Ano passado foi criado um “Grupo Técnico de Macrodiretrizes e Estratégias”, sob supervisão de um “Comitê Técnico” do Ministério das Cidades. Em dezembro, o “GT” criado por Lula, finalmente, conseguiu concluir sua primeira tarefa — nove anos depois da lei. Produziu um relatório de 156 páginas com proposta de 41 “macrodiretrizes” e 137 “estratégias”, enunciadas depois de consulta a 80 especialistas “empregando a técnica do método Delphi”. Acrescentou uma seleção de 23 indicadores.
A principal conclusão do “GT” foi: Lula construiu, e Dilma sustentou até agora um Plano Nacional de Saneamento Básico sem prazos ou prioridades. Isto é, só existiu nos discursos presidenciais dos últimos 3.200 dias.
No relatório há um alerta para a degradação da qualidade da água potável nas maiores cidades. Entre 2010 e 2013, notou-se variação crescente (de 0,6 a 3,9%) nos percentuais de presença de coliformes em amostras coletadas nas saídas das estações de tratamento.
Pior é a situação na coleta de esgotos. A rede só alcança 58,2% dos domicílios. Entre 1995 e 2013 foi expandida à média anual de 1% ao ano, calcula a Confederação da Indústria. Desde 2007, cresce ao ritmo de 1,2% por ano.
Continua tudo igual, exceto nos discursos. Por isso, em 60 das cem maiores cidades, os baixos índices de coleta de esgoto resultam em altas taxas de internação por doenças diarreicas, responsáveis por mais de 80% das enfermidades causadas pelo inadequado saneamento ambiental, informa a pesquisadora Denise Kronemberger em estudo do Instituto Trata Brasil. As campeãs são Ananindeua, no Pará, Belford Roxo, no Rio, e Anápolis, em Goiás.
Sem prazos nem prioridades, o governo despeja dinheiro em obras definidas por critérios político-eleitorais. Ano passado, o Tribunal de Contas avaliou 491 contratos em cidades com mais de 50 mil habitantes, de 15 estados, que custaram R$ 10,4 bilhões. Encontrou de tudo: de obras paradas até a construção de uma estação de abastecimento de água em terreno contíguo a um cemitério. O lençol freático, claro, acabou contaminado.
José Casado
Os craques e os pernas de pau
Em 1958, véspera do jogo Brasil e Rússia, o técnico chamou Garrincha e lhe disse: “Vamos ganhar com uma jogada sua. Pegue a bola e drible o seu marcador. Quando vier o outro zagueiro, você o dribla também. Depois, vá à linha de fundo e cruze para o Vavá fazer o gol”. Garrincha, que ouvira a “estratégia” calado, indagou: “Mas, professor, você já combinou isso com os russos?”
A história é oportuna quando ministros e políticos governistas estão repetindo, como papagaios, o mantra “crescimento econômico”. A ladainha começou quando o ex-presidente Lula vociferou: “Dilma, você precisa liberar o crédito, fazer a roda da economia girar e dar boas notícias”. O problema do “mais créditos” é que o endividamento das famílias brasileiras já é o maior dos últimos dez anos. Para quase 40% dos brasileiros, a meta principal em 2016 é pagar dívidas, antes da casa própria, de trocar o carro ou encontrar um grande amor.
Difícil, também, é rodar a economia e dar boas notícias. Em 2015, o PIB pode ter encolhido até 4%, o desequilíbrio fiscal ficou próximo de R$ 120 bilhões, e o país foi rebaixado por duas agências de risco. A inflação anual foi de 10,67%, o desemprego chegou a 9%, e o dólar beira os R$ 4. Compõem o cenário a grave crise política e a popularidade da presidente em frangalhos. Sem falar dos processos de impeachment, no Congresso, e das contas de sua campanha no Tribunal Superior Eleitoral.
O atual ministro da Fazenda é Nelson Barbosa, o mentor da malfadada “nova matriz econômica” que — associada ao vale-tudo eleitoral — levou a economia brasileira a esse desastre. Para complicar, Barbosa está envolvido no caso das “pedaladas” e pode ser condenado no TCU.
Tão ou mais enrolada está a cúpula do Legislativo. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tenta livrar-se da cassação, enquanto o do Senado, Renan Calheiros, responde a vários processos no STF e teve o sigilo bancário quebrado no fim de 2015. O presidente do TCU, Aroldo Cedraz, é também investigado na Lava-Jato.
Qual a credibilidade que oferece um país em que ninguém sabe dizer exatamente quanto tempo o ministro da Fazenda, a presidente da República e os titulares da Câmara, do Senado e do TCU permanecerão nos seus cargos?
Os fatos e as expectativas — que afetam o comportamento da economia — são totalmente desfavoráveis. Para completar, em 2016 teremos eleições municipais, o que torna ainda mais difícil a contenção de despesas e a aprovação pelo Congresso de medidas impopulares. Neste cenário de incertezas, só um louco irá investir no Brasil. E, se o fizer, o preço será alto.
O PT, atônito, joga para a arquibancada. Quer usar as reservas, propõe a criação de novas faixas para o Imposto de Renda, impostos sobre lucros e dividendos, a elevação da tributação sobre heranças e doações, a volta da CPMF e a criação de impostos sobre grandes fortunas, jatinhos, helicópteros etc. Não vai ganhar o jogo, mas o discurso agrada à torcida. Como dizia Antônio Ermírio de Moraes, “a arte do PT é pedir dinheiro aos ricos, pedir voto aos pobres e mentir para ambos”. Certa ou errada a frase, o partido volta a propor medidas que alardeia desde a fundação, mas que, curiosamente, jamais implementou nos 13 anos em que está no poder.
Para agradar aos empresários, o PT sugere ao governo reativar o Conselho de Desenvolvimento Econômico, “vender” aos bancos de parte do que a União tem a receber, salvar as empresas corruptas envolvidas na Lava-Jato da inidoneidade (por meio de uma vergonhosa medida provisória), permitir a repatriação de recursos, legalizar os jogos de azar e obter empréstimos na China para lançar um “novo PAC”, ainda que deva bilhões da versão anterior.
Contrariando o PT e toda a sua base de apoio, Dilma promete manter o ajuste fiscal, o combate à inflação, os cortes nas despesas obrigatórias e a fixação de idade mínima para a Previdência. Mas será que a presidente irá bater de frente com PT, CUT, UNE e MST, a tropa chapa-branca já convocada para ir às ruas contra o impeachment? Só o tempo dirá, pois o que Dilma fala não se escreve.
