quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Janelas para o futuro estão fechadas

A política brasileira quase nunca surpreende, e qualquer absurdo tem precedente. Ainda assim, mesmo quem acompanha sua dinâmica há tempos ficou perdido com os episódios do Senado, logo na abertura da atual legislatura. É dispensável repetir o que se passou e talvez impossível explicar o que ocorreu; no Brasil, a realidade bate, de longe, a ficção. Mas curiosas são as semelhanças entre aquela eleição e a da Presidência da República, ano passado --além das coincidências com o que ocorre pelo mundo.

Como o eleitor comum, os senadores votaram "contra", não "a favor"; o gesto foi, antes, de desamor. Quando é assim, perdem-se rigor e critérios; faz-se opção emocional, pressionada por sentimentos e circunstâncias, sem pesar consequências.

As qualidades do escolhido deixam de ser importantes, desde que seja capaz de derrotar o mal maior -- seja ele o PT ou Renan Calheiros. Os símbolos da tragédia passada precisam ser removidos e não há possibilidade de diálogo, menos ainda de conciliação.


Claro que erros do passado precisam ser cobrados. Mas há exageros, perdendo-se o sentido de complexidade sistêmica que envolve a crise. Culpa-se o status quo pelos males do mundo moderno, sem perceber o status perdido diante de ondas de comunicação e novos processos políticos derivados da transformação tecnológica. Como se fosse possível negar a realidade e a modernidade incômodas, demoniza-se o adversário e substituem-se "ideologias" --o termo voltou à moda-- por outras ainda mais ultrapassadas.

São utopias regressivas, sobretudo, nos costumes; uma fuga para a nostalgia de um passado que retornará apenas como farsa. Um novo tipo de bonapartismo tende a piorar o que já era péssimo. Um otimismo forçado precisa ser sustentado, mas no íntimo suspeita-se que foi um tiro no pé.

Enfim, a despeito de qualquer alerta, a derrota do inimigo é mais comemorada que a vitória de quem ficará responsável pelo Executivo ou Legislativo --o Judiciário parece mais protegido, pelo menos por quanto tempo.

Do novo dirigente não importam o estofo cultural, o entendimento que tenha do mundo, sua biografia e conexões, nem a qualificação para o cargo; suas habilidades políticas mais amplas são ignoradas; não interessam.

Sem liderança, coordenação e condução políticas adequadas, a passagem para o que se imagina ser o futuro eleva muito mais os custos do que processos moderados de transição gradual e negociada --peremptoriamente descartada.

São períodos que geram impasses, o que ocorre agora em vários quadrantes do planeta, como atestam os resultados da Primavera Árabes, do brexit, no Reino Unido, ou da eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos. Não é um muro que se ergue, mas um beco que se forma. Lá estão tanto semelhanças quanto os fantasmas de consequências que parecem não tardar a surgir por aqui.

O fato é que uma massa disforme que representa a parte mais mobilizada e furiosa da opinião pública --sem representar toda a opinião pública-- se arroga como "o povo", num jacobinismo pueril que toma a frente do processo, sem assumir qualquer coordenação da ação coletiva. As lideranças não apenas são atropeladas, como se apequenam e desaparecem. Há pavor em se contrapor ao radicalismo confortável das redes sociais.

O resultado até aqui parece ser a destruição do passado e de seus personagens, como também da política. Não se abrem janelas para o futuro. E, depois de tudo, elas ainda estarão fechadas.

Com pretensos ares de renovação, o "novo" patina em antigos problemas, seja porque a suposta ruptura não traz novidade ou porque sobram inexperiência e inaptidão aos novos agentes.

E quase nunca há saída fácil para esses impasses a não ser purgar erros ao longo dos mandatos, torcendo para que instituições e o tecido social não se esgarcem completamente. Fica-se à espera de que no longo prazo essa destruição possa produzir algo de realmente criativo, antes que estejamos todos mortos de verdade.
Carlos Melo

Para o bem do pais, Bolsonaro precisa superar o antagonismo à imprensa

Não há dúvida de que ainda não foi superado o clima de antagonismo entre a família Bolsonaro e a grande mídia, que jamais foi simpática a uma possível vitória do candidato do nanico PSL. Desde a campanha, Bolsonaro ameaça cortar as verbas publicitárias. E para a imprensa em geral, o jornalismo não é paixão, funciona mais como balcão de negócios.

