terça-feira, 20 de junho de 2017

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Sua Excelência, o corrupto

Neste momento, o personagem central da realidade política brasileira é o corrupto. Para alcançar poder, prestígio e dinheiro, age em favor dos seus interesses, transgredindo leis e regras sociais sem demonstrar qualquer arrependimento. Como a corrupção é uma doença social, o corrupto é um sociopata. Na psiquiatria esse tipo de comportamento é classificado como transtorno de personalidade, com características aparentes desde cedo, que devem ser controladas com medidas educacionais e limites. Há aspectos genéticos envolvidos, mas as vivências do indivíduo também são relevantes para essas condutas. A tolerância e a falta de punição contribuem para agravar o quadro. Os transtornos de personalidade são intratáveis, incuráveis e irreversíveis. Essas são algumas das opiniões do médico e psicoterapeuta João Augusto Figueiró, um dos maiores especialistas brasileiros no tema, com quem tive o prazer de conversar há vários anos, muito antes dos escândalos recentes.

Dentre os tipos de comportamento antissocial, uns são narcisistas e ostentam os bens adquiridos ilegalmente, enquanto outros são discretos e ocultam o patrimônio. Todos, porém, são calculistas e administram os riscos. Se a Suíça aderiu à cooperação internacional contra a lavagem de dinheiro, mudam a grana para Cingapura, como teria sugerido a ex-presidente Dilma Rousseff em 2015 a Mônica Moura, mulher do marqueteiro João Santana. Se não convém serem vistos em público, encontram-se fora da agenda nos porões do palácio. Transformam propina em joias, lanchas, prédios, apartamentos, reformas, sítios...

Sua Excelência, o corrupto Foto: Agência O Globo

Dentre os objetivos da Operação Lava-Jato, um dos mais relevantes é o de modificar a percepção de risco por parte dos corruptos. Até pouco tempo, o ganho era enorme e o risco, mínimo. De alguns anos para cá, na equação da corrupção a variável “risco” passou a ter um peso maior. Afinal, já são 141 condenações que resultaram em 1.428 anos de pena!

Mesmo após corruptos ilustres terem ido para a cadeia, ainda há encontros em pizzarias, de onde o “homem de confiança” de Temer saiu correndo com uma mala de dinheiro. Para Joesley Batista — o corrupto esperto e impune — até recentemente os políticos não estavam entendendo as consequências da Lava-Jato e a falência do sistema político. “Com a recuperação econômica, o brasileiro não iria mais para a rua, e eles poderiam abafar a Lava-Jato”, declarou Joesley. Não convém duvidar...

Quando a selva pega fogo, os bichos se unem. O petisco da moda em Brasília, saboreado por todos os líderes políticos, é a coxinha de mortadela. Em se tratando do combate à corrupção, há pelo menos três riscos iminentes: a eventual substituição do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello; a sucessão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot; e a reversão do entendimento do Supremo Tribunal Federal de decretar a prisão logo após decisão de segundo grau.

Em relação à Polícia Federal, no diálogo do senador afastado Aécio Neves com Joesley Batista, o tucano critica duramente o então ministro da Justiça, Osmar Serraglio, por não ter o controle da Polícia Federal. Aécio sugere uma seleção de delegados para receber inquéritos sobre determinados políticos. Na mesma linha, há vários governos, políticos e autoridades que tentam “adestrar” a Polícia Federal aos seus interesses, felizmente sem sucesso. No caso do sucessor de Janot, o sonho dos investigados é a designação de um novo “engavetador-geral da República”, para amansar os meninos da força-tarefa. A estratégia, ao que parece, é plantar na mídia informações de que haveria insatisfação dentro dos órgãos com os atuais dirigentes, os quais estariam “prejudicando” a operação. Assim, a sociedade, equivocadamente, apoiaria as mudanças de comando, e o palácio passaria, enfim, a controlar a PF e o MPF, como desejam todos os corruptos envolvidos.

Quanto à prisão após condenação em segunda instância, o ministro Gilmar Mendes já se manifestou dizendo que o cumprimento da medida é possível, mas não obrigatório e defendeu que a corte reveja a decisão. Com a lerdeza da Justiça e sem a perspectiva de prisão, voltaremos à estaca zero.

Enfim, essas canetadas, se conjugadas, poderão afetar a Lava-Jato, reduzir o risco dos corruptos e favorecer a impunidade de Suas Excelências. No Brasil, lamentavelmente, os investigados podem designar os seus investigadores e aprovar leis que os protegem. O momento faz lembrar uma frase do poeta Jonathan Swift, que viveu na Irlanda no século XVII: “Como as coisas andam, a política nada mais é que corrupção”.

Gil Castello Branco

A crise e os 'corruptos de estimação'

A crise cria seus símbolos e expressões, faz seu próprio idioma. Desvelando o ânimo de parte da sociedade, revela o espírito do tempo. ''Corrupto de estimação'' já é um dos termos consagrados por este conflito; não se sabe como surgiu, mas demonstra a situação em que preferências e vetos políticos se colocam acima de evidências de deterioração geral do sistema. Dá-se com isto suporte à sobrevivência de grupos e contextos políticos que precisariam ser rapidamente superados.

Estandartes da moralidade de apenas alguns meses atrás, agora, se recolhem; relativizam fatos, e douram versões: o que servia para Lula e Dilma não serve para Temer e Aécio, por exemplo. De sinal contrário, tudo o que há pouco era impróprio, era precipitação, era abuso em relação ao PT, empregado aos inimigos é, agora, justo. A crise coloca em cartaz seu festival de cinismos.

É mais um problema no interior do emaranhado de problemas do país. Do FlaXFlu fogem análises objetivas, esticando o tempo político da disputa. Relativiza-se, por exemplo, as revelações de Joesley Batista; elas, de fato, trazem prejuízo à economia, mas o acessório não pode negar o essencial: o presidente que não consegue se explicar.