A verdade é que, neste momento, falar em crescimento econômico é como a família de um enfermo, há um ano na UTI, cogitar a sua participação como atleta na próxima Olimpíada. Nem combinando com os russos.
No futebol, em 1958, o Brasil venceu a Rússia por 2 a 0. Garrincha deu um show, e Vavá fez os dois gols. A diferença é que naquela época tínhamos um time de craques. Hoje, na política e na administração pública, são muitos os “pernas de pau”. Ou seriam “caras de pau”?
Gil Castello Branco
A história é oportuna quando ministros e políticos governistas estão repetindo, como papagaios, o mantra “crescimento econômico”. A ladainha começou quando o ex-presidente Lula vociferou: “Dilma, você precisa liberar o crédito, fazer a roda da economia girar e dar boas notícias”. O problema do “mais créditos” é que o endividamento das famílias brasileiras já é o maior dos últimos dez anos. Para quase 40% dos brasileiros, a meta principal em 2016 é pagar dívidas, antes da casa própria, de trocar o carro ou encontrar um grande amor.
O atual ministro da Fazenda é Nelson Barbosa, o mentor da malfadada “nova matriz econômica” que — associada ao vale-tudo eleitoral — levou a economia brasileira a esse desastre. Para complicar, Barbosa está envolvido no caso das “pedaladas” e pode ser condenado no TCU.
Tão ou mais enrolada está a cúpula do Legislativo. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tenta livrar-se da cassação, enquanto o do Senado, Renan Calheiros, responde a vários processos no STF e teve o sigilo bancário quebrado no fim de 2015. O presidente do TCU, Aroldo Cedraz, é também investigado na Lava-Jato.
Qual a credibilidade que oferece um país em que ninguém sabe dizer exatamente quanto tempo o ministro da Fazenda, a presidente da República e os titulares da Câmara, do Senado e do TCU permanecerão nos seus cargos?
Os fatos e as expectativas — que afetam o comportamento da economia — são totalmente desfavoráveis. Para completar, em 2016 teremos eleições municipais, o que torna ainda mais difícil a contenção de despesas e a aprovação pelo Congresso de medidas impopulares. Neste cenário de incertezas, só um louco irá investir no Brasil. E, se o fizer, o preço será alto.
O PT, atônito, joga para a arquibancada. Quer usar as reservas, propõe a criação de novas faixas para o Imposto de Renda, impostos sobre lucros e dividendos, a elevação da tributação sobre heranças e doações, a volta da CPMF e a criação de impostos sobre grandes fortunas, jatinhos, helicópteros etc. Não vai ganhar o jogo, mas o discurso agrada à torcida. Como dizia Antônio Ermírio de Moraes, “a arte do PT é pedir dinheiro aos ricos, pedir voto aos pobres e mentir para ambos”. Certa ou errada a frase, o partido volta a propor medidas que alardeia desde a fundação, mas que, curiosamente, jamais implementou nos 13 anos em que está no poder.
Para agradar aos empresários, o PT sugere ao governo reativar o Conselho de Desenvolvimento Econômico, “vender” aos bancos de parte do que a União tem a receber, salvar as empresas corruptas envolvidas na Lava-Jato da inidoneidade (por meio de uma vergonhosa medida provisória), permitir a repatriação de recursos, legalizar os jogos de azar e obter empréstimos na China para lançar um “novo PAC”, ainda que deva bilhões da versão anterior.
Contrariando o PT e toda a sua base de apoio, Dilma promete manter o ajuste fiscal, o combate à inflação, os cortes nas despesas obrigatórias e a fixação de idade mínima para a Previdência. Mas será que a presidente irá bater de frente com PT, CUT, UNE e MST, a tropa chapa-branca já convocada para ir às ruas contra o impeachment? Só o tempo dirá, pois o que Dilma fala não se escreve.
A verdade é que, neste momento, falar em crescimento econômico é como a família de um enfermo, há um ano na UTI, cogitar a sua participação como atleta na próxima Olimpíada. Nem combinando com os russos.
No futebol, em 1958, o Brasil venceu a Rússia por 2 a 0. Garrincha deu um show, e Vavá fez os dois gols. A diferença é que naquela época tínhamos um time de craques. Hoje, na política e na administração pública, são muitos os “pernas de pau”. Ou seriam “caras de pau”?
Gil Castello Branco
Roubando palavras: Justiça social
Roubar palavras é a prática de corromper conceitos válidos, usando as palavras para confundir em vez de esclarecer. Quando uma palavra é usada para descrever algo que contradiz o conceito que aquela palavra representa, não só o diálogo se torna impossível como também o próprio pensamento racional.
Na sociedade há dois meios possíveis de interação: a razão e a força. Substituir a razão por mistificação só interessa a quem pretende impor a força. As esquerdas e os populistas usam palavras para provocar emoções, não para transmitir idéias. Isto lhes é necessário, pois a política que defendem é a imposição da força sobre o indivíduo. Ninguém aceitaria isto se entendesse o que está em jogo.
Roubar palavras é artifício constante no discurso esquerdista e populista e deixa o adversário despreparado sem reação. Quem defende a liberdade precisa conhecer os artifícios de quem a pretende destruir.
Justiça é um conceito altamente abstrato. Isto não significa de forma alguma que é um conceito vago ou que pode ter vários significados diferentes. Significa que é um conceito que requer o desenvolvimento de uma longa cadeia de conceitos precedentes para ser corretamente compreendido.
Conceitos abstratos são os mais susceptíveis ao roubo de palavras. Subverter um conceito com um baixo nível de abstração significa contrariar a realidade de maneira evidente, pois o interlocutor provavelmente conhece a definição objetiva daquele conceito.
Por outro lado, muitas pessoas não têm conhecimento de toda a cadeia indutiva que leva aos conceitos mais abstratos. Sabem o que significam “na prática”, mas não conseguem defini-los com rigor. Nestes casos, é fácil usar a palavra que conhecem e associam implicitamente com este sentimento – para dizer algo completamente diferente.
Justiça é um conceito ético. Isto significa que é um conceito que se refere às escolhas que as pessoas fazem. Compreender o que significa “justiça” é compreender o que é a ética, e como ela se aplica à interação entre pessoas. Isto por sua vez requer conhecer a natureza do ser humano, indivíduo dotado de razão.
