Mas voltemos à máquina de calcular. Pelo menos cinco dos 11 ministros estão compromissados com a prisão em segunda instância. Mas Rosa Weber, embora seja contrária à tese, vem negando pedidos de habeas corpus sob o argumento de que segue a decisão aprovada pela maioria do tribunal. Uma decisão que não foir revogada. Assim, chega-se a uma maioria de 6 a 5 contra o habeas corpus de Lula. Se a Justiça fosse feita de lógica, seria possível cravar o resultado. Mas a lógica é matéria-prima escassa em Brasília. O escárnio é a única indústria que prospera na Capital. Convém esperar pelo término do julgamento.
quinta-feira, 22 de março de 2018
Se vigorasse a lógica, STF imporia derrota a Lula
Se a Justiça fosse feita de lógica, Lula sofreria nesta quinta-feira uma derrota no julgamento do seu pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal. É uma questão matemática. Ainda não foi revista a decisão que autorizou a prisão de condenados na segunda instância. Dos 11 ministros do Supremo, seis votaram a favor dessa tese em 2016. Um deles, Gilmar Mendes, voltou atrás. Outro, Teori Zacasvki, morreu. Mas o substituto, Alexandre de Moraes, manteve o seu entendimento. Ou seja: excluindo-se Gilmar, restaram cinco dos seis votos.
Um pedaço do Supremo preferia votar primeiro as ações que tratam da prisão em segunda instância de forma genérica. O que permitiria livrar Lula do xadrez indiretamente. Ao acomodar o habeas corpus no primeiro lugar da fila, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, obriga os eventuais benfeitores de Lula a mostrar a cara.
Mas voltemos à máquina de calcular. Pelo menos cinco dos 11 ministros estão compromissados com a prisão em segunda instância. Mas Rosa Weber, embora seja contrária à tese, vem negando pedidos de habeas corpus sob o argumento de que segue a decisão aprovada pela maioria do tribunal. Uma decisão que não foir revogada. Assim, chega-se a uma maioria de 6 a 5 contra o habeas corpus de Lula. Se a Justiça fosse feita de lógica, seria possível cravar o resultado. Mas a lógica é matéria-prima escassa em Brasília. O escárnio é a única indústria que prospera na Capital. Convém esperar pelo término do julgamento.
Mas voltemos à máquina de calcular. Pelo menos cinco dos 11 ministros estão compromissados com a prisão em segunda instância. Mas Rosa Weber, embora seja contrária à tese, vem negando pedidos de habeas corpus sob o argumento de que segue a decisão aprovada pela maioria do tribunal. Uma decisão que não foir revogada. Assim, chega-se a uma maioria de 6 a 5 contra o habeas corpus de Lula. Se a Justiça fosse feita de lógica, seria possível cravar o resultado. Mas a lógica é matéria-prima escassa em Brasília. O escárnio é a única indústria que prospera na Capital. Convém esperar pelo término do julgamento.
Para o bem e para o mal, a força das novas tecnologias
Já disse que sou do tempo da máquina de escrever, da radiofoto, da telefoto, do telex, do fax e de outras coisas que se foram e não voltam mais. Nunca, porém, me quedei alheio às conquistas que o tempo propicia. Acompanhei a informatização do jornal de papel ainda no velho “Jornal do Brasil”. Não peguei, em seu afã diário, as redes sociais, que surgiram depois e hoje são como sarampo e caxumba de meus tempos de adolescência, com a possibilidade de se transformarem em moléstias tão ou mais graves.
No início, o tumulto era grande, mas logo as coisas foram se encaixando lentamente. Além da ansiedade com o advento das novas tecnologias, o medo de enfrentá-las tomou conta de muita gente. Quem imaginaria que um simples celular, que nos liga ao mundo todo, se transformaria anos depois num poderoso computador?
De minha parte, custei a encostar a máquina de escrever. Mesmo depois de já saber usar o teclado do computador, que, “mutatis mutandis”, era (quase) a mesma coisa, resisti algum tempo. Até a macieza do teclado, além de seu estranho silêncio, dificultava-me a escrita. Certa vez, já abolidas as barulhentas máquinas de escrever, também responsáveis pelo burburinho nas redações dos jornais, ao passar, no “JB” em Brasília, para uma visita rápida, pela sala do saudoso Carlos Castello Branco, nosso grande Castellinho, sem dúvida um dos melhores cronistas políticos de todos os tempos, admirado e com os olhos fixos no teclado do computador, ouvi dele o seguinte: “Venha aqui ver que coisa deslumbrante é esta máquina! Escrevo e reescrevo ao bel-prazer, sem a necessidade de emendas com a velha esferográfica!”
Toda evolução tecnológica tem seus efeitos colaterais. Recentemente, a doutora Filó, que, além de médica pediatra, é pregadora na Paróquia Nossa Senhora Rainha, sediada em Belo Horizonte, ao alertar sobre o uso exagerado das novas tecnologias para os alunos do Colégio Santo Antônio, disse o seguinte: “A tecnologia é algo maravilhoso, mas deve ser usada com limites. Os pais, neste contexto, devem ficar atentos a tudo que os filhos acessam e devem estabelecer limites na hora de navegar na internet. Quando as crianças são submetidas a conteúdos para os quais ainda não sejam maduras para ver, cicatrizes são criadas, podendo afetá-las na vida adulta. A tecnologia não filtra conteúdo, sendo este, portanto, um dever dos pais”.
São muitos os pais, educadores e médicos que se preocupam com o uso excessivo das redes sociais, transmitidas pela internet sem qualquer censura, como deve ser num país que se diz democrático. Recentemente, porém, o colunista do “The New York Times” Farhad Manjoo, em artigo publicado no jornal “O Globo” do último sábado, explicou como passou pela experiência de se informar, durante dois meses, exclusivamente, por jornais e revistas. Sua abstinência digital, por livre e espontânea vontade, lhe deu mais tempo livre e lhe fez pensar e questionar sua condição de consumidor de conteúdo online.
Farhad substituiu o Twitter e outras redes sociais por jornais impressos e uma revista semanal: “Depois de ler jornais por algumas semanas, comecei a reparar que não eram os jornais que eram muito bons, mas as redes sociais que eram muito ruins. Você não precisa ler jornal impresso para aprimorar sua relação com o noticiário. Mas, por favor, pare de se informar prioritariamente pelo Twitter ou Facebook”.
Valeu a pena ouvir a doutora Filó e ler o artigo de Farhad.
No início, o tumulto era grande, mas logo as coisas foram se encaixando lentamente. Além da ansiedade com o advento das novas tecnologias, o medo de enfrentá-las tomou conta de muita gente. Quem imaginaria que um simples celular, que nos liga ao mundo todo, se transformaria anos depois num poderoso computador?
Toda evolução tecnológica tem seus efeitos colaterais. Recentemente, a doutora Filó, que, além de médica pediatra, é pregadora na Paróquia Nossa Senhora Rainha, sediada em Belo Horizonte, ao alertar sobre o uso exagerado das novas tecnologias para os alunos do Colégio Santo Antônio, disse o seguinte: “A tecnologia é algo maravilhoso, mas deve ser usada com limites. Os pais, neste contexto, devem ficar atentos a tudo que os filhos acessam e devem estabelecer limites na hora de navegar na internet. Quando as crianças são submetidas a conteúdos para os quais ainda não sejam maduras para ver, cicatrizes são criadas, podendo afetá-las na vida adulta. A tecnologia não filtra conteúdo, sendo este, portanto, um dever dos pais”.
