terça-feira, 21 de julho de 2015

Qualquer solução é melhor que preservar o PT no poder

Fica cada vez mais clara a dramática situação que o Brasil atravessa, de forma extremamente madura, em clima de plenitude democrática, sem qualquer ameaça às instituições. As condenações estão saindo, assim como novos indiciamentos dos maiores empreiteiros do país, até o ex-presidente Lula entrou no rol dos investigados, e tudo isso é visto como absoluta normalidade.

Ao contrário do que a presidente Dilma Rousseff costuma apregoar, não existe golpismo. Pelo contrário, as Forças Armadas estão tranquilas nos quartéis, cuidado de suas obrigações, não há Aragarças nem Jacaréacanga no horizonte, nada de novo no front. É até espantoso que não haja golpismo, num país tradicionalmente submetido a esse tipo de retrocesso político.

O que existe de novidade é uma insatisfação absoluta, uma decepção total, um desânimo assustador em relação à política e aos três poderes da República. É claro que não se deve generalizar esse tipo de análise. Estamos nos referindo apenas à faixa do eleitorado que tem instrução e preparo, que raciocina, chega a conclusões e ainda se interessa por política. Entre esses brasileiros, que na verdade formam a tão famosa opinião pública, o desalento é espantoso, porque até ponto tempo atrás a maioria dos eleitores realmente acreditava que o PT era um partido sério, integrado por políticos honestos.

Quando o então deputado federal Lula fez o desabafo na Constituinte e disse que havia 300 picaretas no Congresso, todos sabiam que ele estava falando rigorosamente a verdade. Tanto assim que alguns anos depois o esperto Fernando Henrique Cardoso se encarregaria de comprá-los por 30 dinheiros, equivalentes a R$ 200 mil por cabeça, para aprovar sua reeleição.

Pensava-se que ao chegar ao poder Lula levaria com ele os 300 de Esparta, mas ocorreu exatamente o contrário. Ele resolveu fortalecer os 300 picaretas de FHC, pagando caro e estabelecendo prestações mensais. Para tanto, criou diversas fontes de renda no governo e nas estatais, implantando a corrupção institucionalizada, com exigência de percentual fixo nos contratos do poder público, vejam a que ponto a desfaçatez chegou.

Hoje, já não há fantasia. Embora ainda não tenha realmente encontrado uma opção, pois os partidos existentes ou são verdadeiras quadrilhas ou defendem um sectarismo totalmente ultrapassado, a opinião pública brasileira não aceita mais esse tipo de político.

É por causa desse quadro político anacrônico e venal que alguns importantes jornalistas e intelectuais ainda continuam defendendo a permanência de Dilma Rousseff. São os últimos dos moicanos, como dizia o genial escritor James Fenimore Cooper. Com justa razão, eles têm pavor do PSDB e horror do PMDB, que são as duas possibilidades de sucessão. Mas em breve esses resistentes também jogarão a toalha e desistirão de defender Dilma, Lula e o PT.

Até os moicanos vão entender que qualquer uma das opções que se apresentam será melhor do que a eternização do PT: ou Aécio Neves, se houver cassação dupla por crime eleitoral, ou Michel Temer, se for cassação única, por crime de responsabilidade. Como se dizia antigamente, um pelo outro, eu não quero troca. Mas devemos aceitar qualquer um dos dois, na forma da lei, segundo a solução que for constitucionalmente encontrada.

Mister Gomes

Tenho ouvido, para meu desalento, que brasileiros de todas as idades e setores sociais estão querendo sair do país. São jovens casais planejando estudar no Canadá, artistas querendo morar em Lisboa, empresários pensando nos Estados Unidos.

Embora esta coluna sugira que sou um super-homem, com sentimentos e propósitos muito bem ordenados, no escuro do quarto eu também tiro minha capa e olho para Miami. Mas volto sempre à antológica e profunda frase de Tom Jobim: "Aqui é uma merda, mas é bom; lá fora é bom, mas é uma merda".

A raiz do desencanto em massa é a exaustão com as crises cíclicas do Brasil. Há desencanto com o hoje e falta de esperança no amanhã. O pior é que também estamos perdendo o ontem, aquelas coisas gostosas do país de quando eu era menino.