Não é objeto deste texto desenvolver o conceito de justiça. Aqui é suficiente mostrar como compreender o significado de “justiça” requer compreender uma série de outros conceitos já abstratos, embora mais próximos da percepção direta.
Justiça significa agir para com os outros de maneira consistente com o que eles são, com sua natureza e com seus atos. Justiça é tornar a forma como se trata as pessoas uma conseqüência das escolhas destas pessoas, de suas ações e motivações.
Se uma pessoa comete um crime, viola intencionalmente a vida, propriedade ou liberdade de alguém, é justo tratá-la como um predador, um ser que vive pela força e não pela razão. É justo reagir à força quando alguém lhe ameaça ou agride pela força primeiro.
Se uma pessoa não viola os direitos do próximo, não mata, não rouba e não escraviza, é justo tratá-la como um ser que vive pela razão. É injusto usar a força contra esta pessoa – mesmo que se discorde de suas escolhas.
Há dois aspectos fundamentais ao conceito de justiça: trata-se de agir com base no resultado de um julgamento, portanto é algo fundamentalmente humano. O acaso, leis da natureza e seres irracionais são incapazes de serem justos ou injustos. E trata-se de reconhecer a causalidade, identificar as conseqüências das escolhas de outra pessoa e reagir de acordo.
O conceito de justiça é enfraquecido pelo uso corriqueiro. É comum chamar de “injustiça” quando uma pessoa boa sofre um revés por acaso, como um desastre natural, um acidente ou uma doença. Mas o acaso não é justo nem injusto, ele simplesmente acontece.
Injustiça é agir intencionalmente de forma incoerente com as ações dos outros. Um chefe que dá um aumento para seu amigo em vez de para o funcionário mais eficiente está sendo injusto. Se o amigo do chefe ganha (sem trapaça) a rifa da empresa, isto não é uma injustiça. Embora o resultado seja o mesmo, o amigo ter mais dinheiro que o bom funcionário, este segundo exemplo é apenas obra do acaso.
Mas o conceito de justiça é intencionalmente roubado quando se usa a palavra “justiça” para representar o seu oposto. A esquerda faz isto através do anti-conceito “justiça social”.
“Justiça social”, no discurso esquerdista, é sinônimo de igualdade de condição. Uma sociedade “mais justa” é uma sociedade mais igualitária. Toda desigualdade é tratada como injustiça.
Note-se de imediato que o conceito verdadeiro de justiça é o da causa e conseqüência: é justo agir de forma consistente com a conseqüência dos atos do outro. Igualdade é absolutamente incompatível com o conceito objetivo de justiça.
Somos todos diferentes em capacidade, motivação e condição inicial – que por sua vez resulta da capacidade e motivação de nossos antepassados. Para que se atinja a igualdade de condição, dada a desigualdade de ação, é preciso não agir de acordo com as causas e conseqüências das ações individuais.
Para fazer “justiça social” é preciso ser injusto – por definição.
Por que os esquerdistas roubam a palavra justiça para si? Caso defendessem abertamente a igualdade social – que seria o termo honesto para o que pregam – as esquerdas estariam abertas à pertinente e devastadora crítica de que a igualdade é brutalmente injusta: dá a quem faz menos benefícios que não merece e tira de quem faz muito os frutos de seu esforço.
Roubar a palavra “justiça” destrói de antemão a mais poderosa objeção racional ao ideário da esquerda. O defensor da liberdade individual fica na posição de ter de explicar porque “justiça social” não é justiça coisa nenhuma – um argumento complexo, abstrato e inacessível para muitos.
Aos desonestos esquerdistas e populistas fica a associação emotiva fácil da palavra “justiça” com aquilo que estão propondo, isto sim imediato e de ampla receptividade – apesar de sob esta bandeira promoverem as maiores injustiças.
Para combater o conceito de “justiça social” é preciso desmascarar a desonestidade inerente no termo. É preciso fazê-lo de forma clara e acessível. É preciso confrontar o esquerdista com a crua realidade do que significa colocar em prática este ideal.
“Então você está propondo fazer caridade com dinheiro roubado de gente inocente? Quem disse que o pobre honesto quer esmola? Que justiça é essa que defende roubar de alguém só porque ele trabalhou mais que o outro?”
Quando se deixa claro o que realmente significa “justiça social”, ela parece bem menos desejável.
Na sociedade há dois meios possíveis de interação: a razão e a força. Substituir a razão por mistificação só interessa a quem pretende impor a força. As esquerdas e os populistas usam palavras para provocar emoções, não para transmitir idéias. Isto lhes é necessário, pois a política que defendem é a imposição da força sobre o indivíduo. Ninguém aceitaria isto se entendesse o que está em jogo.
Roubar palavras é artifício constante no discurso esquerdista e populista e deixa o adversário despreparado sem reação. Quem defende a liberdade precisa conhecer os artifícios de quem a pretende destruir.
Justiça é um conceito altamente abstrato. Isto não significa de forma alguma que é um conceito vago ou que pode ter vários significados diferentes. Significa que é um conceito que requer o desenvolvimento de uma longa cadeia de conceitos precedentes para ser corretamente compreendido.
Conceitos abstratos são os mais susceptíveis ao roubo de palavras. Subverter um conceito com um baixo nível de abstração significa contrariar a realidade de maneira evidente, pois o interlocutor provavelmente conhece a definição objetiva daquele conceito.
Por outro lado, muitas pessoas não têm conhecimento de toda a cadeia indutiva que leva aos conceitos mais abstratos. Sabem o que significam “na prática”, mas não conseguem defini-los com rigor. Nestes casos, é fácil usar a palavra que conhecem e associam implicitamente com este sentimento – para dizer algo completamente diferente.
Justiça é um conceito ético. Isto significa que é um conceito que se refere às escolhas que as pessoas fazem. Compreender o que significa “justiça” é compreender o que é a ética, e como ela se aplica à interação entre pessoas. Isto por sua vez requer conhecer a natureza do ser humano, indivíduo dotado de razão.
Não é objeto deste texto desenvolver o conceito de justiça. Aqui é suficiente mostrar como compreender o significado de “justiça” requer compreender uma série de outros conceitos já abstratos, embora mais próximos da percepção direta.
