Estandartes da moralidade de apenas alguns meses atrás, agora, se recolhem; relativizam fatos, e douram versões: o que servia para Lula e Dilma não serve para Temer e Aécio, por exemplo. De sinal contrário, tudo o que há pouco era impróprio, era precipitação, era abuso em relação ao PT, empregado aos inimigos é, agora, justo. A crise coloca em cartaz seu festival de cinismos.
É mais um problema no interior do emaranhado de problemas do país. Do FlaXFlu fogem análises objetivas, esticando o tempo político da disputa. Relativiza-se, por exemplo, as revelações de Joesley Batista; elas, de fato, trazem prejuízo à economia, mas o acessório não pode negar o essencial: o presidente que não consegue se explicar.
Delação boa é a que arde no círculo social do outro. A crise gera essas contradições: argumentos e desculpas que antes cabiam na boca do adversário. Constitui-se, assim, o embate-empate na opinião pública que inibe o desenlace mais rápido da crise. Dividida, a sociedade se desmobiliza. A disputa dos partidos, na opinião pública, compreende exatamente isto, a paralisia. Sem pressão, os blocos políticos acomodam-se, não há rachas nem defecções. Cada um resguarda seu interesse.
Tenta-se desqualificar a crise: maliciosamente, surgem questionamentos sobre os motivos, afinal, do Ministério Público e da mídia que amplifica as denuncias. Difícil dizer. Fazem lembrar o motorista Eriberto França, cujo depoimento levou Fernando Collor de Mello ao impeachment. Na CPI, um deputado ''colorido'' lhe perguntou se denunciava ''apenas por amor à pátria''. Ao que o motorista devolveu: ''…e o senhor acha pouco, deputado?''
Ainda que se possa especular a respeito de razões que a razão desconheça, o fato é que a narrativa de Joesley Batista é reveladora do estado da arte do sistema político real: de fato, os maiores partidos do Brasil — e alguns de seus dirigentes — locupletaram-se com relações não republicanas, lambuzaram-se com o mel de grana graúda.
Não se apaga o papel que o PT teve nisso, não importam as alegadas e esfarrapadas desculpas de que foi em prol da inclusão social. Tampouco a recuperação econômica pode, por sua vez, esconder que o presidente recebeu, sim, nos subterrâneos do Palácio quem agora chama de ''notório bandido'', indicando-lhe um interlocutor pouco depois flagrado com uma mala de dinheiro. Nada faz esquecer que Aécio Neves fazia pedidos ao ''notório bandido'', mesmo depois de ter liderado um processo que retirou do poder um grupo ao qual o senador qualificava como ''organização criminosa''. Custa esquecer.
No geral, as explicações de cada um são frágeis e contraditórias; imaginar que nada disso ocorreu não faz sentido; há, ao menos, verossimilhança nos relatos. E, à parte disto, provas vivas às quais se procura enterrar. No mais, o STF julgará se os termos do acordo de leniência entre a JBS e o MP são válidos; numa lógica ''consequencialista'', avaliará se os áudios e as ladainhas de Joesley valem isso tudo, na missa da crise.
Pouco importa em quem, afinal, se votou em 2014. Tudo mudou. Não é o mesmo que trocar de time de futebol, virar casaca. Dicotomias e maniqueísmos deveriam desaparecer; vetos a partidos ou personagens não podem obscurecera realidade: o sistema político ruiu, as casas estão caindo. A vida precisa ser reconstruída com outro barro. E os corruptos de estimação devem, sem exceção, ser encaminhados às autoridades sanitárias.
Carlos Melo
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