São muitos os pais, educadores e médicos que se preocupam com o uso excessivo das redes sociais, transmitidas pela internet sem qualquer censura, como deve ser num país que se diz democrático. Recentemente, porém, o colunista do “The New York Times” Farhad Manjoo, em artigo publicado no jornal “O Globo” do último sábado, explicou como passou pela experiência de se informar, durante dois meses, exclusivamente, por jornais e revistas. Sua abstinência digital, por livre e espontânea vontade, lhe deu mais tempo livre e lhe fez pensar e questionar sua condição de consumidor de conteúdo online.
Farhad substituiu o Twitter e outras redes sociais por jornais impressos e uma revista semanal: “Depois de ler jornais por algumas semanas, comecei a reparar que não eram os jornais que eram muito bons, mas as redes sociais que eram muito ruins. Você não precisa ler jornal impresso para aprimorar sua relação com o noticiário. Mas, por favor, pare de se informar prioritariamente pelo Twitter ou Facebook”.
Valeu a pena ouvir a doutora Filó e ler o artigo de Farhad.
Carros elétricos e modernidade
Os aspectos positivos da modernidade estão ligados, de modo geral, à ruptura do pensamento medieval dominado pela religião e ao início de uma era em que o pensamento científico e a razão abriram novos horizontes para o desenvolvimento da sociedade. A Revolução Francesa de 1789 com o fim da monarquia absoluta e a Revolução Industrial do século 19 foram consequências dessa ruptura.
Desde então, modernidade passou a ser considerada símbolo do progresso, o que não só é incorreto, como perigoso. O culto da modernidade per se que está em voga hoje, principalmente na área de tecnologia, precisa ser analisado criticamente. Um exemplo é a área de comunicações, em que computadores pessoais, celulares e aplicativos de todo tipo, como Facebook, Twitter e WhatsApp, revolucionaram a própria natureza do que se entende por privacidade, comunicação e até democracia. Outro é o da energia, em que a substituição de combustíveis fósseis parece inevitável nas próximas décadas.
Em cada uma dessas áreas existem diferentes novos caminhos que podem ser seguidos. O que a experiência mostra é que alguns deles levam a fracassos e outros, a sucessos. Essa é a razão por que as opções que se apresentam como modernizantes devem ser submetidas a uma análise crítica para evitar equívocos, na medida do possível. Os custos de decisões inadequadas podem ser imensos.
Um exemplo claro desse problema é o que estamos enfrentando no que diz respeito ao futuro do sistema de transporte urbano e do automóvel.
Até o fim do século 19, transporte individual ou coletivo era feito exclusivamente por cavalos ou por veículos puxados por esses animais. Só para dar um exemplo, havia em Nova York no início do século 20 cerca de 150 mil cavalos, que poluíam a cidade com mais de mil toneladas de estrume por dia, tornando-a intransitável.
Em contraste, locomotivas movidas pela força expansiva do vapor da água fervente – como nas “marias-fumaça” do passado – começaram a circular na Inglaterra em 1804 e seu uso logo se espalhou pelo mundo todo, com estradas de ferro cobrindo a Europa e abrindo o oeste dos Estados Unidos à colonização. O uso de máquinas a vapor para substituir cavalos nas carruagens foi tentado, mas não se mostrou prático. Tentou-se também usar baterias elétricas – como as que usamos hoje nos nossos carros para dar a partida –, mas a autonomia dos automóveis era muito limitada.
O grande avanço veio com os motores inventados por um engenheiro alemão, Nikolaus Otto, no fim do século 19. Nesses motores, um combustível – pó de carvão, etanol ou gasolina – explode dentro de um cilindro, explosão essa promovida por uma faísca elétrica, e o movimento do cilindro dá origem à tração nas rodas do veículo.
O extraordinário sucesso dessa invenção abriu caminho para a era do automóvel, cuja fabricação em série por Henry Ford levou à redução de custos e à sua popularização. Existe hoje quase 1 bilhão de automóveis no mundo.
Tal quantidade de veículos deu origem a novos problemas de poluição, como a emissão de óxido de enxofre, particulados e outros responsáveis pela degradação da qualidade do ar nas cidades, além do aquecimento global, resultado inevitável da queima de combustíveis fósseis derivados do petróleo, como gasolina e óleo diesel.
É por isso que surgiram recentemente ideias de abandonar motores de combustão interna e voltar aos automóveis elétricos, como se tentou no começo do século 20. Para isso seria necessário melhorar o desempenho das baterias, o que de fato foi feito, mas não o suficiente. Mesmo usando as melhores baterias de lítio existentes (do tipo usado nos telefones celulares) são necessárias centenas de quilos delas para garantir a um automóvel a autonomia que um tanque de 60 litros de gasolina ou etanol oferece.
Os prefeitos das grandes cidades adoram a ideia da adoção de automóveis elétricos porque são silenciosos e não poluem as cidades. A realidade, contudo, é que a eletricidade necessária para carregar as baterias continua a poluir o ambiente onde ela é produzida (queimando carvão na maioria dos países), em locais distantes das cidades.
Do ponto de vista da redução da poluição global (isto é, da emissão de gases responsáveis pelo aquecimento global), automóveis elétricos são uma falsa solução. Esse é um exemplo típico em que “modernização” tem mais que ver com a promoção de interesses comerciais do que com a solução real de um problema. Já houve outras “inovações” na área automobilística em torno das quais foram criadas grandes expectativas, mas se mostraram inviáveis ou problemáticas, como o uso de hidrogênio para substituir a gasolina.
É preciso, pois, perguntar quais problemas as inovações vão resolver e verificar se elas não estão apenas criando novos problemas e produtos realmente desnecessários, cujo consumo é introduzido por motivos mercadológicos. Essa, aliás, é uma das razões por que reduzir o Imposto de Importação de veículos elétricos no Brasil não faz sentido neste momento.
Do ponto de vista de promover a redução das emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global, mais eficiente é o uso de etanol nos motores de combustão interna.
Há outras áreas em que distorções “modernizantes” se verificaram, como usar energia nuclear em grandes aviões, o que lhes permitiria voar por várias semanas sem reabastecer. Outra, mais recente, é a promoção de viagens interplanetárias e a conquista do planeta Marte promovida por alguns investidores americanos. Estabelecer uma colônia humana na Lua ou em Marte não vai contribuir em nada para resolver os sérios problemas de poluição e pobreza que temos hoje na Terra. E distrai os governos de fazer o que é necessário para resolvê-los.
Desde então, modernidade passou a ser considerada símbolo do progresso, o que não só é incorreto, como perigoso. O culto da modernidade per se que está em voga hoje, principalmente na área de tecnologia, precisa ser analisado criticamente. Um exemplo é a área de comunicações, em que computadores pessoais, celulares e aplicativos de todo tipo, como Facebook, Twitter e WhatsApp, revolucionaram a própria natureza do que se entende por privacidade, comunicação e até democracia. Outro é o da energia, em que a substituição de combustíveis fósseis parece inevitável nas próximas décadas.