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Minha cidade, Salvador, tão linda e gostosa, está paralisada por um trânsito insuportável. O bairro onde vivo em São Paulo tem assaltos com frequência. O patrimônio arquitetônico barroco mais importante do mundo, no Pelourinho, onde cresci, cai aos pedaços.

E o que viver lá fora oferece? Luxos impensáveis aqui. Andar a pé a qualquer hora como na Salvador da minha adolescência, deixar os filhos soltos e livres na rua, fazer planejamento de longo prazo.

Não faltam razões comezinhas para ir embora, mas há algo profundo em minha alma que teima em ficar. Não condeno quem esteja querendo sair do Brasil. Mas não saio porque já abandonei a Bahia por motivos profissionais e sei da dor de deixar uma história para trás.

Eu sou brasileiro. Monteiro Lobato e Machado de Assis me fizeram assim. Sou redator, amo a língua e a cultura brasileira, de onde arranco o meu sustento. E o que seria da minha vida sem família e amigos? Precisamos dos amigos e dos inimigos porque eles nos definem.

Sem o Brasil, em Portugal eu seria um fado; em Londres, "London, London"; e, em Nova York, mister Gomes, já que meu nome é Nizan Guanaes Gomes e lá eles me chamam pelo "last name".

Mister Gomes é ninguém. Aqui eu sou alguém. Sou filho da Bahia e do terreiro do Gantois. Sou devoto de santo Antônio, santa Terezinha das Rosas e santa Rita de Cássia, a quem peço coisas impossíveis. Torço pela Mangueira, sou colunista deste jornal, o que me dá tanto orgulho, fiz uma carreira, uma família linda, construí uma vida.

O Brasil agora vive momento de catarse. Como na Revolução Francesa, quando, para se fazer justiça, fizeram injustiças. Mas não há aurora sem noite. E este inverno pode ser longo, como em "Game of Thrones".

Quando fui estudante de intercâmbio e morava numa fazenda em Iowa, minha família americana usava o inverno rigoroso para consertar as coisas e repor o que faltava. Vamos usar esse inverno para consertar nossas empresas, reduzir custos, ganhar produtividade e ver não só crise na crise, mas oportunidades também.

Vamos honrar os homens que aqui ficaram no passado de tantas dificuldades. Honrar os empreendedores que fizeram coisas importantes sob as mais altas taxas de inflação e todo tipo de crise e plano econômico. Vamos honrar homens como Abilio Diniz, ex-sequestrado, Roberto Medina, ex-sequestrado, Washington Olivetto, ex-sequestrado, que seguiram empreendendo aqui quando tinham todos os motivos para ir embora.

O momento pede grandeza, diálogo e discernimento.

Prefiro viver trancado em casa, mas com a alma solta, a andar livremente pelas ruas sendo mister Gomes. Porque lá fora mister Gomes será tudo, mas não será ninguém.

Marina Silva quebra o silêncio

Às vezes o silêncio pode ser fértil e indicar sabedoria. Um exemplo foi dado pela ambientalista Marina Silva, que enquanto soprava a tempestade política e policial que dominou o noticiário brasileiro, ficou muda, à sombra.

A ambientalista, que mesmo sem aparecer mantém, segundo pesquisas, um capital político de mais de 30 milhões de votos, rompeu seu silêncio neste domingo com um texto que é duro e ao mesmo tempo mostra esperança e equilíbrio para exigir algo que para a opinião pública pode parecer óbvio, mas que embute uma revolução.

Segundo Marina, quando as investigações em curso contra políticos “resultarem em provas e denúncias formais ao Supremo Tribunal Federal, devemos exigir o afastamento dos que ocupam cargos cujos poderes possam interferir nas decisões”.

Diz isso com uma expressão gráfica e até guerreira, ela que se mostra sempre mais como um elemento de equilíbrio e pacifismo: “impõe-se evitar mexer mais ainda num equilíbrio institucional que já está precário, não usando poderes públicos como navios de guerra de onde os litigantes disparam contra os outros”.

Marina é clara e determinada na defesa da democracia ameaçada e pede que a sociedade fique alerta “contra a manipulação política de qualquer lado e contra todas as formas de pressão e intimidação sobre a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal”.