Justiça significa agir para com os outros de maneira consistente com o que eles são, com sua natureza e com seus atos. Justiça é tornar a forma como se trata as pessoas uma conseqüência das escolhas destas pessoas, de suas ações e motivações.
Se uma pessoa comete um crime, viola intencionalmente a vida, propriedade ou liberdade de alguém, é justo tratá-la como um predador, um ser que vive pela força e não pela razão. É justo reagir à força quando alguém lhe ameaça ou agride pela força primeiro.
Se uma pessoa não viola os direitos do próximo, não mata, não rouba e não escraviza, é justo tratá-la como um ser que vive pela razão. É injusto usar a força contra esta pessoa – mesmo que se discorde de suas escolhas.
Há dois aspectos fundamentais ao conceito de justiça: trata-se de agir com base no resultado de um julgamento, portanto é algo fundamentalmente humano. O acaso, leis da natureza e seres irracionais são incapazes de serem justos ou injustos. E trata-se de reconhecer a causalidade, identificar as conseqüências das escolhas de outra pessoa e reagir de acordo.
O conceito de justiça é enfraquecido pelo uso corriqueiro. É comum chamar de “injustiça” quando uma pessoa boa sofre um revés por acaso, como um desastre natural, um acidente ou uma doença. Mas o acaso não é justo nem injusto, ele simplesmente acontece.
Injustiça é agir intencionalmente de forma incoerente com as ações dos outros. Um chefe que dá um aumento para seu amigo em vez de para o funcionário mais eficiente está sendo injusto. Se o amigo do chefe ganha (sem trapaça) a rifa da empresa, isto não é uma injustiça. Embora o resultado seja o mesmo, o amigo ter mais dinheiro que o bom funcionário, este segundo exemplo é apenas obra do acaso.
Mas o conceito de justiça é intencionalmente roubado quando se usa a palavra “justiça” para representar o seu oposto. A esquerda faz isto através do anti-conceito “justiça social”.
“Justiça social”, no discurso esquerdista, é sinônimo de igualdade de condição. Uma sociedade “mais justa” é uma sociedade mais igualitária. Toda desigualdade é tratada como injustiça.
Note-se de imediato que o conceito verdadeiro de justiça é o da causa e conseqüência: é justo agir de forma consistente com a conseqüência dos atos do outro. Igualdade é absolutamente incompatível com o conceito objetivo de justiça.
Somos todos diferentes em capacidade, motivação e condição inicial – que por sua vez resulta da capacidade e motivação de nossos antepassados. Para que se atinja a igualdade de condição, dada a desigualdade de ação, é preciso não agir de acordo com as causas e conseqüências das ações individuais.
Para fazer “justiça social” é preciso ser injusto – por definição.
Por que os esquerdistas roubam a palavra justiça para si? Caso defendessem abertamente a igualdade social – que seria o termo honesto para o que pregam – as esquerdas estariam abertas à pertinente e devastadora crítica de que a igualdade é brutalmente injusta: dá a quem faz menos benefícios que não merece e tira de quem faz muito os frutos de seu esforço.
Roubar a palavra “justiça” destrói de antemão a mais poderosa objeção racional ao ideário da esquerda. O defensor da liberdade individual fica na posição de ter de explicar porque “justiça social” não é justiça coisa nenhuma – um argumento complexo, abstrato e inacessível para muitos.
Aos desonestos esquerdistas e populistas fica a associação emotiva fácil da palavra “justiça” com aquilo que estão propondo, isto sim imediato e de ampla receptividade – apesar de sob esta bandeira promoverem as maiores injustiças.
Para combater o conceito de “justiça social” é preciso desmascarar a desonestidade inerente no termo. É preciso fazê-lo de forma clara e acessível. É preciso confrontar o esquerdista com a crua realidade do que significa colocar em prática este ideal.
“Então você está propondo fazer caridade com dinheiro roubado de gente inocente? Quem disse que o pobre honesto quer esmola? Que justiça é essa que defende roubar de alguém só porque ele trabalhou mais que o outro?”
Quando se deixa claro o que realmente significa “justiça social”, ela parece bem menos desejável.
Dilma Rousseff fala sobre a CPMF
Escravizada pela ruína econômica que produziu, Dilma Rousseff já demonstrou que pode ser a favor de tudo e contra qualquer outra coisa. Sempre foi considerada uma personalidade opaca. Mas fazia pose de intransigente e forte. Engolfada pela crise e pela onda de impopularidade, passou a ser vista por adversários e simpatizantes como fraca e inepta. Ao insistir na recriação da CPMF, potencializa a tese segunda a qual pratica um estelionato político, defendendo algo que jurava não estar nos seus planos. Dilma se autodesmoraliza. Leva água para o moinho do descrédito.
A ex-aversão de Dilma à CPMF está exposta num par de entrevistas eternizadas na internet. “Eu não penso em recriar a CPMF porque eu acredito que não seria correto”, disse ela no ano eleitoral de 2010. “Eu sou contra a CPMF”, declarou no ano seguinte, já instalada no gabinete presidencial. “Sabe por que a população era contra a CPMF? Porque a CPMF foi feita para ser uma coisa e virou outra. Acho que a CPMF foi um engodo nesse sentido.” Costuma-se dizer que o futuro a Deus pertence. E o passado? Quem se responsabilizará pelas declarações de Dilma?
Na campanha presidencial de 2014, período em que recitou no rádio e na tevê espertezas elaboradas pelo marqueteiro João Santana, Dilma satanizou os adversários. Informou ao eleitorado que Aécio Neves era o outro nome sacrifícios. Eleito, o tucano elevaria a carga tributária. Cortaria benefícios sociais, tornando vulneráveis os grupos sociais que o PT içara da miséria para a “classe média''.
Num debate eleitoral, usou a CPMF para fustigar a ex-petista Marina Silva. Na sequência, sua campanha levou ao ar um vídeo que espicaçava a antagonista. A peça explorava uma alegada contradição de Marina sobre votações da CPMF em sessões do Senado, ocorridas em 1995 e 1999. “Mudar de opinião, ainda vá lá. Agora, falar que fez o que não fez, isso tem outro nome'', dizia o narrador no comercial, supervisionado por João Santana e aprovado por Dilma..
