segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Marco Aurélio: cassação ou impeachment? marco aurélio/Agência RBS

Delírio tropical

Dilma lembrou-me, esta semana, de uma piada que li na velha revista “Esquire”. Alguém dizia para Nikita Kruschev na ONU: seu alfaiate deveria ser mandado para a Sibéria. No caso de Dilma não é quem faz a roupa, mas a agenda, que deveria passar um tempo na Sibéria. No auge da crise econômica, condenada por um rombo no orçamento que pode ser de R$ 50 bilhões, desemprego em alta, lojas fechando, carros oficiais sem gasolina, ela decide ir à Suécia reafirmar uma compra milionária de caças.

Compreendo que a Aeronáutica precise dos caças e que a opção pela tecnologia sueca tenha sido acertada. Sou, entretanto, de um tempo em que os presidentes analisavam o momento e, em função dele, definiam sua agendas. Qual o sentido, no auge dessa crise, de acenar, de novo, com a compra dos caças de US$ 4,5 bilhões? Não queriam provocar, creio. Talvez tenham pensado que esse gesto de Dilma, posando ao lado dos caças milionários, iria elevar o ânimo da galera no Brasil.
Montada no maior escândalo mundial, gastando US$ 10 mil com a diária, Dilma foi mais longe no seu delírio: deu a entender que tudo foi obra de um homem só, Eduardo Cunha. “Lamento que isso aconteça com um brasileiro.” “No meu governo não há corrupção.” São algumas de suas frases lapidares.

Os fatos diários mostram ex-ministros encrencados com propina (como é o caso de Edson Lobão, Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann), ministros atuais investigados pelo Supremo (Edinho Silva e Aloizio Mercadante), uma Petrobras arruinada, milhões de pessoas nas ruas protestando contra a corrupção. Isso não é com ela, nem com seu governo. É raro um momento histórico em que a verdade dos fatos seja espancada com tanto vigor e cinismo.

Às vezes, a verdade sofre grandes abalos, como mostra Isaiah Berlin em seu ensaio sobre o romantismo alemão do século XVIII. Naquele momento, tratava-se da afirmação de uma verdade subjetiva, uma espécie de inversão, de dentro para fora. Berlin aponta esse momento como um dos decisivos no pensamento ocidental. Os próprios modelos humanos se deslocavam. Saía de cena, o sábio que alcança a felicidade ou a virtude pela compreensão. E entrava o herói trágico que busca realizar a si próprio, a qualquer custo, sem se importar com as consequências. Para Berlin, isso era uma virada quase tão grande como a produzida pelas ideias de Maquiavel, para quem os valores políticos não são apenas divergentes, mas podem ser contraditórios, com os valores cristãos.

O que acontece hoje, no entanto, não me parece uma versão decadente dessas teorias que abalaram o pensamento ocidental. Os franceses descrevem a cara de pau dos políticos com a expressão langue de bois. E a definem como discursos cortados da realidade com o objetivo de manipular o interlocutor. O que acontece, na verdade, me parece um pouco mais com a descrição da linguagem infantil de Jean Piaget. Ele notou que, até uma certa idade, a linguagem das crianças era egocêntrica: falavam sem se preocupar em serem entendidas, falavam para si próprias.

A visão de que a luta política é uma sucessão de narrativas — eu crio a minha, você cria a sua e vamos em frente — acaba dando margem a uma conversa infantil e egocêntrica. Não importa se o outro acredita, essa é a minha verdade. Vou continuar repetindo-a, independentemente dos fatos. Eles são secundários, pois tenho uma narrativa.

Num país onde política e delinquência andam juntas, a atmosfera não está apenas coalhada de versões, mas de álibis. Para entendê-los, valho-me da experiência de repórter policial e não da política. Nesse campo, as negativas costumam ser radicais, como o criminoso que diz que estava fora de si, o corpo desobedeceu a mente.

Paulo Maluf diz que não tem conta na Suíça, a assinatura não é sua. Eduardo Cunha diz que apenas seu advogado pode dizer se tem ou não contas na Suíça. Dilma diz que no seu governo não há corrupção, Lula que não tinha intimidade com o pecuarista José Carlos Bumlai, a quem deu acesso livre ao seu gabinete.

