quinta-feira, 19 de maio de 2016


Desaparelhando o governo

Aos poucos, o governo do presidente em exercício Michel Temer está tentando reverter o gigantesco aparelhamento da máquina do Estado realizado pelo PT ao longo de mais de uma década. As demissões já ultrapassam a casa das centenas, o que dá uma pálida ideia da abrangência do assalto petista ao poder.

Nem é preciso dizer que essas medidas saneadoras foram recebidas pelos simpatizantes do PT como uma afronta – e a máquina de propaganda petista, ainda muito afiada, está empenhada em transformar a faxina promovida por Temer em um atentado à “cultura” e aos “direitos sociais”, justamente as áreas cuja administração foi a mais aparelhada pelo partido – e assim, não à toa, se prestam à marquetagem fraudulenta que faz do PT o proprietário das classes pobres do País. O escândalo que alguns artistas estão fazendo para desqualificar Temer inclusive no exterior, para ficar somente neste exemplo embaraçoso, mostra bem a dificuldade que o presidente em exercício terá para retirar a administração pública de vez da órbita do PT e de seus simpatizantes e devolvê-la ao conjunto dos brasileiros.


A claque petista fez muito barulho com a decisão de Temer de fundir o Ministério da Cultura com o Ministério da Educação, rebaixando aquela pasta à categoria de Secretaria. Do ponto de vista da imagem política, foi um desastre que poderia ter sido evitado, pois alimenta a acusação de que Temer estaria interessado em retaliar a chamada “classe artística” porque esta se alinhou à presidente Dilma Rousseff e fez campanha contra o impeachment.

No entanto, noves fora o fato de que não existe essa tal “classe artística”, a não ser na cabeça de quem não consegue enxergar a sociedade como um conjunto de indivíduos, e sim como uma reunião de corporações com vocação estatal, a decisão de Temer foi essencialmente correta, porque a pasta da Cultura foi transformada pelo PT em um de seus principais feudos, espécie de ponta de lança da construção da imagem do partido como o único capaz de interpretar as aspirações nacionais.

A grande prova de que o Ministério da Cultura era apenas uma espécie de departamento de agitação e propaganda do PT foi dada quando funcionários da pasta receberam o novo ministro da Educação, Mendonça Filho, aos gritos de “golpista” e de “golpe não, cultura sim”. A limpeza promovida por Temer é portanto uma consequência natural da constatação de que a Cultura não estava a serviço do Brasil, mas de um partido político.

O mesmo se deu no caso da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Criada no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a EBC deveria servir como uma “instituição da democracia brasileira: pública, inclusiva, plural e cidadã”, como se lê em sua carta de intenções. Mas acabou se transformando em braço do lulopetismo. A necessidade do governo Temer de desaparelhar a EBC ficou evidente quando Dilma, às vésperas de ser afastada da Presidência, nomeou para presidir a empresa o jornalista Ricardo Melo, na certeza de que este seria aliado firme do PT na guerrilha comunicacional contra o governo interino. Temer exonerou Melo, que entrará na Justiça sob a alegação de que seu mandato não podia ser interrompido.

A luta contra a contaminação petista envolve muitas outras áreas do governo. Temer achou por bem, por exemplo, exonerar da presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) o sociólogo Jessé de Souza. Na chefia de um órgão responsável por pesquisas que ajudam a balizar importantes decisões de governo, Jessé havia dito que o impeachment era uma “mentira das elites” e que a crise econômica “foi produzida politicamente” por empresários.

Isso é só o começo. É muito provável que Temer tenha de ir ainda mais fundo se quiser extirpar o lulopetismo entranhado na administração federal. E ele tem de estar preparado para encarar o esperneio daqueles que, depois de apoiar de corpo e alma um projeto de poder que julgavam eterno, estão muito perto de perder a preciosa boquinha.

Petista resistem a abandonar a EBC

Não conheço o jornalista Ricardo Melo, o ex-presidente da EBC – Empresa Brasileira de Comunicação - que ameaça entrar na justiça para ser readmitido alegando que seu mandato é de quatro anos. Mas acho um desaforo a Diretoria Executiva da empresa se manifestar de público para garantir o emprego dele. A lei prevê que o mandato é de quatro anos. Mas ela não diz em momento algum que o cargo é irremovível, portanto, cabe à presidência da república revogar o ato quando bem quiser. Aliás, está na hora de desaparelhar a EBC que se transformou no maior cabide de emprego público do país.