Ao abraçar um tributo que dizia refugar, Dilma como que autoriza seus antogonistas a produzirem um comercial dizendo algo assim: “Mudar de opinião, ainda vá lá. Agora, fazer o que jurava que jamais faria tem outro nome: estelionato.” Por mal dos pecados, a presidente pede ao Congresso que aprove a CPMF em pleno ano de eleições municipais. Até os aliados do Planalto reconhecem que são pequenas, muito pequenas, diminutas as chances de deputados e senadores avalizarem a volta do imposto. Mas Dilma não se dá por achada.
Na última sexta-feira, dia em que o IBGE informou que o desemprego bateu em 9% entre agosto e outubro de 2015, Dilma declarou a um grupo de jornalistas que a perda de postos de trabalho é o que mais “preocupa” seu governo, exigindo a adoção de medidas “urgentes”. Ela emendou: “Reequilibrar o Brasil num quadro em que há queda de atividade implica necessariamente —a não ser que façamos uma fala demagógica— em ampliar impostos. Estou me referindo à CPMF.'' A volta do tributo “é fundamental para o país sair mais rápido da crise'', enfatizou.
Tomada ao pé da letra, o que a presidente afirmou, com outras palavras, foi o seguinte: “Tudo o que eu disse sobre a CPMF no passado recente é demagogia.” Difícil dizer do que é que Dilma abusa mais: da paciência da plateia ou da flexibilidade semântica? Num pocesso de autocombustão, Dilma parece perseguir uma inusitada marca de eficiência. Ela mesma desmantela a economia, ela mesma faz o diagnóstico e ela mesmo determina os sacrifícios que o brasileiro terá de fazer para consertar o estrago. O Falta-lhe apenas a credibilidade para exigir suplícios adicionais.
Dilma faz lembrar o personagem de um conto do escritor John Updike. A cena se passa na borda de uma piscina. Na água, o pai estimula o filho de quatro anos a pular. Assegura que irá segurá-lo. “Confie em mim'', ele diz. A criança confiou. E foi submetida às bolhas e ao pânico que se seguiram ao afundamento. Agarrado e suspenso nos braços do pai, desesperava-se em busca de ar quanto ouviu o estalo seco do tapa que a mãe pespegou no rosto do marido.
À frente de um governo perdulário, afogado em gastos, Dilma roga à sociedade: “Confie em mim. A CPMF trará de volta o superávit de caixa do governo. E o Brasil superará rapidamente a crise. O país surfará uma onda de crescimento econômico.” Submetido à temporada de asfixia inaugurada no primeiro mandato de Dilma, o brasileiro responde: “glub, glub, glub.” Alguém talvez precise desferir uma bofetada no rosto de Dilma Rousseff. Ainda que metafórica.
Golpistas não tiram férias
O começo de ano costuma ser mais devagar, com muita gente de férias e o Congresso em recesso. Mas os golpistas não tiram férias. Felizmente, os responsáveis pela Operação Lava-Jato também não. Nem terminamos janeiro ainda e a quantidade de escândalos envolvendo petistas já impressiona. Cada vez fica mais claro que o PT não passa de uma quadrilha disfarçada de partido político, que tentou tomar de assalto o Estado brasileiro.
A revista “Época” revela que um empreiteiro que negocia delação premiada recorreu ao ex-marido de Dilma para destravar barreiras dos empréstimos oficiais. Mensagens interceptadas mostram que o ex-presidente da empreiteira OAS trocou apoio aos negócios por dinheiro a políticos. A batata do ex-presidente Lula assa mais e mais, a ponto de ele contratar famoso advogado criminalista preocupado com os rumos das investigações. Até o “insepulto” cadáver de Celso Daniel voltou a assombrar o PT...
João Santana, marqueteiro do partido, teria recebido dinheiro do petrolão no exterior. Delcídio Amaral, ninguém menos do que o líder do governo que está preso, continua recebendo privilégios e verbas do Senado. E advogados resolvem escrever um manifesto não contra o PT, mas contra a Lava-Jato, que finalmente chega ao andar de cima e assusta a velha “aristocracia” brasileira.
A lista é infindável, a ponto de o brasileiro ficar anestesiado. Eis o que o PT conseguiu nesses anos de governo, além de destruir completamente nossa economia, subverter nossos valores morais e segregar a população: banalizou a corrupção. Ninguém mais parece ligar quando a imprensa divulga mais alguma encrenca. É o que se espera já, como esperamos o nascer do sol diariamente.
Diante desse quadro, não espere que petistas reconheçam com humildade o estrago todo que causaram. Não seriam petistas se o fizessem. Ao contrário: partem para o ataque cínico, chamam de “golpistas” aqueles que querem fazer cumprir as leis, acusam de “elite” (como se isso fosse xingamento) o povo cansado das tramoias entre petistas e grandes empresários.
Mensalão, petrolão, aparelhamento da máquina estatal, do STF, tudo isso é parte do verdadeiro golpe em curso contra nossa democracia. O esquema na Petrobras é fruto do loteamento político da estatal, promovido pelo Planalto para garantir a governabilidade e a permanência do poder. Hoje, a estatal está praticamente falida. A inflação toma na marra mais de 10% do trabalhador, o desemprego chega quase a dez milhões de pessoas, e o governo faz o quê? Fala em aumentar os impostos, que já estão em patamar indecente em nosso país!
Quem pode ainda defender o PT? Das duas, uma: ou faz parte de uma seita ideológica e encara Lula como uma espécie de guru; ou está no esquema de alguma forma, recebe alguma coisa em troca para defender o indefensável. Mas quando você mostra isso, a resposta da turma “neutra” é que estamos “polarizando” demais a política nacional, que tudo virou um grande “Fla X Flu”, que temos “coxinhas” para um lado e “petralhas” para o outro, matando o bom senso.
Não, meus caros. O bom senso quem matou foram os “isentos”, que apelam para o relativismo somente na hora de dar um jeito de proteger o PT. Quando é para detonar Eduardo Cunha, por exemplo, essa “isenção” toda, esse apelo por “moderação” desaparece, retornando apenas quando é para poupar Renan Calheiros, aliado de Dilma. Quando é para atacar Bolsonaro, de quem não se sabe um só “malfeito”, o pedido de calma some.
Defender o PT não é mais questão de opinião, e sim apologia ao crime. Não são “intolerantes” aqueles que não aguentam mais tanto absurdo, e sim cidadãos decentes enojados com essa porcaria toda, cansados do salvo-conduto de que essa corja desfruta, inclusive na grande imprensa.
