sexta-feira, 7 de agosto de 2015
Presidência da República é destino
A arrogância que pontua a trajetória do PT desde a sua fundação e que agora, além de tudo, o paralisa, foi responsável pela ausência de qualquer admissão de erros no programa de televisão exibido ontem à noite. A não ser que se entenda como tal a pergunta feita pelo ator José de Abreu, o apresentador do programa:
- Não é melhor a gente não acertar em cheio tentando fazer o bem do que errar feio fazendo o mal?
Quer dizer: o PT acertou em tudo o que fez até aqui. Pode não ter acertado em cheio, mas acertou em tudo. Não foi melhor do que se errasse feio fazendo o mal? Se errou foi porque tentou fazer o bem.
Empulhação.
Outra ausência notada no programa: a palavra corrupção. Inacreditável que não se tenha dirigido uma única explicação aos brasileiros a respeito disso.
Seria pedir demais que condenassem os petistas que se envolveram com corrupção. Mas poderiam ter elogiado a Operação Lava Jatos. E reafirmado o compromisso do partido com a luta contra a corrupção.
As mentiras ditas por Dilma na última campanha eleitoral ficaram de fora do programa. Ela acusou, por exemplo, Marina Silva de preparar um ajuste que tiraria a comida do prato dos brasileiros.
Disse que Aécio, se eleito, cortaria programas sociais e causaria o desemprego de milhões de pessoas. O programa não poderia ter abordado essa questão mesm0 de passagem?
Não o fez. Repetiu supostas realizações do governo que as pessoas nem querem mais saber porque passaram a desconfiar de tudo. E ainda debochou dos paneleiros.
Debochar dos que batem em panelas para manifestar seu descontentamento equivale a provocar 7 entre 10 brasileiros que rejeitam Dilma e seu governo, de acordo com o Datafolha.
Há algo de inteligente nisso? Ou só de arrogante?
Sem discurso, sem aliados fieis, sem líderes, sem futuro promissor a curto ou médio prazo, o PT vê o governo que apoia, ou que mal apoia, desmanchar-se a cada dia.
O governo envelheceu sem sequer ter completado um ano. A presidente entregou ao seu vice o protagonismo que num regime presidencialista só a ela pertenceria.
De sua parte, Temer começa a se desgastar pelo desempenho de um papel para o qual não foi eleito. Não foi sequer votado. Arrisca-se a cair numa armadilha mortal.
Quer só socorrer a presidente a pedido dela. Mas pode parecer o ambicioso que aproveita o momento de fraqueza do titular do cargo para tentar passar-lhe a perna.
Na boca do palco desde janeiro último, Temer já deu o que poderia dar. Não domesticou o PMDB, seu partido. Nem o presidente da Câmara, seu companheiro.
O sucesso do ajuste fiscal foi para o espaço sem que Temer tivesse culpa alguma disso. A função de distribuir de cargos públicos esbarrou na sabotagem de ministros.
É tentador estar permanentemente sob os holofotes da mídia e ser bajulado pelos que desejam ou apostam em sua ascensão à presidência. Mas não é prudente. E muitos dirão que nem correto.
Aproveite o cansaço e se recolha à calmaria do Palácio do Jaburu, a poucos metros do Palácio da Alvorada. Se o destino for o de trocar de palácio, isso ocorrerá à sua revelia.
- Não é melhor a gente não acertar em cheio tentando fazer o bem do que errar feio fazendo o mal?
Quer dizer: o PT acertou em tudo o que fez até aqui. Pode não ter acertado em cheio, mas acertou em tudo. Não foi melhor do que se errasse feio fazendo o mal? Se errou foi porque tentou fazer o bem.
Empulhação.
Outra ausência notada no programa: a palavra corrupção. Inacreditável que não se tenha dirigido uma única explicação aos brasileiros a respeito disso.
Seria pedir demais que condenassem os petistas que se envolveram com corrupção. Mas poderiam ter elogiado a Operação Lava Jatos. E reafirmado o compromisso do partido com a luta contra a corrupção.
As mentiras ditas por Dilma na última campanha eleitoral ficaram de fora do programa. Ela acusou, por exemplo, Marina Silva de preparar um ajuste que tiraria a comida do prato dos brasileiros.
Disse que Aécio, se eleito, cortaria programas sociais e causaria o desemprego de milhões de pessoas. O programa não poderia ter abordado essa questão mesm0 de passagem?
Não o fez. Repetiu supostas realizações do governo que as pessoas nem querem mais saber porque passaram a desconfiar de tudo. E ainda debochou dos paneleiros.
Debochar dos que batem em panelas para manifestar seu descontentamento equivale a provocar 7 entre 10 brasileiros que rejeitam Dilma e seu governo, de acordo com o Datafolha.
Há algo de inteligente nisso? Ou só de arrogante?
Sem discurso, sem aliados fieis, sem líderes, sem futuro promissor a curto ou médio prazo, o PT vê o governo que apoia, ou que mal apoia, desmanchar-se a cada dia.