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Por sua vez, petistas julgam com a pressa e o rigor que não admitem sejam julgados seus dirigentes. E esquivam-se: não haveria provas do envolvimento de Lula e Dilma com esquemas da JBS. ''Lula não foi gravado''. Zomba-se da inteligência geral ou da capacidade de Lula? Não se alivia o fato de ter-se consolidado um grande esquema de corrupção, durante os governos do PT.

Delação boa é a que arde no círculo social do outro. A crise gera essas contradições: argumentos e desculpas que antes cabiam na boca do adversário. Constitui-se, assim, o embate-empate na opinião pública que inibe o desenlace mais rápido da crise. Dividida, a sociedade se desmobiliza. A disputa dos partidos, na opinião pública, compreende exatamente isto, a paralisia. Sem pressão, os blocos políticos acomodam-se, não há rachas nem defecções. Cada um resguarda seu interesse.

Tenta-se desqualificar a crise: maliciosamente, surgem questionamentos sobre os motivos, afinal, do Ministério Público e da mídia que amplifica as denuncias. Difícil dizer. Fazem lembrar o motorista Eriberto França, cujo depoimento levou Fernando Collor de Mello ao impeachment. Na CPI, um deputado ''colorido'' lhe perguntou se denunciava ''apenas por amor à pátria''. Ao que o motorista devolveu: ''…e o senhor acha pouco, deputado?''

Ainda que se possa especular a respeito de razões que a razão desconheça, o fato é que a narrativa de Joesley Batista é reveladora do estado da arte do sistema político real: de fato, os maiores partidos do Brasil — e alguns de seus dirigentes — locupletaram-se com relações não republicanas, lambuzaram-se com o mel de grana graúda.

Não se apaga o papel que o PT teve nisso, não importam as alegadas e esfarrapadas desculpas de que foi em prol da inclusão social. Tampouco a recuperação econômica pode, por sua vez, esconder que o presidente recebeu, sim, nos subterrâneos do Palácio quem agora chama de ''notório bandido'', indicando-lhe um interlocutor pouco depois flagrado com uma mala de dinheiro. Nada faz esquecer que Aécio Neves fazia pedidos ao ''notório bandido'', mesmo depois de ter liderado um processo que retirou do poder um grupo ao qual o senador qualificava como ''organização criminosa''. Custa esquecer.

No geral, as explicações de cada um são frágeis e contraditórias; imaginar que nada disso ocorreu não faz sentido; há, ao menos, verossimilhança nos relatos. E, à parte disto, provas vivas às quais se procura enterrar. No mais, o STF julgará se os termos do acordo de leniência entre a JBS e o MP são válidos; numa lógica ''consequencialista'', avaliará se os áudios e as ladainhas de Joesley valem isso tudo, na missa da crise.

Pouco importa em quem, afinal, se votou em 2014. Tudo mudou. Não é o mesmo que trocar de time de futebol, virar casaca. Dicotomias e maniqueísmos deveriam desaparecer; vetos a partidos ou personagens não podem obscurecera realidade: o sistema político ruiu, as casas estão caindo. A vida precisa ser reconstruída com outro barro. E os corruptos de estimação devem, sem exceção, ser encaminhados às autoridades sanitárias.

Carlos Melo 

Gente fora do mapa

Família de operário na inauguração de Brasília, em 1960, fotografada pelo suíço René Burri
Família conhece Brasília (1960), René Burri

Américo Pisca-Pisca e os 'bissurdos' de Gilmar

Como não lhe faltassem argumentos, a certa altura do voto decisivo contra a cassação da chapa vencedora nas eleições presidenciais de 2014, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, tirou da algibeira um personagem da nossa literatura infantil, Américo Pisca-Pisca. “De vez em quando a gente vê esse personagem andando por aí, o reformador da natureza”, disse. Na fábula de Monteiro Lobato, Pisca-Pisca punha defeito em tudo. Por que uma árvore grande como a jabuticabeira carrega frutos tão pequeninos? Por que abóboras enormes crescem ao chão, em frágeis plantas rasteiras? “Não era lógico que fosse o contrário?”, pergunta. “Se as coisas tivessem de ser reorganizadas por mim, eu trocaria as bolas – punha as jabuticabas na aboboreira e as abóboras na jabuticabeira.” Até que, “pisca-piscando que não acabava mais”, ele adormece sob a jabuticabeira, e uma jabuticaba cai-lhe sobre o nariz. Desperta, pisca, pisca de novo – e reflete: e se tivesse caído uma abóbora? “Deixemo-nos de reformas. Fique como está que está tudo muito bom”, diz. Para Gilmar, a fábula é um alerta para as tentativas de mudar o mundo sem atentar às consequências. “Muitas vezes, brincamos de Américo Pisca-Pisca, temos de ter muito cuidado com as instituições”, disse, ao votar pela manutenção do mandato do presidente Michel Temer. “Não devemos brincar de aprendizes de feiticeiro. Se quiserem tirar um presidente, não se aproveitem desse tipo de situação.”