Faz suas as palavras de Ruy Barbosa, que afirmou que “a Justiça tardia nada mais é do que a injustiça institucionalizada”. E sem se deixar levar por pessimismo extremista, pede um sentimento de esperança, recordando sutilmente que “assim como saímos do impeachment de Collor para outro ciclo de evolução, com a estabilização econômica nos governos de Itamar e Fernando Henrique, que possibilitou avanços sociais no Governo Lula, da mesma forma podermos ser capazes de sair da crise atual para outro momento positivo”.

Marina, que é uma leitora e conhece bem a filosofia de Hegel faz sua a teoria da tese e da antítese. Segundo o filósofo alemão, a História somente avança, quando paralisada a situação, se é colocada em crise, para dar vida a uma nova tese, mais avançada.

As águas paradas acabam apodrecendo. Dos dramas se sai somente com a força de uma esperança de superação.

“Que o epílogo desse drama, quando ocorrer”, diz Marina, “seja o prólogo de uma nova história de afirmação da democracia no Brasil”.

Há quem acuse Marina de ser mais poeta que política, apesar de ter dedicado toda sua vida com fervor e rigor ético à República. Enganam-se. Pode-se ou não gostar de seu jeito de fazer política, sua intransigência contra a chamada “velha política”.

Talvez não agrade a algumas pessoas quando alerta em seu artigo que “boa parte dos que saem gritando ‘fora Cunha’ parecem querer apenas aproveitar a oportunidade de apontar um novo inimigo público para desviar a atenção dos gritos de ‘fora Dilma’.

Misturando realismo e esperança, a ambientalista afirma: “ninguém mais espera um comportamento minimamente virtuoso da maioria dos personagens no palco da política brasileira dos dias atuais. Mas se temos que respeitar as instituições que eles, infelizmente, dirigem tão mal, e respeitar a população que lhes confiou seu voto, temos também que manter viva nossa esperança de que a Justiça será feita e os erros serão punidos”.

Marina poderia ter acrescentado o pedido da Presidenta Dilma de que a tal Justiça seja feita “doa em quem doer”.

Ela avisa, com senso de responsabilidade, que o pior que poderia acontecer neste momento é que acabemos “jogando fora a criança junto com a água suja”. Ela não adere, portanto, à caravana dos que acreditam que “quanto pior, melhor”.

Marina, gostem ou não, surge como mulher e política coerente, que fala o que pensa e, quando não, prefere se refugiar no silêncio.

Há quem creia que nesses momentos de silêncio “se sente à beira do rio, ela que nasceu na selva, esperando ver passar o cadáver de seus inimigos”.

Desta vez, talvez, diante da gravidade da situação, tenha preferido sair à planície.

Por quem rosna o Brasil


O que é o Brasil, agora que não pode contar nem com os clichês? Como uma pessoa, que no território de turbulências que é uma vida vai construindo sentidos e ilusões sobre si mesma, um país também se sustenta a partir de imaginários sobre uma identidade nacional. Por aqui acreditamos por gerações que éramos o país do futebol e do samba, e que os brasileiros eram um povo cordial. Clichês, assim como imaginários, não são verdades, mas construções. Impõem-se como resultado de conflitos, hegemonias e apagamentos. E parece que estes, que por tanto tempo alimentaram essa ideia dos brasileiros sobre si mesmos e sobre o Brasil, desmancharam-se. O Brasil hoje é uma criatura que não se reconhece no espelho de sua imagem simbólica.

Essa pode ser uma das explicações possíveis para compreender o esgarçamento das relações, a expressão sem pudor dos tantos ódios e, em especial, o atalho preferido tanto dos fracos quanto dos oportunistas: o autoritarismo. Esvaziado de ilusões e de formas, aquele que precisa construir um rosto tem medo. Em vez de disputar democraticamente, o que dá trabalho e envolve perdas, prefere o caminho preguiçoso da adesão. E adere àquele que grita, saliva, vocifera, confundindo oportunismo com força, berro com verdade.