O governo envelheceu sem sequer ter completado um ano. A presidente entregou ao seu vice o protagonismo que num regime presidencialista só a ela pertenceria.
De sua parte, Temer começa a se desgastar pelo desempenho de um papel para o qual não foi eleito. Não foi sequer votado. Arrisca-se a cair numa armadilha mortal.
Quer só socorrer a presidente a pedido dela. Mas pode parecer o ambicioso que aproveita o momento de fraqueza do titular do cargo para tentar passar-lhe a perna.
Na boca do palco desde janeiro último, Temer já deu o que poderia dar. Não domesticou o PMDB, seu partido. Nem o presidente da Câmara, seu companheiro.
O sucesso do ajuste fiscal foi para o espaço sem que Temer tivesse culpa alguma disso. A função de distribuir de cargos públicos esbarrou na sabotagem de ministros.
É tentador estar permanentemente sob os holofotes da mídia e ser bajulado pelos que desejam ou apostam em sua ascensão à presidência. Mas não é prudente. E muitos dirão que nem correto.
Aproveite o cansaço e se recolha à calmaria do Palácio do Jaburu, a poucos metros do Palácio da Alvorada. Se o destino for o de trocar de palácio, isso ocorrerá à sua revelia.
Estado de exceção
Por mais de uma vez chamei a atenção de uma prática utilizada por alguns políticos e governos que é a de VITIMIZAÇÃO.
Ao invés de assumirem seus erros e corrigirem o rumo, muitos políticos e governantes tentam transferir aos outros suas culpas e erros, quando não “furtam” (para não usar outro termo), frases, pensamentos e ideias vencedoras sem dar definitivamente o crédito a quem de direito.
Não é novidade nem tampouco surpreende a atitude que o PT, o Partido dos Trabalhadores, está tendo em relação às denúncias de corrupção que envolvem não só alguns de seus militantes como também o próprio partido.
Nessa terça-feira a Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores definiu nova resolução política da legenda, ignorando a nova prisão do ex-ministro José Dirceu (que é ex-presidente do partido).
“O PT exorta todos os seus militantes a construírem uma trincheira de luta pela democracia, pelos direitos dos trabalhadores/as, pelos direitos humanos, em defesa da Petrobras e do povo brasileiro. Que ninguém se cale! Levantemo-nos juntos!”, diz o texto.
A certa altura a nota diz: “É um estado de exceção sendo gestado em afronta à Constituição e à democracia. Precisamos nos contrapor às ameaças de criminalizar o PT para destruí-lo”.
Mais uma vez o partido volta a criticar a escalada conservadora da oposição, da mídia monopolizada e de agentes públicos (PF, MPF, Justiça Federal, etc...).
No entendimento da cúpula partidária, essas ações têm o objetivo de enfraquecer o governo da presidente Dilma Rousseff, criminalizar o PT e atingir a popularidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Vale lembrar que um partido político não é ladrão ou corrupto por si só. São seus militantes, “as pessoas” que o são. O problema é a tolerância e até mesmo incentivo à essa prática nefasta que faz com que “as pessoas de bem” cada vez mais se enojem da classe política e dos partidos.
Assim, entendo que o PT não é corrupto por si só, como também não o são o PMDB, o PP e osdemais partidos.
Digo isso porque ainda acredito que a democracia, mesmo com muitas falhas, é
o melhor regime (ou menos pior) que qualquer outro.
Fico estarrecido quando alguns membros do Partido dos Trabalhadores atribuem “a terceiros” o que acontece de ruim em nosso país, em especial à corrupção desenfreada, que alegam não ser de sua criação.
Aliás, sempre que alguém fala em corrupção, líderes petistas tentam “repassar” à FHC a conta, se isentando de maiores responsabilidades. Daqui a pouco vamos ter de investigar Dom Pedro II e, porque não, até mesmo Pedro Alvares Cabral.
Ora, como já comentei em outra oportunidade, a grande vilã é “A IMPUNIDADE, MÃE DA CORRUPÇÃO”.
Em qualquer país decente do mundo, caberia aos dirigentes partidários o incentivo a uma ampla e geral investigação para “depurar” e “livrar” o partido e a nação de tais práticas nefastas, inaceitáveis em um regime realmente democrático.
Mas isso é querer demais dos políticos brasileiros, em especial aos petistas que se usam de todos os “mecanismos de negação” para se livrarem de qualquer culpa.
Se no passado a PF e o Ministério Público “eram” instituições sérias ao investigar “outros governos e partidos”, hoje fazem parte de uma conspiração golpista para desacreditar o Partido dos Trabalhadores.
Minha decepção como brasileiro não se reduz aos dirigentes do PT, mas com grande parte da classe política também envolvida nesses escândalos sem fim.
Nos anos 80 do século passado, Jô Soares criou um personagem chamado “o General”.