Gilmar poderia ter prosseguido em sua leitura de Monteiro Lobato. Em A reforma da natureza, Dona Benta, Tia Nastácia, Pedrinho, Narizinho e o Visconde de Sabugosa se mandam para a Europa, convocados a negociar um acordo de paz entre as nações. Sozinha no Sítio do Picapau Amarelo, a espevitada Emília se mete a brincar de Pisca-Pisca. Convida uma amiga a ajudá-la a reformar os “bissurdos” que encontra na natureza. A experiência é um desastre. Um tico-tico com a ninhada nas costas mal consegue voar, laranjas sem casca não resistem nos pés, bezerros passam fome diante da vaca com torneiras nos úberes, livros comestíveis são devorados pelo porquinho Rabicó, borboletas lerdas, moscas sem asas, pernilongos, pulgas e percevejos sem peçonha, até mesmo o rinoceronte Quindim vira uma quimera sem chifre, com patas e caudas de outros animais – para não falar nas jabuticabas e abóboras. Ao voltar da Europa, Dona Benta, chocada, manda Emília desfazer as reinações. Mas nem todas. Deixa o leite assobiar para avisar que ferveu, aprova mudanças nos insetos e até que certos livros se tornem comida. “Há muita coisa aproveitável”, diz resignada a Emília. Pois aí a reforma da natureza não acaba. Emília e o Visconde se metem em experimentos glandulares que espalham pelo mundo insetos gigantescos. Para explicar a um cientista estrangeiro como tudo fora possível, ela se sai com a seguinte pérola: “Nosso segredo é o Faz de Conta. Não há o que não se consiga quando o processo aplicado é o Faz de Conta”.

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Eis um princípio que descreve bem os artifícios retóricos de Gilmar e dos demais ministros responsáveis por absolver a chapa Dilma-Temer. Só no mundo do Faz de Conta processual tantos crimes resistem a tamanha abundância de provas. Basta fazer de conta que as empresas offshore dos marqueteiros de Dilma não receberam, em 2014, dinheiro desviado dos contratos de sondas da Petrobras. Ou que nem um centavo do dinheiro sujo destinado aos partidos vitoriosos pelas empreiteiras citadas na petição inicial foi usado na campanha. Ou, então, que nada disso tenha sido confirmado por depoimentos – não só de delatores premiados, não só de executivos da Odebrecht –, por comprovantes de depósito e por extratos bancários. Está tudo lá, provado de modo exaustivo, detalhado e sólido, resistente a qualquer dúvida ou objeção, no voto do relator, ministro Herman Benjamin.

Em sua comparação, Gilmar só esqueceu o essencial. As leis da natureza não podem ser reformadas, já as humanas… Jogue-se sobre elas um pouquinho do pó de pirlimpimpim da retórica e pronto! Jabuticabas brotam feito cogumelos dos troncos da Justiça, começam a desabar sobre a cabeça de todos nós, mais um pouquinho e se tornam abóboras a rachar qualquer resquício de vergonha ou princípio ético. Não que a preocupação de Gilmar com a estabilidade seja descabida. Não se pode mesmo trocar de presidente a toda hora. Mas o que gera mais instabilidade? Condenar um governante por crimes comprovados ou mantê-lo no poder apesar deles, só para evitar mudanças de resultado incerto? Cada um terá sua resposta. Gilmar fica com o conservadorismo da fábula de Pisca-Pisca. Emília, alter ego de Lobato, não se faz de rogada: “O fabulista era um grande medroso; queria fazer uma fábula que desse razão ao seu medo de mudar”. Diante do julgamento do TSE, ainda completaria: “Bissurdo!”.

A gangsterização da política

Um empresário ‘dois em um’ – assumidamente corrompido e corruptor – está revelando em detalhes a gangsterização da política no Brasil. Sua metralhadora giratória, que dispara verdades documentadas e mentiras discursivas, evidencia um esquema criminoso de favorecimentos e propinas em “estados, ministérios, fundos de pensão, bancos e BNDES”. Joesley Batista garante que “o estado brasileiro está dominado por organizações criminosas, muitas das quais participamos e tivemos que financiar”. Mais direto impossível. Joesley JBS assegura que tudo o que diz está comprovado no Ministério Público.

Haveria um desdobramento natural desse tsunami político: os acusados que juram inocência deveriam processar o empresário por calúnia, de imediato, como Temer faz agora. Mas é estranhíssimo que não o tenha feito antes, quando da revelação da sua conversinha com Joesley na calada da noite do Jaburu, há três meses. Aliás, é também inusitado que ele tenha recebido com presteza quem considera um “bandido notório”. O fato do dono da holding J&S ter o “maior sucesso na história brasileira” abre portas palacianas?

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Joesley também deve, diante das ações que sofrerá, pleitear a “exceção da verdade”, pela qual poderá provar as acusações que fez, inclusive solicitando a quebra de sigilo dos que o processam, para confirmar a veracidade de suas afirmações.

Por óbvio, a Câmara dos Deputados, em recebendo o pedido de investigação sobre o presidente da República, fica na obrigação de autorizá-lo. Quem não aprovar essa medida elementar, por omissão (fugindo da votação) ou voto contrário, terá seu nome parlamentar carimbado como leniente com o acobertamento de denúncias gravíssimas que enlameiam a República. Quem alardeia honestidade não devia ficar em apuros. Teria que aceitar e mesmo desejar a apuração de tudo.

O que dá mais concretude à trágica gangsterização da política é a atitude dos partidos que têm parlamentares e dirigentes investigados ou réus. Via de regra, fazem “cara de paisagem”. Todos têm princípios éticos em seus estatutos e comissões para zelar por eles. O PP, com 38 parlamentares na Lava-Jato, a começar pelo seu presidente, senador Ciro Nogueira (PI), não se coçou.

O PT, com 25 e também com sua presidente nessa situação, abriu procedimentos contra André Vargas (PR) e Delcídio do Amaral (MS), que se desfiliaram. Sobre os “desvios”, como reconhecido por diversos sinceros militantes, não fez qualquer autocrítica.

O PMDB, com 22 na Lava-Jato e atingido fortemente pela delação da JBS, assumiu sem pudores o que seu presidente, o também investigado senador Jucá (RR), propôs: “estancar a sangria”, abafar tudo.

E o PSDB, até aqui com 13 mandatários denunciados, em especial seu presidente licenciado, senador Aécio Neves (MG), não toma outra providência senão a de proteger seus atingidos. Talvez venha argumentar que ainda não elaborou seu Código de Ética...

