sexta-feira, 10 de julho de 2015

Edital

Miguel Castello

Foi afixado
nos locais do costume
que É PROIBIDO MENDIGAR.

Logo mão que se descobre
escreveu a tinta por baixo
MAS NÃO É PROIBIDO SER POBRE.

Joaquim Namorado (1914 – 1986)

Social-democracia favelada e pau-de-arara


Desde o trabalhismo de Getúlio Vargas, a partir de 1932, a sociedade brasileira escolheu ser social-democrata. Afinal, todos os países chiques são pelos menos um pouco disso, certo? Por que, então, haveríamos de não ser?

Fizemos a opção pelo well-fare state (dito assim fica mais chique ainda) há 83 anos e jamais renunciamos a ele mesmo sabendo que nunca se viu um país pobre tornar-se rico por implantar um "Estado de bem-estar social". Isso só pode acontecer (se é que pode) naqueles que se tornaram ricos com o capitalismo, conforme constatou, por primeiro, o ex-marxista alemão Eduard Bernstein. Mas não há como recolher, desse modelo de Estado, condições para enriquecer um país pobre. Ao optar pelo Estado benevolente, ao qual todos recorrem em suas necessidades, garantidor de direitos reais e imaginários, provedor inesgotável, inclusive das mais insaciáveis demandas, o Brasil fez e faz, ao contrário, uma opção fundamental pela pobreza.

Jamais criamos ou nos ocupamos seriamente dos pré-requisitos do desenvolvimento: a) educação de qualidade para todos, habilitando a juventude brasileira à realização de suas potencialidades e inserção produtiva na vida social, política e econômica; b) estímulos ao mérito e às manifestações de talento em todas as dimensões do humano; c) saneamento básico e adequada atenção à saúde; d) geração da infraestrutura necessária às atividades produtivas; e) segurança jurídica e respeito ao direito de propriedade; f) rigorosa proteção constitucional do cidadão contra o Estado; g) contenção da máquina pública dentro dos limites da capacidade contributiva da sociedade; h) economia de mercado; e i) um modelo político racional que separe Estado, governo e administração.

Tendo optado pelo Estado provedor-empreendedor, inclusive durante os governos sob orientação militar, o Brasil olha para o horizonte eleitoral de 2018 movido pelas mesmas cismas que orientaram os partidos políticos e o eleitorado em todos os últimos pleitos: nenhum candidato do quadrante liberal-conservador, nenhum de centro, todos do centro-esquerda para a esquerda. A crise em que estamos será a pior conselheira para as eleições por vir. Não faltarão candidatos para receitar ainda mais do mesmo veneno a uma nação enferma. Pretenderão resolver a crise do Estado oferecendo ao eleitor mais e mais Estado. Trarão pás e escavadeiras para aprofundar o buraco.

Percival Puggina

Palavras no avesso

A palavra pode ser um instrumento poderoso de conhecimento, de mistificação ou de convencimento e persuasão.

Nunca antes na história deste pais, como diria um popular político em busca da canonização, o sentido das palavras foi tão maltratado como neste difícil momento histórico que atravessamos.

A cacofonia das redes sociais, que tiveram o mérito de democratizar o debate, ainda que provocando o perverso efeito colateral de dar “voz aos imbecis”, segundo a observação de Umberto Eco, institucionalizou várias formas daquilo que os linguistas chamam de “deslizamento de sentido”.

Nada se presta mais ao "deslizamento de sentido” do que o mau uso de conceitos banalizados pelo senso comum, que às vezes provocam um divórcio irreversível entre significados e significantes.

O campo do debate político se revelou um bom terreno para esse gênero de descasamento entre a palavra e o seu real significado.


Nesse terreno, uma das palavras mais pronunciadas, escritas e maltratadas pelo vozerio popular nestes dias é “golpe”. Como se sabe, ela é usada para definir movimentos que visam retirar do poder governantes democraticamente eleitos, através de manobras ilegais e anticonstitucionais para substitui-los, à força, armada ou não, por outros desprovidos da mesma legitimidade.

Para não ir muito longe, golpe foi a tentativa de grupos militares de não dar posse a Joao Goulart, vice-presidente legitimamente eleito, quando da renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961.Goulart acabou sendo empossado, mas com os poderes reduzidos por força de uma emenda parlamentarista aprovada às pressas, como uma solução de compromisso negociada entre a força golpista que tinha as armas e o establishment político que representava a sociedade desarmada.