Em cada uma dessas áreas existem diferentes novos caminhos que podem ser seguidos. O que a experiência mostra é que alguns deles levam a fracassos e outros, a sucessos. Essa é a razão por que as opções que se apresentam como modernizantes devem ser submetidas a uma análise crítica para evitar equívocos, na medida do possível. Os custos de decisões inadequadas podem ser imensos.
Um exemplo claro desse problema é o que estamos enfrentando no que diz respeito ao futuro do sistema de transporte urbano e do automóvel.
Até o fim do século 19, transporte individual ou coletivo era feito exclusivamente por cavalos ou por veículos puxados por esses animais. Só para dar um exemplo, havia em Nova York no início do século 20 cerca de 150 mil cavalos, que poluíam a cidade com mais de mil toneladas de estrume por dia, tornando-a intransitável.
Em contraste, locomotivas movidas pela força expansiva do vapor da água fervente – como nas “marias-fumaça” do passado – começaram a circular na Inglaterra em 1804 e seu uso logo se espalhou pelo mundo todo, com estradas de ferro cobrindo a Europa e abrindo o oeste dos Estados Unidos à colonização. O uso de máquinas a vapor para substituir cavalos nas carruagens foi tentado, mas não se mostrou prático. Tentou-se também usar baterias elétricas – como as que usamos hoje nos nossos carros para dar a partida –, mas a autonomia dos automóveis era muito limitada.
O grande avanço veio com os motores inventados por um engenheiro alemão, Nikolaus Otto, no fim do século 19. Nesses motores, um combustível – pó de carvão, etanol ou gasolina – explode dentro de um cilindro, explosão essa promovida por uma faísca elétrica, e o movimento do cilindro dá origem à tração nas rodas do veículo.
O extraordinário sucesso dessa invenção abriu caminho para a era do automóvel, cuja fabricação em série por Henry Ford levou à redução de custos e à sua popularização. Existe hoje quase 1 bilhão de automóveis no mundo.
Tal quantidade de veículos deu origem a novos problemas de poluição, como a emissão de óxido de enxofre, particulados e outros responsáveis pela degradação da qualidade do ar nas cidades, além do aquecimento global, resultado inevitável da queima de combustíveis fósseis derivados do petróleo, como gasolina e óleo diesel.
É por isso que surgiram recentemente ideias de abandonar motores de combustão interna e voltar aos automóveis elétricos, como se tentou no começo do século 20. Para isso seria necessário melhorar o desempenho das baterias, o que de fato foi feito, mas não o suficiente. Mesmo usando as melhores baterias de lítio existentes (do tipo usado nos telefones celulares) são necessárias centenas de quilos delas para garantir a um automóvel a autonomia que um tanque de 60 litros de gasolina ou etanol oferece.
Os prefeitos das grandes cidades adoram a ideia da adoção de automóveis elétricos porque são silenciosos e não poluem as cidades. A realidade, contudo, é que a eletricidade necessária para carregar as baterias continua a poluir o ambiente onde ela é produzida (queimando carvão na maioria dos países), em locais distantes das cidades.
Do ponto de vista da redução da poluição global (isto é, da emissão de gases responsáveis pelo aquecimento global), automóveis elétricos são uma falsa solução. Esse é um exemplo típico em que “modernização” tem mais que ver com a promoção de interesses comerciais do que com a solução real de um problema. Já houve outras “inovações” na área automobilística em torno das quais foram criadas grandes expectativas, mas se mostraram inviáveis ou problemáticas, como o uso de hidrogênio para substituir a gasolina.
É preciso, pois, perguntar quais problemas as inovações vão resolver e verificar se elas não estão apenas criando novos problemas e produtos realmente desnecessários, cujo consumo é introduzido por motivos mercadológicos. Essa, aliás, é uma das razões por que reduzir o Imposto de Importação de veículos elétricos no Brasil não faz sentido neste momento.
Do ponto de vista de promover a redução das emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global, mais eficiente é o uso de etanol nos motores de combustão interna.
Há outras áreas em que distorções “modernizantes” se verificaram, como usar energia nuclear em grandes aviões, o que lhes permitiria voar por várias semanas sem reabastecer. Outra, mais recente, é a promoção de viagens interplanetárias e a conquista do planeta Marte promovida por alguns investidores americanos. Estabelecer uma colônia humana na Lua ou em Marte não vai contribuir em nada para resolver os sérios problemas de poluição e pobreza que temos hoje na Terra. E distrai os governos de fazer o que é necessário para resolvê-los.
Os culpados pela morte de Marielle
A execução da vereadora Marielle Franco levou à eclosão de mais um capítulo da batalha político-ideológica no país. Ainda não se sabe se ela foi vítima de milicianos, traficantes ou quem quer que seja, mas se enxerga e se aponta responsáveis por todo o lado. Há quem veja culpa no Governo Michel Temer, que ainda não parece saber muito bem como intervir na segurança do Rio de Janeiro. Para outros, a culpada é a própria Marielle, porque, enquanto militante do PSOL, ela promovia, segundo eles, políticas que favorecem criminosos. De quem é a culpa?
A luta política é implacável na era das redes sociais. Pelo jeito, não há possibilidade de trégua nem nos momentos mais traumáticos. Nem todo mundo aproveitou a morte da vereadora para fazer política, mas basta que alguns o façam para ficar a impressão de que estão todos envolvidos nisso, mentindo, ofendendo, difamando, ridicularizando, selecionando e expondo o pior dos adversários. Quem não gosta da agenda ideológica representada por Marielle tenta diminuir o valor de sua morte. Mas é muito mais fácil engrandecer do que diminuir uma morte como essa. Por outro lado, dizer que a vereadora foi morta porque era mulher ou negra ou por conta de sua sexualidade não ajuda a entender o que aconteceu.
A vida de Marielle vale tanto quanto a do motorista Anderson Gomes, que morreu junto com ela, e a de Cláudio Henrique Costa Pinto, assassinado na frente de seu filho de cinco anos durante uma tentativa de assalto na Zona Norte do Rio de Janeiro naquela mesma noite. Todas essas vidas também valem tanto quanto as dos quase 30 policiais mortos no Estado apenas neste ano. A diferença do caso de Marielle para os outros — e talvez os policiais merecessem mais comoção nesse sentido — é que, junto com ela, as balas da pistola 9mm acertaram o Estado brasileiro. E o Estado brasileiro, representado, nesse caso, pelo cargo de vereador, somos todos nós. A ordem institucional foi alvejada.
Apontar o dedo para o outro lado numa hora como esta parece inevitável. E quem achar que é hora de avançar agendas político-ideológicas, porque isso vai melhorar alguma coisa, que o faça. É legítimo, ainda mais para aqueles que sempre militaram ao lado de Marielle. Mas talvez não seja disso que o país mais precise agora. A editora Todavia lançou neste início de ano um livro escrito pelo filósofo alemão Karl Jaspers intitulado A questão da culpa - A Alemanha e o nazismo, um eloquente tratado sobre a necessidade de entendimento escrito logo após a derrocada nazista, em 1945. O Brasil está muito longe do terror nazista — e que isso sirva de consolo para quem estiver buscando algum —, mas as reflexões de Jaspers vêm a calhar.