Esse silêncio partidário é revelador de que a corrupção que praticaram não era uma conduta inadequada de A ou B, mas algo derivado do próprio modus operandi da agremiação. Com raras exceções, elas adotaram servidão voluntária ao poder dissolvente do dinheiro.

Chico Alencar

Após reagir a Joesley, Temer precisa de espelho

Há três semanas, Joesley Batista era visto por Michel Temer como um empresário extraordinário, do tipo que pode ser recebido fora da agenda, perto da meia-noite, no palácio residencial da Presidência da República. Agora, acusado pelo dono da JBS de “chefe da quadrilha mais perigosa do Brasil”, Temer passou a enxergar em Joesley a figura de um “bandido notório”. Decidiu processá-lo por injúria, além de cobrar indenização por danos morais.

Num vídeo divulgado na internet, Temer insinua que Joesley virou delator porque seu governo acabou com os “favores” que azeitavam negócios ilícitos com dinheiro público. Quando ainda era recebido no escurinho do Jaburu, Joesley pedia a Temer autorização para cobrar pendências junto ao ministro da Fazenda. E Temer. “Pode fazer isso”. O empresário pedia um interlocutor que intermediasse seus contatos com o presidente. E Temer indicava Rodrigo Rocha Loures, o homem da mala.


Temer faz muito bem em processar o corrupto confesso que o chama de quadrilheiro. É inaceitável que a Presidência da República seja desrespeitada dessa maneira. Agora, para manter a coerência, Temer precisa agir contra o seu grupo político.

O presidente não pode mais chamar de pessoa de “boa índole” alguém como Rocha Loures, o ex-assessor preso após receber mala com propina de 500 mil. E terá de demitir todos os ministros investigados, que dão ao seu governo a aparência daquilo que a Procuradoria chama de “organização criminosa”. No limite, Temer poderia consultar o espelho. Prestes a ser denunciado por corrupção, talvez o presidente se animasse a proteger a Presidência de si mesmo.

Paisagem brasileira

ARMANDO LEITE (SÉC.XIX-XX). Canoa em Repouso na Lagoa de Marapendi - Barra da Tijuca, óleo s madeira, 27 X 40. Assinado no c.i.e. e no verso (1949)
Canoa em repouso na Lagoa de Marapendi, Barra da Tijuca (RJ), 1949, Armando Leite

Educação tutelada

Ao decidir pelo recolhimento de um livro que continha um conto considerado “inadequado” para crianças de 7 anos de idade, o Ministério da Educação (MEC) se expõe a três grandes críticas: exercício de censura, conhecimento duvidoso sobre a função pedagógica dos contos tradicionais e suspeita a respeito do real valor dos diplomas de professor que o órgão valida.

O MEC alega que não fez censura, apenas descobriu, após a denúncia de alguns pais, que o texto, por tratar de incesto, seria inadequado para crianças de 7 anos. Não se discute aqui o mérito da obra – mesmo porque se trata de ficção popular, não literária. Mas o tema – um dos poucos tabus ainda remanescentes em nosso mundo pós-moderno – em pouco difere das violências nada sutis que caracterizam esse gênero: crianças abandonadas pelos pais, bruxas que transformam arbitrariamente sapos em príncipes e príncipes em sapos, pretendentes à princesa que são decapitados sumariamente se não acertarem as adivinhas do rei. E é muito menos pernicioso do que assistir às incestuosas relações que se desenrolam aos nossos olhos nas antecâmaras do poder envolvendo os setores público e privado e, aparentemente, os próprios Poderes entre si.

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A justificativa para recolher os livros baseou-se em pareceres internos do próprio Ministério da Educação – não houve debate com especialistas. Esse parecer revela desconhecimento da psicologia infantil e da função pedagógica dos contos populares. Crianças em todo o mundo tipicamente se maravilham por esse gênero entre os 3 anos e os 6 anos de idade – pelo menos desde Rudolf Steiner isso está bem estabelecido. Aqui reside a essência da questão, e convém aprofundar. Sejam os adeptos das interpretações psicanalíticas de Bruno Bettelheim, sejam os que acompanham os estudos de pesquisadores como Maria Tatar, condenar essa obra como inadequada em razão da idade das crianças é condenar todos os contos populares. Estes constituem um importante instrumento de amadurecimento emocional e cognitivo das crianças – especialmente entre os 3 anos e os 6 anos de idade, faixa etária em que seus critérios de decisão operam no branco e preto e suas certezas são maiores do que suas dúvidas.

A estrutura começa com o “era uma vez” abrindo espaço para imaginar e fugir do real. Os personagens são simples, consistentes e predizíveis, desempenham papéis sociais conhecidos, são estereotipados e não têm identidade pessoal. O enredo é tipicamente denso e violento e oferece oportunidades únicas para ajudar as crianças a refletir sobre temas universais como o bem e o mal, o certo e o errado, o justo e o injusto. O final, quase sempre feliz, reflete a aspiração de que um dia a justiça será feita.

Já o final infeliz reflete o princípio da realidade e pode causar tristeza ou indignação, mas não chega a causar surpresa à maioria das crianças. A transformação de princesa em bruxa ou em criada, ou do sapo em príncipe e vice-versa, reflete a arbitrariedade da nossa condição. Mas basta uma varinha mágica para reverter a ordem estabelecida. O medo, o terror, a arbitrariedade que antecedem a resolução do conflito ajudam a criança a sentir na pele e refletir sobre sua própria realidade – povoada de gigantes que tolhem a sua liberdade e impedem o exercício de sua curiosidade ilimitada e, na sua perspectiva, agem quase sempre de maneira arbitrária. Como agora o faz o MEC.

Cabe à família e à escola ensinar as crianças a lidar com o mundo como ele é – evitando, quando possível, que a criança sofra danos nesse processo. O maior antídoto contra a violência é enfrentá-la, ainda que com a ajuda da literatura. Mas se o MEC tiver razão, cabe a ele sustentar, com argumentos sólidos e num debate público com professores experientes e estudiosos do ramo, a idade para a qual o livro ora censurado seria recomendável.