Ele, o General, era amigo do então presidente João Figueiredo. O General sofrera um acidente no dia da posse de Figueiredo e passara seis anos em coma. Ao despertar, ainda enfraquecido e ligado a tubos e sondas, descobria que o Brasil havia mudado e que seu amigo não ocupava mais a presidência; pior, quem ocupava o cargo agora era José Sarney, um civil.
O General quase ia à loucura, pedia: “Me tira o tubo! Me tira o tubo!”.
Ao invés de assumirem seus erros e corrigirem o rumo, muitos políticos e governantes tentam transferir aos outros suas culpas e erros, quando não “furtam” (para não usar outro termo), frases, pensamentos e ideias vencedoras sem dar definitivamente o crédito a quem de direito.
Não é novidade nem tampouco surpreende a atitude que o PT, o Partido dos Trabalhadores, está tendo em relação às denúncias de corrupção que envolvem não só alguns de seus militantes como também o próprio partido.
Nessa terça-feira a Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores definiu nova resolução política da legenda, ignorando a nova prisão do ex-ministro José Dirceu (que é ex-presidente do partido).
No documento, o PT convoca uma “Jornada em Defesa da Democracia, dos Direitos dos Trabalhadores e Trabalhadoras e das Conquistas do Nosso Povo”.
“O PT exorta todos os seus militantes a construírem uma trincheira de luta pela democracia, pelos direitos dos trabalhadores/as, pelos direitos humanos, em defesa da Petrobras e do povo brasileiro. Que ninguém se cale! Levantemo-nos juntos!”, diz o texto.
A certa altura a nota diz: “É um estado de exceção sendo gestado em afronta à Constituição e à democracia. Precisamos nos contrapor às ameaças de criminalizar o PT para destruí-lo”.
Mais uma vez o partido volta a criticar a escalada conservadora da oposição, da mídia monopolizada e de agentes públicos (PF, MPF, Justiça Federal, etc...).
No entendimento da cúpula partidária, essas ações têm o objetivo de enfraquecer o governo da presidente Dilma Rousseff, criminalizar o PT e atingir a popularidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Vale lembrar que um partido político não é ladrão ou corrupto por si só. São seus militantes, “as pessoas” que o são. O problema é a tolerância e até mesmo incentivo à essa prática nefasta que faz com que “as pessoas de bem” cada vez mais se enojem da classe política e dos partidos.
Assim, entendo que o PT não é corrupto por si só, como também não o são o PMDB, o PP e osdemais partidos.
Digo isso porque ainda acredito que a democracia, mesmo com muitas falhas, é
o melhor regime (ou menos pior) que qualquer outro.
Fico estarrecido quando alguns membros do Partido dos Trabalhadores atribuem “a terceiros” o que acontece de ruim em nosso país, em especial à corrupção desenfreada, que alegam não ser de sua criação.
Aliás, sempre que alguém fala em corrupção, líderes petistas tentam “repassar” à FHC a conta, se isentando de maiores responsabilidades. Daqui a pouco vamos ter de investigar Dom Pedro II e, porque não, até mesmo Pedro Alvares Cabral.
Ora, como já comentei em outra oportunidade, a grande vilã é “A IMPUNIDADE, MÃE DA CORRUPÇÃO”.
Em qualquer país decente do mundo, caberia aos dirigentes partidários o incentivo a uma ampla e geral investigação para “depurar” e “livrar” o partido e a nação de tais práticas nefastas, inaceitáveis em um regime realmente democrático.
Mas isso é querer demais dos políticos brasileiros, em especial aos petistas que se usam de todos os “mecanismos de negação” para se livrarem de qualquer culpa.
Se no passado a PF e o Ministério Público “eram” instituições sérias ao investigar “outros governos e partidos”, hoje fazem parte de uma conspiração golpista para desacreditar o Partido dos Trabalhadores.
Minha decepção como brasileiro não se reduz aos dirigentes do PT, mas com grande parte da classe política também envolvida nesses escândalos sem fim.
Mas vamos em frente...
Nos anos 80 do século passado, Jô Soares criou um personagem chamado “o General”.
Ele, o General, era amigo do então presidente João Figueiredo. O General sofrera um acidente no dia da posse de Figueiredo e passara seis anos em coma. Ao despertar, ainda enfraquecido e ligado a tubos e sondas, descobria que o Brasil havia mudado e que seu amigo não ocupava mais a presidência; pior, quem ocupava o cargo agora era José Sarney, um civil.
O General quase ia à loucura, pedia: “Me tira o tubo! Me tira o tubo!”.
O último suspiro
O que poderá ser dito agora? Nada ou quase nada além de um suspiro.
Com essa constatação melancólica, o professor Eugenio Bucci, da ECA -USP, que nos tempos em que era possível dizer alguma coisa, foi diretor da EBC- Empresa Brasileira de Comunicação- durante o governo Lula, assinou esta semana em artigo no Estadão, um dolorido testamento ideológico, uma espécie de ofício fúnebre para sepultar de vez o que restou do PT e para lamentar “aquilo que ficou para trás e para trás ficou”.