O filósofo está interessado em entender qual é a culpa dos alemães em relação aos crimes cometidos pelo regime nazista. Nem todos os alemães participaram das atrocidades comandadas por Adolf Hitler, alguns inclusive se opuseram a elas, mas todo o povo alemão carrega nas costas até hoje o fardo do Holocausto. Para iniciar essa reflexão, Jaspers divide a culpa em quatro dimensões: a criminal, pela qual os chefes nazistas foram julgados em Nuremberg; a política, que rendeu punições ao Estado alemão; a moral e a metafísica, que não podem ser atribuídas por terceiros, pois cabe a cada indivíduo reconhecê-las — no caso da Alemanha, era disso que dependia seu futuro após a Segunda Guerra Mundial.
Escorado no filósofo, portanto, eu pergunto: você tem alguma culpa pela morte de Marielle? Não a culpa criminal ou política, que pode vir a ser atribuída por outras pessoas a você, mas a culpa moral. O carioca tem alguma culpa pela situação em que sua cidade se encontra, ou são apenas os políticos os responsáveis pelo Rio de Janeiro? E o Brasil, chegou a essa situação de descontrole de gastos públicos por conta de quem? Pergunto porque não faz sentido dizer que você é culpado por nada disso, a não ser que você se sinta responsável de alguma forma, como brasileiro. E, se é responsável, o que você poderia fazer para melhorar a situação?
Jaspers inicia seu livro destacando a necessidade de diálogo: “É tão fácil defender juízos firmes carregando nas emoções; é difícil elaborar de forma serena. É fácil interromper a comunicação com afirmações bruscas; é difícil penetrar incessantemente no fundo da verdade, para além das afirmações. É fácil adotar uma opinião e mantê-la para poupar-se o trabalho de continuar pensando; é difícil avançar passo a passo e não impedir mais questionamentos”. Se você acredita na agenda dos direitos humanos, é hora de se perguntar por que não consegue convencer seus adversários políticos da importância disso. O mesmo vale para quem não acredita na forma como essa agenda é promovida: por que algumas pessoas acham que você é um monstro?
Empurrar a culpa para o outro lado é o mais fácil. Mas as pessoas de quem você discorda não vão sumir. A internet permitiu que questões que eram dadas como consensos ressurgissem. Na verdade, essas questões nunca deixaram de existir. E o funcionamento da nossa República depende do diálogo entre pessoas que pensam diferente, sem estigmas, sem deboches, sem distorções e, se possível, com as emoções sob controle. Jaspers cita Kant para dizer que “na guerra não pode haver atos que tornem simplesmente impossível uma conciliação posterior”. Não estamos tão mal quanto a Alemanha pós-nazismo, mas também não estamos bem o bastante para dispensar as oportunidades de diálogo que têm se apresentado.
A luta política é implacável na era das redes sociais. Pelo jeito, não há possibilidade de trégua nem nos momentos mais traumáticos. Nem todo mundo aproveitou a morte da vereadora para fazer política, mas basta que alguns o façam para ficar a impressão de que estão todos envolvidos nisso, mentindo, ofendendo, difamando, ridicularizando, selecionando e expondo o pior dos adversários. Quem não gosta da agenda ideológica representada por Marielle tenta diminuir o valor de sua morte. Mas é muito mais fácil engrandecer do que diminuir uma morte como essa. Por outro lado, dizer que a vereadora foi morta porque era mulher ou negra ou por conta de sua sexualidade não ajuda a entender o que aconteceu.
A vida de Marielle vale tanto quanto a do motorista Anderson Gomes, que morreu junto com ela, e a de Cláudio Henrique Costa Pinto, assassinado na frente de seu filho de cinco anos durante uma tentativa de assalto na Zona Norte do Rio de Janeiro naquela mesma noite. Todas essas vidas também valem tanto quanto as dos quase 30 policiais mortos no Estado apenas neste ano. A diferença do caso de Marielle para os outros — e talvez os policiais merecessem mais comoção nesse sentido — é que, junto com ela, as balas da pistola 9mm acertaram o Estado brasileiro. E o Estado brasileiro, representado, nesse caso, pelo cargo de vereador, somos todos nós. A ordem institucional foi alvejada.
Apontar o dedo para o outro lado numa hora como esta parece inevitável. E quem achar que é hora de avançar agendas político-ideológicas, porque isso vai melhorar alguma coisa, que o faça. É legítimo, ainda mais para aqueles que sempre militaram ao lado de Marielle. Mas talvez não seja disso que o país mais precise agora. A editora Todavia lançou neste início de ano um livro escrito pelo filósofo alemão Karl Jaspers intitulado A questão da culpa - A Alemanha e o nazismo, um eloquente tratado sobre a necessidade de entendimento escrito logo após a derrocada nazista, em 1945. O Brasil está muito longe do terror nazista — e que isso sirva de consolo para quem estiver buscando algum —, mas as reflexões de Jaspers vêm a calhar.
O filósofo está interessado em entender qual é a culpa dos alemães em relação aos crimes cometidos pelo regime nazista. Nem todos os alemães participaram das atrocidades comandadas por Adolf Hitler, alguns inclusive se opuseram a elas, mas todo o povo alemão carrega nas costas até hoje o fardo do Holocausto. Para iniciar essa reflexão, Jaspers divide a culpa em quatro dimensões: a criminal, pela qual os chefes nazistas foram julgados em Nuremberg; a política, que rendeu punições ao Estado alemão; a moral e a metafísica, que não podem ser atribuídas por terceiros, pois cabe a cada indivíduo reconhecê-las — no caso da Alemanha, era disso que dependia seu futuro após a Segunda Guerra Mundial.
Escorado no filósofo, portanto, eu pergunto: você tem alguma culpa pela morte de Marielle? Não a culpa criminal ou política, que pode vir a ser atribuída por outras pessoas a você, mas a culpa moral. O carioca tem alguma culpa pela situação em que sua cidade se encontra, ou são apenas os políticos os responsáveis pelo Rio de Janeiro? E o Brasil, chegou a essa situação de descontrole de gastos públicos por conta de quem? Pergunto porque não faz sentido dizer que você é culpado por nada disso, a não ser que você se sinta responsável de alguma forma, como brasileiro. E, se é responsável, o que você poderia fazer para melhorar a situação?
Jaspers inicia seu livro destacando a necessidade de diálogo: “É tão fácil defender juízos firmes carregando nas emoções; é difícil elaborar de forma serena. É fácil interromper a comunicação com afirmações bruscas; é difícil penetrar incessantemente no fundo da verdade, para além das afirmações. É fácil adotar uma opinião e mantê-la para poupar-se o trabalho de continuar pensando; é difícil avançar passo a passo e não impedir mais questionamentos”. Se você acredita na agenda dos direitos humanos, é hora de se perguntar por que não consegue convencer seus adversários políticos da importância disso. O mesmo vale para quem não acredita na forma como essa agenda é promovida: por que algumas pessoas acham que você é um monstro?
Empurrar a culpa para o outro lado é o mais fácil. Mas as pessoas de quem você discorda não vão sumir. A internet permitiu que questões que eram dadas como consensos ressurgissem. Na verdade, essas questões nunca deixaram de existir. E o funcionamento da nossa República depende do diálogo entre pessoas que pensam diferente, sem estigmas, sem deboches, sem distorções e, se possível, com as emoções sob controle. Jaspers cita Kant para dizer que “na guerra não pode haver atos que tornem simplesmente impossível uma conciliação posterior”. Não estamos tão mal quanto a Alemanha pós-nazismo, mas também não estamos bem o bastante para dispensar as oportunidades de diálogo que têm se apresentado.