Através de um plebiscito, o pleno poder presidencialista foi devolvido a Joao Goulart, que 3 anos depois acabou sendo deposto por um movimento militar, que se estabeleceu no poder pela força e lá permaneceu durante mais de 20 anos. Esse é o clássico golpe.

Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito diretamente pelo povo depois de duas décadas de ditadura militar, renunciou depois que o parlamento aprovou o pedido de abertura de um processo de impeachment contra ele por crimes de corrupção. Este não foi o clássico golpe, mas um movimento legítimo baseado em preceitos constitucionais devidamente sancionados pelos poderes da República.

Chamar de “golpe" as intenções de setores da sociedade representados por partidos de oposição de pedir a abertura de um eventual processo de impeachment contra a presidente Dilma Roussef, se houver suficientes e comprovados motivos para isso, não passa de um “deslizamento de sentido”.

A hipótese de abertura de processo de impeachment por crimes de responsabilidade está prevista na Constituição nenhum procedimento baseado em preceitos constitucionais pode ser chamado de golpista. Isso seria uma grave incoerência semântica.

A retórica da luta política não está lá muito preocupada com coerências semânticas. Não é por outra razão que palavras como “austeridade" e “meritocracia" foram despidas de seus sentidos originais e passaram pela devido processo de demonização, e tiveram seus significados originais invertidos para representar não processos virtuosos mas a encarnação do próprio mal.

O mesmo acontece com a banalização da palavra “fascismo”, que deixou de descrever a devoção a uma ideologia totalitária com foco no poder hipertrofiado do Estado e de um líder iluminado-um duce, um fuhrer - para tornar-se um xingamento de moleques de rua brincando de unha-na-mula.

Palavras, palavras…

A palavra empenhada

Palavras (Foto: Arquivo Google) 
Se soubéssemos quantas e quantas vezes
as nossas palavras são mal interpretadas,
haveria muito mais silêncio neste mundo 

Oscar Wilde

Não creio que haja algo mais tenebroso para uma pessoa do que estar aprisionada e ser torturada. A tortura é hedionda e deveria levar o torturador à prisão perpétua.

Dona Dilma foi presa quando jovem. Militava na luta armada contra a ditadura. Gostaria que ela um dia dissesse em entrevista o que sofreu, em detalhes, dando os nomes dos seus algozes e que não deixasse tudo meio no ar. Mas, segundo li, ela pensa que esse não é um assunto que deva ser muito ventilado.
É sua opinião e como tal deve ser respeitada.

Mas é minha opinião que sua prisão e sofrimento não são justificativas para desculpar as palavras que dirige aos presos da Operação Lava-Jato que escolhem ter seu tempo de detenção reduzido ao confessar em detalhes os crimes que cometeram contra o Estado.

Na curiosa entrevista que deu à Folha de S. Paulo, publicada em 7 de julho de 2015, em determinado momento dona Dilma diz: “Eu não sei qual é a reação de uma pessoa que fica presa, longe dos seus, e o que ela fala. E como fala. Todos nós temos limites. Nenhum de nós é super-homem ou super-mulher. Mas acho ruim a instituição, entendeu? Transformar alguém em delator é fogo”.

Dona Dilma mistura alhos com bugalhos. Será que ela não percebeu que ninguém mais acredita nisso, que os réus confessos da Operação Lava-Jato são meros delatores, no sentido mesquinho da palavra?

Em outro trecho, ela diz: “Vivemos numa democracia. Não dá para achar que isso aqui seja uma tortura. Não é. É uma luta para construir um país”.

No entanto, quando perguntada sobre qual o tipo de medidas estruturantes que poderão contribuir para o ajuste das contas que ela desestruturou, no médio e no longo prazo, dona Dilma se saiu com esta pérola:

“Tipo tipo”.

Diante da observação dos jornalistas que a entrevistavam: “Essa eu não conheço”, ela acrescentou:

“Vou te dizer como fazíamos em interrogatório. Você faz um quadrado (desenha), ai de ti se sair desse quadrado, você está lascado. Então, se eu não quiser falar de que tipo (de medida) eu não falo, tenho técnica para isto”.

Vocês não acham curioso a presidente da República declarar que se não quiser falar sobre um assunto da maior relevância para nós, ela não fala? Ou seja, não sai do tal quadrado?

Pois eu fico indignada ao pensar que ela bem poderia ter desenhado esse quadrado durante sua campanha, respeitado seus limites e não sair prometendo mundos e fundos ao pobre eleitor que nela acreditou...