Na verdade, não estão falando para a sociedade, mas para a polícia. Sua linguagem pode me parecer egocêntrica, pelos padrões de uma conversa adulta. Mas é a única que conseguem falar nesse momento. Os suspeitos seguem em cena e a vida do país se degradando, na economia com o desemprego, no meio ambiente com El Niño. Mais de uma centena de cidades do Rio Grande do Sul em emergência. Seca no Sudeste e no Nordeste. Em Minas, aumentou em 77% o número de incêndios em área de preservação ambiental. Três grandes metrópoles — São Paulo, Rio e Belo Horizonte — vão ter menos água ainda. Falar de El Niño nesse universo político é arriscar o álibi uníssono; mas esse filho não é meu. Se as versões são livres, que tal esta, que o poeta Affonso Romano dizia, quando jovem pregador em Minas: “Arrependei-vos, ó raça de víboras, o juízo final está próximo".

De Hércules-Quasímodo e ornitorrincos

Uma imagem de Euclides da Cunha ao caracterizar o sertanejo com que se deparava em sua viagem para cobrir a Guerra de Canudos pode ser mobilizada de maneira produtiva na construção de uma representação do País em meio a esta crise aguda: Hércules-Quasímodo. Uma alegoria surpreendente que associa um personagem da mitologia grega a outro que compõe a conhecida ficção de Victor Hugo cujo cenário é a Catedral de Notre-Dame, em Paris. O Brasil seria uma espécie de Hércules-Quasímodo, a figura de um gigante deformado, uma força bruta, de impossível conexão com qualquer narrativa edificante da Nação em busca da sua modernidade.

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Esse Hércules-Quasímodo, como se sabe, vem de longe, atravessou o século e depois de cada fracasso emerge evidenciando as imensas dificuldades de se aproximar do seu suposto desígnio. Conscientes ou não, partilhamos essa história e, de crise em crise, reconhecemos que, apesar de vivenciarmos modernizações sucessivas, o moderno escorre por entre nossos dedos sem que possamos apreendê-lo coletivamente e seguir sua trilha. E assim, aparentemente, nos convencemos de que o Brasil faz jus a essa imagem que comunga simultaneamente força e grandeza, tropeço e repulsa a si mesmo.

Em "Existe um Pensamento Político Brasileiro?" (1994), Raymundo Faoro resgata a imagem de Euclides ao repensar os problemas históricos da “modernização nacional”. A coincidência com a turbulência que o País vivia devida ao processo de impeachment de Fernando Collor de Mello não é fortuita. 

O jurista gaúcho, notabilizado pelo seu "Os Donos do Poder", de 1958, no qual examinara nossas raízes patrimonialistas, fazia um diagnóstico duro a respeito do fracasso sucessivo das modernizações vivenciadas pelo Brasil. Recorrendo à teoria das “vantagens do atraso” (Veblen), na qual se admite o avanço do capitalismo em países retardatários desde que orientado no sentido de buscar alcançar o patamar estabelecido pelos países precursores, Faoro enfatizou que as crises brasileiras eram provocadas pelo esgotamento do “dirigismo estatal” adotado com vista a mobilizar tais vantagens em favor da modernização. Seguindo esse argumento, advogava que até o final do século 20 o País não havia descoberto o que ele chamava de a “pista da lei natural do desenvolvimento” que lhe proporcionaria um encontro histórico com a modernidade. Um desígnio que deveria ser cumprido em etapas sucessivas, desconsiderando quaisquer tipos de atalhos. Faoro compartilhava a crença de que Lula e o PT poderiam ser os atores que iriam possibilitar ao País essa descoberta e essa reviravolta na trajetória do Brasil. Ele morreu em 2003 e, assim, torna-se insondável, porém não insuspeitável, o que ele nos poderia dizer a respeito dos dias que correm.

Com outros autores, Faoro compartilhava a visão de que o Brasil era a expressão de uma história sem síntese. Nossas modernizações se inscreveriam num tempo circular, numa “história fossilizada”, num “cemitério de projetos, de ilusões e de espectros” em que modernizações sepultavam modernizações, sem que o moderno pudesse enfim se estabelecer. Estava seguro de que o desenvolvimento não poderia ser “uma matéria de decretos” e uma elite política não poderia, pela compulsão e pela ideologia, “gerar a Nação”. Duvidava desse dirigismo e lamentava a ausência do liberalismo, um “elo perdido” da nossa trajetória histórica. A metáfora de Euclides servia-lhe para representar o Brasil como “uma enfermidade”, uma deformação produzida historicamente. 

