terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Guerra à guerra de informação

Tomar decisões sobre denúncias de corrupção nunca foi fácil para os jornalistas. Nenhum jogo se apoia tanto na manipulação das emoções e expectativas quanto o das eleições sendo, portanto, mais que previsível que a obrigação da imprensa de dar a conhecer tudo quanto é de interesse público que chegue ao seu conhecimento (não confundir com tudo quanto é de interesse “do público” que é coisa bem diferente) passasse a ser o alvo prioritário dos mais refinados manipuladores de todo o reino animal que são os que a política profissional seleciona. Não é por acaso, portanto, que o jornalismo honesto tenha, desde sempre, usado esse recurso só em último caso, tomando as devidas precauções para não ferir reputações injustamente.

A dominância absoluta desse tipo de expediente na imprensa brasileira hoje é o maior sintoma da gravidade da nossa doença política. Com a corrupção das instituições básicas da Republica pela distribuição de cargos para facilitar a ordenha do Tesouro Nacional oficialmente promovida a instrumento único de conquista e perpetuação no poder, a resposta do Judiciário adotando a delação premiada como antídoto, mas num ambiente atravancado de foros especiais e privilégios de “segredo de justiça” que ensejam a acumulação de “bombas de informação” de efeito retardado, e a mudança no padrão de gestão das empresas de comunicação que transferiram o foco da sua atenção das repercussões institucionais de seus produtos exclusivamente para as injunções de negócio atrelados a eles, formou-se a “tempestade perfeita” que enredou a imprensa numa guerra de (des)informação operada de forma cada vez mais profissional e sistemática em que ha muito mais a perder que reputações.

O vazamento de meias-verdades e mentiras inteiras a conta-gotas numa velocidade que torna impossível apurar cada uma delas transformou-se no fulcro da luta política no Brasil. Essa distorção insinua-se por uma sutileza que, no mais das vezes, passa despercebida pelo leitor: muito mais frequentemente do que não, as redações estão editando com o destaque que só se justificaria se fossem “furos” próprios, apurados e confirmados, aquilo que não passa de denuncia recebida de terceiros envolvidos na luta pelo poder, sem nenhum esforço de reportagem ou investigação autônoma. Mesmo quando há registro de que o órgão apenas “teve acesso” àquela informação, o tiro sobe às manchetes por baixo de logomarcas que – seja fato, seja factóide – emprestam ao que vai afirmado nelas uma credibilidade que, por princípio, deveria ser-lhe negada.


A esta altura já é tão certo e sabido que esse expediente tornou-se a principal arma do arsenal dessa guerra que informaria muito mais mostrar de onde veio cada tiro do que apenas estrondá-lo. A primeira providência para incluir a imprensa fora dessa briga de navalha no escuro é, portanto, banir esse assunto das manchetes, seja o que for que seja dito, sejam quais forem as galonas na farda do agente escalado para dize-lo. Não se trata de não registrar fatos mas sim de passar a cobrir a guerra de informação como guerra de informação que é, tomando dela a devida distância. O fato de estar cada vez mais difícil, aliás, acertar esses tiros apenas no que foi inicialmente mirado, é a prova da irrelevância dessa linha de “investigação jornalística” como contribuição para a solução dos gravíssimos problemas em que se debate o país. De Eduardo Cunha a Leonardo Picciani, da Dilma ao Renan na Petrobras, de Lula a Fernando Collor, passando pelos partidos de A a Z, qualquer fio de meada que se puxe, reservadas as raríssimas exceções que confirmam a regra, chacoalha todos juntos. E isso porque ninguém entre eles representa senão a parte que lhe cabe no latifúndio do privilégio que todos loteiam juntos para criar e sustentar a legião dos “Sem Crise” que os mantém no poder contra a vontade expressa do resto do Brasil.

Dilma Rousseff sofre um processo de impeachment por violação da Lei de Responsabilidade Fiscal porque é no grande oceano do déficit público que desaguam os crimes individuais de todos que agora tratam de escudá-la. No fim (e no começo) é a dinheiro sem trabalho que tudo se resume: o Brasil com privilégios inflou mais, na “Era PT”, do que o Brasil sem privilégios aguenta sustentar, e a economia está paralisada ha um ano não porque não haja solução para isso mas porque a solução passa necessariamente, ou pela extinção de privilégios nunca tocados antes, ou pela oficialização da exploração servil da maioria por uma minoria, situação que, por definição, só se estabelece quando se extingue a democracia. Não existe dificuldade alguma para que qualquer equipe técnica razoavelmente qualificada encontre meios de equacionar as contas do Brasil, dada a circunstância política que torne possível aplicar a matemática à baliza do merecimento, única alternativa para o privilégio. Cabe à imprensa construir essa circunstância dando a conhecer às forças vivas da nação os dados exatos do problema em todas as suas minúcias, isto é, mostrar, nesses dois brasis, onde estão os empregos, os salários, o trabalho e a produção e onde essas coisas correspondem ou não uma à outra. O resto o bom senso faz.

O Brasil não permanece perdido em seu labirinto em função das escolhas erradas de uma “sub-raça” incapaz de tomar o destino em suas mãos como gostam de afirmar os reacionários de sempre, sejam os da matriz “positivista”, sejam os da esquerdista que se diz “vanguarda” de quem não sabe o que é bom para si.

O que tem havido desde sempre é um cerco sistemática e cuidadosamente organizado – dos jesuítas do passado aos professores e intelectuais “orgânicos” de hoje – para impedir essa sociedade de conhecer todas as alternativas possíveis, especialmente aquelas que, testadas e aprovadas pelo mundo afora, têm mostrado eficácia para submeter representantes a representados, “contribuídos” a contribuintes, e extinguir sistemas de privilégio.

É para furar esse cerco que foi inventada a imprensa democrática.

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