Aconteceu exatamente o contrário. Não havia limites para o que ela queria dizer e disse. Para depois de eleita fazer tudo completamente diferente e que se dane a palavra empenhada.

Diz ela que está tentando construir um país. Pena que tenha escolhido um caminho muito acidentado. E feio.

Além disso, tenho uma queixa pessoal contra dona Dilma. O fato dela debochar de uma das mais belas palavras de nossa língua: querido (a). Imperdoável.

Ah, essa não, senhor ex-ministro Guido Mantega!

0 ex-ministro da Fazenda dos governos Lula e Dilma, depois de longo silêncio, decorrente de uma demissão absolutamente desusada e deseducada, apareceu no último domingo com um artigo na página nobre “Tendências/Debate” da “Folha de S.Paulo”, um veículo sério e respeitado. Em vez de falar a respeito da sua inusitada despedida das funções ministeriais, após nove anos de titularidade, deve ter desejado dar alguma satisfação do seu constrangedor fracasso, uma mistura confusa de lições de democracia, que demonstra não ter sido capaz de compreender. Condena o autoritarismo, apesar de petista, e a intolerância característica do lulopetismo; assusta-se com “algo no ar” que ameaça a “pluralidade democrática”, conquanto, acacianamente, “esteja essa consolidada”; e copia a expressão de Octávio Mangabeira, sem usar aspas, que, com a queda do Estado Novo, transformou a liberdade democrática no Brasil em “planta frágil”, que carece ser regada diariamente.

Enfim, deixa no ar essa bobagem, segundo a qual “a intolerância tem provocado atitudes antidemocráticas praticadas por cidadãos que se acham acima do bem e do mal”, comportamento privativo do PT, dando o exemplo de si mesmo, nos seguintes termos: “Eu mesmo, em episódios que nem de longe têm a mesma gravidade, tenho sido alvo de uma intolerância que extrapola o limite da convivência e o meu direito à liberdade”. (É intolerância exercer o direito de crítica? Francamente, nem o famoso “Samba do Crioulo Doido” foi capaz de misturar tanta tolice).

Indiferentemente, mantém o tom, que não posso continuar, seja por falta de espaço, seja por acatamento ao leitor de O TEMPO. Contudo, vamos a alguns envergonhados comentários, ou observações despretensiosas só para marcar a fortaleza das instituições, que têm aguentado o festival sinistro do PT.

O sr. Mantega é apenas medíocre exemplo da qualidade da atual administração superior do país. Em outros tempos, já teria ido pelos ares. Formada com uma ou outra magra exceção, compondo ministérios imprestáveis e ministros “à la diable”, em vez de recrutar homens públicos de escol habilitados a prestar serviços que a nação espera, pai e filha acabaram dando no que deu: o governo perdeu o fio da meada.

O resultado, infelizmente, não se fez esperar: o Brasil nunca foi abandonado com tanta desatenção às traças. Quanto mais não fossem as recentes pesquisas de opinião, a revolta da sociedade está à vista de quem tiver espírito para exigir dos governantes o cumprimento dos seus deveres.

Seu lugar está assegurado na história como o mais incompetente ministro da Fazenda do Brasil. Não há do que se queixar. Se foi alvo de uma demissão desonrosa, a mereceu. Só uma palavra, autorizada pelo vigor da justiça que se lhe fez, explica e justifica a tragédia da sua gestão. O difícil não foi evitá-la; árduo mesmo foi o trabalho de levá-la a cabo, sucedendo à administração inspirada de Pedro Malan. O ex-ministro elogia a nossa “democracia consolidada”. Se fosse mesmo consolidada, os estabelecimentos penais que teriam de ser construídos levariam dezenas de anos.

Ministro da educação de Dilma entrega o que sabe


Último livro escrito por Sagan, e publicado postumamente por Ann Druyan, sua mulher e colaboradora, “Bilhões e bilhões” traz dezenove artigos. É obra de gênio.

Lançado em 1997, o livro começa com uma auto-tiração de sarro de Sagan –de resto, famoso ao populacho por ser o homem de “bilhões e bilhões”.

