quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Pensamento do Dia

 


O agro quer empurrar a conta do clima (para você)

No último dia 8, o presidente-executivo da Abiove, André Nassar, publicou no Broadcast Agro um artigo atacando o SEEG, o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima. Entre outras coisas, o texto acusa o OC de ter, de alguma forma, contribuído para a exclusão ao agronegócio do mercado regulado de carbono ao atribuir 75% (na verdade, 74%) das emissões do país aos sistemas alimentares. Ocorre que o estudo em referência só foi publicado após a exclusão do agro do projeto de lei que regulamenta o referido mercado – exclusão esta que ocorreu a pedido do próprio setor. Esse é um dos problemas técnicos e lógicos da missiva, dos quais trataremos adiante. Na raiz de todos eles está uma narrativa cada vez mais utilizada pelo agronegócio brasileiro: o setor não quer assumir as emissões de desmatamento.

Há 11 anos o SEEG publica anualmente, com cálculos feitos a partir de uma metodologia robusta e publicada numa das principais revistas científicas do mundo, as estimativas de emissão do Brasil. As análises do SEEG são tão sólidas que três estados brasileiros usam o sistema do OC para fazer os próprios inventários de emissões. Ano após ano, as contas do SEEG mostram que a devastação perdulária dos nossos biomas responde por cerca de metade das emissões brutas de gases de efeito estufa do país.

Agora, às vésperas da COP28, o agro decretou que não tem nada a ver com isso. Tem-se ouvido de figuras importantes do setor, dentro e fora do governo, que desmatamento e clima são coisas distintas; e que, se há alguém desmatando no país, esse alguém não é o agronegócio. A historinha é que a agropecuária só participaria do drama do clima global na condição de vítima.


Em 24 de outubro, 20 dias depois de o agro ter exigido – e ganho – sua exclusão do PL do mercado de carbono, o OC publicou um relatório calculando pela primeira vez as emissões totais dos sistemas alimentares do Brasil. A forma de fazer a conta é nova. Como Nassar aponta, ela de fato “rompe a fronteira” dos inventários de emissões ao considerar tudo o que é emitido nas fases de pré-produção agropecuária (mudança de uso da terra e produção de fertilizantes), produção (emissões diretas do rebanho, por exemplo) e pós-produção (transporte de alimentos e uso de energia do varejo, por exemplo). Os autores do SEEG aplicaram no Brasil um método desenvolvido pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).

Embora a conta seja nova, a notícia é velha: o desmatamento responde pelo grosso do 1,8 bilhão de toneladas de CO2 equivalente emitidas pelos sistemas alimentares no Brasil, com 56,3% do total, seguido pelas emissões diretas da agropecuária, com 33,7%, energia, com 5,6%, e resíduos, com 4,2%.

Confrontado com a febre, o presidente da Abiove preferiu atirar no termômetro: Nassar se bate contra a “alocação” das emissões, em especial as de desmatamento, ao setor. Segundo ele, a metodologia de alocação usada pelo OC no SEEG levaria a uma “atribuição exagerada” da responsabilidade das commodities pelo desmatamento. O oposto é verdade: o método da alocação, que parte das emissões totais do país (calculadas pelos seguros métodos de inventários que o SEEG adota rigorosamente) para então atribuí-las a um conjunto específico (no caso, os sistemas alimentares), busca justamente evitar que as emissões sejam superestimadas ou subestimadas.

Um aparte aqui: o peso direto do agro no PIB do Brasil é de cerca de 7%. Só que o setor computa efeitos indiretos, como a venda de máquinas agrícolas, insumos e serviços para chegar ao número mais frequentemente usado de 25% de participação. Isso tem nome: alocação. Aceitar alocações para a composição do PIB do agro, mas rejeitá-las quando o assunto são emissões, tem outro nome: duplo padrão.

O corolário desse raciocínio é que, se não se deve atribuir ao agronegócio as emissões de desmatamento, é porque o agro não desmata. Se isso é verdade, alguém mais está desmatando – a menos que as árvores da Amazônia venham programadas para entrar em apoptose e depois em combustão espontânea. Mas quem seriam os responsáveis? E o que ocorre com essa área convertida?