A diretoria da EBC, formada por militantes petistas, exige a recondução de Melo à presidência como se a empresa fosse propriedade desse grupelho que não só se apoderou dos cargos como alguns de seus jornalistas viraram porta-vozes do PT. Esquecem, entretanto, que a petezada, quando assumiu o governo, desrespeitou diretores das agencias reguladoras pressionando-os a abandonar as funções mesmo protegidos pela imunidade já que seus nomes tinham sido aprovados pelo Congresso Nacional.

No governo petista a EBC foi parar no fundo do poço. Os profissionais mais antigos, que não rezavam na cartilha do partido, foram perseguidos, discriminados e muitos demitidos. Distribuiu--se cargos de chefias a profissionais desqualificados e incompetentes cujos currículos foram forjados nos comitês de propaganda petistas. Muitos de seus diretores eram notoriamente militantes que passavam o tempo ocioso pendurados na rede social fazendo campanha da Dilma e denunciando como golpe o impeachment assegurado pela Constituição.

A notícia de que o jornalista Laerte Rímoli foi escolhido pelo governo para assumir a presidência da EBC alvoroçou o mercado editorial. Poucos profissionais no Brasil têm o currículo dele. E poucos conhecem tão bem de jornalismo como Rímoli. A sua indicação para a EBC é sinal de que o governo pretende democratizar a informação e dar à notícia a imparcialidade universal, pondo fim as informações tendenciosas da empresa.

Laerte Rímoli tem uma carreira invejável. Trabalhou em todas as grandes redações do país. Por onde passou deixou bons amigos e marcou sua trajetória pela eficiência e capacidade de trabalho. Ao contrário de outros presidentes que passaram pela EBC apenas por indicações políticas, Rímoli chega à principal agência de notícia do governo pela experiência que acumulou no jornalismo ao longo das últimas décadas.

A EBC, é o que se espera do novo presidente, vai ser reestruturada. Rímoli saberá escolher entre os profissionais competentes e os militantes que ainda vivem lá dentro como se estivessem numa célula política agitando a bandeira vermelha do PT. Os cabeças brancas estão acertando nas indicações para o setor de comunicação. Outro bom exemplo foi a convocação do jornalista e diplomata Pedro Luiz Rodrigues para gerenciar a comunicação internacional do governo.

Pedro é outro profissional de currículo invejável. Começou na Rádio Jornal do Brasil no início da década de 1970, trabalhou nas redações dos grandes jornais do país e na carreira diplomática honrou o nome do Brasil lá fora. Com todo o imbróglio que ainda envolve a posse de Temer, o governo pelo menos começa a acertar na comunicação. Bom sinal.

Jorge Oliveira

O que o futuro reserva a Lula

A condenação do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu a 23 anos e três meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, participação em organização criminosa e lavagem de dinheiro, não surpreendeu quem acompanha de perto os desdobramentos da Lava-Jato. Tampouco o rigor da pena que equivale a uma espécie de prisão perpétua, a levar-se em conta a idade avançada de Dirceu (70 anos).

Foi a maior pena aplicada a um réu em uma única ação desde o início das investigações Lava-Jato.

De fato, a sentença lavrada pelo juiz Sérgio Moro chamou a atenção pelo o que diz em dois momentos. O primeiro:

- Não entendo, como argumentou o Ministério Público Federal, que o condenado dirigia a ação dos demais políticos desonestos, não estando claro de quem era a liderança.

O segundo:

- [Não reconheço o ex-ministro] como comandante do grupo criminoso, pelo menos considerando-o em toda a sua integralidade (empresários, intermediários, agentes públicos e políticos).


Terá havido um poderoso chefão ou mais de um chefe da roubalheira praticada na Petrobras por malfeitores? É a caça dele - ou deles - que está Moro. E também o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot.

Na denúncia contra Lula apresentada ao Supremo Tribunal Federal no início de maio, Janot afirma que ele teve “papel central” na trama para tentar barrar a Lava Jato e a delação premiada do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró.

O procurador conclui que Lula “impediu e/ou embaraçou investigação criminal que envolve organização criminosa, ocupando papel central, determinando e dirigindo a atividade criminosa praticada por Delcídio do Amaral, André Santos Esteves, Edson de Siqueira Ribeiro, Diogo Ferreira Rodrigues e José Carlos Bumlai”.

O cerco a Lula só faz estreitar-se. Ele é alvo de quase uma dezena de investigações, incluindo-se as levadas a cabo pelo Ministério Público de São Paulo. Ou Lula acabará preso por um ou mais crimes, ou inocentado das suspeitas que, hoje, o perseguem.