Sagan se auto-ironiza assim:

Bem, disse que há talvez 100 bilhões de galáxias e 10 bilhões de trilhões de estrelas. É difícil falar sobre o cosmos sem usar números grandes. Falei “bilhões” muitas vezes na série de televisão Cosmos, que foi vista por muitas pessoas. Mas nunca disse “bilhões e bilhões”. Para começo de conversa, é muito impreciso. Quantos bilhões são “bilhões e bilhões”? Alguns bilhões? Vinte bilhões? Cem bilhões? “Bilhões e bilhões” é bastante vago. Quando reconfiguramos e atualizamos a série, verifiquei que, sem dúvida nenhuma nunca disse tal coisa. Mas Jhonny Carson - em cujo Tonight show apareci quase trinta vezes ao longo dos anos - disse. Ele colocava um casaco de veludo cotelê, um suéter de gola rulê e uma espécie de grenha como peruca. Tinha criado uma imitação tosca de mim. uma espécie de Doppelgãnger, que andava pela televisão tarde da noite dizendo “bilhões e bilhões”. Costumava me incomodar um pouco ter um simulado da minha persona andando por aí por conta própria dizendo coisas que os amigos e colegas me relatavam na manhã seguinte. (Apesar do disfarce. Carson - um astrônomo amador sério freqüentemente fazia a minha imitação falar sobre ciência real.)

Espantosamente, “bilhões e bilhões” pegou. As pessoas gostaram do som da expressão”.

O Brasil não tem nem terá (tão logo) um Sagan: mas já temos o nosso homem dos bilhões.

Renato Janine Ribeiro (ministro da Educação) é mesmo um típico filósofo da USP…

Ele investiu contra uma proposta do José Serra de retirar a obrigatoriedade de a Petrobras participar da exploração do petróleo do pré-sal. A horas tantas, diz o ministro: “É muito importante que um combustível fóssil de bilhões e bilhões de anos, que é extremamente precioso, não seja queimado à toa, que gere realizações permanentes. Aquilo que demorou bilhões de anos para ser feito pela natureza deve construir estruturas duradouras”.

Não sabemos se a ideia do Serra é boa ou ruim
.

Sei que os “bilhões e bilhões de anos” do ministro são nonsense. A Terra tem 4,5 bilhões de anos de idade, mais ou menos. O petróleo, por seu lado, foi formado pela decomposição de matéria orgânica nos mares, principalmente. Isso necessitou a existência de… seres orgânicos, ora bolas – o que começou a acontecer aí por 200 ou 300 milhões de anos atrás.

Ou seja: nosso filósofo mais graduado (politicamente) ou foi reprovado em geologia, ou em biologia: ou em tudo, não?

Eis a Pátria Educadora em sua essência. 

Claudio Tognolli

Quem tem tem medo

'Situação de Dilma é mais complicada do que a de Collor'


Boris Fausto, um dos principais historiadores do Brasil, considera difícil relacionar a crise política que enfrenta a presidente Dilma Rousseff com a que derrubou João Goulart, em 1964, conforme fez neste domingo (5) o senador tucano José Serra.

Ele não vê problemas, porém, em fazer comparações com a queda, em 1992, do primeiro presidente eleito após a redemocratização do país, Fernando Collor.

Na avaliação do historiador, que declarou voto em Aécio Neves, há mais razões técnicas hoje para o impeachment de Dilma do que havia no caso de Collor, sobretudo por "problemas no Orçamento [as chamadas 'pedaladas fiscais'] e no financiamento da sua campanha".

"A comparação com o Collor é interessante porque, por muito menos, o Collor sofreu impeachment", afirmou, em entrevista à BBC Brasil.
O PT, que expressou a vontade de luta dos trabalhadores urbanos, se transformou num partido cuja principal liderança se uniu às empreiteiras, a ponto de a direção do partido fazer uma declaração em defesa das empreiteiras. Então, tudo isso embrulha muito o cenário da luta política brasileira. É difícil falar que o Partido dos Trabalhadores seja hoje o partido dos trabalhadores.

Questionado sobre a ausência de acusações diretas de corrupção contra a presidente, Fausto disse que Dilma "fez um esforço no sentido de controlar os piores aspectos da corrupção e dar um rumo para a Petrobras". "Mas o problema é que ela está metida em toda uma instituição política da qual faz parte, não obstante suas supostas e prováveis intenções", completou.

O historiador disse considerar que as acusações de corrupção que contribuíram para a queda de Getúlio Vargas, com seu suicídio em 1954, eram "um laguinho" diante das denúncias envolvendo a Petrobras. A menção é uma referência à expressão "mar de lama", popularizada na época da crise de Getúlio.