Esse generalizado “adeus às ilusões” que hoje corrói algumas almas petistas que guardam como relíquia histórica alguns resquícios dos, vá lá, ideais sobre os quais o partido foi edificado, é uma espécie de atestado de óbito de uma saga política cuja narrativa caberá agora aos historiadores.
Um veterano e experiente jornalista como Clóvis Rossi, insuspeito de simpatias antidemocráticas, também constatou, com menos dor do que Eugenio Bucci, mas com mais espanto, que ainda há gente que trata José Dirceu, condenado pelo mensalão e preso sob suspeita de participação no petrólão, como o jovem herói da rua Maria Antônia-ícone da luta contra a ditadura.
Sobre os escritores e artistas que assinaram o manifesto em defesa de José Dirceu, Rossi diz: “essa gente não conseguiu sequer sair da rua Maria Antônia, cuja simbologia antecede de muito a queda do Muro”.
Do jovem de cabelos revoltos da Maria Antônia ao provecto e abatido senhor que chegou escoltado por policiais à carceragem da Polícia Federal em Curitiba, há toda a simbologia de uma espécie de retrato de Dorian Gray da história política recente do Brasil.
Já não havia aí sequer o orgulhoso “herói do povo brasileiro” que chegou com o braço erguido ao presídio da Papuda, nem o combativo deputado federal que parecia destinado a uma gloriosa carreira quando o então presidente Collor foi enxotado do poder, em 1992.
Neste prefácio do livro “Todos os Sócios do Presidente”, de Gustavo Krieger,Luiz Antonio Novaes e Tales Faria, onde se narra a saga corrupta de Collor, José Dirceu escreve um texto que parece profético.
Mudando nomes e detalhes, José Dirceu poderia ser hoje o protagonista do seu próprio prefácio. Ele e seu partido diriam hoje que quem escreveu esse texto era um golpista ?
Eis o texto:
Com essa constatação melancólica, o professor Eugenio Bucci, da ECA -USP, que nos tempos em que era possível dizer alguma coisa, foi diretor da EBC- Empresa Brasileira de Comunicação- durante o governo Lula, assinou esta semana em artigo no Estadão, um dolorido testamento ideológico, uma espécie de ofício fúnebre para sepultar de vez o que restou do PT e para lamentar “aquilo que ficou para trás e para trás ficou”.
Esse generalizado “adeus às ilusões” que hoje corrói algumas almas petistas que guardam como relíquia histórica alguns resquícios dos, vá lá, ideais sobre os quais o partido foi edificado, é uma espécie de atestado de óbito de uma saga política cuja narrativa caberá agora aos historiadores.
Um veterano e experiente jornalista como Clóvis Rossi, insuspeito de simpatias antidemocráticas, também constatou, com menos dor do que Eugenio Bucci, mas com mais espanto, que ainda há gente que trata José Dirceu, condenado pelo mensalão e preso sob suspeita de participação no petrólão, como o jovem herói da rua Maria Antônia-ícone da luta contra a ditadura.
Sobre os escritores e artistas que assinaram o manifesto em defesa de José Dirceu, Rossi diz: “essa gente não conseguiu sequer sair da rua Maria Antônia, cuja simbologia antecede de muito a queda do Muro”.
Do jovem de cabelos revoltos da Maria Antônia ao provecto e abatido senhor que chegou escoltado por policiais à carceragem da Polícia Federal em Curitiba, há toda a simbologia de uma espécie de retrato de Dorian Gray da história política recente do Brasil.
Já não havia aí sequer o orgulhoso “herói do povo brasileiro” que chegou com o braço erguido ao presídio da Papuda, nem o combativo deputado federal que parecia destinado a uma gloriosa carreira quando o então presidente Collor foi enxotado do poder, em 1992.
Neste prefácio do livro “Todos os Sócios do Presidente”, de Gustavo Krieger,Luiz Antonio Novaes e Tales Faria, onde se narra a saga corrupta de Collor, José Dirceu escreve um texto que parece profético.
Mudando nomes e detalhes, José Dirceu poderia ser hoje o protagonista do seu próprio prefácio. Ele e seu partido diriam hoje que quem escreveu esse texto era um golpista ?
Eis o texto:
“A Comissão Parlamentar de Inquérito do caso Paulo César Farias pertence ao país, particularmente à juventude. Não teria sido possível sem a democracia.Sandro Vaia (*Agradeço a colaboração do jornalista Alexsandro Nogueira)
Pela primeira vez na história do Brasil esse sentimento de revolta contra a impunidade encontrou eco no parlamento e cresceu até tomar conta de todo o país. A CPI só saiu do papel graças à pressão da sociedade organizada e as denúncias da imprensa, que deram sustentação à luta quase quixotesca que parlamentares travavam contra a corrupção no governo federal.