Hércules-Quasímodo, essa representação de uma “história torta” que, mesmo assim, segue seu curso, ganharia outra configuração num tempo mais próximo de nós por meio de uma metáfora de caráter similar. Com o petismo triunfante, a partir de 2002, o Brasil anunciava mudanças sem precedentes. Rapidamente elas ganhariam a conotação de uma “grande transformação”, anunciando a mais recente tentativa de mobilizar, com recursos modernos, as “vantagens do atraso” com vista à sustentação e reprodução de uma elite dirigente e de seu projeto de modernização. De acordo com o sociólogo Chico de Oliveira, esse Brasil petista seria como um ornitorrinco, um animal exótico, mescla de mamífero, ave e réptil, único em toda a “história natural”. O sentido dessa nova alegoria se prendia à incapacidade de se caracterizar um processo cuja natureza estava no fato de que a classe operária estaria a comandar, a partir de Lula, a revolução capitalista no Brasil, invertendo os termos gramscianos e realizando uma espécie de “hegemonia às avessas”. 

Contudo o lulismo não processou o trânsito das “vantagens do atraso” para as “vantagens do moderno”, distanciando-se de um projeto que superasse o dirigismo, o patrimonialismo e o corporativismo e estabelecesse um novo nexo entre mercado, democracia, autonomia e bem-estar. Os governos de Lula e do PT se inserem, portanto, no longo processo de “revolução passiva à brasileira” (Luiz Werneck Vianna), transformista e inconcluso. Houve alguma ilusão de que poderia sobrevir um momento de clivagem no qual se reverteriam os termos da revolução passiva e a mudança pudesse dirigir a conservação. Mas esse momento não veio e, ao que tudo indica, não virá.

Há um caráter histórico no fracasso do petismo, que mostra, mais uma vez, que não haverá possibilidades de seguirmos em frente reproduzindo o passado de maneira farsesca. Cada dia que passa o País acumula sinais tenebrosos. A crise anuncia-se como inaudita, com regressão econômica e grande desorientação política, apenas comparável à magnitude da crise ético-moral. Os sinais são de mais um ciclo de modernização que colapsa. O “Brasil petista” foi tão somente um autoengano no qual Hércules-Quasímodo e ornitorrincos vagueiam sem direção.

Quem são e o que querem os que negam a internet?

Sede central da Oracle no Vale do Silício, na Califórnia 
O Vale do Silício, conjunto monótono de centros comerciais, parques empresariais e complexos de fast-food, não parece um núcleo cultural, e, no entanto, se converteu exatamente nisso. Nos últimos 20 anos, a partir do exato momento em que a empresa de tecnologia norte-americana Netscape comercializou o navegador inventado pelo visionário inglês Tim Berners-Lee, o Silicon Valley tem remodelado os Estados Unidos e grande parte do mundo à sua imagem e semelhança. Provocou uma revolução na forma de trabalhar dos meios de comunicação, mudou a forma de conversar das pessoas e reescreveu as regras de realização, venda e valorização das obras de arte e outros trabalhos relacionados com o intelecto.

De bom grado, a maioria das pessoas foi outorgando um crescente poder ao setor tecnológico sobre suas mentes e suas vidas. No fim das contas, os computadores e a Internet são úteis e divertidos, e os empresários e engenheiros se dedicaram a fundo para inventar novas maneiras de fazer com que desfrutemos dos prazeres, benefícios e vantagens práticas da revolução tecnológica, geralmente sem ter que pagar por esse privilégio. Um bilhão de habitantes do planeta usam o Facebook diariamente. Cerca de dois bilhões levam consigo umsmartphone a todos os lugares e costumam dar uma olhada no dispositivo a cada poucos minutos durante o tempo em que passam acordadas. Os números reforçam o que já sabemos: ansiamos as dádivas do Vale do Silício. Compramos no Amazon, viajamos com o Uber, dançamos com o Spotify e falamos por WhatsApp e Twitter.