Miséria pouca é bobagem (quando é dos outros)


Nós geramos 23 milhões de empregos. Não são 200 mil, 300 mil (vagas cortadas) que significam que estamos vivendo um desastre
Manoel Dias, ministro do Trabalho

Madame cria problemas para os outros

Anuncia o palácio do Planalto que a presidente Dilma vetará o reajuste das aposentadorias e pensões de acordo com os cálculos do salário mínimo, conforme aprovaram Câmara e Senado. Quer dizer, mais uma vez o governo dos trabalhadores penaliza os próprios. Se é para poupar recursos e engordar o tesouro nacional, por que não taxar o lucro dos bancos? Ou criar o imposto sobre grandes fortunas?

Tem sido sempre assim, desde que Madame assumiu o poder. Na hora dos sacrifícios é o trabalhador que paga. Em especial os aposentados e pensionistas, desde o governo Fernando Henrique submetidos ao fator previdenciário e outras maldades. Não demora muito e todos os que pararam de trabalhar estarão nivelados por baixo, recebendo apenas o salário mínimo. Exceção, é claro, de certas categorias privilegiadas do serviço público.

Ignora-se o regime previdenciário de Dilma, mas como ex-presidente da República, a partir de 2019 ou mesmo antes, ela não enfrentará dificuldades. Receberá vencimentos mensais iguais aos de um ministro do Supremo Tribunal Federal, dispondo de dois automóveis com motoristas, mais um gabinete com oficiais e soldados do Exército, além de seguranças. Aposentadoria para ninguém botar defeito. Por que pensar nos outros?

Vem de tempos imemoriais as vantagens dos poderosos. Apenas dois ex-presidentes da República passaram apertados, por não dispor de fortunas pessoais: Café Filho, cujos ex-ministros fundaram uma empresa imobiliária para ele dirigir, com salário mensal, e Itamar Franco, nomeado embaixador para poder sobreviver. Dilma não terá problemas, ainda que pretenda criá-los para a população.

O triunfo de Dilma: deu tudo errado


Na noite de 23 de janeiro de 2013, Dilma surgiu triunfante em rede nacional de televisão para a anunciar uma redução de 18% na conta de luz de todos os brasileiros, acentuando: “Primeira vez que acontece no país".

Embora já fosse bastante, a presidente não ficou nisso. Explicou, “com números", conforme ressaltou, que o “Brasil vai ter energia cada vez melhor e mais barata".

Foi além. Desafiadora, atacou os pessimistas e zombou das “previsões erradas" daqueles que “diziam que não iríamos conseguir baixar os juros e nem o custo da energia".

De fato, naquele momento, a taxa básica de juros era de 7,25% ao ano, a mais baixa na era do Real e a conta de luz caiu no dia seguinte.

Animada com isso, Dilma informou que os investimentos estavam em alta, empregos idem, salários subindo, de modo que o Brasil vivia “dos melhores momentos da história".

Hoje, todo mundo sabe, os juros estão nas alturas — a taxa vai passar dos 14% — e a conta de luz não para de subir. Desde 2013, ano em que Dilma anunciou a redução, já ficou 60% mais cara, na média nacional. E ainda há vários reajustes previstos para este e o próximo ano. O desemprego sobe — 500 mil vagas formais fechadas este ano —, o PIB empacou, o salário perde poder de compra para a inflação e os investimentos públicos e privados desabaram.


Os pessimistas estavam certos, a presidente, errada, muito errada. Como Dilma pode ter se equivocado tanto?

Começa que ela não ouve ou não entende as críticas. Ninguém dizia que o governo não conseguiria ou não podia reduzir juros e tarifas de energia. Os críticos diziam, sim, que essas medidas eram insustentáveis mesmo no curto prazo.

Para resumir o ponto de vista dito pessimista: a redução da conta da luz se fizera por um artificialismo que desorganizava o setor elétrico; naquele momento, a tendência do custo da energia, sem truques, era de alta. Quanto à inflação, já estava alta e, mesmo assim, contida artificialmente pelo controle de preços administrados, como o da gasolina.

Era o ponto de vista correto. Dirá o pessoal da presidente: agora, em retrospectiva, é fácil falar. Negativo. Como bem apontava Dilma, os críticos e pessimistas diziam, fazia tempo, que o modelo econômico dela iria explodir em inflação, baixo crescimento, juros altos, contas públicas em déficit e desorganização de diversos setores, como o elétrico, hoje atolado em dívidas, prejuízos para a Petrobrás.

