quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Isto não é um acordo de paz

“Paz” é, provavelmente, nos tempos atuais, a palavra mais vazia do mundo. Três letras para meter num pin e usar ao peito, a atestar que ali está alguém com humanidade porque “é pela paz”. A paz até compra recantos no céu, como explicou Donald Trump em agosto, no programa Fox & Friends, justificando a sua ânsia por alcançar um acordo de paz entre russos e ucranianos e, assim, ganhar o Nobel da Paz. “Quero tentar ir para o céu, se possível. Ouvi dizer que não estou bem [posicionado]”, disse ele.


Muita gente pensou, com razão, que o Presidente norte-americano estava a gozar. Afinal, quem exibe um complexo messiânico de quem se sente imbuído de missão divina na Terra não iria ter medo de poder vir a girar pelos nove círculos do inferno. O facto é que Donald Trump, agora com 79 anos, está obcecado com a hora de encarar São Pedro. E, como não ganhou o Nobel da Paz, outra obsessão, voltou ao tema no domingo: “Não tenho a certeza se conseguirei ir para o céu, mas tornei a vida muito melhor para muitas pessoas.” E um inferno para muitas outras.

No dia seguinte, segunda-feira, lá estava ele a caminho do Egito para a chamada Cimeira da Paz. Tudo o que é líder de grande potência ocidental quis lá ir, o francês Macron, o inglês Starmer, o alemão Merz, o turco Erdogan, a italiana Meloni, dois portugueses – António Guterres e António Costa –, o espanhol Sánchez… Todos para o momento em que a paz seria alcançada em Gaza. Só faltaram mesmo os que andam em guerra, Israel e o Hamas.

A geopolítica é recheada de ironias e esta, certamente, ficará num qualquer top. Benjamin Netanyahu não foi, informou o seu gabinete, por ser o dia do feriado judaico de Simchat Torah. Na verdade, a extrema-direita do governo de Netanyahu ameaçou com demissões caso o primeiro-ministro israelita fosse à cimeira, conta o jornal The Guardian.

Pormenores… Para Donald Trump, interessam as grandes frases. Discursando no Parlamento israelita antes de chegar ao Egito, e depois de o Hamas libertar os últimos 20 reféns em seu poder, o Presidente dos EUA disse que este é “o fim da era do terror”, “um dia histórico para o Médio Oriente e um triunfo incrível para Israel e para o mundo”. Estava tão embalado no espírito que chegou mesmo a dizer “estar pronto” para um acordo de paz com o Irão também. E tudo é fraternidade.

Só que nem tanto. Pelo menos até ao fecho desta edição, o plano dos EUA era o de um cessar-fogo, não um acordo de paz. Cessar-fogo esse que implicava a libertação de todos os reféns por parte do Hamas e a libertação de 1 968 prisioneiros palestinianos detidos por Israel. Nesta primeira fase, Israel deverá também retirar parcialmente o seu exército para uma “linha amarela”, demarcada pelos EUA.

E enquanto os “países mediadores” discutem no Egito o futuro da Palestina – e a Comissão Europeia até mostrou alguma abertura para chegar ao momento em que levantará sanções que tem agora contra Israel –, uma sombra paira sobre o futuro desta paz: o desarmamento total do Hamas, algo impensável para o grupo terrorista. Ou o alcance da retirada do exército de Israel.

Esta paz é como o plano de Donald Trump: vaga, ambígua, insegura, podendo desabar a qualquer momento. E ficar em ruínas, como a Faixa de Gaza, com os seus milhares de refugiados a chegarem agora às suas casas, sob os escombros.