Se preso, sua carreira política chegará ao fim. Se inocentado, será forte candidato a presidente da República daqui a dois anos. Sua idoneidade, afinal, terá sido atestada em todas as instâncias da Justiça.

Reincidência faz de Dirceu um mártir do cinismo

Ao condenar José Dirceu a 23 anos e 3 meses de cadeia, nesta quarta-feira, o doutor Sérgio Moro transformou em pó a análise de conjuntura que o diretório do PT aprovara horas antes. Na sentença do juiz da Lava Jato, Dirceu não é o “heroi do povo brasileiro” retratado no grito de guerra da militância, mas um criminoso reincidente. Ainda assim, o documento do PT refere-se à Lava Jato como uma operação “golpista”.

“A Operação Lava Jato desempenha papel crucial na escalada golpista”, anotou o PT na sua análise de conjuntura. “Alicerçada sobre justo sentimento anticorrupção do povo brasileiro, configurou-se paulatinamente em instrumento político para a guerra de desgaste contra dirigentes e governantes petistas, atuando de forma cada vez mais seletiva quanto a seus alvos, além de marcada por violações ao Estado Democrático de Direito.”


Preso em Curitiba desde agosto de 2015, Dirceu foi sentenciado por ter recebido pixulecos que somam R$ 15 milhões. Dinheiro roubado da Petrobras. O juiz espantou-se com a desfaçatez exibida pelo personagem em sua reincidência.

Para Moro, “o mais perturbador em relação a José Dirceu consiste no fato de que recebeu propina inclusive enquanto estava sendo julgada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal a Ação Penal 470 [caso do mensalão], havendo registro de recebimentos pelo menos até 13 de novembro de 2013. Nem o julgamento condenatório pela mais Alta Corte do país representou fator inibidor da reiteração criminosa, embora em outro esquema ilícito.''

No seu documento, o PT se absteve de fazer uma defesa aberta de Dirceu. Preferiu nem mencionar os nomes dos seus mártires. Conforme já comentado aqui, o texto apenas lamentou que o partido tenha adquirido o hábito da corrupção por contágio, como quem pega uma gripe: “…Fomos contaminados pelo financiamento empresarial de campanhas, estrutura celular de como as classes dominantes se articulam com o Estado, formando suas próprias bancadas corporativas e controlando governos.”

No caso de Dirceu, a “contaminação” reforçou o patrimônio pessoal do condendo, não as arcas eleitorais da legenda. O companheiro conspurcou os fins e apropriou-se dos meios. Na juventude, sonhou ser uma espécie de Che Guevara brasileiro. Mas, que diabos, além do país Dirceu precisava reformar a mansão de Vinhedo.

Mas nem tudo está perdido. Apesar da sentença de Sérgio Moro, o documento do PT revela uma ótima notícia: não houve nenhum aumento no nível de cinismo do PT. Continua nos mesmos 100%. Com a vantagem de que Dirceu consolidou-se como mártir desse cinismo.

Com a dedetização da esgotosfera, reapareceu a espécie considera extinta desde 2003

A nova direção da Secretaria de Comunicação Social (Secom) já fechou as comportas das represas de publicidade oficial que nos últimos 13 matou com jorros de dinheiro a sede dos blogueiros estatizados. A vida mansa acabou. A esgotosfera vai ter de repartir as fontes que sobraram, como as prefeituras de São Paulo e de Maricá. As mesadas garantidas por Fernando Haddad e Washington Quaquá sustentam até fábricas de sabujices montadas no exterior.

A troca de comando na Empresa Brasileira de Comunicação avisa que chegou ao fim a farra na TV Brasil e em outros galhos administrativos transformados em imensos cabides de emprego. As duas medidas já provocaram estragos de bom tamanho no Programa Desemprego Zero para a Companheirada. Ainda falta muita coisa. Falta, por exemplo, um rigoroso pente fino nos contratos com sites e blogs arrendados que sangraram a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica.

Embora em seu começo, a drenagem desse pântano da sabujice vai produzindo produziu saudáveis mudanças na paisagem. Uma delas: já podem ser vistos por aí exemplares de uma espécie considerada extinta desde 2003. Depois de tanto tempo sumido, como a ararinha-azul e o mico-leão dourado, o petista desempregado reapareceu.