Também diziam que o aumento do crédito e do consumo era insustentável; que não havia ambiente para investimento privado. e que o governo não conseguiria dar conta das promessas de investimentos dos PACs. Lembram-se do trem bala?

Pois é — e não foi a primeira vez que a presidente exibiu um triunfalismo infundado. No início de seu governo, em março de 2011, deu uma entrevista para o jornal “Valor Econômico", garantindo que em seu mandato a economia cresceria na faixa de 5% ao ano, com inflação de 4,5%, na meta.

Também atacou os pessimistas e disse que era adivinhação daqueles que sustentavam não haver condições para uma expansão sustentada.

A coisa saiu ainda pior do que imaginavam os pessimistas. A média de crescimento anual do PIB (2011/14) ficou em 2,2%, só melhor que o período Collor. E a inflação foi de 6,16%.

Discursos e entrevistas da presidente Dilma podem ser encontrados no site do Planalto. Essa exposição não seria um motivo suficiente para a presidente vir a público e dizer “desculpaí, foi mal"?

Mas não. A presidente e seus próximos dizem que passamos por um probleminha passageiro, consequência da crise mundial, e que logo, logo... os pessimistas serão derrotados.

De novo, como pode se equivocar tão completamente?

Impeachment: longo e improvável caminho

Para alguns, o país voltou a respirar o clima político de 22 anos atrás, quando as reportagens da revista Veja sobre o derretimento do governo Collor faziam parte do cardápio obrigatório do final de semana. Na sexta-feira, por exemplo, começaram a circular as notícias sobre os documentos apresentados na delação premiada de Ricardo Pessoa, dono da UTC. Entre eles a prova da existência de uma conta bancária de empreiteiros, na Suíça, de onde teriam saído R$ 2,4 milhões para financiar a campanha da reeleição do ex-presidente Lula em 2006.

No rastilho desse vazamento, a mídia retomou com vigor surpreendente a cobertura da hipótese de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Desta vez, os dados sugerem um vínculo mais preciso com a realidade, pois baseiam-se no desdobramento de dois processos que correm contra ela. Ela mesmo caiu na armadilha e foi à público dizer que "não caio não".

No Tribunal Superior Eleitoral (TSE) há uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) para apurar acusação de abuso de poder econômico, manipulação de informações e extrapolação de gastos de campanha. A delação de Pessoa foi agregada à denúncia, conferindo maior combustão ao caso. No Tribunal de Contas da União (TCU) é tido como certo que o plenário recusará a prestação de contas de Dilma relativa ao ano passado, com recomendação à Câmara para rejeitá-la.

As duas ações, se vitoriosas, oferecem a oportunidade, cogitada pela oposição, de interrupção do segundo mandato. A primeira por meio da impugnação da chapa, o que alcançaria o vice Michel Temer, e a segunda com base num processo de impeachment. Ambas dependem de um longo e tortuoso caminho para se materializarem como ameaças de curto prazo.

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Ao farejar a precipitação desses fatos, parte do PMDB teria aberto diálogo com o PSDB a respeito de um imaginário dia seguinte. Com a impugnação, haverá nova eleição 90 dias depois; via impeachment provocado pelo TCU, Temer precisaria do apoio dos demais partidos para o que os políticos estão chamando de “governo de repactuação nacional”, uma ideia difusa, típica do burburinho das crises e que, no curto prazo, não vai a lugar nenhum.

Segundo quem tem intimidade com o entendimento entre os políticos, que mantém o assunto nos bastidores, o fato de a legitimidade da presidente estar se esvaindo de forma acelerada contribui para fortalecer a disposição dos que querem tirá-la. Porém, os atores do mundo político sabem que não é um processo trivial. Sabem também que Dilma não é Collor.

Outro fato que dificulta o processo de impeachment é o nível de sustentação da base política. Com todos os problemas, Dilma ainda tem uma base política melhor do que tinha Collor. Dilma tem ainda Temer ao seu lado que é, de longe, muito melhor do que a toda coordenação política do presidente cassado.

O clima de "agora vai" não é fidedigno com a complexidade do processo de impeachment. Sobretudo por que ninguém sabe como vai começar e por qual motivo. Dependendo do motivo as soluções são antagônicas. Colocam protagonistas com votos no Congresso em posições contrárias.

Os fatos são: o governo está fraco e o impeachment está longe. A resultante da combinação desses dois fatos aponta instabilidade, ocorrência de crises e, sobretudo, maior dependência do governo ao PMDB. Até agora, a história se repete como farsa.

Murillo de Aragão