Utilizando as matrizes de transição do MapBiomas, que olham o que aconteceu com cada quadrado de 30 metros por 30 metros do território brasileiro desde 1985, os autores do SEEG concluíram que, desde 1990, 92% das emissões por desmatamento ocorreram devido à formação de pastagens, e outros 5% à produção de soja. Decerto há muito desmatamento especulativo, feito para tomar posse de terras públicas e não para produzir. Só que o destinatário final da maior parte da área aberta por grileiros é um pecuarista. Não há, portanto, nenhum erro em alocar todas as emissões por mudança de uso da terra, atividade que se beneficia de pelo menos 97% delas, à agropecuária. Ao contrário, é obrigação de quem calcula emissões fazê-lo.

Mas, se o agro não tem nada a ver com quem desmata, fica aqui então um desafio para o setor: aprovar um projeto de lei aumentando a punição aos crimes por desmatamento, ou outro para punir de forma rigorosa e definitiva o crime de grilagem de terras, que afinal tanto lhe prejudica a imagem.

No mundo real, infelizmente, o que se vê é o contrário: representantes do agro no Congresso estão neste momento em campanha para aprovar uma anistia potencialmente eterna à grilagem de terras no país e avançando sobre os direitos e territórios indígenas, estes os verdadeiros guardiões das florestas. Pior ainda, a julgar pela sugestão de André Nassar sobre o mercado de carbono, o setor quer ganhar dinheiro vendendo créditos de carbono, mas não quer reportar e muito menos limitar suas emissões. No sistema de “cap and trade”, o agro quer o “trade”, mas não o “cap”.

A agropecuária brasileira é melhor que isso. É um setor que obteve ganhos imensos de produtividade com uso de tecnologia e que há dez anos pratica o maior programa de agricultura tropical de baixa emissão do mundo, com sequestro líquido de carbono em solos bem manejados (como o SEEG mostra há oito anos). Faria melhor o setor para si, para o país e o planeta se encarasse seus problemas – todos solucionáveis – de frente em vez de tentar se esconder atrás de contorcionismo retórico ou negacionismo.

As vozes do povo precisam ser ouvidas

Não sei dizer se “a voz do povo é a voz de Deus”, mas que a sociedade precisa ser mais ouvida, precisa.

As mudanças na sociedade são como placas tectônicas em movimento. Só são percebidas quando ocorrem acidentes, como os terremotos, cujo paralelo seriam as revoltas nas ruas e as surpresas nas urnas.

Há um descontentamento social que se revela em sentimento de insegurança e medo de retrocessos. Esse fenômeno, global, representa um desafio, especialmente para os partidos de centro-esquerda, que têm falhado ao não capturar e acolher as novas demandas sociais.

Nos Estados Unidos, estudo recente do Progressive Policy Institute aponta para mudanças nos anseios de eleitores da classe trabalhadora, que levaram ao seu afastamento do Partido Democrata. Uma trajetória que culminou com o domínio de Trump no Partido Republicano.


Se no passado a classe trabalhadora estava associada a ocupações masculinas sindicalizadas, principalmente na manufatura, hoje ela se encontra mais nos vários segmentos de serviços, muitos não sindicalizados, havendo grande presença de mulheres. Muitos trabalhadores não desfrutam dos benefícios dos sindicalizados da indústria e desejam ter seus próprios negócios, sendo assim mais sensíveis a barreiras regulatórias e burocracias que dificultam o empreendedorismo.

Queixam-se da automação que deprime empregos e salários, e não veem o grau universitário como caminho para o avanço profissional. A maioria (74%) defende o investimento público em estágios e planos de carreira e deseja atividades de curta duração que combinem aprendizado e trabalho.

Grande parcela (45%) acredita que o Partido Democrata se moveu em demasia para a esquerda e (40%) o considera bastante influenciado por "interesses especiais”, como sindicatos do setor público. Quando perguntados sobre o que mudariam na plataforma democrata, apontaram a prioridade no crescimento e o controle dos gastos públicos.

Apesar de desejarem maior respeito do Partido Republicano a instituições democráticas e postura menos restritiva em temas sociais, o julgam mais preparado para gerir a economia. Acham que se sai melhor no fortalecimento da iniciativa privada e do empreendedorismo. Os democratas lideram apenas na agenda ambiental e no respeito às instituições democráticas.

A eleição de Javier Milei na Argentina é outro exemplo das consequências do movimento de placas tectônicas. Com apoio puxado por homens jovens, sem formação superior e baixas perspectivas no mercado de trabalho, obteve ampla vitória.

As últimas décadas mudaram a dinâmica social naquele país, principalmente desde a crise de 2001, quando a pobreza ficou mais visível, aponta a consultoria Moiguer. Até então, apesar da fragmentação da sociedade, havia um imaginário comum de um país de classe média – tanto segmentos ricos como pobres se identificavam como classe média.