A CPI revelou que o chefe da corrupção era o próprio Collor, envolvido em fatos incompatíveis com o cargo de presidente da República, recebendo vantagens econômicas ao longo do seu mandato, para si e seus familiares, através do esquema criminoso de PC. Mais grave ainda é que tudo isto foi possível porque recebeu o apoio de grande parte do empresariado brasileiro, o que revela o grau de decomposição ética das elites brasileiras, acostumadas à impunidade e ao assalto aos cofres públicos.
Por tudo isso, não basta a CPI, é preciso que seu espírito tome conta do país. A verdade é que o nosso povo novamente está caminhando. Está tecendo o fio da história, retomando a luta pela dignidade e justiça, pela cidadania.”
Mandioquilma
PresidentA Dilma andou elogiando a mandioca, e teve gente que estranhou, gente chiou, outros acharam que a mandioca não merece elogio de quem anda tão desaprovada. Mas aqui estou eu, presidentA, acorrendo em teu socorro como Quixote sem Sancho nem Rocinonte, mas com um monte de alegações em teu favor.
Primeiro, é um alívio ver que a presidentA encontra, entre tantos ministros e políticos da base “aliada”, algo elogiável.
Segundo, é alvissareiro saber que alguém no poder consegue ver os méritos dessa raiz que está nas nossas origens nutricionais e culturais. Nunca tantos deveram tanto a tão poucos, disse Churchill sobre os pilotos que, surrando a aviação alemã, evitaram a invasão da Inglaterra, que seria seguida pela invasão da América do Sul e, daí, só Deus sabe como ficaria o mundo.
Aqui entre nós, nunca tantos deveram tanto à mandioca. A batata também nasceu entre os índios daqui mas, levada para a Europa, voltou com o nome de batata-inglesa e pode ser comida frita, assada e cozida. Já a mandioca, ah, a mandioca também e muito mais: como farinha, faz a base da merenda nordestina, transforma-se em coxinha, é indispensável na feijoada e convive com o arroz-feijão cotidiano dos brasileiros de Norte a Sul.
Quem nunca comeu vaca-atolada não sabe o que é combinação perfeita entre a mais dura das carnes, a costela, cozida ao ponto de quase desmanchar, e a mais cremosa das raízes.
Vó Tiana cozinhava mandioca no meio da tarde, botava fumegante no prato, despejava melaço por cima e ficava vento o neto se lambuzar. Depois ia para o quintal com uma faquinha, cortava pontas das ramas das aboboreiras, fazia sopa de mandioca com cambuquira e pescoço e sambiquira de galinha. Podem me prender, me bater e me torturar, PresidentA, mas continuarei a dizer que é a sopa mais gostosa do mundo.
Nonna Paulina fritava mandioca até ficar dourada e crocante, o neto comia com arroz-feijão dispensando tudo mais.
E purê de mandioca então? É só amassar com o garfo na panela, misturar leite e queijo ralado, pronto, o purê de batata perde feio.
E existe café da tarde mais brasileiro e gostoso que com bolo de mandioca?
PresidentA, se pouco haverá para imortalizar teu mandato, com certeza teu elogio à mandioca é digno de uma femina-sapiens (permita-me a correção, presidentA, mas “mulher-sapiens”, como a senhora falou, não é correto pois mistura Português com Latim, como tantas misturas do seu governo: economia com política, dinheiro público com privado, administração com desorganização, assistência social com eleição etceteretal).
Se vier a Londrina, venha comer bolo de mandioca aqui na chácara, com café de coador e passarinhos no quintal. E, se um dia criarem uma Comenda da Mandioca, que a senhora seja a primeira a ser homenageada. Como disso o poeta, de tudo fica um pouco e, se de teu governo ficar o elogio da mandioca, já será muito.
Domingos Pellegrini
Primeiro, é um alívio ver que a presidentA encontra, entre tantos ministros e políticos da base “aliada”, algo elogiável.
Aqui entre nós, nunca tantos deveram tanto à mandioca. A batata também nasceu entre os índios daqui mas, levada para a Europa, voltou com o nome de batata-inglesa e pode ser comida frita, assada e cozida. Já a mandioca, ah, a mandioca também e muito mais: como farinha, faz a base da merenda nordestina, transforma-se em coxinha, é indispensável na feijoada e convive com o arroz-feijão cotidiano dos brasileiros de Norte a Sul.
Quem nunca comeu vaca-atolada não sabe o que é combinação perfeita entre a mais dura das carnes, a costela, cozida ao ponto de quase desmanchar, e a mais cremosa das raízes.
Vó Tiana cozinhava mandioca no meio da tarde, botava fumegante no prato, despejava melaço por cima e ficava vento o neto se lambuzar. Depois ia para o quintal com uma faquinha, cortava pontas das ramas das aboboreiras, fazia sopa de mandioca com cambuquira e pescoço e sambiquira de galinha. Podem me prender, me bater e me torturar, PresidentA, mas continuarei a dizer que é a sopa mais gostosa do mundo.
Nonna Paulina fritava mandioca até ficar dourada e crocante, o neto comia com arroz-feijão dispensando tudo mais.