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), relacionado na delação premiada da Operação Lava Jato ao recebimento de 5 milhões de dólares em propina, brada: “Vou explodir o governo”. Tanto ele quanto o apresentador de programa de TV que brada que tem de botar “menor” na cadeia, quando não no paredão, assim como o pastor que brada que homossexualidade é doença são partes do mesmo fenômeno. São muitos brados, mas nenhum deles retumba a não ser como flatulência.


Num momento de esfacelamento da imagem, o que vendem os falsos líderes, estes que, sem autoridade, só podem contar com o autoritarismo? Como os camelôs que aparecem com os guarda-chuvas tão logo cai o primeiro pingo de chuva, eles oferecem, aos gritos, máscaras ordinárias para encobrir o rosto perturbador. Máscaras que não servem a um projeto coletivo, mas ao projeto pessoal, de poder e de enriquecimento, de cada um dos vendilhões. Para quem tem medo, porém, qualquer máscara é melhor do que uma face nua. E hoje, no Brasil, somos todos reis bastante nus, dispostos a linchar o primeiro que nos der a notícia.

Ainda demoraremos a saber o quanto nos custou a perda tanto dos clichês quanto dos imaginários, mas não a lamento. Se os clichês nos sustentaram, também nos assombraram com suas simplificações ou mesmo falsificações. A ideia do brasileiro como um povo cordial nunca resistiu à realidade histórica de uma nação fundada na eliminação do outro, os indígenas e depois os negros, lógica que persiste até hoje. Me refiro não ao “homem cordial”, no sentido dado pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) em seu seminal Raízes do Brasil, mas no sentido que adquiriu no senso comum, o do povo afetuoso, informal e hospitaleiro que encantava os visitantes estrangeiros que por aqui aportavam. O Brasil que, diante da desigualdade brutal, supostamente respondia com uma alegria irredutível, ainda que bastasse prestar atenção na letra dos sambas para perceber que a nossa era uma alegria triste. Ou uma tristeza que ria de si mesma.

Chega de papo furado


Uma coisa é preciso que se diga a respeito de Lula: o homem se acha! É verdade que nenhum outro político pode se gabar de trajetória tão brilhante. Esse mérito ninguém lhe tira. Mas é verdade, também, que o destino andou conjugando as circunstâncias de modo a facilitar essa jornada. E contou, justiça seja feita, com uma mãozinha do interessado, que aprendeu cedo que a vida é um pouco mais complicada do que o conflito entre o bem e o mal, mas teve a astúcia de manter o mal sempre à vista, para contra ele investir cavalgando o bem de lança em punho, impávido e determinado.

Depois de vencer quatro eleições presidenciais, duas diretamente e duas por controle remoto, é natural que Lula se sinta cheio de si a ponto de acreditar, agora, que tudo o que começou a dar errado só pode ser atribuído a uma imperdoável circunstância: ele não continuar ocupando o trono que deixou provisoriamente aos cuidados de uma sucessora – que falseta do destino! – muito incompetenta.

Não se poderia esperar outra coisa, portanto, senão que Lula tente defender a preservação de seu precioso legado apelando ao recurso mais eficiente de seu repertório de encantador de massas: deitar falação. Para Lula, mais do que qualquer outra coisa, o político tem de falar. Falar muito. Se conseguir pensar também, ajuda. Mas, como a categoria não prima pela conjugação frequente das duas habilidades, que pelo menos fale. O conteúdo ele próprio fornece, se for o caso. Afinal, ele é o cara.

Assim, há meses Lula não faz outra coisa senão martelar a cabeça de sua cada vez mais rebelde pupila – se é que ainda a considera como tal – com o mantra que abre o caminho da luz na senda obscura e tortuosa que ela anda trilhando: Fale ao povo, minha filha, fale ao povo.

Para Lula, que parece continuar achando que o povo acredita em tudo o que ele e sua turma falam, bastará que Dilma Rousseff passe a falar o que precisa: em vez de coisas negativas, como Operação Lava Jato e ajuste fiscal, ela tem de criar uma agenda positiva e passar a falar sobre fim da inflação, crescimento econômico, fim do desemprego, pátria educadora, saúde para todos, transporte bom e barato, segurança nas ruas e dentro de casa, enfim, tudo aquilo que – falemos francamente – dá votos, em vez de volume morto.