Um tapetão para Lula
Uma lenda urbana atormenta o Supremo Tribunal Federal (STF): a de que o País pegará fogo quando o Tribunal Federal Regional da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, mandar executar a pena de 12 anos e um mês a que foi condenado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na verdade, o criminoso (não levem a mal o autor destas linhas, mas o fato já foi resolvido em definitivo pela instância cabível no Judiciário) foi presidente da República e, a julgar pelas últimas pesquisas, deve ser o mais popular da História. É fato também que Lula lidera as pesquisas de intenção de voto dos institutos de opinião pública para a eleição presidencial de outubro. E daí?
O argumento da paz social é usado para transformar o fundador e principal líder do Partido dos Trabalhadores (PT) em beneficiário de anistia num lance sórdido, conhecido no popular como tapetão. E este pode configurar o STF como um puxadinho da mal afamadíssima justiça desportiva – com as letras mais minúsculas com que seja possível grafar. Pasme, leitor sensato e incauto, as supremas togas nacionais conspiram para evitar a prisão de um criminoso do qual não há presunção, mas, sim, pretensão de inocência, temendo o rugir das ruas contra a execução de sua pena. Suprema ignorância! O anunciado exército de Stédile, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), não impediu o impeachment de sua afilhada Dilma Rousseff nem paralisou o processo em que ele foi submetido a uma condução coercitiva, tida como humilhante, e condenado pelo juiz federal Sergio Moro a nove anos e seis meses. Muito menos: não conseguiram mais do que interromper o trânsito com pneus queimados para protestar contra a confirmação da condenação, o aumento da pena na segunda instância e a negação de seu habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O carisma do condenado, liberado para fazer campanha, só elegeu seu poste Dilma com ajuda do PMDB e não evitou a catástrofe de seu partido nas eleições municipais de 2014.
A perspectiva de uma convulsão social com a prisão de Lula é um falso pretexto para que os conspiradores togados, dos quais sete foram nomeados por presidentes dos desgovernos petistas Lula e Dilma, dele se aproveitem para substituírem definitivamente o governo das leis pelo governo dos homens. O modus operandi da cúpula do Poder Judiciário está claramente dando um golpe contra o Estado de Direito (o governo das leis). Mas não está isolado nessa ignomínia, como denunciou um artigo, que é uma verdadeira aula de Direito, escrito pelo professor Celso Lafer e publicado neste espaço no domingo passado. O Legislativo, o Executivo, o Ministério Público e a Polícia Federal são cúmplices!
Os conspiradores togados não o fazem por motivos ideológicos, caritativos ou por generoso garantismo, mas por meros interesses pessoais, passando por cima da ética e da honra com um cinismo deslavado. Um ministro do STF concedeu habeas corpus a clientes da banca de seu cônjuge e julga patrocinadores de empresas de que é acionista. Um ex-colega dele, patrono da causa que poderá ser beneficiada pelo tapetão, eleva a chicana à condição de direito pleno de defesa recorrendo à lerdeza dos julgamentos de uma Corte tartaruga. Duplo vexame: no exercício de cargo no topo de suas carreiras, ganhando salários que servem de teto para todo o funcionalismo, incluindo o presidente da República, participam dos lucrativos negócios da educação e da advocacia, pois lhes é permitido e não percebem quebra de decoro.
Se o STF endossar o tapetão para Lula, apenas porque um de seus membros, Gilmar Mendes, mudou de opinião, será responsável por uma grave crise de insegurança jurídica nesta República de réus. Pois um juiz de primeira instância, três da segunda e cinco do STJ, estas últimas por unanimidade, decidiram pela execução da pena que o STF pode a adiar.
E a segurança jurídica, segundo Lafer, apoiando-se em sólida literatura, assinada por exegetas do escopo de Theofilo Cavalcanti Filho e Tércio Sampaio Ferraz Jr., e no filósofo italiano Norberto Bobbio, “é algo a ser constantemente buscado no Direito por meio da adequada avaliação dos problemas da prova, da qualificação, da interpretação e da relevância”. O professor emérito da USP concluiu suas lições com uma definitiva: a segurança jurídica é atributo, e não impeditivo do bem-estar nacional.
O tapetão para o cliente do dr. Pertence, que troca a reputação por êxito nessa operação, terá, se não for sustado por ministros comprometidos com a democracia no STF, duas outras consequências graves. Para o golpe ser bem-sucedido, a cúpula do Judiciário anulará decisão que tomou há dois anos, por maioria aritmética simples (ao contrário do que desaprendeu o ministro da Justiça, Torquato Jardim, seis não é igual a cinco, é mais), proibindo a prisão de condenados em segunda instância. Atenderão, assim, ao interesse dos potentados da política assustados com o mensalão, que apelaram para a leitura fundamentalista da Constituição, em 2009, para negar prática adotada desde o Código Penal de 1941, como lembrou o advogado José Paulo Cavalcanti Filho, nomeado por Dilma Rousseff para a Comissão Nacional da Verdade. E René Ariel Dotti, defensor de presos políticos na ditadura, concorda com ele.
E mais: ao arrepio da Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular, o condenado por corrupção e lavagem de dinheiro por nove a zero em duas instâncias e no STJ (agora usado por quem quer ganhar tempo para o culpado) participará da campanha eleitoral de outubro. Isso certamente ocorrerá depois que ele for, como tudo indica que o será, condenado pela Lava Jato a mais 20 anos de cadeia por ocultação do patrimônio no sítio Santa Bárbara. Até o cancelamento do registro de sua candidatura ilícita, o condenado disputará a Presidência. Só nos restará apelar: “Valei-nos, Santa Bárbara!”
O argumento da paz social é usado para transformar o fundador e principal líder do Partido dos Trabalhadores (PT) em beneficiário de anistia num lance sórdido, conhecido no popular como tapetão. E este pode configurar o STF como um puxadinho da mal afamadíssima justiça desportiva – com as letras mais minúsculas com que seja possível grafar. Pasme, leitor sensato e incauto, as supremas togas nacionais conspiram para evitar a prisão de um criminoso do qual não há presunção, mas, sim, pretensão de inocência, temendo o rugir das ruas contra a execução de sua pena. Suprema ignorância! O anunciado exército de Stédile, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), não impediu o impeachment de sua afilhada Dilma Rousseff nem paralisou o processo em que ele foi submetido a uma condução coercitiva, tida como humilhante, e condenado pelo juiz federal Sergio Moro a nove anos e seis meses. Muito menos: não conseguiram mais do que interromper o trânsito com pneus queimados para protestar contra a confirmação da condenação, o aumento da pena na segunda instância e a negação de seu habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O carisma do condenado, liberado para fazer campanha, só elegeu seu poste Dilma com ajuda do PMDB e não evitou a catástrofe de seu partido nas eleições municipais de 2014.
Os conspiradores togados não o fazem por motivos ideológicos, caritativos ou por generoso garantismo, mas por meros interesses pessoais, passando por cima da ética e da honra com um cinismo deslavado. Um ministro do STF concedeu habeas corpus a clientes da banca de seu cônjuge e julga patrocinadores de empresas de que é acionista. Um ex-colega dele, patrono da causa que poderá ser beneficiada pelo tapetão, eleva a chicana à condição de direito pleno de defesa recorrendo à lerdeza dos julgamentos de uma Corte tartaruga. Duplo vexame: no exercício de cargo no topo de suas carreiras, ganhando salários que servem de teto para todo o funcionalismo, incluindo o presidente da República, participam dos lucrativos negócios da educação e da advocacia, pois lhes é permitido e não percebem quebra de decoro.