A hora do tratamento

Com a troca de posições — os governistas passando a oposicionistas e vice-versa —, as torcidas estão meio confusas. Por exemplo, diante do panelaço contra a entrevista de Michel Temer no “Fantástico”, ouvido em pelo menos sete cidades e em 14 bairros do Rio, o que dizem os que desclassificavam esse tipo de protesto como coisa dos “coxinhas”, da “elite branca”? Um desses atos chegou a tirar a paciência da discreta Dona Marisa, que, num áudio famoso, mandou enfiar as panelas onde definitivamente não cabiam. Ao mesmo tempo, por que abandonar um modelo de manifestação com tanta visibilidade só porque foi inventado pelos adversários? Às favas a coerência. Também está sendo difícil aos “temeristas” (ou “temerários”?) justificar as incertezas do novo governo na formação de seu Ministério, ora nomeando, ora desnomeando. Isso quando não há o recuo do recuo, como no caso da Cultura, que de ministério passou a anexo da Educação; depois, com a reação do setor, virou secretaria e, finalmente, uma secretaria a ser dirigida por uma mulher. Até o fim deste artigo, ainda se procurava uma secretária. Tomara que o nosso interino consiga uma Maria Silvia Bastos Marques para o cargo, como conseguiu para o comando do BNDES.

Aposentadoria Previdencia idade minima 65 anos se conseguir emprego e mantiver B

Este governo está tendo de fato muitos tropeços, mas é arriscada a aposta da nova oposição de que “não vai dar certo” e, por isso, o melhor é ficar bem longe do fracasso, pelo qual está torcendo. Mas, e se der certo, qual vai ser a “narrativa” (para usar o mais recente modismo da política), já que a do “golpe” vai estar desgastada e a de que “vão acabar com os programas sociais” pode ser desmentida? Ser do contra, por princípio, é uma forma estéril de radicalismo. Ao adotar essa posição incondicional, o PT ficou mal na foto em vários momentos importantes, como no caso da eleição de Tancredo Neves, em que chegou a expulsar os que desobedeceram à ordem de não votar. Ou quando foi contra o Plano Real, a privatização da telefonia, a Constituição de 1988, que não assinou, entre outras decisões equivocadas que acabaram obrigando o partido a ficar se explicando perante a História.

Nesse sentido, a posição mais pragmática talvez seja a do empresariado, que está otimista e oferece ao governo provisório apoio, mas também provisório, com prazo de validade. Ou seja, o discurso de boas intenções dos que estão chegando é bem-vindo, mas tem que se concretizar na prática. Questões como o ajuste das contas públicas e a reforma trabalhista e, principalmente, a previdenciária, precisam ser, senão resolvidas, pelo menos equacionadas. Chega de diagnóstico, é urgente o tratamento.

Zuenir Ventura

Inferno nacional

A historinha abaixo transcrita surgiu no folclore de Belo Horizonte e foi contada lá, numa versão política. Não é o nosso caso. Vai contada aqui no seu mais puro estilo folclórico, sem maiores rodeios.

Diz que uma vez um camarada que abotoou o paletó. Em vida o falecido foi muito dado à falcatrua, chegou a ser candidato a vereador pelo PTB, foi diretor de instituto de previdência, foi amigo do Tenório, enfim… ao morrer nem conversou: foi direto ao Inferno. Em chegando lá, pediu audiência a Satanás e perguntou:

– Qual é o lance aqui? Satanás explicou que o inferno estava dividido em diversos departamentos, cada um administrado por um país, mas o falecido não precisava ficar no departamento administrado pelo seu país de origem. Podia ficar no departamento do país quer escolhesse. Ele agradeceu muito e disse a Satanás que ia dar uma voltinha para escolher o seu departamento.

Está claro que saiu do gabinete do Diabo e foi logo para o departamento dos Estados Unidos, achando que lá devia ser mais organizado o inferninho que lhe caberia para toda a eternidade. Entrou no departamentodos Estados Unidos e perguntou como era o regime ali.

– Quinhentas chibatadas pela manhã, depois passar duas horas num forno de duzentos graus. Na parte da tarde: ficar numa geladeira de cem graus abaixo de zero até as três horas, e voltar ao forno de duzentos graus.

O falecido ficou besta e tratou de cair fora, em busca de um departamento menos rigoroso. Esteve no da Rússia, no do Japão, no da França, mas era tudo a mesma coisa. Foi aí que lhe informaram que tudo era igual: a divisão em departamento era apenas para facilitar o serviço no Inferno, mas em todo lugar o regime era o mesmo: quinhentas chibatadas pela manhã, forno de duzentos graus durante o dia e geladeira de cem graus abaixo de zero, pela tarde.