E purê de mandioca então? É só amassar com o garfo na panela, misturar leite e queijo ralado, pronto, o purê de batata perde feio.
E existe café da tarde mais brasileiro e gostoso que com bolo de mandioca?
PresidentA, se pouco haverá para imortalizar teu mandato, com certeza teu elogio à mandioca é digno de uma femina-sapiens (permita-me a correção, presidentA, mas “mulher-sapiens”, como a senhora falou, não é correto pois mistura Português com Latim, como tantas misturas do seu governo: economia com política, dinheiro público com privado, administração com desorganização, assistência social com eleição etceteretal).
Se vier a Londrina, venha comer bolo de mandioca aqui na chácara, com café de coador e passarinhos no quintal. E, se um dia criarem uma Comenda da Mandioca, que a senhora seja a primeira a ser homenageada. Como disso o poeta, de tudo fica um pouco e, se de teu governo ficar o elogio da mandioca, já será muito.
Domingos Pellegrini
Michel Temer lá
Profissionais da política não costumam improvisar. Não apostam no acaso. Dito isso e diante da sequência de acontecimentos desta semana, dá-se por óbvio observar: Michel Temer está a um passo da cadeira de Dilma Rousseff. Por impedimento ou renúncia da presidente.
Tudo parece fruto de uma combinação elaborada, prevista para ser colocada em prática se e quando uma bomba letal fosse colocada dentro da sala dos que realmente regem o poder. O estopim teria sido a prisão de José Dirceu, o ex-ministro e ex-amigo de Lula, o ex-todo-poderoso do PT, o ex-capitão do time, o guerreiro do povo brasileiro.
De lá para cá, movimentações antagônicas e ao mesmo tempo complementares desembocaram na solução Temer.
Lula reúne-se com petistas em São Paulo e traça cenário desolador para o PT, o ministro-chefe da Casa Civil de Dilma, Aloizio Mercadante, vai à Câmara dos Deputados, admite erros do governo e elogia a oposição, o vice-presidente da República conclama por união nacional.
Na contramão do ajuste, a Câmara espreme ainda mais Dilma. Na madrugada de quinta-feira aprova a PEC que vincula os salários da Advocacia-Geral da União e de delegados a 90,25% do salário dos ministros do Supremo, incluindo ainda procuradores de estado e de municípios com mais de 500 mil habitantes. Apenas três petistas votam com o governo.
PDT e PTB, que juntos somam 44 deputados, formalizam o abandono à base. E o plenário aprova – com celeridade nunca vista - as contas dos dois governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula. Com isso, a pauta para votar as contas de Dilma que podem vir do TCU com a indicação de rejeição está limpa. Daí para abertura do processo de impeachment é um pulo.
Ainda na quinta-feira, Temer volta a apelar pela união de todas as forças em nome do Brasil. As federações das indústrias de São Paulo e do Rio -- Fiesp e Firjan – assinam documento conjunto de apoio à união pregada pelo vice-presidente da República. Uma nota oficial de duas das maiores entidades empresariais do país, aprovada com rapidez sem igual, aponta como saída a “proposta de união apresentada pelo vice-presidente da República”. Nem por cortesia citam Dilma.
Difícil crer que tudo isso – convocação e união pelo Brasil, apoio empresarial, votação das contas de ex-presidentes para limpar a pauta abrindo-a para a possibilidade de impeachment – tenha ocorrido por capricho do destino, pelos ares de agosto ou conjunções astrais. Até porque são lances de quem entende o xadrez da política, sabe jogá-lo e dificilmente perde.
Dilma pode até não ser o cerne da crise, gestada nos tempos de Lula. Mas afastá-la tornou-se crucial para resolver a crise. Ameaçá-la com o impedimento constitucional para que ela se convença de que a renúncia é o melhor caminho pode ser parte do script. Se vai dar certo ou não, impossível prever.
País algum consegue encarar (e superar) uma crise, quanto mais da gravidade da que está instalada por aqui, com uma presidente tão frágil e impopular. E que ainda tem mais de 40 meses de mandato, quase três anos e meio.
Profissional, o vice Temer sabe muito bem disso. Tem passado todos os seus dias construindo a tal da credibilidade de que Dilma não goza e não tem mais como recuperar. Se dará certo ou não, impossível prever.
De lá para cá, movimentações antagônicas e ao mesmo tempo complementares desembocaram na solução Temer.
Lula reúne-se com petistas em São Paulo e traça cenário desolador para o PT, o ministro-chefe da Casa Civil de Dilma, Aloizio Mercadante, vai à Câmara dos Deputados, admite erros do governo e elogia a oposição, o vice-presidente da República conclama por união nacional.
Na contramão do ajuste, a Câmara espreme ainda mais Dilma. Na madrugada de quinta-feira aprova a PEC que vincula os salários da Advocacia-Geral da União e de delegados a 90,25% do salário dos ministros do Supremo, incluindo ainda procuradores de estado e de municípios com mais de 500 mil habitantes. Apenas três petistas votam com o governo.