Resta saber, porém, se o povo ainda está disposto a dar ouvidos à presidente que se reelegeu prometendo uma coisa e entregando outra. A julgar pelas pesquisas de opinião pública, não está. Apenas 9% dos brasileiros ainda avaliam positivamente o governo e por isso se entusiasmariam com novas promessas. Não é à toa que há um bom tempo Dilma não se expõe em ambientes abertos nos quais estará inevitavelmente sujeita ao constrangimento de vaias e impropérios. E o próprio Lula tem mantido a mesma postura cautelosa: só aparece e fala em círculos restritos, sob rigoroso controle de segurança, e diminuiu sua presença nesses eventos depois que muitos deles tiveram quórum baixo.

Mas o que é, exatamente, que Lula quer que Dilma diga ao povo? O que é que ela tem de bom a dizer? Tanto não tem, que Lula e o PT ficam falando que ela precisa criar a tal agenda positiva. A hora, porém, não é de fazer promessas, pelo simples fato de que a presidente não tem nenhuma credibilidade para fazê-las. Estaria Lula sugerindo que ela deve, então, mentir? A última experiência nesse campo, durante a campanha reeleitoral, não foi feliz.

Se é para mentir, ou então, dito de forma mais sutil, dourar a pílula, levar o povo na conversa, Lula deve, ele próprio, sair pelo País soltando o verbo, deitando falação, para o que lhe sobram talento e repertório. Ele até se diz disposto a isso, mas tem alegado que só poderá fazê-lo depois que Dilma lhe apresentar, se não um programa de governo, pelo menos algumas propostas objetivas e bem adornadas para serem exibidas à massa arredia. Trata-se, porém, de um blefe, pois não cometerá a imprudência de se expor para valer diante do povo e sabe que isso não mudará tão cedo.

É claro, argumentará o petista otimista, que Dilma precisa continuar falando a todos que os governos do PT, entre muitas outras conquistas, criaram o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, tiraram milhões de brasileiros da miséria e promoveram outro tanto à classe média. Com boa vontade, é verdade. Mas a insistência na propagação dessas proezas teria exatamente o mesmo nenhum efeito prático que teve em 2002 os tucanos se vangloriarem do Plano Real, que havia acabado com a inflação galopante que sacrificava principalmente os pobres e lançado as bases para a estabilidade e o posterior crescimento econômico. Esses feitos – só para recordar –, apesar de Lula chamá-los de “herança maldita”, alavancaram as conquistas econômicas e sociais que turbinaram sua extraordinária popularidade de então.

Num país livre e democrático, conquistas sociais e econômicas, por mais importantes que sejam, só são úteis como ativos eleitorais até o momento em que, incorporadas ao cotidiano dos cidadãos, são substituídas por novas reivindicações impostas pela dinâmica social. E é aí que Lula, Dilma e o PT se complicam: estão pondo a perder o que construíram lá atrás e não têm mais credibilidade, nem recursos, para sustentar um projeto de poder que micou porque acabou se transformando num fim em si mesmo.

Está na hora, portanto, de Lula parar de achar que ainda é o maioral e também com o papo furado de “falar ao povo”. Pois sabe que só terá condições e tempo útil para fazê-lo, mirando 2018, se Dilma for afastada da Presidência e ele, na oposição, ficar livre para acionar a metralhadora giratória e praticar aquilo que sabe fazer como ninguém: ser contra “tudo isso que está aí”. Se não, vai continuar no movimento pendular peculiar à sua condição de metamorfose ambulante.

Desprezo pelas instituições

Saco farinha do mesmo saco lula e cunha propina investigado

Sempre que se veem acuados pelo avanço da Operação Lava Jato, os petistas recorrem à mesma velha tática empregada por seus adversários para reagir às investigações: atiram contra as instituições que estão no seu encalço.

Quando o empresário Ricardo Pessoa apontou o dedo para o tesoureiro de sua campanha eleitoral, a presidente Dilma Rousseff sugeriu que os procuradores da Lava Jato agem como os militares que torturavam presos políticos para que entregassem seus companheiros na ditadura.

Na semana passada, quando um procurador do Distrito Federal decidiu investigar as suspeitas de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou sua influência para favorecer empreiteiras no Brasil e no exterior, Lula foi ao Conselho Nacional do Ministério Público reclamar.