Mas as dúvidas sobre a chamada revolução digital têm crescido. A visão imaculada que as pessoas tinham do famoso vale tem ganhado uma sombra inclusive nos Estados Unidos, um país de apaixonados pelos equipamentos eletrônicos. Uma onda de artigos recentes, surgida após as revelações de Edward Snowden sobre a vigilância na Internet por parte dos serviços secretos, tem manchado a imagem positiva que os consumidores tinham do setor de informática. Dão a entender que, por trás da retórica sobre o empoderamento pessoal e a democratização, se esconde uma realidade que pode ser exploradora, manipuladora e até misantrópica.

As investigações jornalísticas encontraram provas de que nos armazéns e escritórios do Amazon, assim como nas fábricas asiáticas de computadores, os trabalhadores enfrentam condições abusivas. Descobriu-se que o Facebook realiza experiências clandestinas para avaliar o efeito psicológico em seus usuários manipulando o “conteúdo emocional” das publicações e notícias sugeridas. As análises econômicas das chamadas empresas de serviços compartilhados, como Uber e Airbnb, indicam que, apesar de proporcionarem lucros a investidores privados, é possível que estejam empobrecendo as comunidades em que operam. Livros como o de Astra Taylor The People’s Platform [A Plataforma do Povo], publicado em 2014, mostram que com certeza a Internet está aprofundando as desigualdades econômicas e sociais, em vez de ajudar a reduzi-las.

As incertezas políticas e econômicas ligadas aos efeitos do poder do Vale do Silício vão além, enquanto o impacto cultural dos meios de comunicação digitais se submete a uma severa reavaliação. Prestigiosos autores e intelectuais, entre eles o prêmio Nobel peruano Mario Vargas Llosa e o romancista norte-americano Jonathan Franzen, apresentam a Internet como causa e sintoma da homogeneização e a trivialização da cultura. No início deste ano, o editor e crítico social Leon Wieseltier publicou no The New York Times uma enérgica condenação do “tecnologicismo”, em que sustentou que os “gangsteres” empresariais e os filisteus tecnológicos confiscaram a cultura. “À medida que aumenta a frequência da expressão, sua força diminui”, disse, e “o debate cultural está sendo absorvido sem parar pelo debate empresarial”

A encarnação da cretinbice


O grande problema com aqueles que querem o meu impeachment é a falta de motivação
Dilma ao jornalista Fareed Zackaria na CNN.

Cinismo e desespero

A história mundial está repleta de exemplos inspiradores. E a saga brasileira também. Os defeitos pessoais e as limitações humanas dos homens públicos, inevitáveis e recorrentes como as chuvas de verão, não matavam a política. Hoje, no entanto, assistimos ao advento da pornopolítica e ao avanço de um inclemente deserto de liderança. A vida pública, com raras e contadas exceções, transformou-se num espaço mafioso, numa avenida transitada por governantes corruptos, políticos cínicos e gangues especializadas no assalto ao dinheiro público.

Não bastasse tudo isso, e não é pouco, o Brasil foi tomado por um grupo disposto a impor à sociedade um modelo ideológico autoritário de matriz marxista: o bolivarianismo. Optaram, esperta e pragmaticamente, pelo atalho gramsciano: o populismo democrático. O lulopetismo, como bem lembrou recente editorial do jornal O Estado de S.Paulo, “aplicou um ‘nova matriz econômica’ que priorizou os investimentos de alto retorno eleitoral –como programas sociais que efetivamente ajudaram a tirar milhões de brasileiros momentaneamente da miséria, mas sem nenhuma garantia de efetiva inserção na atividade econômica”.

“De acordo com a constatação insuspeita de Frei Betto, nas favelas que se multiplicam por todo o país se encontram hoje barracos devidamente equipados com geladeira, eletrodomésticos, televisores moderníssimos, às vezes até mesmo carros populares e outros objetos de consumo, mas quando saem porta afora as pessoas não encontram escolas, postos de saúde e hospitais decentes, transporte público eficiente e barato, segurança adequada, enfim, os bens sociais que são muito mais essenciais a um padrão de vida digno do que os bens de consumo que lhes oferecem a ilusória sensação de prosperidade”, concluiu o editorial.