Resta examinar a pergunta que não consegue calar: o Ministério da Educação desconfia que os professores não são capazes nem de escolher livros – por isso ele os escolhe – nem de calibrar a sua dosagem e interpretação? A suspeita possivelmente é fundada, mas se for confirmada o rei fica nu. Ou o MEC assume que os professores são competentes e delega a eles decisões pedagógicas importantes, ou, então, reconhece que não o são, que precisam ser tutelados e que os diplomas que ele valida são questionáveis.

Diante de tal situação, existem três saídas, sendo as duas primeiras inviáveis na prática. Uma delas consistiria em reconvocar os professores para recomeçar do zero uma formação adequada, a outra seria substituir os que não estiverem à altura do desafio e a terceira consistiria em assumir as deficiências como parte da realidade e usar estratégias comprovadamente eficazes para lidar com esse tipo de situação.

Voltamos, assim, ao ponto de partida. A censura se deu porque o MEC inventou um programa que não precisaria existir, mas que, ao existir, envolveu a escolha centralizada de leituras e, assim, colocou o Ministério na posição de censor. O problema, portanto, ocorreu porque, no lugar de promover políticas públicas que assegurem a melhoria da educação, o MEC opta por se envolver em ações emergenciais – projetos de curto fôlego e impacto zero. O próprio ministro Mendonça Filho reconheceu isso no início de sua gestão. Portanto, a causa maior do problema reside no próprio Ministério da Educação e na sua forma de entender o seu papel.

Mas ninguém tem coragem de reconhecer esses fatos e dar nome aos bois. Em vez de intervir no varejo e exercitar o poder de tutela, não seria mais interessante para o País que o governo central se concentrasse em estabelecer políticas que garantissem escolas e professores que possam atuar com autonomia em suas decisões pedagógicas?

João Batista Araujo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto

A força enfraquecida no Brasil

Mas, ao mesmo tempo, vemos que os cidadãos se mobilizam quando há algo que eles julgam importantes, mas em ações mais pontuais, não mais em grandes ideologias gerais. Por exemplo, se você é ecologista, você vai se engajar neste campo, ou no campo do feminismo, do casamento gay, e as pessoas vão se engajar nestes temas. Antes era direita e esquerda, capitalismo ou socialismo. Nas grandes ideologias, as pessoas não acreditam muito mais. Elas querem coisas mais pragmáticas.
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Então, isso criou um novo tipo de relação com a política e que, acho, deve nos levar a repensar os meios para melhorar o mundo. Porque se não é mais a política que tem a força de mudar o mundo, então o que seria? E eu acho que uma das grandes forças que deve fazê-lo é a educação. 
Gilles Lipovetsky, autor de "Era do Vazio" e "O Império do Efêmero" 

Meirelles mostra otimismo, mas equipe teme bondades do Planalto

Como convém ao cargo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anda propagandeando pelas redes sociais os bons indicadores da economia. Tenta usar números que sugerem a retomada da atividade como contraponto ao péssimo momento político vivido pelo país. Meirelles está imbuído da missão de manter a percepção de que, por meio de uma política econômica responsável, a confiança de consumidores, empresários e investidores se mantém intacta.

O ministro pode até obter algum resultado na sua empreitada. Mas, antes de tentar conquistar corações e mentes da população em geral, deveria conter a onda de insegurança que ronda a sua equipe. Nos bastidores, vários técnicos vêm se perguntando até que ponto o governo está disposto a manter o compromisso com o ajuste fiscal. Nos últimos dias, o presidente Michel Temer deu sinais claros de que está disposto a recorrer a um pacote de bondades para garantir sua sobrevivência.



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Na avaliação dos técnicos, não é recomendável para um governo que conseguiu reconstruir a credibilidade da política econômica com a promessa de um ajuste fiscal consistente ficar indicando que pode abrir os cofres para atender pleitos de aliados políticos. É enorme a limitação do Tesouro Nacional para cumprir todos os seus compromissos sem que o deficit primário previsto para este ano não ultrapasse o teto de R$ 139 bilhões. O risco de o rombo ser maior é bastante alto.

As promessas são muitas. Vão da correção da tabela do Imposto da Renda à repactuação de dívidas de estados num total de R$ 50 bilhões. Os técnicos reconhecem que algumas das bondades preparadas pelo governo são compreensíveis, mas não deveriam ser aventadas agora, quando ainda se está pavimentando o caminho para o equilíbrio das contas públicas. “Estamos muito longe de dizer que o ajuste fiscal está consolidado. Ainda vamos ter rombo fiscal por vários anos”, diz um dos técnicos. “O quadro está tão complicado que, em vez de se recuperar, a arrecadação está caindo”, emenda.

A expectativa da equipe econômica é de que as bondades alardeadas pelo governo fiquem na promessa. “Primeiro, porque, se tiradas do papel, não agregarão nada à economia. Segundo, porque não há espaço no Orçamento para estripulias”, assinala outro integrante da equipe econômica. Para ele, o governo deveria concentrar esforços a fim de aprovar as reformas trabalhista e da Previdência Social com um discurso de austeridade. É isso que manterá a confiança dos agentes econômicos.

Os técnicos destacam ainda que os bons números comemorados pelo governo não garantem uma recuperação concreta da atividade. São apenas sinais positivos. Em abril, o varejo e o setor de serviços cresceram 1%, já a indústria avançou 0,6%. Apesar desses indicadores, a maior parte dos especialistas acredita que o Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre será negativo. Não se pode esquecer, segundo eles, que a economia praticamente parou da segunda metade de maio em diante, quando o país tomou conhecimento das delações dos irmãos Joesley e Wesley Batista, do grupo JBS.