As crises econômicas não só aprofundaram como solidificaram a fragmentação social, apagando o sentimento de pertencimento de classe média e alimentando a polarização na sociedade, em diversos temas.

Um estudo da consultoria aponta que 91% da classe baixa, que representa 50% da sociedade, é cronicamente pobre, o que significa que não sairia da pobreza mesmo com 4 ou 5 anos de crescimento econômico robusto do país. Apesar de 70% dos indivíduos da classe baixa terem mais escolaridade do que os seus pais, isso não se traduziu em ascensão social.

O Brasil seguiu caminho diverso, que permitiu o surgimento da nova classe média, ainda que com retrocessos por conta da recessão do governo Dilma. Novos anseios surgiram, como por serviços públicos de qualidade e liberdade para empreender. Temas típicos de uma agenda liberal deixam de ser tabu, como as reformas trabalhistas e a autonomia do Banco Central.

Enquanto isso, o PT confunde estado forte, que provê bom serviços públicos e protege direitos, com estado intervencionista, que alimenta o patrimonialismo, este bastante revigorado, como se viu na tramitação da reforma tributária.

Há ainda boa dose de paternalismo que, ao final, acaba prejudicando a própria classe trabalhadora, como no tabelamento dos juros do consignado e na portaria que condiciona o trabalho do comércio nos domingos e feriados à convenção coletiva de trabalho.

Esses elementos não têm aderência aos novos valores das classes trabalhadoras. Elas serão ouvidas?

Vencedora do Pulitzer denuncia guerra em Gaza e se demite do New York Times

A guerra em Gaza e o horror televisionado tem levado intelectuais, artistas e ativistas em todo o mundo a se posicionarem a respeito dos crimes de guerra cometidos por Israel durante o conflito. Uma delas, é a proeminente a poetisa e ensaísta Anne Boyer, que se pronunciou de forma contundente contra a política editorial do The New York Times (NYT) sobre a cobertura da guerra no Oriente Médio.


Editora de poesia da New York Times Magazine, o suplemento dominical do diário novaiorquino, ela pediu demissão do cargo, alegando que “a guerra do Estado israelense apoiada pelos Estados Unidos contra o povo de Gaza é em nome de ninguém”.

“Não há segurança dentro ou fora dela, nem para Israel, nem para os Estados Unidos ou a Europa, e especialmente para os muitos povos judeus caluniados por aqueles que afirmam falsamente lutar em seus nomes. O seu único lucro é o lucro mortal dos interesses petrolíferos e dos fabricantes de armas”, acrescentou a autora, em texto publicado em seu blog Mirabilary, no qual divulga as razões por trás de sua decisão.

Em outra passagem do seu texto de demissão, a poetisa condena as “paisagens infernais verbalmente higienizadas” nos textos do jornal, e também o apoio editorial do NYT às “mentiras belicistas” de Israel.

O último trabalho de Boyer como editora do suplemento do NYT foi a publicação, na edição de 5 de novembro, de um poema da poeta palestino-americana Fady Joudah intitulado “Escrito nas últimas semanas”, sobre o qual ela comentou: “O peso do não dito e do indizível, do perdido e do deixado de lado, paira sobre a cabeça do poema. Talvez seja a Palestina. O que está faltando desafia a proporção. Poderia ser tão vasto quanto a história, tão pequeno quanto a respiração de uma criança”.

Anne Boyer vive atualmente em Kansas City, no Missouri. Sua carreira se destaca por obras como The Romance of Happy Workers (2006), My Common Heart (2011), Garments Against Women (2015, 2016) e Handbook of Disappointed Fate (2018).

Anos atrás, a escritora lutou contra um agressivo câncer de mama, e criticou firmemente o sistema de saúde norte-americano no livro The Undying: Pain, Vulnerability, Mortality, Medicine, Art, Time, Dreams, Data, Exhaustion, Cancer, and Care (2019), vencedor do Prêmio Pulitzer de 2020.

Na obra, a poetisa aborda “a experiência da doença mediada por telas digitais, tecendo antigos diários de sonho, fraudadores e fetichistas do câncer, vloggers de câncer, mentiras corporativas, pessoas pró-dor, os custos ecológicos da quimioterapia e os muitos pequenos assassinatos do capitalismo”, como descreve o site da premiação.

