Marcela contou no Face que, ontem, perdeu um ex-companheiro, grande amor da sua vida, amigo para sempre. 31 de maio foi o dia do para sempre ficar na lembrança.
Não faz muito tempo, Vanda também ficou sem o marido, parceiro de uma vida inteira, deixou filha, deixou netos e dor impar. Mais um a morrer de descaso – com o vírus, com a vida.
Perto ou longe da gente, toda hora, vão se amores de alguém. Chegamos até aos 2.000 por dia. Neste outono, o Brasil bordeia 500 mil mortos. Números de guerra.
Passamos Benito Mussolini, o fascista italiano, que teve em sua conta 440 mil mortes. Além dos 410 mil italianos mortos na 2ª Guerra, matou outros 30 mil na Etiópia e na Espanha.
Estamos prestes a empatar com Idi Amin Dada, de Ruanda. Em 8 anos de ditadura – de 1971 a 79 – matou 500 mil pessoas, vitimas de perseguições étnicas, políticas e religiosas.
Sábado, 29, milhares de brasileiros, em todos os estados e no DF, enfrentaram o medo da contaminação e foram às ruas – de máscaras, álcool em gel na bolsa, coração aos saltos.
Não foi desafio ao vírus. Não foi política partidária. Foi chega – deu! – para um governo que fala e atende apenas a uma facção de brasileiros – os negacionistas, os preconceituosos, os violentos, apaixonados defensores das armas, dos agrotóxicos, dos desmatamentos.
Uma gente de caráter e objetivos duvidosos. Gente com ganas de matar e arrebentar adversários – “cambada de comunistas, defensores de direitos humanos pra bandidos”.
Em mais uma das tensas semanas, que temos vivido nos derradeiros cinco anos, alguém nas redes sociais relembrou texto de Érico Veríssimo, no romance Incidente em Antares. “Comunista é o pseudônimo que os conservadores, os conformistas e os saudosistas do fascismo inventaram para designar simplesmente todo o sujeito que clama e luta por justiça social”.
O livro é de 1971. Ficção. Relata greve geral na cidade que alcança até os coveiros e faz fantasmas atuantes seis mortos – insepultos por falta de mão de obra.
Na história, os tais mortos perambulam por ruas e casas, descobrindo e apontando vilanias, maldades e desgraças de impolutos moradores. O mau cheiro exalado pelos corpos mortos é alegoria da podridão moral da cidade.
Erico Veríssimo fez sátira política contundente. Tragicomédia corajosa que, mesmo lançada em plena ditadura militar, abordou temas como tortura, corrupção, clientelismo e coronelismo. Coisas tão a gosto de parte da gente brasileira.
Cinquenta anos depois, qualquer semelhança é só retrato de um Brasil que não muda. Mexe e remexe para cair no mesmo lugar.
Tão repetitivo que, no final de semana, fez veículos de imprensa brasileira retomarem comportamento de 1983/84, quando ignoraram a campanha das Diretas Já. Movimento apartidário, levou multidões às ruas em favor de eleições diretas para presidente da República e pelo fim da ditadura militar, que agonizava, mas não largava o osso.
Agora, ignoraram as grandes manifestações nas ruas contra o governo do inominável genocida mais famoso da história brasileira, e por vacinas já.
O povo esteve nas ruas. Apesar da pandemia. Apanhou muito da PM em Recife. Mais uma vez, jornais e TVs não contaram que viram. No futuro farão mea culpa. Como costumam fazer. São repetitivos contumazes.
No outono, os dias são mais curtos, as noites longas o suficiente para a conspiração da vez – empurrar goela abaixo do combalido Brasil a Copa América, trazendo atletas e vírus com suas novas cepas para o triste picadeiro nacional.
Seis meses para decidir a compra de vacinas. Uma madrugada para dar sim a Conmebol. Cartolagem.
Venham. São bem vindos. Estamos fazendo o possível e o impossível para matar mais do que Idi Amin Dada – e em tempo bem mais curto.