Se o STF endossar o tapetão para Lula, apenas porque um de seus membros, Gilmar Mendes, mudou de opinião, será responsável por uma grave crise de insegurança jurídica nesta República de réus. Pois um juiz de primeira instância, três da segunda e cinco do STJ, estas últimas por unanimidade, decidiram pela execução da pena que o STF pode a adiar.
E a segurança jurídica, segundo Lafer, apoiando-se em sólida literatura, assinada por exegetas do escopo de Theofilo Cavalcanti Filho e Tércio Sampaio Ferraz Jr., e no filósofo italiano Norberto Bobbio, “é algo a ser constantemente buscado no Direito por meio da adequada avaliação dos problemas da prova, da qualificação, da interpretação e da relevância”. O professor emérito da USP concluiu suas lições com uma definitiva: a segurança jurídica é atributo, e não impeditivo do bem-estar nacional.
O tapetão para o cliente do dr. Pertence, que troca a reputação por êxito nessa operação, terá, se não for sustado por ministros comprometidos com a democracia no STF, duas outras consequências graves. Para o golpe ser bem-sucedido, a cúpula do Judiciário anulará decisão que tomou há dois anos, por maioria aritmética simples (ao contrário do que desaprendeu o ministro da Justiça, Torquato Jardim, seis não é igual a cinco, é mais), proibindo a prisão de condenados em segunda instância. Atenderão, assim, ao interesse dos potentados da política assustados com o mensalão, que apelaram para a leitura fundamentalista da Constituição, em 2009, para negar prática adotada desde o Código Penal de 1941, como lembrou o advogado José Paulo Cavalcanti Filho, nomeado por Dilma Rousseff para a Comissão Nacional da Verdade. E René Ariel Dotti, defensor de presos políticos na ditadura, concorda com ele.
E mais: ao arrepio da Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular, o condenado por corrupção e lavagem de dinheiro por nove a zero em duas instâncias e no STJ (agora usado por quem quer ganhar tempo para o culpado) participará da campanha eleitoral de outubro. Isso certamente ocorrerá depois que ele for, como tudo indica que o será, condenado pela Lava Jato a mais 20 anos de cadeia por ocultação do patrimônio no sítio Santa Bárbara. Até o cancelamento do registro de sua candidatura ilícita, o condenado disputará a Presidência. Só nos restará apelar: “Valei-nos, Santa Bárbara!”
Prova de caráter
O silêncio que esse barulho todo esconde
E de repente, ao tombar o quinto milésimo centésimo vigésimo sexto corpo nas ruas onde, se nada piorar, haverão de cair outros 54.864 homens, mulheres e crianças assassinados antes que 2018 acabe, levantou-se o grito: “Mataram um dos nossos”!
E o mundo veio abaixo!
Os arautos do ódio – de classe, de raça, de gênero e o mais – assumem-se. Não pedem soluções, tratam apenas de justificar a guerra. Todos os demais parecem perdidos. Não ha mais fronteira entre fato e versão ou relação entre causa e efeito. As “narrativas” são reafirmadas como conclusão da coleção de fatos que as negam. O escrivão da Polícia Federal que “desviou” a munição que matou Marielle, a mesma com que foi perpetrado o maior massacre da história de São Paulo e aparece em mais meia duzia de outras cenas de crimes hediondos “foi preso mas já está solto”. E “nunca foi expulso da corporação”. Frequenta os mesmos locais de trabalho dos heróis da Lava-jato na única polícia centralizada e com alcance nacional do país.
As armas que dispararam as balas que ele forneceu provavelmente têm origem semelhante mas, ainda que o barulho todo se tenha justificado pela busca de culpados, um valor mais alto se alevanta. O único culpado identificado permanece intocável e ninguém deu qualquer sinal de se incomodar com isso. Os parentes de suas vitimas continuam pagando os seus especialíssimos “direitos adquiridos”. E não ha dado da realidade que abale a fé cega das nossas televisões e seus especialistas amestrados na capacidade das “autoridades” de fazer decretos sonhados se transformarem em realidade. Elas seguem impávidas martelando por minuto que o “controle de armas” e a centralização de todas as polícias são as soluções finais para a epidemia de crimes que insiste em se alastrar desenfreada pelo país com o mais rigido controle de armas e munições do mundo.
Corre paralela uma cruzada furiosa “contra a maledicência”. Exige-se a criminalização da dissonância. “Coletivos” de “especialistas em democracia digital” (?), chancelados como tal pela imprensa profissional, animam-se a publicar índices de pessoas e de sites proibidos. Redes nacionais de televisão promovem diariamente rituais de execração publica de mensagens privadas. Poetas e jornalistas clamam por censura. Tudo está fora de ordem. A mentira e o auto-policiamento já são condições de sobrevivência e as retratações publicas antes das execuções se vão tornando corriqueiras.
“Por minha culpa, minha máxima culpa, pequei por pensamentos, palavras … e obras”. Velhos hábitos demoram para morrer. Cá estamos de volta à fronteira entre a democracia e a heresia. Quantas vezes a humanidade já apagou essa linha e acabou terrivelmente mal?
Os debates nas televisões já começam vencidos. Por tras de cada argumento posto ou omitido esconde-se um privilegiozinho que se quer eterno. O que se propõe nunca é resolver problemas é, no máximo, impedir que se manifestem os efeitos de não se atacar a causa fundamental que os produz. Vale falar de tudo menos da dispensa da competição, da estabilidade vitalícia no emprego, haja o que houver, dos brasileiros de primeira classe, em plena era da disrrupção. A mãe de todos os privilégios. O maior de todos os “foros especiais”. E isso “brifa” todas as tribunas públicas da nação.
A Constituição de 88 transformou a proteção condicionada às funções de estado no “direito” de não ser julgado pela qualidade do seu trabalho e a estendeu a todo e qualquer sujeito que, pelo método que for, conseguir enfiar, um dia, um pé dentro das fronteiras do estado. E, a seguir, “petrificou” sua obra. São 30 anos de impotência absoluta do eleitor e do contribuinte brasileiros antes e depois do ato fugaz de depositar seu voto na urna. São 30 anos de seleção negativa. Tempo bastante para nos acomodarmos, de geração em geração, à discriminação institucionalizada. Tempo bastante para cada casta aprender o seu lugar neste florão da América.
De degrau em degrau, chegamos à beira do último. Já não é o governo quem governa. Ele ousou desafiar os privilégios da privilegiatura e, por isso e não mais que isso, foi desconstruído. Decisões negociadas no Congresso Nacional em nome de 144 milhões de votos? Revogue-se! É outro que ousou ensaiar um voto contrário aos privilégios da privilegiatura!
Quem de fato governa; quem tem a última palavra sobre tudo são as corporações do estado aparelhadas pelo “ativismo”, não mais “do Judiciário” como um todo, porque já não é preciso tanto, mas da metade + 1 do STF aparelhado pelo lulismo que é quanto basta no ponto a que chegamos.
