quarta-feira, 8 de março de 2023

Orgulho do Brasil

 


Ainda mais idiotas armados


Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos
Nelson Rodrigues

Uma história mal contada

A história das joias trazidas da Arábia Saudita na mochila de um assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, precisa ser mais bem contada.

Segundo o almirante Albuquerque, os pacotes foram entregues em 2021 por uma pessoa do governo saudita à comitiva brasileira que partia de Riad. Ainda segundo ele, seriam presentes para Michelle Bolsonaro, mulher do presidente brasileiro.

Como se chama essa pessoa? A Casa de Saud reina na Arábia, com protocolos. O Brasil tem embaixada na Arábia, e a Arábia tem embaixada em Brasília. Se a mulher do presidente da República receberia um colar, brincos e anel, o canal para a remessa do mimo seria a embaixada. Num grau mais elevado de cortesia, o embaixador em Brasília entregaria o presente ao Itamaraty ou, se fosse o caso, à própria senhora. Assim formaliza-se a gentileza. Feitas as coisas de acordo com o cerimonial, ressaltava-se a cortesia, e deixava-se a questão tributária num segundo plano. O método iFood chique acabou na encrenca revelada agora pelos repórteres Adriana Fernandes e André Borges. Como um adereço inevitável, apareceu também o tenente-coronel Mauro Cid, cuidando da liberação das joias, sem sucesso. Isso tudo com a rotina de carteiradas, marca do governo do capitão.


A pessoa que recebeu os pacotes fechados em Riad deve lembrar o nome ou o cargo de quem lhe pediu que levasse a encomenda. Caso não lembre, nunca mais deverá fazer isso. As prisões do mundo estão cheias de jovens apanhados com cocaína dizendo que não lembram quem lhes pediu que transportassem os pacotes.

Há ainda outro detalhe mal contado na história das joias das Arábias. Um presente valioso como esse seria entregue como se fosse um sanduíche. Falta um cartão com uma mensagem elegante à destinatária. Quem se lembra de ter recebido um presente sem uma palavra de carinho?

É certo, contudo, que Bolsonaro tentou recuperar as joias apreendidas pela Receita. Sempre na base da carteirada. Felizmente, os auditores blindaram a instituição.

Pelo que se sabe até agora, quem mandou as joias teria sido o governo saudita. Essa figura impessoal não existe naquela parte do mundo. Os sauditas, bem como os emires vizinhos, gostam de presentear visitantes, sempre estreitando uma relação pessoal.

O almirante Flávio Augusto Viana Rocha, secretário especial de Assuntos Estratégicos durante o governo Bolsonaro, acumulou vasta experiência em negociações com os sauditas e com os emires das vizinhanças. Consultado, certamente teria uma boa palavra a dar sobre esse assunto, prevenindo, ou até mesmo evitando o escândalo.

Poucos governos tiveram laços tão estreitos com os sauditas e com os emirados como o governo Bolsonaro. Chega a ser surpreendente que tenha tropeçado nas caixas de joias.

Outros presentes enviados por sauditas foram listados no acervo de Bolsonaro

A Presidência catalogou mais de 9.000 presentes recebidos por Jair Bolsonaro em quatro anos. Além de chaveiros, canetas, camisas de futebol e quadros listados no acervo, ficaram de fora as joias da Arábia Saudita avaliadas em R$ 16,5 milhões e apreendidas pela Receita no desembarque no Brasil, como revelou o jornal O Estado de S. Paulo.

Outros pacotes oferecidos pelo reino, no entanto, foram incorporados ao acervo do presidente, segundo registros do GADH (Gabinete Adjunto de Documentação Histórica), vinculado à equipe de Bolsonaro.


O primeiro presente dos sauditas foi recebido em 2019 e entrou para o acervo presidencial no dia 11 de novembro daquele ano, dias depois de uma viagem de Bolsonaro ao país. Segundo o documento, o kit continha um relógio, abotoaduras, um anel, uma caneta e um tipo de rosário.

O pacote, de acordo com a listagem, é formado pelos mesmos itens que foram entregues em outubro de 2021 à comitiva do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Como a Folha mostrou, os presentes da marca suíça Chopard só foram repassados ao acervo do presidente no ano seguinte.

Uma terceira leva de presentes foi enviada para Bolsonaro na mesma viagem de Bento Albuquerque à Arábia Saudita. No dia 26 de outubro de 2021, dia do desembarque da comitiva do ministro, foram integradas ao acervo do presidente uma escultura, um broche, um lenço e um bisht, manto usado em ocasiões especiais.