Posições anticapitalistas são uma marca da escrita transgressora de Boyer. Em entrevista à BBC em 2021, ela crítica a retórica neoliberal do livre arbítrio, dizendo que “ela esconde que, na realidade, muito do que nos acontece não é o resultado de nossas escolhas, é um conjunto de condições compartilhadas, de forças históricas, de estruturas político-sociais”.

“Não posso escrever sobre poesia no tom ‘razoável’ daqueles que pretendem nos acostumar a esse sofrimento irracional”.

Eis a sua carta de renúncia ao seu cargo como editora de poesia da New York Times Magazine:

“Pedi demissão do cargo de editora de poesia da New York Times Magazine.
A guerra do Estado israelense apoiada pelos Estados Unidos contra o povo de Gaza é em nome de ninguém. Não há segurança dentro ou fora dela, nem para Israel, nem para os Estados Unidos ou a Europa, e especialmente para os muitos povos judeus caluniados por aqueles que afirmam falsamente lutar em seus nomes. O seu único lucro é o lucro mortal dos interesses petrolíferos e dos fabricantes de armas.

O mundo, o futuro, os nossos corações – tudo fica menor e mais difícil com esta guerra. Não é apenas uma guerra de mísseis e invasões terrestres. É uma guerra contínua contra o povo da Palestina, pessoas que resistiram durante décadas de ocupação, deslocação forçada, privação, vigilância, cerco, prisão e tortura.
Como o nosso status quo é a auto expressão, por vezes o modo mais eficaz de protesto para os artistas é recusar.

Não posso escrever sobre poesia no tom ‘razoável’ daqueles que pretendem nos acostumar a esse sofrimento irracional. Chega de eufemismos macabros. Chega de paisagens infernais higienizadas verbalmente. Chega de mentiras belicistas.
Se esta demissão deixa nas notícias um buraco do tamanho da poesia, então essa é a verdadeira forma do presente”.

Nunca morreram tantos jornalistas num só lugar

Quando, a 2 de Novembro, o jornalista Mohammed Abu Hatab, repórter veterano da Televisão da Palestina, morreu em Gaza, as notícias sobre a sua morte foram confusas.

Salman Al-Bashir, colega da mesma televisão – o canal oficial da Autoridade Palestiniana –, estava em directo quando soube da morte. Ficou muito perturbado, chorou ao vivo e, num gesto que correu o mundo, tirou o capacete da cabeça e despiu o colete antibala com a palavra “PRESS” gravada no peito e nas costas. Atirou tudo para o chão e disse qualquer coisa como: “Isto não serve para nada, não nos protege de nada, vamos ser todos mortos”.

A sua intervenção dava a entender que Abu Hatab morrera “em serviço”, enquanto fazia uma notícia ou uma reportagem. No dia seguinte, o New York Times publicou uma notícia que dizia na “entrada” – frase abaixo do título que antecede o texto – que “Mohammed Abu Hatab é o mais recente jornalista a morrer enquanto cobria a guerra Israel-Hamas”.


Abu Hatab não estava a trabalhar. A própria notícia do New York Times diz que “a Televisão Palestina disse” que Abu Hatab foi morto “em casa por um ataque aéreo israelita”.

Abu Hatab estava em casa. Todas as notícias que li relatam que morreu com 11 membros da sua família, incluindo a mulher, um filho e um irmão. Algumas notícias dizem que fizera uma reportagem no Hospital Nasser, em Khan Yunis, em Gaza, uma hora antes do ataque a sua casa e sugerem que a casa foi um alvo directo de Israel. Há imagens que mostram o pequeno prédio onde Abu Hatab vivia totalmente destruído, ao lado de prédios intactos.

Será difícil saber.

É bem possível que não tenha sido intencional, mas um bombardeamento como tantos outros. Já morreram 15 mil pessoas desde que a guerra começou, alguns são jornalistas, muitos mais têm outras profissões ou são jovens e crianças.

A organização Euro-Mediterranean Human Rights Monitor, cujo presidente é Richard Falk, professor emérito de Direito Internacional da Universidade de Princeton, diz no entanto que “Israel lançou uma onda de assassinatos contra jornalistas no país, visando deliberadamente profissionais e escritórios de media, para tentar impor um bloqueio real e abrangente dos media em toda a Faixa de Gaza”.

Diz também que “a escalada de Israel contra os jornalistas foi acompanhada pelo incitamento público por parte de ministros e funcionários israelitas, que fizeram afirmações infundadas e ilógicas de que jornalistas tinham conhecimento do ataque de 7 de Outubro no sul de Israel”. Dão como exemplo as declarações do antigo embaixador israelita nas Nações Unidas, Danny Danon, que apelou a que alguns fotojornalistas de Gaza fossem incluídos na lista de participantes na operação de 7 de Outubro e fossem “eliminados”.