Acusado de receber US$ 5 milhões em propina do petrolão, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) disse que os procuradores o perseguem e coagiram o lobista Julio Camargo a mentir para incriminá-lo. A tese de Cunha é que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, prometeu entregar sua cabeça aos petistas para garantir o aval da presidente à renovação do seu mandato em agosto.


O que une os petistas e seus adversários nesses episódios é o desprezo pelas instituições que conduzem as investigações da Lava Jato. Esse comportamento contribui para tumultuar ainda mais o ambiente político, num momento em que todo mundo acusa o rival de golpista.

Na sexta-feira, enquanto Cunha declarava guerra ao governo em sua barricada na Câmara, o Palácio do Planalto reagia com uma nota elegante em que defendeu a harmonia entre os Poderes e proclamava sua "isenção" diante das investigações.

Para quem outro dia igualou procuradores e torturadores, foi um avanço. Será preciso esperar a próxima revelação da Lava Jato para saber se a mudança de tom foi sincera, ou se o novo discurso será abandonado quando se tornar inconveniente.

Um país em frangalhos


Apareceu coisa mais grave do que a reação de Eduardo Cunha à denúncia que responderá perante o Supremo Tribunal Federal, tendo-se declarado em oposição à presidente Dilma. A Procuradoria da República no Distrito Federal formalizou investigação contra o ex-presidente Lula, por tráfico de influência internacional favorecendo empreiteiras. Ao mesmo tempo presidentes dessas empresas continuarão presos como envolvidos na operação Lava Jato.

Por seu advogado, o primeiro companheiro defende-se, negando haver recebido propina ou comissão para sustentar interesses privados, alegando que suas viagens ao exterior se fizeram para pronunciar palestras sobre o desenvolvimento econômico brasileiro.

Junte-se a essa explosiva equação a possibilidade de o Tribunal Superior Eleitoral concluir que dinheiro sujo surripiado da Petrobras serviu para alavancar a campanha da presidente Dilma à reeleição, mais as contas do governo de Madame virem a ser recusadas no Tribunal de Contas da União, e se terá a receita de um país posto em frangalhos. Para cada lado que se olhe emerge o espectro da corrupção. Encontram-se sob suspeita ministros do atual governo, parlamentares, além dos presidentes da Câmara e do Senado. Sem falar em empresários de alto coturno e dirigentes de partidos grandes e pequenos.

Só que a cereja do bolo parece ser o Lula, se não puder livrar-se das acusações de parcerias malfeitas com empreiteiras. Saiu pelo ralo a versão dele ser inatingível. As últimas pesquisas dão conta de que seria derrotado por Aécio Neves numa eleição presidencial. De seu partido, o PT, não tem recebido senão sussurros de solidariedade, coisa que nem isso Dilma consegue.

Em suma, as instituições nacionais andam de cabeça para baixo, restando a indagação de como se comportará a população, ainda mais diante da crise econômica, do desemprego crescente, da sombra da inflação, da redução de direitos trabalhistas, do aumento de impostos, tarifas e, acima de tudo, do custo de vida em ascensão permanente. Em boa coisa não acabará o esgotamento da paciência nacional.

A Câmara enterrou a ampliação de mandatos que seria natural com o fim da reeleição. Perceberam os deputados que o Senado vetaria a redução para cinco anos dos períodos de seus integrantes e, assim, melhor não mudar nada. Só que o fim da reeleição ficou dependurado num galho que vai apodrecendo. Pode ser que os senadores agora decidam pela permanência de dois mandatos consecutivos para presidentes da República, governadores e prefeitos. Vai para as profundezas a reforma política…

Sobreviver ao jaguncismo exige arte e muita manha

Para especular sobre o que agosto trará na política brasileira, urge recorrer à psicologia do jagunço. Há seis meses, o Brasil vive sob a batuta do sistema jagunço, sem que as forças políticas constituídas pelo voto popular esbocem qualquer coisa que possa ser chamada de resistência.

A impressão é que se quedou ao jaguncismo político até quem não concorda com suas práticas brutas. O jaguncismo mete medo. Vivemos dias de muita tensão. E, pior, não aparece saída no horizonte. Todavia, reli diariamente trechos de “Grande Sertão: Veredas” por acreditar que precisava entender mais da psicologia do jagunço.