O bolivarianismo tupiniquim, estrategicamente implantado por Lula, rendeu bons resultados aos seus líderes: muito poder e muito dinheiro. Não contaram, no entanto, com três fatores complicadores: a força inescapável da realidade econômica, o papel da liberdade de imprensa e a independência das instituições.

A política econômica populista, que, como hoje se constata, não tinha possibilidade de se sustentar, provocou a catastrófica crise que aprisionou Dilma Rousseff no figurino de um zumbi, reduziu a pó o capital político do PT e transformou Lula num náufrago que se agarra à miragem de sua candidatura em 2018. Não vai funcionar. Lula é um manipulador, mas tudo tem limites. Armado de um cinismo afiado, procura transformar irresponsabilidade fiscal em pedalada social. Uma tentativa, mais uma, de lançar pobres contra ricos. Mas a mentira não se sustenta. Como lembrou a jornalista Miriam Leitão, das “pedaladas” de R$ 40 bilhões, R$ 6 bilhões foram para os pagamentos de programas sociais. “A maior parte da dívida é com programas do bolsa empresário.” A população sentiu a mordida da traição populista: desemprego, inflação, saúde que definha nos corredores da morte do SUS.

Os sucessivos e raivosos ataques de Lula à mídia, balanceados com declarações formais de adesão à democracia, não conseguem mais esconder seus dragões interiores. O ex-presidente está desesperado com o avanço da Lava Jato.

As instituições estão funcionando. Felizmente. O juiz federal Sergio Moro não é um contínuo do Palácio do Planalto. É representante de outro poder da República. A Polícia Federal, independente e eficiente, não é um departamento subordinado aos interesses, caprichos e ordens da doutora Dilma Rousseff.

A Operação Lava Jato vai compondo um quadro de corrupção que arranhou gravemente a história, a saúde financeira, a marca e o futuro de um ícone do Brasil: a Petrobras. Lula e Dilma, queiram ou não, estão no olho do furacão.

A crise econômica e política é gravíssima. Mas a sua raiz é ética e moral. O espaço público é um deserto de princípios, de valores e de grandeza. Virar o jogo não depende de salvadores da pátria, mas de trabalho, honestidade e competência. A democracia tem o melhor remédio: o voto. O Brasil vai ganhar o jogo.

Lula e o imperaivo de sobrevivência

Ao completar 70 anos, amanhã, pode o Lula considerar-se na plenitude de sua capacidade para realizar o Bem ou o Mal? Como já se dedicou a ambos os objetivos, ora atendendo os pobres e os necessitados, ora privilegiando os ricos e os vigaristas, continua em aberto a possibilidade dele tentar voltar ao palácio do Planalto. Não se diz voltar ao poder porque deste jamais se afastou, tanto controlando o PT quanto interferindo no governo Dilma. Muita gente considera inviável o retorno do ex-presidente, dado o desgaste do partido dos companheiros e o fracasso hoje evidente da administração da sucessora. Madame deixou de ser a esperança de continuidade de um período ao menos em parte voltado para os menos favorecidos. Transformou-se em instrumento fisiológico de uma base parlamentar ávida de sinecuras e favores variados. Atende sugestões esparsas do antecessor, mas permanece a maior parte do tempo lambuzando o país de incompetência.

Caso decida ou não possa evitar candidatar-se em 2018, o Lula carregará o fracasso da Dilma. Talvez o peso venha a ser demasiado para obter a vitória, como revelam as pesquisas atuais. Nessa hipótese, precisará encontrar quem o substitua como candidato, mas quem? Nos quadros do PT a safra revela-se decepcionante. Jacques Wagner, Aloizio Mercadante, Ricardo Berzoini? Não dá. Será o ex-presidente obrigado a aceitar o encargo, por falta de alternativas? Mas, se perder, não estará acionando a pá-de-cal na aventura um dia saudada como capaz de mudar o Brasil? Apoiar um candidato de origem diversa, tipo Ciro Gomes, será um risco, mas pior seria aceitar Michel Temer, do PMDB.