Portanto, neste momento, a tal retomada é muito mais desejo do que realidade concreta. O ideal é que o governo mantenha a responsabilidade fiscal, pois essa será a maior garantia aos agentes econômicos de que não há espaço para retrocessos no ajuste fiscal. “Credibilidade é tudo neste momento. Vejam: a inflação está caindo e os juros, também. Mesmo que de forma desigual, a economia está reagindo. Não podemos abrir mão disso”, ressalta um ministro.


Ele acredita que, ao longo dos próximos meses, provavelmente até agosto, a inflação acumulada em 12 meses ficará bem próxima de 2%. “Teremos deflação em junho e, provavelmente, em julho, por causa da queda dos preços dos combustíveis e das tarifas de energia elétrica. Isso obrigará o Banco Central a manter o corte de juros em um ponto percentual”, acredita.

Responsabilidade, porém, é tudo. Foram as maluquices de Dilma Rousseff quando presidente da República, na condução da política econômica, que empurraram o Brasil para a mais profunda recessão da história e desempregaram 14 milhões de pessoas. Esse filme, no entanto, ninguém quer mais ver. A hora é de virar o jogo. E isso requer muito juízo.

Quem deve a Lula

Nélson Rodrigues, o Sófocles do subúrbio carioca, enchia a boca para dizer que “toda unanimidade é burra”. Poucas unanimidades sobreviveram à guerra das torcidas organizadas da rapina pública desde que Nélson saiu de fininho da vida para virar gênio da dramaturgia na paz do Senhor. Mas ainda há verdades tão óbvias que seduzem as multidões a ponto de arrancarem um gemidinho de gol perdido das galeras ensandecidas nas arquibancadas. Agora, por exemplo, o presidente Michel Temer, embarcado para a Noruega e a Rússia para fingir que governa, é uma quase unanimidade nacional. Poucos, muito poucos brasileiros, ainda apostam um centavo nele. E o fazem no melhor da boa-fé. Acreditam que ruim com ele, muito pior sem ele. Nunca ninguém vai tirar a prova dos nove nessa questão de última aposta contra a crise, porque a diaba continuará de qualquer jeito e quem não puder muito não se salvará nela.

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Alguns velhos cínicos, como o autor destas notas, acha que a grande maioria deve até ter uma antipatia congênita, pois o macróbio de Tietê não desperta apreço nem simpatia de ninguém com seu estilo mesoclítico e sua mentalidade neolítica. Meu amigo Mauro Guimarães, caipira de Bebedouro, costumava dizer que nunca é de bom alvitre desprezar a pré-racionalidade do povo. Acredito nessa máxima e faço fé de que mais do que a antipatia congênita, a voz estridente e os apostos em sequência enervante em nada influem no desgosto popular quanto ao primeiro mandatário. O povo apenas não se esquece, como este autor e mais alguns, de que Sua Excelência é apenas um acólito do esquema que, ao juntar PT, PMDB, outros partidecos e a oposição graúda do PSDB, paga com propina para não ir até o fundo das coisas, sob a égide de Luiz Inácio Lula da Silva, não deixando moeda sobre moeda nos cofres de Viúva.

Outra quase unanimidade, apadrinhado por Lula e recebido em segredo por Temer no Palácio do Jaburu, que o povo mantém para ele morar com a mulher e o filhinho temporão, é o bamba do abate de bois Joesley Batista. Poucos, muito poucos brasileiros, apenas o suficiente para não entrar na definição de burrice do autor de O Boca de Ouro, comprariam uma bicicleta usada do moço de Anápolis, embora consumam muitos produtos que suas empresas fabricam e vendem em supermercados – da coalhada da Vigor à costela da Friboi. É essa equação que Mauro chamava de “pré-racionalidade”. Não convém desconhecê-la abusivamente.

Atualmente essas duas referências nacionais da quase unanimidade contra disputam no ringue do MMA da política o cinturão do desagrado amplo, geral e irrestrito. Tudo indica que, por mais que lutem, ambos nunca escaparão do empate, assim como um lance de dados jamais abolirá o acaso, de acordo com o preceito mallarmaico. Todo brasileiro com mais de cinco anos, se não sabia, desconfiava de que o Batistinha é bandido de marca. Mas nunca foi um bandido NOSSO, que merecesse o perdão marxista do historiador britânico Eric Hobsbawn, como o célebre Robin Wood e o menos conhecido Ned Kelly. Joesley está mais para aqueles bandoleiros medíocres catalogados por Jorge Luís Borges em seu clássico dos clássicos da realidade tornada ficção História Universal da Infâmia.

Joesley é um bandidinho DELES – Lula, Dilma, Temer e Aecinho. Está sempre disposto a dar uma esmola pedida de bilhões, desde que ganhe mais bilhões em negócios da China patrocinados pelo desatento contribuinte traído. Michel Temer, seu recente desafeto, sabia disso. Tanto sabia que achou um bom redator para resumir a história de sucesso do bamba do abate que virou o papa da propina numa nota oficial que seus assessores prepararam para desmascarar o Billy the Kid do pequi.

Faço questão de reproduzir o texto, porque é exemplar em bile e síntese. “Em 2005, o Grupo JBS obteve seu primeiro financiamento no BNDES. Dois anos depois, alcançou um faturamento de R$ 4 bilhões. Em 2016, o faturamento das empresas da família Batista chegou a R$ 183 bilhões. Relação construída com governos do passado, muito antes que o presidente Michel Temer chegasse ao Palácio do Planalto. Toda essa história de ‘sucesso’ é preservada nos depoimentos e nas entrevistas do senhor Joesley Batista.” No primeiro parágrafo descreveu-se o malfeito, como diria a Doidinha Dilma, de quem Temer foi desprezado vice. No segundo, foram lembrados os artífices, quais sejam, “os reais parceiros de sua trajetória de pilhagens, os verdadeiros contatos de seu submundo, as conversas realmente comprometedoras com os sicários que o acompanhavam, os grandes tentáculos da organização criminosa que ele ajudou a forjar ficam em segundo plano, estrategicamente protegidos”.