Roberto Campos, escrevendo a apresentação do clássico “O liberalismo antigo e moderno”, de Merquior, foi direto ao ponto quando disse: “Não é fácil discutir com nossos patrulhadores de esquerda, viciados na ‘sedução do mito e na tirania do dogma’, confortavelmente encrustados na ‘mídia’ e brandindo eficazmente duas armas: a adulação e a intimidação. Cooptam idiotas, chamando-os de ‘progressistas’, e intimidam patriotas, chamando-os de ‘entreguistas’”. Campos não viveu para ver a deterioração do que já era podre, com a invenção do tal “coxinha”. É o baixo nível de nossa esquerda “intelectual”, impotente na hora de sustentar seu projeto político com argumentos.
Vem carnaval aí. Mas cuidado! Enquanto você estiver pulando, os golpistas estarão agindo, para transformar o Brasil numa Venezuela de vez.
Rodrigo Constantino
Os mortos
Surgem, fortes, intensos, aparecem,
depurados e cheios de motivos.
Visitam-nos e acham que merecem
Todo o vigor da nossa atenção.
A morte deu-lhes, pensam, nova vida:
vê-se neles uma concentração
de virtudes - de vida reflectida.
Os mortos ensinam-nos a viver:
dão um valor novo ao que nos rodeia,
dão ao quotidiano acontecer
um brilho vivo que nos incendeia.
Os mortos acendem, em nós, a chama
de uma nova vida. Julgo que pedem
que olhemos fundo a luz que se derrama.
Exigem. Clamam. Os mortos não cedem.Eugénio Lisboa,
depurados e cheios de motivos.
Visitam-nos e acham que merecem
Todo o vigor da nossa atenção.
A morte deu-lhes, pensam, nova vida:
vê-se neles uma concentração
de virtudes - de vida reflectida.
Os mortos ensinam-nos a viver:
dão um valor novo ao que nos rodeia,
dão ao quotidiano acontecer
um brilho vivo que nos incendeia.
Os mortos acendem, em nós, a chama
de uma nova vida. Julgo que pedem
que olhemos fundo a luz que se derrama.
Exigem. Clamam. Os mortos não cedem.Eugénio Lisboa,
Microcefalia: a República cala e permite a imolação das grávidas
Como esperado, já que as interdições ao aborto nunca impediram a sua realização, parece que só mulheres pobres estão tendo bebês com microcefalia. Quem pode pagar R$ 5.000 pratica desobediência civil e aborta entre o pecado e o crime. O Brasil possui uma das leis sobre aborto mais restritivas do mundo, com três permissivos legais: gravidez pós-estupro, em caso de risco de vida da gestante (1940) e anencefalia (2004).
Em “Repressão policial, ideológica e política contra o aborto no Brasil”, registrei: “O aborto – expressão radical de resistência – é uma experiência milenar de milhões de mulheres, que expõe dilemas morais e visibiliza que não é ético obrigar a mulher a levar adiante uma gravidez quando ela não quer ou não pode” (O TEMPO, 14.9.2004).
Numa epidemia que não sabemos quanto vai durar, empurrar milhares de mulheres para o aborto clandestino e inseguro é inominável! É o que a República está fazendo: reforçando o caráter de classe na criminalização do aborto, pois só penaliza as pobres, em geral negras, que sem dinheiro recorrem aos piores lugares, colocando em risco a saúde e até a vida.
Está em vigor uma tabela nacional para aborto/microcefalia: aplicação de cloreto de potássio em clínica privada: R$ 2.000 + R$ 3.000 pelo aborto em si. Há uma segunda opção: pagar a aplicação do cloreto de potássio em serviço privado e realizar o aborto no SUS. E há o Cytotec, ainda nas mãos do narcotráfico no Brasil.
Eis o cenário no qual se movem as mulheres que, após diagnóstico de feto com microcefalia, decidem interromper a gravidez. Há novos problemas clamando solução, e temos de aturar um ministro da Saúde sem repertório científico e humanitário a divagar sobre uma hipotética vacina: “Não vamos dar vacina para 200 milhões de brasileiros. Mas para pessoas em ‘período fértil’. E vamos torcer para que mulheres antes de entrar no período fértil peguem zika para elas ficarem imunizadas pelo próprio mosquito. Aí não precisa da vacina”. (Ai, meus sais!).
Lugar de ministro da Saúde torcedor é em casa, presidente Dilma, sobretudo quando não sabe o que é idade fértil ou reprodutiva, coisa bastante diferente de “período fértil”, que dura em média seis dias e corresponde ao período da ovulação! Melhor ser gado pé-duro no Piauí, que é patrimônio histórico e cultural desde 2009!
Em 1940, a República Federativa do Brasil não se olvidou e incluiu a permissão de aborto em caso de gravidez resultante de estupro, inspirada em uma tendência ética internacional do pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1919), quando o estupro adquiriu dimensão pública de arma de guerra: os invasores e/ou vencedores selavam a vitória estuprando as mulheres dos vencidos. Por que, no cenário da epidemia de microcefalia, não toma para si a responsabilidade de inclusão de mais um permissivo legal? São cenários similares!
“O Brasil deve assumir integralmente as crianças com microcefalia e suas mães” (“O que faremos com nossas crianças com microcefalia?”, O TEMPO, 1º.12.2015). “Quedo-me à impotência diante dos números. Os casos suspeitos só aumentam. Nem sequer temos a dimensão, nem como estimá-la, do que nos espera” (“Desafios ambientais, médicos e psicossociais e microcefalia”, O TEMPO, 15.12.2015). É dever do Estado: cuidar com dignidade das crianças com microcefalia; apoiar gestantes e mães resilientes diante da microcefalia e aquelas que não desejam levar a gravidez adiante.
Defendo o direito ao aborto voluntário segundo a decisão da mulher e considero imoral o Estado impor à mulher ter um filho quando ela não quer.
Em “Repressão policial, ideológica e política contra o aborto no Brasil”, registrei: “O aborto – expressão radical de resistência – é uma experiência milenar de milhões de mulheres, que expõe dilemas morais e visibiliza que não é ético obrigar a mulher a levar adiante uma gravidez quando ela não quer ou não pode” (O TEMPO, 14.9.2004).
Numa epidemia que não sabemos quanto vai durar, empurrar milhares de mulheres para o aborto clandestino e inseguro é inominável! É o que a República está fazendo: reforçando o caráter de classe na criminalização do aborto, pois só penaliza as pobres, em geral negras, que sem dinheiro recorrem aos piores lugares, colocando em risco a saúde e até a vida.