PDT e PTB, que juntos somam 44 deputados, formalizam o abandono à base. E o plenário aprova – com celeridade nunca vista - as contas dos dois governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula. Com isso, a pauta para votar as contas de Dilma que podem vir do TCU com a indicação de rejeição está limpa. Daí para abertura do processo de impeachment é um pulo.
Ainda na quinta-feira, Temer volta a apelar pela união de todas as forças em nome do Brasil. As federações das indústrias de São Paulo e do Rio -- Fiesp e Firjan – assinam documento conjunto de apoio à união pregada pelo vice-presidente da República. Uma nota oficial de duas das maiores entidades empresariais do país, aprovada com rapidez sem igual, aponta como saída a “proposta de união apresentada pelo vice-presidente da República”. Nem por cortesia citam Dilma.
Difícil crer que tudo isso – convocação e união pelo Brasil, apoio empresarial, votação das contas de ex-presidentes para limpar a pauta abrindo-a para a possibilidade de impeachment – tenha ocorrido por capricho do destino, pelos ares de agosto ou conjunções astrais. Até porque são lances de quem entende o xadrez da política, sabe jogá-lo e dificilmente perde.
Dilma pode até não ser o cerne da crise, gestada nos tempos de Lula. Mas afastá-la tornou-se crucial para resolver a crise. Ameaçá-la com o impedimento constitucional para que ela se convença de que a renúncia é o melhor caminho pode ser parte do script. Se vai dar certo ou não, impossível prever.
País algum consegue encarar (e superar) uma crise, quanto mais da gravidade da que está instalada por aqui, com uma presidente tão frágil e impopular. E que ainda tem mais de 40 meses de mandato, quase três anos e meio.
Profissional, o vice Temer sabe muito bem disso. Tem passado todos os seus dias construindo a tal da credibilidade de que Dilma não goza e não tem mais como recuperar. Se dará certo ou não, impossível prever.
Nada é tão absurdo quanto morrer na cadeia por Lula
Conforme as circunstâncias e as conveniências, o companheiro José Dirceu jura ter feito o que nunca fez ou nega ter sido o que comprovadamente foi. Despejado da Casa Civil em junho de 2005, por exemplo, o doutor em luta armada que só atirou com balas de festim caprichou na pose de guerrilheiro condecorado para proclamar-se “camarada de armas” de Dilma Rousseff. Em novembro de 2010, no trecho do Roda Viva reproduzido no vídeo acima, amputou um bom pedaço da biografia com a frase espantosa: “Eu não era deputado no governo Fernando Henrique”.
“Eu fui eleito em 78"?, acrescentou sem ficar ruborizado. Só se foi eleito Comerciário do Ano de Cruzeiro do Oeste, no interior do Paraná, onde se entrincheirou na caixa registradora do Magazine do Homem entre 1975 e 1979, quando a decretação da anistia animou o falso Carlos Henrique Gouveia de Mello a restaurar o nome de batismo e retomar a militância política. Elegeu-se deputado federal em 1990. Derrotado na disputa pelo governo federal em 1994, assumiu no ano seguinte a presidência do PT.
Durante o primeiro mandato de FHC, o comandante do partido fez o diabo para impedir que o inimigo vitorioso governasse. De volta à Câmara em 1998, liderou a mais raivosa bancada oposicionista da história do Congresso: todos os projetos e propostas do presidente tucano foram rejeitadas pela tropa em permanente estado de beligerância. A menos que um gêmeo univitelino tenha assumido o papel do irmão durante esse largo período, as fotos que aparecem no fim do vídeo comprovam que o ex-deputado federal José Dirceu é capaz até de negar que José Dirceu foi deputado federal.
Coerentemente, o chefe da quadrilha do mensalão continua jurando que não chefiou a quadrilha do mensalão.
Revisivelmente, o reincidente sem cura alcançado pela Operação Lava Jato agora faz de conta que conhece só de vista os diretores da Petrobras que nomeou, que nunca ouviu falar nos empresários que extorquiu disfarçado de consultor e que soube do Petrolão pelos jornais. Muita gente anda recuperando a memória em Curitiba. E se o guerreiro abandonado por oficiais e soldados rasos revogasse a opção pela amnésia?
“É mais fácil matarem Dirceu do que ele fazer uma delação”, garantiu nesta terça-feira seu advogado Roberto Podval. Aos 69 anos, José Dirceu pode descobrir que nada é mais difícil e mais absurdo que morrer na cadeia por Lula.
“Eu fui eleito em 78"?, acrescentou sem ficar ruborizado. Só se foi eleito Comerciário do Ano de Cruzeiro do Oeste, no interior do Paraná, onde se entrincheirou na caixa registradora do Magazine do Homem entre 1975 e 1979, quando a decretação da anistia animou o falso Carlos Henrique Gouveia de Mello a restaurar o nome de batismo e retomar a militância política. Elegeu-se deputado federal em 1990. Derrotado na disputa pelo governo federal em 1994, assumiu no ano seguinte a presidência do PT.