Para M. C. Leonel & J. A. Segatto, em “Política e violência no sertão rosiano”: “O universo do grande sertão de Guimarães Rosa expressa um complexo de elementos fundamentais que vigem nas relações humanas e sociais do país e as perpassam historicamente. O ‘sertão aceita todos os nomes: aqui é o Gerais, lá é o Chapadão, lá acolá é a caatinga’ (Rosa, 1978: 370)”.

No último dia 17, o sistema jagunço de poder sofreu um abalo, com a rendição do seu chefe à oposição ao governo diante da possibilidade de a sua vida ser examinada com rigor em busca de rastros, porque até agora ele tem sido o bom caminhante de Lao-Tsé – célebre filósofo da China antiga, autor do “Tao Te Ching”, a obra basilar da filosofia taoista.

Disse Lao-Tsé: “Um bom caminhante não deixa rastros”. A hora do vamos ver é quando agosto chegar. O futuro político do Brasil está em suspenso até lá. Temos tempo para apreender o que quis dizer Guimarães Rosa ao escrever que “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.

Elizabeth Hazin, professora da UnB, autora da tese de doutorado “No Nada, o Infinito” (da gênese de “Grande Sertão: Veredas”, 1991), diz que “Guimarães Rosa preocupava-se com o fato de serem os jagunços invariavelmente vistos apenas como seres sanguinários, vingativos, sem estofo algum de natureza mais nobre. Era preciso revelar – e só a literatura seria capaz disso – o drama existencial daqueles homens: seus anseios, angústias e inquietações” (“O aproveitamento de resíduos literários no Grande Sertão”, 2008).

Daí porque o velho Rosa é o melhor celeiro para apreendermos a psicologia do jagunço e aquele olhar obsedado que chamou a minha atenção na última eleição da presidência da Câmara dos Deputados, sobre a qual escrevi: “Se Severino Cavalcanti tinha aquele olhar de paspalhão, o de Cunha é puro Hermógenes, um chefe jagunço de ‘Grande Sertão: Veredas’, de Guimarães Rosa, que sequer respeitava as normas/leis da jagunçagem, como disse Riobaldo Tatarana: ‘O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado’” (“Uma República democrática e laica sob o sistema ‘jagunço’”, O TEMPO, 17.2.2015).

Para Riobaldo, o “sistema jagunço” é: “Ah, a vida vera é outra, do cidadão do sertão. Política! Tudo política, e potentes chefias”. E, para quem não leu “Grande Sertão: Veredas”, ou não lembra, Renata de Albuquerque, em “Diadorim e Hermógenes: Jogo de duplos e espelhamento em ‘Grande Sertão: Veredas’”, relembra: ‘‘Hermógenes é ‘fel dormido’. Até porque Hermógenes não precisa ‘impor-se mau’, pois ele assim o é por si mesmo (e por resultado do pacto que fez). Assim, Hermógenes aparece-nos como a excrescência do ambiente do sertão, pois estão nele concentradas, justamente, todas as características que aparecem, por vezes isoladamente, em cada homem da jagunçagem”.

Notícias do Brasil

O Brasil está em crise. Há inflação novamente e a corrupção de sempre, propinas; há delações, algumas premiadas e outras sugeridas por quase todos os cidadãos. O povo está desesperado, chateado e temeroso de crises maiores.


Políticos de vários tamanhos e feitios articulam cavilosamente a derrubada do regime mas ninguém sabe exatamente o que vão decidir. Contudo a maioria conspira contra o regime pelo simples fato de conspirar.

Felizmente ninguém no Brasil liga muito para as crises, sejam políticas, econômicas ou cardíacas. Mesmo assim, o país acredita que vai em frente até que os generais depois de muito conspirarem, articulem botar as tropas nas ruas, que já estão cheias de gente que reclama quando pode ou não pode quebrar vidraças e ameaça assaltar bancos e os shoppings, queimar ônibus e mercados de hortigranjeiros.