O falecido já caminhada desconsolado por uma rua infernal, quando viu um departamento escrito na porta: Brasil. E notou que a fila à entrada era maior do que a dos outros departamentos. Pensou com suas chaminhas: “Aqui tem peixe por debaixo do angu”. Entrou na fila e começou a chatear o camarada da frente, perguntando por que a fila era maior e os enfileirados menos tristes. O camarada da frente fingia que não ouvia, mas ele tanto insistiu que o outro, com medo de chamarem atenção, disse baixinho:

– Fica na moita, e não espalha não. O forno daqui está quebrado e a geladeira anda meio enguiçada. Não dá mais de trinta e cinco graus por dia.

– E as quinhentas chibatadas? – perguntou o falecido.

– Ah… O sujeito desse serviço vem aqui de manhã, assina o ponto e cai fora.
Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta)

O afastamento de Dilma causou alívio à maior parte do país

O afastamento por até 180 dias da presidente Dilma obedeceu à Constituição e já propiciou algum alívio ao país. Alívio maior somente acontecerá depois de seu esperado afastamento definitivo. O episódio lembra a figura bem-humorada de Plínio de Arruda Sampaio, morto em 2014, aos 84 anos. Advogado, promotor público, professor, ativista político e ex-deputado federal por três mandatos, Plínio, ao lado de gente boa, fez parte da Ação Popular, ligada à Ação Católica, que combateu a ditadura militar. Foi filiado ao PDC, ao MDB, ao PT e ao PSOL. Por este, foi candidato a presidente da República em 2010.

Em 1978, Plínio apoiou a candidatura de Fernando Henrique como suplente do Senado por São Paulo. Com outros, teriam acertado a criação do Partido Socialista Democrático Popular (PSDP), se FHC tivesse mais de 1.000.000 de votos. O ex-presidente conquistou 1.600.000, mas optou pelo fortalecimento do MDB. Arruda se considerou traído. Deixou o MDB, foi fundador do PT e, depois, filiou-se ao PSOL.


Está até hoje na internet, de viva voz, este comentário de Plínio sobre a despreparada candidata Dilma Rousseff: “Eu acho que é um absurdo ir para a Presidência da República uma senhora desconhecida. Você nunca a entrevistou antes. Ela surgiu sagrada como candidata. O país vai sofrer com isso, e é mais provável que dê errado. Primeiro: nessa história de ter um fantasma atrás dela mandando, acontece besteira sempre. ‘O presidente Lula fez mais inquérito que tudo’, ela diz. Quer dizer, então, que teve muita gente roubando… Não tem autoridade, esse é o problema dela. É uma pessoa fabricada pelo Lula. Essa moça é um blefe. Ela foi inventada, está defendendo uma política que superficialmente parece ser muito boa, mas ela não vem ao debate, pois não tem resposta para isso, e queremos trazer o Brasil real para esse debate, não o Brasil fabricado pelos marqueteiros. Ela é um produto de marketing político, uma invenção marqueteira, e é isso que precisamos rejeitar. Olha: a única coisa que peço aos que não votarem em mim é que, quando acontecer o que eu disse, lembrem-se, o Plínio disse. Quando não tiver dinheiro para nada… Ah, o homem lá falou…”.
Plínio não sobreviveu para constatar, com os próprios olhos, o que fez a “moça”, que, para ele, era um blefe. Felizmente, talvez.

Pois bem. Sem verter uma só lágrima, e circundada por ex-ministros, ex-auxiliares e alguns políticos, a presidente Dilma confirmou, em seu patético pronunciamento no Palácio do Planalto, além de seu temido perfil humano e de sua maneira errática ao falar em público, a mesma soberba que há mais de cinco anos exibe ao país. Comportou-se como vítima e não foi capaz de reconhecer o mal que fez aos pobres ao optar por uma política econômica, no mínimo, suicida. Em seguida, ao se dirigir ao pequeno “exército”, composto, em sua maioria, de gente humilde (explorada por ela e por seu partido), que a aguardava fora do Palácio, repetiu, exaustivamente, o mesmíssimo discurso.

Não há dúvida de que o presidente em exercício Michel Temer tem em mãos uma empreitada hercúlea (e histórica), que exige dele coragem, seriedade, competência, mas, sobretudo, urgência.

Há muito mais coisa para escrever sobre o mal que a presidente afastada fez ao país. Mas não se pode deixar de registrar o seguinte: aboletada no Palácio da Alvorada, e a nossas expensas, ela não poderá usá-lo para denegrir-lhe a imagem. Seria de todo intolerável!

Mas ela o fará, se formos lenientes.