Sem a prerrogativa de retomar na hora mandatos e empregos públicos abusados, de rejeitar no voto leis e decretos malcheirosos, de repelir um por um os juízes a serviço da injustiça; sem armar o eleitor para empurrar cada ação do “sistema” na direção do interesse coletivo, a conquista de empregos públicos, de mandatos e de governos basta-se a si mesma e tudo que as urnas decidem é a delimitação de territórios privativos de caça.
Darwin não tem partido nem respeita nivel de escolaridade. Só sobrevive quem se adapta. O “concursismo” passa a ser a unica alternativa para a servidão e o “aposentadorismo” o único horizonte para o futuro. Todo brasileiro sabe, até os analfabetos, qual é a diferença entre prender na 2a instância ou nunca, entre permitir ou não que ladrões voltem para dentro dos cofres públicos, entre admitir ou não a permanência de criminosos condenados dentro da polícia. A corrupção sistêmica, a servidão tributária, a anemia crônica do estado, a miséria e a violência de que o Rio de Janeiro é o exemplo paroxístico e Marielle foi mais uma vítima, são mera consequência disso.
A continuação da privilegiatura é insustentável nos limites da democracia e mesmo nos muito mais elásticos da nossa pseudo democracia. Uma das duas terá de acabar. E já. É isso que está em jogo.
Fernão Lara Mesquita
E o mundo veio abaixo!
Os arautos do ódio – de classe, de raça, de gênero e o mais – assumem-se. Não pedem soluções, tratam apenas de justificar a guerra. Todos os demais parecem perdidos. Não ha mais fronteira entre fato e versão ou relação entre causa e efeito. As “narrativas” são reafirmadas como conclusão da coleção de fatos que as negam. O escrivão da Polícia Federal que “desviou” a munição que matou Marielle, a mesma com que foi perpetrado o maior massacre da história de São Paulo e aparece em mais meia duzia de outras cenas de crimes hediondos “foi preso mas já está solto”. E “nunca foi expulso da corporação”. Frequenta os mesmos locais de trabalho dos heróis da Lava-jato na única polícia centralizada e com alcance nacional do país.
As armas que dispararam as balas que ele forneceu provavelmente têm origem semelhante mas, ainda que o barulho todo se tenha justificado pela busca de culpados, um valor mais alto se alevanta. O único culpado identificado permanece intocável e ninguém deu qualquer sinal de se incomodar com isso. Os parentes de suas vitimas continuam pagando os seus especialíssimos “direitos adquiridos”. E não ha dado da realidade que abale a fé cega das nossas televisões e seus especialistas amestrados na capacidade das “autoridades” de fazer decretos sonhados se transformarem em realidade. Elas seguem impávidas martelando por minuto que o “controle de armas” e a centralização de todas as polícias são as soluções finais para a epidemia de crimes que insiste em se alastrar desenfreada pelo país com o mais rigido controle de armas e munições do mundo.
Corre paralela uma cruzada furiosa “contra a maledicência”. Exige-se a criminalização da dissonância. “Coletivos” de “especialistas em democracia digital” (?), chancelados como tal pela imprensa profissional, animam-se a publicar índices de pessoas e de sites proibidos. Redes nacionais de televisão promovem diariamente rituais de execração publica de mensagens privadas. Poetas e jornalistas clamam por censura. Tudo está fora de ordem. A mentira e o auto-policiamento já são condições de sobrevivência e as retratações publicas antes das execuções se vão tornando corriqueiras.
“Por minha culpa, minha máxima culpa, pequei por pensamentos, palavras … e obras”. Velhos hábitos demoram para morrer. Cá estamos de volta à fronteira entre a democracia e a heresia. Quantas vezes a humanidade já apagou essa linha e acabou terrivelmente mal?
Os debates nas televisões já começam vencidos. Por tras de cada argumento posto ou omitido esconde-se um privilegiozinho que se quer eterno. O que se propõe nunca é resolver problemas é, no máximo, impedir que se manifestem os efeitos de não se atacar a causa fundamental que os produz. Vale falar de tudo menos da dispensa da competição, da estabilidade vitalícia no emprego, haja o que houver, dos brasileiros de primeira classe, em plena era da disrrupção. A mãe de todos os privilégios. O maior de todos os “foros especiais”. E isso “brifa” todas as tribunas públicas da nação.
A Constituição de 88 transformou a proteção condicionada às funções de estado no “direito” de não ser julgado pela qualidade do seu trabalho e a estendeu a todo e qualquer sujeito que, pelo método que for, conseguir enfiar, um dia, um pé dentro das fronteiras do estado. E, a seguir, “petrificou” sua obra. São 30 anos de impotência absoluta do eleitor e do contribuinte brasileiros antes e depois do ato fugaz de depositar seu voto na urna. São 30 anos de seleção negativa. Tempo bastante para nos acomodarmos, de geração em geração, à discriminação institucionalizada. Tempo bastante para cada casta aprender o seu lugar neste florão da América.
De degrau em degrau, chegamos à beira do último. Já não é o governo quem governa. Ele ousou desafiar os privilégios da privilegiatura e, por isso e não mais que isso, foi desconstruído. Decisões negociadas no Congresso Nacional em nome de 144 milhões de votos? Revogue-se! É outro que ousou ensaiar um voto contrário aos privilégios da privilegiatura!
Quem de fato governa; quem tem a última palavra sobre tudo são as corporações do estado aparelhadas pelo “ativismo”, não mais “do Judiciário” como um todo, porque já não é preciso tanto, mas da metade + 1 do STF aparelhado pelo lulismo que é quanto basta no ponto a que chegamos.
Sem a prerrogativa de retomar na hora mandatos e empregos públicos abusados, de rejeitar no voto leis e decretos malcheirosos, de repelir um por um os juízes a serviço da injustiça; sem armar o eleitor para empurrar cada ação do “sistema” na direção do interesse coletivo, a conquista de empregos públicos, de mandatos e de governos basta-se a si mesma e tudo que as urnas decidem é a delimitação de territórios privativos de caça.
Darwin não tem partido nem respeita nivel de escolaridade. Só sobrevive quem se adapta. O “concursismo” passa a ser a unica alternativa para a servidão e o “aposentadorismo” o único horizonte para o futuro. Todo brasileiro sabe, até os analfabetos, qual é a diferença entre prender na 2a instância ou nunca, entre permitir ou não que ladrões voltem para dentro dos cofres públicos, entre admitir ou não a permanência de criminosos condenados dentro da polícia. A corrupção sistêmica, a servidão tributária, a anemia crônica do estado, a miséria e a violência de que o Rio de Janeiro é o exemplo paroxístico e Marielle foi mais uma vítima, são mera consequência disso.
A continuação da privilegiatura é insustentável nos limites da democracia e mesmo nos muito mais elásticos da nossa pseudo democracia. Uma das duas terá de acabar. E já. É isso que está em jogo.
Fernão Lara Mesquita
Querem uma outra Lei Fleury
Resumindo a história: de 1941 a 1973, a regra no Brasil era a prisão após a condenação em primeira instância; de 73 a 2009, vigorou a prisão em segunda instância; de 2009 a 2016, o condenado só poderia ser preso depois da sentença transitada em julgado, ou seja, após a última das últimas instâncias; de 2016 até hoje, voltou-se à norma da execução da pena após a segunda instância.