É desnecessário perguntar que falha de memória impediu que o chefe do governo abrisse os porões do palácio para recebê-lo, ouvi-lo e até, de certa forma sutil, como é seu hábito, estimulá-lo. Mas importante é deixar registrado que ambos conheciam bem um ao outro e suas origens para dividirem aquela conversa “nada republicana”. Como Joesley repetiu, imitando com seu idioleto próximo do português o que falava Márcio Thomaz Bastos, professor de Lula em republicanismo.

O que nos interessa saber aqui é algo mais relevante e mais urgente: por que os agentes federais, os procuradores públicos de Brasília e o seriíssimo ministro Fachin não tiveram a curiosidade de perguntar como foi possível obrar aquele milagre citado no primeiro parágrafo da nota de Temer? O editor-chefe da revista Época, Diego Escosteguy, que chefia uma briosa equipe de repórteres investigadores e entrevistou o corsário dos abatedouros, foi um pouquinho, bem pouquinho, além. Até perguntou. Mas se contentou com vagas respostas. Sim, quem deu o dinheiro foi o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Não diga! Mas não, o doutor Luciano Coutinho nunca levou um mísero tostãozinho de recompensa, vulgo propina, por isso. E Lula, chefão do professor? Com esse aí Joesley teve duas conversinhas, mas elas foram bem republicanas. Terá sido sobre futebol, sexo ou cachaça? Não é mesmo fabuloso?

Então, é o caso de esclarecer algumas coisinhas. Primeiro, a Polícia Federal não é um monólito de republicanismo, como a definia o citado ex-ministro da Justiça do padim Lula. Não: a PF é uma areia radiativa que contamina adversários dos senhores de suas diversas facções: os petistas de Paulo Lacerda, os tucanos de Marcelo Itagiba, as viúvas de Tuma e por aí afora. Isso não é necessariamente mau. É até bom, pode crer, caro leitor. É dessa fragmentação que emerge o conhecimento que temos dos podres poderes nacionais, levantados por operações como a Castelo da Areia, dissolvida por Bastos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), e a Lava Jato, que continua, impávido colosso, a assombrar políticos de todos os partidos que só não a enxugaram ainda por causa da idolatria que o povo lhe devota.

Quanto aos procuradores-gerais da República, é útil lembrar que Roberto Gurgel poupou o chefão do Partido dos Trabalhadores (PT), que o ungiu no alto cargo, nos libelos acusatórios do celebérrimo mensalão. E Rodrigo Janot teve cobrada sua ingratidão em telefonema desse mesmo Lula a Jaques Wagner. Terá chegado agora a hora da gratidão, quando seus subordinados não levaram em conta o dinheiro público que enriqueceu os irmãos Batista, tornando-os os maiores produtores de proteína animal do mundo? Pode ser que sim, pode ser que não. Novos fatos o dirão…

O prêmio máximo obtido pelos bilionários da JBS recebeu ainda o beneplácito homologatório do relator da Lava Jato no STF, ministro Luiz Edson Fachin. Este empreendeu longa e árdua batalha para ser aprovado pelo Senado para o lugar que Dilma lhe reservou no Supremo. Teve a seu lado o braço amigo de Ricardo Saud, um dos delatores premiados dos bambas do abate. E acólitos caros e solícitos pagos pelo Erário e emprestados por obra e graça de madama, cuja campanha apoiou às claras.

Pode ser que seja tudo mera coincidência. Mas quanta coincidência há em logo Lula ser credor de todos eles de uma forma ou de outra, não é?

Imagem do Dia

O Dar al-Hajar (Palácio Rocha) em Wadi Dawan, Yemen. O palácio está empoleirado no topo de um pináculo da rocha no Vale Wadi Dawan, ao norte da capital Sanaa, no  Iêmen. O histórico palácio de cinco andares foi construído por um governante do Iêmen,  Imam Mansour Ali Bin Mehdi Abbas em 1786 AD.  Na década de 1930, o monarca iemenita Imam Yahya Hameed Al-Din acrescentou o andar superior e anexos e usou-o como sua residência de verão.  Fotografia: Yahya Arhab / EPA.
Dar al-Hajar (Palácio da Rocha) em Wadi Dawan (Iêmen)

À espera do fato novo

O ex-deputado Ulysses Guimarães, presidente nos anos 80 do século passado do PMDB, da Câmara e da Assembleia Nacional Constituinte, costumava chamar de “Vossa Excelência” o fato político relevante. "Com a palavra, Vossa Excelência, o Fato", dizia Ulysses. E ensinava:

- O fato é tão ou mais importante do que qualquer autoridade que mereça ser chamada de Vossa Excelência. Um fato só pode ser revogado por um fato novo. Que, por sua vez, só pode ser revogado por um fato consumado.

No momento, “Sua Excelência, O Fato” é o estado de fraqueza de Michel Temer atingido há mais de um mês pela delação do empresário Joesley Batista, dono do Grupo JBS, e a gravação da conversa travada entre os dois no porão do Palácio do Jaburu, em Brasília.


Temer sangra desde então, e só se mantém no cargo porque a crise econômica descolou-se da crise política, e nenhum partido se considera apto para enfrentar a eleição repentina de um novo presidente. Todos os partidos, inclusiva o PT, preferem eleição em 2017, como manda a lei.

Isso não significa, todavia, que Temer completará o mandato herdado de Dilma ou subtraído dela. Um fato novo não só pode revogar o fato anterior, como também agravá-lo. E é à espera de um novo fato que a República tem respirado nas últimas semanas, e respirará as próximas.