Está em vigor uma tabela nacional para aborto/microcefalia: aplicação de cloreto de potássio em clínica privada: R$ 2.000 + R$ 3.000 pelo aborto em si. Há uma segunda opção: pagar a aplicação do cloreto de potássio em serviço privado e realizar o aborto no SUS. E há o Cytotec, ainda nas mãos do narcotráfico no Brasil.
Eis o cenário no qual se movem as mulheres que, após diagnóstico de feto com microcefalia, decidem interromper a gravidez. Há novos problemas clamando solução, e temos de aturar um ministro da Saúde sem repertório científico e humanitário a divagar sobre uma hipotética vacina: “Não vamos dar vacina para 200 milhões de brasileiros. Mas para pessoas em ‘período fértil’. E vamos torcer para que mulheres antes de entrar no período fértil peguem zika para elas ficarem imunizadas pelo próprio mosquito. Aí não precisa da vacina”. (Ai, meus sais!).
Lugar de ministro da Saúde torcedor é em casa, presidente Dilma, sobretudo quando não sabe o que é idade fértil ou reprodutiva, coisa bastante diferente de “período fértil”, que dura em média seis dias e corresponde ao período da ovulação! Melhor ser gado pé-duro no Piauí, que é patrimônio histórico e cultural desde 2009!
Em 1940, a República Federativa do Brasil não se olvidou e incluiu a permissão de aborto em caso de gravidez resultante de estupro, inspirada em uma tendência ética internacional do pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1919), quando o estupro adquiriu dimensão pública de arma de guerra: os invasores e/ou vencedores selavam a vitória estuprando as mulheres dos vencidos. Por que, no cenário da epidemia de microcefalia, não toma para si a responsabilidade de inclusão de mais um permissivo legal? São cenários similares!
“O Brasil deve assumir integralmente as crianças com microcefalia e suas mães” (“O que faremos com nossas crianças com microcefalia?”, O TEMPO, 1º.12.2015). “Quedo-me à impotência diante dos números. Os casos suspeitos só aumentam. Nem sequer temos a dimensão, nem como estimá-la, do que nos espera” (“Desafios ambientais, médicos e psicossociais e microcefalia”, O TEMPO, 15.12.2015). É dever do Estado: cuidar com dignidade das crianças com microcefalia; apoiar gestantes e mães resilientes diante da microcefalia e aquelas que não desejam levar a gravidez adiante.
Defendo o direito ao aborto voluntário segundo a decisão da mulher e considero imoral o Estado impor à mulher ter um filho quando ela não quer.
Saúde em quarentena
Decisões movidas por diagnósticos equivocados e terapias tópicas, apenas gerenciais, mas anunciadas como mudanças drásticas, são causas indiretas de sofrimentos evitáveis. A saúde não está somente em crise, tornou-se um imenso problema crônico. Soluções improvisadas e choques retóricos podem acarretar novos problemas. As consequências da zika e o colapso de uma parte da rede de serviços no Rio de Janeiro, apesar das especificidades, não são fenômenos imprevistos ou eclosões acidentais. A opção por tratamentos enganosamente técnicos, rápidos, assépticos, não é proposital, resulta de uma forte atração por ações “politicamente imunes”, fundamentadas em falsa divisão de trabalho. Os puros, desinteressados, se encarregariam da busca de tecnologias sociais e gerenciais, enquanto que a mesquinharia e a corrupção ficariam sob a responsabilidade das instituições políticas.
Parcela considerável dos analistas de políticas públicas as concebe como processos movidos exclusivamente por interesses econômicos. Assim, as instituições políticas seriam dinamizadas por patológicos grupos contrários ao bem-estar público. A competição privada, em contraposição à saúde pública, evoca a livre escolha e o bom funcionamento do mercado e a falência da atuação governamental. Entretanto, essa divisão é artificial, as ações coletivas e individuais de saúde são fortemente regulamentadas.
Médicos não podem trabalhar sem diploma e registro em conselhos profissionais. E as acirradas polêmicas do século XIX sobre a obrigatoriedade da vacinação e proibição de produtos e substâncias nocivas versus o livre arbitrário ficaram para trás. Um mercado aberto e competitivo na saúde, que reúna vendedores e compradores de serviços e produtos para prevenção e cura, é uma miragem.
No dia a dia, os mais ardorosos defensores do equilíbrio entre demanda e oferta se desfazem da teoria do melhor custo-benefício sem a menor cerimônia. Aos primeiros sinais de adoecimento, ou mesmo para consultas rotineiras, correm em busca da excelência, de médicos formados e que estão vinculados a instituições e universidades públicas. Tudo muito bem regulamentado pelo Estado; e não deixam e pedir recibo para abater os gastos do Imposto de Renda.
No entanto, a reiteração da dicotomia público-privado desencadeia um crescente ceticismo na capacidade de intervenção governamental e estimula a preferência pelas alternativas baseadas na lógica do mercado, expressas em malsucedidas tentativas de salvaguardar a saúde de influências políticas. Como se a política pudesse ser colocada em quarentena. Claro que não pode, tanto que a saúde vem sendo invadida justamente por aquelas vertentes políticas, quase caricaturais.
As desastradas recomendações para as mulheres em idade fértil do atual ministro da Saúde ou a denúncia de contratação de um vereador (onipresente) pela empresa que faria uma gestão eficiente, sob a lógica do mercado de hospitais, refletem um preocupante afastamento da saúde pública das agendas de inovação, modernização e igualdade social. A comparação entre os currículos de ministros das área econômica e de saúde, quer se concorde ou não com suas ideias, esclarece qualquer dúvida a respeito da condição periférica do setor. A analogia vale para alguns estados e municípios. Quem se lembra do nome dos últimos secretários de Saúde do Rio de Janeiro, a não ser de quem foi acusado de desviar recursos? A caracterização da saúde como um negócio como outro qualquer, ironicamente, abre alas para o atacadão de interesses políticos particularistas. Gurus gerencialistas e seus sempre renovados clichês desenvolvem esforços e agitações respeitáveis.