Os itens estão em duas planilhas elaboradas pelo GADH para atender a pedidos feitos com base na Lei de Acesso à Informação, no fim do ano passado. O órgão anotou que o material fazia parte do "acervo privado do presidente da República", mas não esclareceu se Bolsonaro levaria os presentes ao deixar o cargo.

Os documentos listam ainda um quarto pacote de presentes dos sauditas, de caráter mais protocolar, entregue em novembro de 2020. Ele inclui um estojo, cartões, uma caixa, uma bolsa, uma bandeira, uma placa, uma moeda e um selo.

Caráter personalíssimo faz de Bolsonaro um fora da lei

A mesquinhez fez Bolsonaro apossar-se do estojo com joias que recebeu de presente da ditadura da Arábia Saudita, e que entrou ilegalmente no Brasil por meio de uma mula, o almirante Bento Albuquerque, ex-ministro das Minas e Energia.

A cobiça fez Bolsonaro empenhar-se mais de um ano para reaver o estojo com joias endereçado pelos sauditas à primeira-dama Michelle, apreendido por agentes da Receita no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Fez oito tentativas e todas fracassaram.


Faziam parte do estojo de Bolsonaro um relógio, um par de abotoaduras, uma caneta rosa gold, um anel e um masbaha (espécie de rosário islâmico), todos da marca suíça Chopard. O site da loja vende peças similares que, juntas, custam R$ 400 mil.

Um bom presente, mas o de Michelle era mais valioso: um colar, um par de brincos, um relógio e um anel avaliados em R$ 16,5 milhões. Com esse dinheiro, Bolsonaro poderia comprar uma mansão de 1.200 m² em um condomínio em Alphaville, São Paulo.

A mansão tem cinco dormitórios (sendo três suítes), oito vagas de garagem, piscina aquecida, churrasqueira externa coberta, espaço gourmet, adega refrigerada, home theater profissional, poltronas reclináveis, academia, brinquedoteca e sauna. Um paraíso.

Ou então três iates produzidos no Brasil pelo estaleiro Triton Yachts: o Triton 52 HT. A embarcação tem 120 metros quadrados de área. Na proa, assentos retráteis para banhos de sol e relaxamento. Bolsonaro gosta de pescar. Sobrariam R$ 3 milhões.

Ou então 15 motos de luxo Ducati Superleggera V4. Cada uma custa R$ 1,1 milhão, tem 234 cv e pesa 152 quilos. Bolsonaro aprecia motos. Poderia promover motociatas particulares sem ter que dar satisfações a ninguém. Desde que usasse capacete.

Em agosto último, para candidatar-se outra vez, Bolsonaro foi obrigado a revelar o valor do seu patrimônio pessoal: R$ 2,3 milhões. Uma titica, convenhamos, para um político com quase 30 anos de carreira. O lucro com a rachadinha não foi declarado.

Pois bem: somados os patrimônios declarados por ele, Lula, Ciro Gomes, Simone Tebet e os demais candidatos, à exceção de Felipe d’Avila, do Novo, o resultado da conta, ainda assim, ficaria abaixo do valor do presente de Michelle (R$ 16,5 milhões).

É compreensível o esforço feito por Bolsonaro para meter as mãos nas joias da mulher: demitiu o Secretário da Receita que não colaborava; ao substituto, que colaborou, premiou mais tarde com um emprego em Paris; e acionou os militares à sua disposição.

Foi um deles, o tenente-coronel Mauro Cid, que ontem contou que Bolsonaro está com o modesto presente saudita orçado em R$ 400 mil. Guardou-o em um galpão que já foi localizado pela Polícia Federal. Ali, acumulam-se seus pertences.

O advogado Frederick Wassef, que já escondeu Queiroz, diz que os bens em posse de Bolsonaro “são de caráter personalíssimo”, coisas que ele ganhou em viagens. No entendimento do Tribunal de Contas da União, joias não têm caráter pessoal.

Se elas foram dadas de presente a Bolsonaro como chefe de Estado, quem as trouxe teria que informar que eram para o Estado; se foram dadas para a pessoa física, teria de informar da mesma forma. E se tivesse sido uma Ferrari, por exemplo?

O peronista Carlos Menem, presidente da Argentina, ganhou em 1991 uma Ferrari vermelha de presente de um empresário italiano que fazia negócios em seu país. Dizia ser um presente “pessoal”. Lutou na Justiça para ficar com o carro. Acabou perdendo-o.

Em maio de 2022 havia sete modelos de Ferrari à venda no Brasil, com preços variando entre R$ 3,4 milhões e R$ 8,4 milhões. Com a venda das joias de Michelle e um pequeno abatimento, daria para Bolsonaro comprar duas Ferrari do modelo mais caro.