Portanto, em 70 dos últimos 77 anos, o direito penal brasileiro determinava que o condenado seria preso após a primeira ou segunda instância. Essa é a tradição que, aliás, se alinha com o sistema vigente nas democracias. Já viram no noticiário ou nos filmes americanos: o condenado sai do tribunal já algemado, condenado pelo juiz de primeiro grau.
A exceção foi o curto período de sete anos em que prevaleceu a prisão só em última instância - situação que favoreceu um sem número de condenados ricos e bem posicionados no mundo político, que podiam pagar advogados e recorrer até o Supremo Tribunal Federal, passando antes pelo Superior Tribunal de Justiça. Um processo longo, que permitia a prescrição e, pois, a garantia de que especialmente os crimes do colarinho branco jamais seriam punidos.
Voltar a essa norma de exceção não beneficiaria apenas o ex-presidente Lula, mas o amplo número de empresários, executivos, altos funcionários e políticos que já foram apanhados pela Lava Jato ou que estão na sua mira.
Mas não seria o primeiro casuísmo nessa história.
A primeira virada de mesa se deu em novembro de 1973. O delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Dops, conhecido chefe da repressão, torturador, estava para ir a júri. Pronunciado ou condenado em primeira instância, iria para a cadeia. Aí o regime militar determinou e o Congresso aprovou a Lei 5.941, que manteve a prisão após a condenação ou pronúncia para o Júri, mas abriu a possibilidade de concessão de fiança com a qual a pessoa apelava em liberdade.
Não por acaso, ficou conhecida como Lei Fleury.
Em 1988, veio a nova Constituição, dizendo que a presunção de inocência vale até o trânsito em julgado da sentença.
Claro que se estabeleceu uma questão: se há a presunção de inocência, a pessoa pode ser presa antes de se esgotarem todos os recursos? Pois o STJ respondeu que pode, com a Súmula 09. Ali a corte disse, em resumo, que a prisão do condenado em segunda instância não ofende a presunção de inocência. A regra, portanto, era clara: para apelar, a pessoa precisava iniciar o cumprimento provisório da pena.
E assim foi até 2009, quando o STF mudou o entendimento e estabeleceu o direito do condenado em segunda instância de recorrer em liberdade.
Mudou por quê? Doutrina ou casuísmo?
Era a época do mensalão, esse julgamento extraordinário, que começou a punir e colocar em cana o pessoal do colarinho branco. Quem liderou a mudança no STF foi o então ministro Eros Grau, que hoje se arrepende. Conforme registramos em nossa coluna de 1o. de março, ele comentou em debate recente: "Agora, nesse exato momento, eu até fico pensando se não seria bom prender já na primeira instância esses bandidos que andam por aí".
Foi em 2016, na era da Lava Jato, quando se expos o tamanho da corrupção e o grau de envolvimento da política e dos negócios, que o STF, pressionado pela conjuntura, voltou à regra pela qual a prisão pode ser decretada após a condenação em segundo grau. Foi um placar apertado, 6 a 5.
Pois a Lava Jato avançou, prendeu um monte de gente. Agora, quando chega a vez de Lula, cresce o movimento para o STF mudar de novo e voltar à norma de exceção que vigorou entre 2009 e 2016. Mas não é só por Lula, claro.
A mudança na regra tiraria muita gente da cadeia e impediria que outros tantos fossem levados a ela no futuro. Isso inclui, por exemplo, o presidente Temer, atuais ministros e parlamentares, hoje protegidos pelo foro privilegiado mas que estarão na chuva quando terminarem seus mandatos.
Proteger esse pessoal, com uma mudança de interpretação no STF, isso seria a exceção, uma outra Lei Fleury.
No mundo democrático, civilizado, a norma dominante determina a prisão após condenação em primeira ou segunda instância, como foi no Brasil durante 70 dos últimos 77 anos. É sustentada pela boa doutrina.
Portanto, em 70 dos últimos 77 anos, o direito penal brasileiro determinava que o condenado seria preso após a primeira ou segunda instância. Essa é a tradição que, aliás, se alinha com o sistema vigente nas democracias. Já viram no noticiário ou nos filmes americanos: o condenado sai do tribunal já algemado, condenado pelo juiz de primeiro grau.
A exceção foi o curto período de sete anos em que prevaleceu a prisão só em última instância - situação que favoreceu um sem número de condenados ricos e bem posicionados no mundo político, que podiam pagar advogados e recorrer até o Supremo Tribunal Federal, passando antes pelo Superior Tribunal de Justiça. Um processo longo, que permitia a prescrição e, pois, a garantia de que especialmente os crimes do colarinho branco jamais seriam punidos.
Mas não seria o primeiro casuísmo nessa história.
A primeira virada de mesa se deu em novembro de 1973. O delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Dops, conhecido chefe da repressão, torturador, estava para ir a júri. Pronunciado ou condenado em primeira instância, iria para a cadeia. Aí o regime militar determinou e o Congresso aprovou a Lei 5.941, que manteve a prisão após a condenação ou pronúncia para o Júri, mas abriu a possibilidade de concessão de fiança com a qual a pessoa apelava em liberdade.
Não por acaso, ficou conhecida como Lei Fleury.
Em 1988, veio a nova Constituição, dizendo que a presunção de inocência vale até o trânsito em julgado da sentença.
Claro que se estabeleceu uma questão: se há a presunção de inocência, a pessoa pode ser presa antes de se esgotarem todos os recursos? Pois o STJ respondeu que pode, com a Súmula 09. Ali a corte disse, em resumo, que a prisão do condenado em segunda instância não ofende a presunção de inocência. A regra, portanto, era clara: para apelar, a pessoa precisava iniciar o cumprimento provisório da pena.
E assim foi até 2009, quando o STF mudou o entendimento e estabeleceu o direito do condenado em segunda instância de recorrer em liberdade.
Mudou por quê? Doutrina ou casuísmo?
Era a época do mensalão, esse julgamento extraordinário, que começou a punir e colocar em cana o pessoal do colarinho branco. Quem liderou a mudança no STF foi o então ministro Eros Grau, que hoje se arrepende. Conforme registramos em nossa coluna de 1o. de março, ele comentou em debate recente: "Agora, nesse exato momento, eu até fico pensando se não seria bom prender já na primeira instância esses bandidos que andam por aí".
Foi em 2016, na era da Lava Jato, quando se expos o tamanho da corrupção e o grau de envolvimento da política e dos negócios, que o STF, pressionado pela conjuntura, voltou à regra pela qual a prisão pode ser decretada após a condenação em segundo grau. Foi um placar apertado, 6 a 5.
Pois a Lava Jato avançou, prendeu um monte de gente. Agora, quando chega a vez de Lula, cresce o movimento para o STF mudar de novo e voltar à norma de exceção que vigorou entre 2009 e 2016. Mas não é só por Lula, claro.
A mudança na regra tiraria muita gente da cadeia e impediria que outros tantos fossem levados a ela no futuro. Isso inclui, por exemplo, o presidente Temer, atuais ministros e parlamentares, hoje protegidos pelo foro privilegiado mas que estarão na chuva quando terminarem seus mandatos.
Proteger esse pessoal, com uma mudança de interpretação no STF, isso seria a exceção, uma outra Lei Fleury.
No mundo democrático, civilizado, a norma dominante determina a prisão após condenação em primeira ou segunda instância, como foi no Brasil durante 70 dos últimos 77 anos. É sustentada pela boa doutrina.
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