Só quem tem conhecimento prévio das cartas a serem postas na mesa são a Polícia Federal e o Ministério Público. Quem mais participa do jogo fica no escuro até o surgimento das primeiras pistas sobre as cartas que receberá. Aí mal dá tempo para refletir sobre o que fazer em seguida.

Derrubar Dilma foi tarefa mais fácil do que derrubar Temer. Primeiro porque ela afundou o país na maior recessão econômica de sua história. Segundo porque perdeu o apoio do Congresso. Terceiro porque a crise econômica e a política caminhavam juntas.

Por menos que tenha melhorado, a situação econômica melhorou. Entre os aspirantes à sucessão de Temer, nenhum dá sinais de que pretenda dar uma guinada de 180 graus na condução da atual política econômica. Se Temer cair amanhã, o ministro Henrique Meirelles, da Fazenda, não cairá.

O chamado “mercado” já se convenceu disso. Portanto, para ele, que muito importa nas decisões dos políticos, não fará diferença se Temer ficar ou se sair. Ninguém alimenta mais esperança de que as reformas avancem como se desejava. Poderão ficar para depois.

A sorte de Temer, pois, só depende dele. Somente ele sabe o que fez ou o que deixou de fazer, o que está para ser descoberto e o que jamais será. Os dias por vir serão assim.

Quem é o chefão?

               I
Lula se encontrou com Temer
No mato ali por detrás:
Foram acertar as contas
(Quem sabe a hora é que faz),
Pra saber quem é o chefe
E qual dos dois roubou mais.

              II
Estavam os dois chateados
Com Joesley e com Janot:
São muitas contradições
Na voz de quem declarou
E agora ninguém sabe
Quem foi o que mais roubou.

             III
Joesley disse que Temer
Comanda a operação,
A tropa de Curitiba
Teve logo uma reação
E diz que o dedo de Lula
Comandou o Petrolão.


              IV
-Lula sempre foi o chefe -,
Disse o Doutor Lavajato.
Foi chefe do mensalão,
Comprando voto e mandato,
E incriminou Zé Dirceu
Pra ele pagar o pato.


              V
- Aquele sítio e o tríplex
São só uma tapeação.
Passaram o rodo na terra,
Que secaram a plantação;
Pobre, quando vê comida,
Se acaba no rubacão!


              VI
O filósofo João Caiti
Disse na Rua do Cancão
Que o esquema funcionou
Numa grande organização:
Com o chefe principal,
Cada um tinha uma função.


              VII
Lula mandava no topo,
José Dirceu na canhota,
Temer ia pela direita
E o resto da patota
Fazia a distribuição
Daquele monte de nota.


             VIII

Pelo lado dos tucanos
De São Paulo até Campina
José Serra, Aécio Neves,
A turma da Dudalina
Passaram a ser conhecidos
Como os chatos da propina.


            IX
Depois que José Dirceu
Se lascou no mensalão,
Palocci tornou-se o príncipe
E juntou mais de um trilhão,
Chegou a pensar em ser
O Poderoso Chefão.


              X
Mantega, com cara de morto,
Discursava pro povão,
Dizendo que o PT
Ia salvar a Nação,
Enquanto a turma dos bancos
Na grana passava a mão.


           XI
Lula e Temer lá no mato
Começaram a cochichar;
Chico de Tozinho enchia
De aveloz um caçuá
Quando ouviu esta proposta
Que os dois estavam a gestar:
- Vamos dizer que foi Dilma,
Que ela é doida e vai gostar!

O Brasil precisa de mais do que a Lava Jato

Felizmente chegou à pauta do dia a preocupação de que no Brasil a vida está reduzida às denúncias, às investigações e às delações premiadas, com seus respectivos abusos, idas e voltas. Denuncia-se tudo e todos. Denuncia-se com ou sem critério, em nome de interesses nacionais ou outros os mais diversos, muitas vezes irresponsavelmente, sem se levar em conta a reputação, a história e os compromissos de denunciados. Denunciam-se também bandalhos históricos, políticos vagabundos e enganadores, empresários forjados e que cresceram na corrupção, membros (ainda) do Executivo e do Judiciário que merecem o cerco em que estão vivendo.


Nessa tarefa têm colaborado segmentos da imprensa, da sociedade e das mídias sociais, que dão volume a um esquema de propagação de suspeitas às vezes criadas, mas também de fatos reais, que têm operado a revelação e a demolição de prósperas quadrilhas justamente alcançadas. As investigações empreendidas pela Polícia Federal, base dos processos dos quais se serve o Ministério Público para suas denúncias, ganharam o apoio de tecnologias que lhe permitem rebuscar a vida dos investigados desde seu batismo; não fosse a exposição midiática do processamento dessas investigações, estas seriam perfeitas. Show à parte, a PF é a ponta célere do conjunto da ópera, abreviando os resultados que se pretendem.

Em recente palestra feita pelo polêmico ministro Gilmar Mendes em Recife, no Grupo de Líderes Empresariais, esse realçou sua preocupação, como membro do STF, com a postura de membros do Ministério Público e da magistratura, levantando duras críticas à falta de objetividade na identificação do que deveria ser investigado.

Longe a pretensão de se nivelar com a mesma régua, a do ministro Gilmar Mendes, especialmente, tudo que se produziu nos últimos anos em termos da histórica responsabilização criminal de elevado número de gestores públicos, diretores de empresas estatais, políticos com mandatos no Legislativo e no Executivo – a Lava Jato é uma de nossas mais significativas conquistas históricas –, o país precisa encontrar uma saída para voltar ao desenvolvimento, à produção, ao emprego.

Estamos falidos, gravitando unicamente em torno dessa operação, que se deve avançar sem limites em seus resultados, não pode se transformar em nossa única esperança. Somos mais. O Brasil não pode esperar o fim da Lava Jato para empreender sua tão necessária agenda de reformas.