Aliás, botar a tropa na rua é uma expressão às vezes figurada, às vezes não. É possível que a tropa saia à rua a favor de um ou de todos os lados ou contra todos os lados. A rigor, como os militares estão desmoralizados por golpes anteriores, quem costuma ir para a rua são a presidente da República, os ministros, os lobistas e os traficantes das muitas coisas que são proibidas no país.

O que torna emocionante as crises é justamente isso: contra quem ou a favor de quem as tropas sairão. A rigor a tropa não chega a sair, mas isso é coisa salutar. A nação prontamente se recupera da crise a fim de articular a próxima crise. As tropas têm de voltar correndo para os quartéis, do contrário podem ser apanhadas de surpresa por nova crise e aí ninguém entenderá mais nada e é possível que estoure uma revolução ou um golpe. Isso faz a nação atraente.

O grande perigo da situação é o fato de todos estarem do mesmo lado ou de nenhum.

Crise? Que crise?

Reza a lenda que benditos os que preferem chamar problema de desafio. Pode parecer pouca coisa, mas a palavra “problema” costuma nos remeter a algo perturbador, de difícil resolução, com jeitão de negatividade. Ao contrário, o desafio nos impele a buscar solução, nos estimula a batalhar rumo à vitória, dá uma sensação de recompensa à vista. O certo é que o mundo sempre será dos que vencem desafios, e não dos que só veem problemas em todo canto. Épocas como a atual distinguem os competentes dos medianos, os sábios dos imaturos e os líderes dos comandados.

Mas, antes de tudo, é preciso identificar os comportamentos inerentes ao ser humano diante do problema que o ameaça. Se pudéssemos classificar por formas de agir, seria algo assim:

1) Amplificador de problemas: Em geral, exagerados, apavorados, preocupados, essas pessoas sempre dão uma dimensão exagerada, uma visão distorcida à realidade. Algo do tipo “seu filho está com uma febre aqui na escola”, e a comadre quase morre do outro lado da linha. “Meu Deus, deve ser a gripe aviária, levem pro hospital”.

2) Multiplicador de problema: Negativistas, angustiados e dramáticos têm o dom de complicar o simples, ou “ver chifre em cabeça de cavalo”. Conseguem, por exemplo, fazer de uma simples festa de aniversário uma tragédia grega. “E se chover, e se faltar comida, e se não vier ninguém?” No final é capaz até de faltar a luz! Como disse, adoram a expressão “e se...”.

3) Sonegador de problemas: Usam a estratégia de se iludir, enganar e desconsiderar o que está à frente. Comum em imaturos, os que só enxergam defeitos nos outros, que adoram justificar, dar desculpas, culpar os outros para não se defrontar com uma realidade desfavorável. “Não sei de que problema você está falando...”.

4) Evitador de problemas: Fogem, evitam e desaparecem diante de situações problemáticas. Têm horror a conflitos, não gostam de se posicionar, terceirizam desafios. Em geral são inseguros, tímidos ou medrosos, do tipo “maria vai com as outras”, de opinião neutra ou até covarde. Do tipo “vocês é que se virem”.

5) Fabricador de problemas: E não é que tem gente que tem o talento de tumultuar, de pesar o ambiente, de adorar ver o “circo pegar fogo”? Onde estão geram confusão, desavença e conflito. Complicam o simples, fazem tempestade em copo d’água. Típico de pessoas agressivas, com transtorno de personalidade, pueris, vaidosas, fofoqueiras, ciumentas ou competitivas.

6) Resolvedor de problemas: Aleluia! Eis o nosso líder, maduro, assertivo, compreensivo, agregador, capacitado a assumir o comando quando a situação está preta, difícil ou caótica. Carrega o dom de enxergar soluções, o talento de ser criativo, equilibrado e faz do estresse um elemento positivo. Cresce com as crises e é empreendedor por natureza. Ter um desses por perto é uma dádiva.

Seja como for, somos de distintas tribos num mundo em transformação. É nítido que muitas coisas estão falindo: política, economia, esquemas financeiros e falsos profetas. O novo se avizinha, e após a tempestade haverá um novo tempo. Ah! Já ia me esquecendo: bem-aventurados os que entendem que viver é resolver desafios reais, e adoecer é ruminar problemas imaginários e sofrimentos antecipatórios. Para tudo há um jeito nesta vida!