Sempre foi assim, desde que o inventor chinês Bi Sheng, por volta de 1040, criou os tipos móveis e a prensa a eles adaptada. Cerca de 500 anos depois, o alemão Johannes Gutenberg apenas aperfeiçoou a invenção, desenvolvendo o processo de produção em massa do tipo móvel, com uso de uma tinta à base de óleo e de uma prensa de madeira inspirada na prensa de parafuso que se usava na agricultura.


Nos dias de hoje, tudo mudou e estamos na era da imprensa virtual, em que jornais e revistas estão indo fazer companhia aos livros. Ou seja, não serão extintos, mas seu espaço na comunicação será cada vez menor, e o faturamento, também.

Não há dúvida de que Bolsonaro começou a vencer esta eleição sem auxílio da mídia, que lhe era hostil. Somente depois do esfaqueamento é que houve uma maior simpatia, a candidatura se fortaleceu via comoção popular e ele liquidou a fatura com facilidade no segundo turno.

O antagonismo voltou a se acirrar com o caso do ex-assessor Fabricio Queiroz, que trabalhou para o clã Bolsonaro e declarou ser um “cara de negócios”, mas depois ficou comprovado serem exclusivamente negócios escusos.

A imprensa colocou o caso na berlinda e a família Bolsonaro reagiu, ameaçando cortar verbas publicitárias e tudo o mais. A meu ver, é uma guerra que não interessa ao país, pois o objetivo da imprensa precisar ser informar com transparência, porque não se pode confiar em informação governamental ou empresarial.

No meu dessa briga, que Bolsonaro pai reacendeu nesta terça-feira, ao dizer que está bem de saúde, mas a “militância maldosa” diz o contrário, é hora de trazer as luzes de Marx sobre a liberdade de imprensa. Em um de seus textos como editor da “Gazeta Renana”, ele escreveu:

“A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança personalizada do povo nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais e idealiza suas formas brutas. É a franca confissão do povo a si mesmo, e sabemos que o poder da confissão é o de redimir. A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê, e a visão de si mesmo é a primeira condição da sabedoria”.

Para o bem do país, é preciso superar a rivalidade entre o governo e a imprensa. Caso contrário, aonde iremos parar? É absolutamente necessário que os dois lados refluam em busca do bem comum, que costuma ser chamado de “interesse público”. Apenas isso. Ms quem se interessa?

O retrato do país que 'mais preserva o meio ambiente'

Ocorreu 22 dias depois do presidente Jair Bolsonaro ter transferido a demarcação de terras de povos indígenas para o Ministério da Agricultura, fazendo com que uma área relacionada ao desenvolvimento agrícola supervisionasse terras protegidas; e 25 dias depois de ter anunciado sua intenção de desregulamentar o setor de mineração porque, com as leis atuais, “o ministro de Minas e Energia está amarrado". 

Ocorreu três anos depois do rompimento de uma barragem em Mariana, em Minas Gerais, operada pela mineradora Samarco, controlada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton, com uma torrente de 45 milhões de metros cúbicos de resíduos tóxicos, ter causado a morte de 19 pessoas e contaminado 600 quilômetros do rio. 



Ocorreu dois anos e meio depois do procurador da República José Adércio Leite Sampaio ter concluído que a mineradora estava ciente dos problemas estruturais da barragem e que, sem repará-la, mesmo assim aumentou o nível de produção. 

Ocorreu seis meses depois da Vale, três anos após aquela catástrofe, ter aceitado assinar um acordo com o Estado para contribuir para a restauração do meio ambiente e das comunidades afetadas. Ocorreu seis anos depois de, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, a Vale ter doado 15 milhões de dólares para a campanha da maioria dos candidatos às eleições presidenciais de 2014. 

Ocorreu dois meses depois de Bolsonaro ter nomeado Roberto Castello Branco, ex-diretor e economista-chefe da Vale, como presidente da Petrobras. Em 25 de janeiro de 2019, uma barragem da Vale, na cidade de Brumadinho, Minas Gerais, a 120 quilômetros de Mariana, também se rompeu. Doze milhões de metros cúbicos de lama tóxica inundaram 290 hectares, deixando, até o momento, 150 mortos e 182 desaparecidos. Três dias antes, Bolsonaro fez seu primeiro discurso no Fórum de Davos. Disse: "Somos o país que mais preserva o meio ambiente".