Nesse cipoal encontra-se o ex-torneiro-mecânico, ao completar 70 anos. Desejando ou não retornar, quando tiver 73, sua candidatura será um imperativo de sobrevivência, não apenas pessoal, mas do movimento que criou. Só que obstáculos levantam-se de todos os lados. As acusações de haver-se tornado milionário, envolvendo também sua família. Relações pouco claras com empreiteiros hoje morando na cadeia. O desgaste natural da idade. A falta de renovação no próprio partido. O distanciamento da classe operária, atualmente órfã de lideranças em condições de reivindicar melhores condições de vida e de trabalho. E mais o desemprego crescente, o aumento de impostos, taxas e tarifas, a redução de direitos sociais, a queda nos índices de crescimento econômico e a inflação.

O diabo é que, mesmo enfrentando tamanha carga negativa, o Lula poderá não encontrar argumentos para recusar a candidatura. Arriscado a enfrentar a derrota, não lhe será possível saltar de banda.

Ela não quer. Ela não vai

No começo, eles acharam que a vida estava ganha. Melhor ainda, ganha sem esforço.

Pelo menos pelos próximos anos, sejam eles quatro ou oito. Mas os humoristas viveram a ilusão de que haviam encontrado fonte inesgotável, incomparável, inestimável, de matéria prima.

Alegria de humorista dura pouco. De matéria prima, ela rapidamente tornou-se personagem. Dispensou a intermediação de humoristas, cartunistas, ou profissionais da sátira. Passou (ou talvez apenas tenha continuado) a oferecer o ridículo a granel, a todos, sem necessidade de intermediação, interpretação ou caricatura. Passou de inspiração a concorrente. A piada já vem pronta. O gosto, duvidoso.

Respingam de sua boca palavras sem nexo, pensamentos ininteligíveis, ideias desconexas. Tudo empacotado por linguagem confusa, cheia de erros. Onde concordância é coisa renegada ao ostracismo. E o português, pobre, tratado a pontapés.

Os mais realistas se envergonham. É duro admitir que ela nos representasse. Que nos governa. Nem Garcia Márquez poderia ter criado caricatura semelhante. O realismo, ali, é mais do que fantástico. Vai do inaceitável ao inacreditável.

Com muita forca, sua chegada ao topo pode trazer uma réstia de esperança. O nível ficou tão baixo que as oportunidades não mais dependeriam de qualificação. Ou de qualquer critério que exija competência, clareza, coerência, ou simples capacidade de comunicação. Se ela foi eleita e (pior!) reeleita, isto quer dizer que qualquer um pode chegar lá. Qualquer um mesmo.

O problema é que governar é coisa séria. Traz consequências, impactos e repercussões. E ser governado por uma piada é perigoso. Em todos os sentidos.

Poderia abreviar o sofrimento. Poupar os ouvidos. Afagar nossa inteligência. Bastava renunciar. Se tornar ausente. Ir embora. Nem os humoristas lamentariam. Mas ela não quer. Mas ela não vai. É duro.

Fim da linha

A crise de tudo que estamos vivenciando subiu no telhado. Mais do mais, ela é especialmente grave porque o país perdeu o seu eixo. Em qualquer crise, em qualquer momento e em qualquer nação ou tribo, o que sempre se sobressai é a figura de um líder ou de uma ideia, de uma instituição, um suporte, um norte, cunhados ou eleitos pelas circunstâncias ou pela sociedade e identificados como referência de mudança, de reconstrução, para se avançar.

No caso da atualidade brasileira, o xadrez é outro. Vivemos uma enorme crise política com a presidente da República nas cordas, lutando contra o nocaute e sempre salva pelo gongo. Dilma, ainda que tardiamente, precisa conter a enxurrada de gastos, alimentada pela irresponsabilidade, pela corrupção, pela histórica falta de critério e austeridade da gestão pública sempre presentes como nota tônica nos projetos de governos, no seu inclusive.

O ajuste fiscal é a única solução ainda possível mas ele não interessa a grupos com mando ou influência política, a partidos da oposição ou mesmo da situação, a setores do empresariado, do sindicalismo e do próprio governo. Aprová-lo requer a liberação de emendas parlamentares, a concessão de cargos e favores imorais, segurar (ou tentar) o Judiciário para que coloque ou não na cadeia A, ou B, ou E, de Eduardo. Requer a dança das cadeiras, a troca de ministérios, de verbas do orçamento, tudo que, se feito para se aprovar o ajuste, significará nada porque as mudanças ou o tempo vão comer o próprio ajuste.