Durante o primeiro mandato de FHC, o comandante do partido fez o diabo para impedir que o inimigo vitorioso governasse. De volta à Câmara em 1998, liderou a mais raivosa bancada oposicionista da história do Congresso: todos os projetos e propostas do presidente tucano foram rejeitadas pela tropa em permanente estado de beligerância. A menos que um gêmeo univitelino tenha assumido o papel do irmão durante esse largo período, as fotos que aparecem no fim do vídeo comprovam que o ex-deputado federal José Dirceu é capaz até de negar que José Dirceu foi deputado federal.
Coerentemente, o chefe da quadrilha do mensalão continua jurando que não chefiou a quadrilha do mensalão.
Revisivelmente, o reincidente sem cura alcançado pela Operação Lava Jato agora faz de conta que conhece só de vista os diretores da Petrobras que nomeou, que nunca ouviu falar nos empresários que extorquiu disfarçado de consultor e que soube do Petrolão pelos jornais. Muita gente anda recuperando a memória em Curitiba. E se o guerreiro abandonado por oficiais e soldados rasos revogasse a opção pela amnésia?
“É mais fácil matarem Dirceu do que ele fazer uma delação”, garantiu nesta terça-feira seu advogado Roberto Podval. Aos 69 anos, José Dirceu pode descobrir que nada é mais difícil e mais absurdo que morrer na cadeia por Lula.
1984 assim começa
Era um dia frio e luminoso de abril, e os relógios davam treze horas. Winston Smith, queixo enfado no peito no esforço de esquivar-se do vento cruel, passou depressa pelas portas de vidro das Mansões Victory, mas não tão depressa que evitasse a entrada de uma lufada de poeira arenosa junto com ele.
O vestíbulo cheirava a repolho cozido e a velhos capachos de pano trançado. Numa das extremidades, um pôster colorido, grande demais para ambientes fechados, estava pregado na parede. Mostrava simplesmente um rosto enorme, com mais de um metro de largura: o rosto de um homem de uns quarenta e cinco anos, de bigodão preto e feições rudemente agradáveis. Winston avançou para a escada. Não adiantava tentar o elevador. Mesmo quando tudo ia bem, era raro que funcionasse, e agora a eletricidade permanecia cortada enquanto houvesse luz natural. Era parte do esforço de economia durante os preparativos para a Semana do Ódio. O apartamento ficava no sétimo andar e Winston, com seus trinta e nove anos e sua úlcera varicosa acima do tornozelo direito, subiu devagar, parando para descansar várias vezes durante o trajeto. Em todos os patamares, diante da porta do elevador, o pôster com o rosto enorme fitava-o da parede. Era uma dessas pinturas realizadas de modo a que os olhos o acompanhem sempre que você se move. O GRANDE IRMÃO ESTÁ DE OLHO EM VOCÊ, dizia o letreiro, embaixo.
No interior do apartamento, uma voz agradável lia alto uma relação de cifras que de alguma forma dizia respeito à produção de ferro-gusa. A voz saía de uma placa oblonga de metal semelhante a um espelho fosco, integrada à superfície da parede da direita. Winston girou um interruptor e a voz diminuiu um pouco, embora as palavras continuassem inteligíveis. O volume do instrumento (chamava-se teletela) podia ser regulado, mas não havia como desligá-lo completamente. Winston foi para junto da janela: o macacão azul usado como uniforme do Partido não fazia mais que enfatizar a magreza de seu corpo frágil, miúdo. Seu cabelo era muito claro, o rosto naturalmente sanguíneo, a pele áspera por causa do sabão ordinário, das navalhas cegas e do frio do inverno que pouco antes chegara ao fim.
Fora, mesmo visto através da vidraça fechada, o mundo parecia frio. Lá embaixo, na rua, pequenos rodamoinhos de vento formavam espirais de poeira e papel picado e, embora o sol brilhasse e o céu fosse de um azul áspero, a impressão que se tinha era de que não havia cor em coisa alguma a não ser nos pôsteres colados por toda parte. Não havia lugar de destaque que não ostentasse aquele rosto de bigode negro a olhar para baixo. Na fachada da casa logo do outro lado da rua, via-se um deles. O GRANDE IRMÃO ESTÁ DE OLHO EM VOCÊ, dizia o letreiro, enquanto os olhos escuros pareciam perfurar os de Winston. Embaixo, no nível da rua, outro pôster, esse com um dos cantos rasgado, adejava operosamente ao vento, ora encobrindo, ora expondo uma palavra solitária: Socing. Ao longe, um helicóptero, voando baixo sobre os telhados, pairou um instante como uma libélula e voltou a afastar-se a grande velocidade, fazendo uma curva. Era a patrulha policial, bisbilhotando pelas janelas das pessoas. As patrulhas, contudo, não eram um problema. O único problema era a Polícia das Ideias.
(George Orwell, 1984)
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