Contudo, as promessas revolucionárias de poupar gastos desnecessários na saúde não deram certo em lugar nenhum. Acumulam-se evidências sobre a fragilidade de diversas fórmulas tecnocráticas de pagamento de médicos e hospitais e sobre propostas ingênuas de políticas saudáveis. Métodos e valores de remuneração de procedimentos embutem relações de poder. E todos morreremos, ainda que possivelmente mais velhos, menos doentes e mais autônomos, mas necessitando, ao longo da vida, de cuidados de saúde, sejam curativos ou paliativos.
O radicalismo dos jargões e o foco apenas em determinados aspectos administrativos impedem uma visão clara dos potenciais e entraves do conjunto do sistema de saúde. Graças à combinação da atuação política e mobilização de conhecimentos científicos e técnicos, o Brasil realizou uma reforma profunda na saúde. O SUS não é uma construção político-institucional trivial, e os problemas crônicos da saúde não decorrem de seus erros, e sim de sua não implementação.
A insistência na propaganda e nas ações centradas apenas nos focos domésticos de mosquitos, e não nos criadouros gerados pelas condições sanitárias; a “entrega de chaves” de hospitais públicos, como se fossem prédios comerciais, para outra esfera administrativa; a deterioração do programa nacional de imunizações, que precedeu e foi ampliado pelo SUS, são maus prenúncios. Instituições, redes sociais e entidades comprometidas com o desenvolvimento social não podem assistir de camarote ao isolamento político, à mediocridade e aos erros técnicos na saúde. A próxima reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social deve encorajar a inclusão de pontos sobre saúde na pauta, espera-se coerência de fóruns cujos nomes conectam políticas sociais e econômicas. O controle e tratamento da dengue, chicungunha e zika, o monitoramento das iniciativas do gabinete de crise no Rio de Janeiro e a avaliação pormenorizada da irregularidade e falta de fornecimento de vacinas requerem análises à altura do que o Brasil pode realizar.
Saúde é um desafio democrático, refere-se à plausibilidade dos compromissos e compatibilidade dos recursos alocados para os efetivar. Nas eleições municipais de 2016, a política de saúde e o SUS podem ser resgatados desde que liberados do confinamento e dos modismos, achismos e pilhagens.
Ligia Bahia
Médicos não podem trabalhar sem diploma e registro em conselhos profissionais. E as acirradas polêmicas do século XIX sobre a obrigatoriedade da vacinação e proibição de produtos e substâncias nocivas versus o livre arbitrário ficaram para trás. Um mercado aberto e competitivo na saúde, que reúna vendedores e compradores de serviços e produtos para prevenção e cura, é uma miragem.
No dia a dia, os mais ardorosos defensores do equilíbrio entre demanda e oferta se desfazem da teoria do melhor custo-benefício sem a menor cerimônia. Aos primeiros sinais de adoecimento, ou mesmo para consultas rotineiras, correm em busca da excelência, de médicos formados e que estão vinculados a instituições e universidades públicas. Tudo muito bem regulamentado pelo Estado; e não deixam e pedir recibo para abater os gastos do Imposto de Renda.
No entanto, a reiteração da dicotomia público-privado desencadeia um crescente ceticismo na capacidade de intervenção governamental e estimula a preferência pelas alternativas baseadas na lógica do mercado, expressas em malsucedidas tentativas de salvaguardar a saúde de influências políticas. Como se a política pudesse ser colocada em quarentena. Claro que não pode, tanto que a saúde vem sendo invadida justamente por aquelas vertentes políticas, quase caricaturais.
As desastradas recomendações para as mulheres em idade fértil do atual ministro da Saúde ou a denúncia de contratação de um vereador (onipresente) pela empresa que faria uma gestão eficiente, sob a lógica do mercado de hospitais, refletem um preocupante afastamento da saúde pública das agendas de inovação, modernização e igualdade social. A comparação entre os currículos de ministros das área econômica e de saúde, quer se concorde ou não com suas ideias, esclarece qualquer dúvida a respeito da condição periférica do setor. A analogia vale para alguns estados e municípios. Quem se lembra do nome dos últimos secretários de Saúde do Rio de Janeiro, a não ser de quem foi acusado de desviar recursos? A caracterização da saúde como um negócio como outro qualquer, ironicamente, abre alas para o atacadão de interesses políticos particularistas. Gurus gerencialistas e seus sempre renovados clichês desenvolvem esforços e agitações respeitáveis.
Contudo, as promessas revolucionárias de poupar gastos desnecessários na saúde não deram certo em lugar nenhum. Acumulam-se evidências sobre a fragilidade de diversas fórmulas tecnocráticas de pagamento de médicos e hospitais e sobre propostas ingênuas de políticas saudáveis. Métodos e valores de remuneração de procedimentos embutem relações de poder. E todos morreremos, ainda que possivelmente mais velhos, menos doentes e mais autônomos, mas necessitando, ao longo da vida, de cuidados de saúde, sejam curativos ou paliativos.
O radicalismo dos jargões e o foco apenas em determinados aspectos administrativos impedem uma visão clara dos potenciais e entraves do conjunto do sistema de saúde. Graças à combinação da atuação política e mobilização de conhecimentos científicos e técnicos, o Brasil realizou uma reforma profunda na saúde. O SUS não é uma construção político-institucional trivial, e os problemas crônicos da saúde não decorrem de seus erros, e sim de sua não implementação.
A insistência na propaganda e nas ações centradas apenas nos focos domésticos de mosquitos, e não nos criadouros gerados pelas condições sanitárias; a “entrega de chaves” de hospitais públicos, como se fossem prédios comerciais, para outra esfera administrativa; a deterioração do programa nacional de imunizações, que precedeu e foi ampliado pelo SUS, são maus prenúncios. Instituições, redes sociais e entidades comprometidas com o desenvolvimento social não podem assistir de camarote ao isolamento político, à mediocridade e aos erros técnicos na saúde. A próxima reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social deve encorajar a inclusão de pontos sobre saúde na pauta, espera-se coerência de fóruns cujos nomes conectam políticas sociais e econômicas. O controle e tratamento da dengue, chicungunha e zika, o monitoramento das iniciativas do gabinete de crise no Rio de Janeiro e a avaliação pormenorizada da irregularidade e falta de fornecimento de vacinas requerem análises à altura do que o Brasil pode realizar.
Saúde é um desafio democrático, refere-se à plausibilidade dos compromissos e compatibilidade dos recursos alocados para os efetivar. Nas eleições municipais de 2016, a política de saúde e o SUS podem ser resgatados desde que liberados do confinamento e dos modismos, achismos e pilhagens.
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