Não há investimentos em nenhuma atividade econômica, por falta, especialmente, de segurança jurídica. Todas as nossas instituições estão sobrevivendo em regime de concordata ou mesmo de falência. Com toda essa indigência de ideias e de recursos, o único assunto que se discute é se Eduardo Cunha fica na Presidência da Câmara, embora contra si já se tenham colecionado centenas de provas de sua cara presente, sorrindo, em quase todas as janelas da corrupção ou outros malfeitos de tudo que é bras nesse Brasil. Nada anda, nada muda, nada se constrói.

Além desse pouco, políticos, federações e outros iluminados parecem mais preocupados se Levy, que apesar de banqueiro é quem sabe ler cartas geográficas, nas quais, indo e vindo, se pode chegar a algum lugar, vai ficar ou não na tentativa de fazer chegar a um porto seguro essa nau sem rumo. Só uma situação caminha e se avoluma: a que reflete a miséria, o desespero, a absoluta falta de alternativas da população. Se assim continuarmos, a violência irá para as ruas porque não haverá mais caminhos. E aí tudo será tarde demais.

Perigo do Estado aparelhado

Pressões sociais e liberdade individual
Onde quer que encontremos uma grande parcela de liberdade individual, alguma dose de progresso no conforto material à disposição dos cidadãos comuns e uma esperança generalizada de mais progresso no futuro, lá veremos também que a atividade econômica está organizada principalmente com base na economia de mercado. Onde quer que o Estado assuma o controle detalhado das atividades econômicas de seus cidadãos, ou seja, onde quer que reine o planejamento econômico central detalhado, lá os cidadãos comuns estão com algemas políticas, têm um baixo padrão de vida e pouco poder para controlar o seu próprio destino. O Estado pode prosperar e produzir monumentos impressionantes. Classes privilegiadas podem usufruir plenamente do conforto material. Mas os cidadãos comuns são instrumentos a serem usados para os propósitos do Estado, recebendo nada além do necessário para serem mantidos dóceis e razoavelmente produtivos.
Milton Friedman

Poder público tem cultura de sigilo



Gestores públicos brasileiros se sentem donos da informação e promovem uma cultura de sigilo, afirmam especialistas. Tal postura impede um controle social externo, o que prejudica a eficiência da gestão estatal e a própria democracia.

"O administrador público brasileiro tem uma mentalidade retrógrada. Ele pensa que é detentor da informação. Ele não entende que a informação é apenas gerida por ele, e que é sua obrigação, por lei, mapear essa base de dados e divulgá-la", diz a diretora da Transparência Brasil, Natália Paiva.

Em outubro, veio à tona que a administração do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), havia decretado sigilo a documentos oficiais do Metrô, da Companhia de Saneamento Básico do estado de São Paulo (Sabesp), da Polícia Militar e da administração penitenciária.

No caso do metrô, o público só poderia ter acesso a informações sobre o andamento das obras, por exemplo, depois de 25 anos. Dados sobre o sistema penitenciário, só um século depois. E, em meio a uma crise hídrica histórica, projetos técnicos e operacionais da Sabesp só seriam de conhecimento público em 15 anos.

Após a repercussão negativa dos decretos, Alckmin revogou o sigilo das informações estaduais e estabeleceu que apenas o próprio governador, o vice, secretários e procuradores poderiam determinar novas restrições.

Na mesma semana, também foi descoberto que a gestão do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), havia decretado sigilo de cinco anos para dados da Guarda Civil Metropolitana, como imagens de câmeras de monitoramento das ruas da cidade. O prefeito afirmou depois que ia rever o decreto – a decisão, entre outras, desgastou o secretário de Segurança Urbana, que foi exonerado.

Para a maioria dos especialistas, essa sequência de decretos de sigilo faz parte da normalidade do comportamento das administrações públicas. A diferença é que desde 2012, quando a Lei de Acesso à Informação (LAI) entrou em vigor, há embasamento para questionar tais restrições.

Isso porque a LAI regulamentou o direito à informação – que já estava previsto na Constituição – e estabeleceu critérios claros para o sigilo de dados, além de mecanismos e punições para o descumprimento da lei.

Alguns especialistas acreditam que a "onda de sigilos" pode ser uma reação à própria LAI, como é o caso da secretária-executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Marina Atoji.