Dirá o leitor: a Euro-Mediterranean Human Rights Monitor é pró-Palestina, a sua análise é parcial. É possível.

Mas o caso de um freelancer da agência de notícias Reuters levanta perguntas perturbadoras.

Há dois dias, a Reuters escreveu que “ataques mortais atingiram a casa de um fotógrafo em Gaza, dias depois de um grupo de activistas de defesa dos media israelitas ter questionado a sua cobertura do ataque do Hamas de 7 de Outubro, gerando ameaças de morte contra ele nas redes sociais”.

Diz a Reuters que o fotógrafo Yasser Qudih sobreviveu ao ataque a sua casa na noite de 13 de Novembro, mas que oito familiares morreram. O ataque ocorreu cinco dias depois da publicação de um texto da organização HonestReporting no qual se questiona se Qudih e outros três fotógrafos de Gaza, cujas imagens foram publicadas na Reuters, AP, CNN e New York Times, teriam tido conhecimento prévio do ataque de 7 de Outubro.

A HonestReporting diz ter como missão “combater o preconceito ideológico no jornalismo e nos media com impacto em Israel”.

No dia 9, a Reuters negou as sugestões da HonestReporting de que tinha conhecimento prévio do ataque e disse que o governo israelita lhe exigira explicações.

O HonestReporting disse que não estava a acusar a Reuters de conluio, mas a “levantar questões éticas sobre a cobertura jornalística”.

O facto é que circulou uma fotografia de 7 de Outubro na qual se vêem palestinianos a transportar uma mulher civil israelita, capturada no kibbutz Kfar Azza e que estava ser levada de moto para Gaza. Na imagem, vêem-se dois fotógrafos.

A 8 de Novembro, Eli David, investigador e investidor (e que diz ter uma das 100 contas de Twitter mais influentes do mundo), publicou essa fotografia com setas vermelhas a apontar para esses fotógrafos palestinianos e escreveu no X: “Última hora: AP, CNN, New York Times e Reuters tinham jornalistas ’embedded’ com os terroristas do Hamas no massacre de Outubro.” O post foi visto por dez milhões de pessoas.

No dia 9, o general Benny Gantz, ministro sem pasta no actual governo israelita, escreveu no X que “os jornalistas que sabiam do massacre e que ainda assim optaram por permanecer como espectadores passivos enquanto crianças eram massacradas não são diferentes dos terroristas e devem ser tratados como tal.”

A Reuters respondeu que as fotografias que comprou a Qudih, fotógrafo que estava na fronteira a 7 de Outubro, foram tiradas muito depois de o ataque ter começado, o que destrói o argumento de que a agência ou o fotógrafo tiveram conhecimento prévio do ataque.

Disse a Reuters: “As fotografias publicadas pela Reuters foram tiradas duas horas depois de o Hamas ter disparado contra o sul de Israel e mais de 45 minutos depois de Israel ter dito que homens armados tinham atravessado a fronteira. Os jornalistas da Reuters não estavam no terreno nos locais mencionados no artigo do HonestReporting.” Ou seja, os jornalistas souberam do ataque e foram a correr para a fronteira, que é o que os jornalistas fazem.

Certo é que, dias depois de tudo isto, a casa de Qudih foi bombardeada.

Desde que a guerra Israel-Hamas começou, já houve mais jornalistas e pessoal dos media mortos do que em qualquer outro período semelhante num só conflito, disse o Comité de Protecção dos Jornalistas. Pelo menos desde 1992, quando esta lista começou a ser feita. Hoje, 22 de Novembro, já são 62 mortos, quase todos jornalistas palestinianos. Em 2022, em todo o mundo, morreram 68 jornalistas por serem jornalistas.

Sessenta e dois jornalistas são uma gota nos mais de 15 mil mortos desde o início desta guerra. A vida dos jornalistas não vale mais do que a dos médicos, professores ou sapateiros. E muitos jornalistas não morreram enquanto estavam a trabalhar, não terão morrido por serem jornalistas. A maior parte estava simplesmente em Gaza, em casa, talvez a dormir.

Mas há dois problemas: o primeiro é a nuvem de suspeita sobre a morte de tantos jornalistas em tão pouco tempo. Outro é mais simples: há cada vez menos jornalistas para contar o que se está a passar em Gaza.