"Agora que as pessoas podem pedir [informações] e os governos precisam entregar, eles procuram esconder. Por exemplo: a Polícia Militar começou a colocar documentos sob sigilo depois das manifestações de 2013, como procedimentos de ação em tumultos públicos", diz Atoji. 

Leite com petróleo

O crime nos rodeia. Está em quase todos os cantos e o assédio é tanto que, às vezes, o confundimos com abraço. E tudo se torna ainda mais terrível por sermos envolvidos pelo engano. Nos anos 1940, nos chuveiros dos "banheiros" dos campos de extermínio nazistas, o odor adocicado do gás Zyklon B transmitia, nos segundos iniciais, agradável sensação aos civis prisioneiros, que respiravam fundo e enchiam o pulmão em busca de ar puro. Em menos de um minuto, se retorciam asfixiados e morriam.

O engano é o elemento mais perturbador do crime. Ou é, até, a arma fundamental, sem a qual o criminoso não seria capaz de consumar o ato. A não ser aqueles criminosos escancarados, que se orgulham da morbidez de matadores, todos se ocultam no engodo. Agora, quando velhos e imensos escândalos vêm à luz pela primeira vez, deixamos de ser o país em que os grandes ladrões nunca chegavam à Justiça. Ou, nas raras vezes em que respondiam a processo, escudavam-se na condição de "elegantes senhores" e jamais eram condenados.

Além dos já condenados no escândalo da Petrobras, agora dezenas de outros estão a caminho das grades. A independência de Rodrigo Janot e seus procuradores e o destemor do juiz Sérgio Moro fizeram a Justiça perder o "temor reverencial" com que tratava os "graúdos".

***
Até Pizzolato já está na Papuda, mas a "graudagem" não desiste. Escrevo de São Paulo, onde a falta d'água é tão visível quanto as pressões do PT para que Dilma demita o ministro da Justiça, Joaquim Cardozo.

O PT paulista chama Cardozo de "traidor" por "ter permitido" que a investigação da Polícia Federal na Operação Lava Jato chegasse ao ex-presidente Lula, dois filhos e nora. Queriam que o ministro apontasse, de antemão, a quem investigar ou culpar?

Além de Lula, dezenas de políticos de diferentes partidos aparecem na "delação premiada" de Fernando Baiano, coordenador dos subornos ao PMDB na Petrobras. E não só os já conhecidos gatunos do PP, PMDB e PT, mas até Sérgio Guerra, ex-presidente nacional do PSDB, tido como "acima de toda suspeita" (falecido em 2014), recebeu R$ 10 milhões para evitar uma CPI sobre a Petrobras. Também o ex-deputado do PSDB Alexandre Santos, "mandão" na empresa no tempo de Fernando Henrique. E ainda Antônio Palocci, ministro da Fazenda de Lula. Além do ex-presidente Collor, que teria recebido R$ 26 milhões numa venda de álcool superior a R$ 1 bilhão...

Nenhum desses aprendizes de gângster, porém, teve a audácia de Eduardo Cunha, do PMDB, ao depositar em bancos suíços milhões de dólares oriundos do suborno, convencido de que era impune e intocável. O procurador Janot já localizou US$ 5 milhões e busca outros US$ 34 milhões do presidente da Câmara dos Deputados e familiares.

***
Não há petróleo no Rio Grande, mas nos orgulhamos sempre do úbere de nossas vacas e do leite produzido. Mas também aí o engodo viceja. Em 2013, procuradores estaduais descobriram vasta rede de adulteração do leite e 66 implicados foram presos. Mas a fraude continuou. Agora, nova descoberta, ainda mais grave: os já condenados ou denunciados à Justiça continuaram a adulterar. Os TACs, "Termos de Ajustamento de Conduta" impostos aos "condenados" foram leves e a Lactibom, principal empresa implicada, mudou de nome e continuou a envenenar.

Sim, envenenar! Ou adulterar um alimento essencial não é um envenenamento programado?

O escândalo do leite não tem a dimensão financeira do assalto à Petrobras, mas é mais pernicioso. Está em jogo a saúde da população. Equivale a um ato terrorista que afeta indiscriminadamente a todos.

Já misturaram formol ao leite. Só falta que adicionem óleo diesel e nos vendam como "café com leite"
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