domingo, 21 de agosto de 2016

Um país estranho

O melhor cenário para a Olimpíada seria a ausência de grandes desastres. E isso aconteceu. Não fomos avaliados apenas por hospedar os Jogos, mas sim por fazê-lo no meio de uma grande crise política e econômica.

Muitas cidades do mundo vão continuar querendo hospedar uma Olimpíada sabendo que custam bilhões de dólares. Cada uma deve ter sua razão. Legado e contas a pagar, a qualidade do biscoito Globo e que diabo o nadador americano andou fazendo na noite em que teria sido assaltado — tudo isso ainda pode render alguma polêmica. Como disse o treinador do francês que perdeu o ouro no salto com vara, o Brasil é um país muito estranho, e é possível que usem as forças mágicas do candomblé nas grandes decisões. Onde estavam os santos no sete a um para a Alemanha, em todas as provas que perdemos? Santos não amarelam, logo é possível supor que estivessem de férias. Nem todos os temas têm o charme do esporte ou dos choques culturais que uma Olimpíada enseja. Mas são o tecido de uma realidade que se recusa a desaparecer apesar da euforia com as vitórias, dos casos de gente que superou a mesa de operações, o câncer ou a pobreza para disputar a medalha olímpica.


No meio da confusão, o governo pelo menos notou essa realidade incômoda, quando anunciou um novo caminho para o saneamento básico: a privatização. Não é o único caminho. No mundo há serviços públicos e particulares que funcionam bem. Se o governo estava fazendo uma cena, apenas para aparecer bem no filme da Olimpíada, vamos ficar sabendo mais cedo ou mais tarde. O que será da violência depois dos Jogos? Os assaltos continuaram acontecendo, um soldado da Força Nacional morreu alvejado na Maré, um policial rodoviário foi atingido gravemente em outro incidente. O soldado, infelizmente, morreu numa circunstância cada vez mais comum: entrar, inadvertidamente, numa área perigosa da cidade. Temer não entendeu o que se passou. Disse na TV que a morte do soldado foi um incidente lamentável, mas que tudo estava correndo bem na Olimpíada.

Poderia, pelo menos, dizer que era solidário com a família do soldado, que o Brasil reconhecia seu sacrifício. Parece que a morte de um policial é algo natural, frequente e previsível. Nada a fazer, nenhuma lágrima, nesse oceano que foi a Olimpíada. Choro de vitória ou derrota, quase vitória ou quase derrota, choro de locutor esportivo, de torcedor, todos choramos quando perdemos um jogo. Mas não choramos quando perdemos um soldado.

Todos nos indignamos quando há uma tentativa de estupro. E vasculhamos todos os meandros do discurso para apontar traços da cultura do estupro. As camareiras da Vila Olímpica apanharam mais do que Neymar em campo. Foram assediadas por boxers, espancadas por atleta búlgaro, mas as camareiras, como os soldados, são transparentes. Nos EUA caiu um presidente do FMI por molestar a camareira do hotel. A Olimpíada foi um grande momento. Os atletas festejam suas vitórias, avaliam seus erros, preparam um novo plano de treinamento.

E nós caímos na vida cotidiana, que para muitos é tão difícil e arriscada como uma Olimpíada. Depois de uma certa idade, então, cada corrida, cada salto, cada longa caminhada é celebrada como um recorde. Mas o mais importante é perceber que começou de novo o jogo cotidiano. Vamos ter os forças federais até quando? Se ficarem, o que fazer para assegurar que sua saída não cause danos? Há um problema adicional que poucos notaram: a campanha eleitoral começou. Não vi ainda candidatos no meu caminho. Mas sei que existem e que, daqui a pouco, sorridentes e com as mãos estendidas, virão propor soluções fáceis para os intrincados problemas de sempre. Antes da operação Lava-Jato, as campanhas já pareciam irreais. Agora, depois de tudo revelado, a distância entre o discurso dos políticos e a realidade das pessoas deve provocar inúmeros curto-circuitos.

Não se trata apenas de uma operação que desvendou os meandros da organização criminosa no poder. Em 2013, as pessoas já pressionavam por serviços públicos decentes; em 2015, pelo impeachment de Dilma. Em termos puramente subjetivos, o Brasil mudou muito nos últimos anos. A Olimpíada foi produto de um delírio do passado, realizado com os pés no chão na aspereza do presente. Como disse o técnico francês ao “Le Monde”, o Brasil é um país estranho, mágico. Vivo nele há muitas décadas para saber que por baixo da cortina de exotismo alguns problemas sobrevivem a todos os orixás, santos e pajés. Quando ouvi um locutor satisfeito porque o lixo da Baía de Guanabara foi para o fundo, num dia de regata, pensei: se apenas os estrangeiros acreditassem na magia brasileira, seria mais fácil.

É tempo de eleições, e os mágicos virão com todos os truques, lenços desaparecem, coelhos saem da cartola. Os políticos não inventaram o Brasil. Apenas exploram alguns pontos fracos.

Fernando Gabeira

A era do esporte-show

Largada da maratona, pintura naif

A Olimpíada lembra que a esportividade não está só no esporte. É jogar limpo na vida, é reconhecer seus erros e derrotas, o valor e os méritos dos adversários, é aceitar os mistérios do acaso e da sorte, conviver com as diferenças individuais nas forças e nas fragilidades da condição humana
Nelson Motta

Alice no País da Paralimpíada

No País das Maravilhas de Alice, os seres mais diversos interagem, de todas as formas, sem identificar as diferenças entre eles como fatores de preconceito e discriminação. As aventuras e desventuras dos seus personagens, por mais fantasiosas, expressam a maneira de ser de cada um no ambiente comum do País das Maravilhas.

Já no mundo dos seres nada fantasiosos, as indicações são, como regra, de impossibilidade de interação, mesmo entre iguais, geralmente dando um caráter de excepcionalidade positiva quando processos de interação são bem-sucedidos. Assim é a natureza humana fora do País das Maravilhas.

Talvez possamos ter a expectativa de que o mundo em que vivemos venha a acolher os seres humanos mais diversos, por conta das maravilhas que nos são apresentadas pela ficção e pela tecnologia, mesmo quando diferentes do mundo de Alice.

Aliás, se considerarmos que as histórias de ficção anteciparam muito do que hoje a tecnologia nos apresenta como banal, podemos aceitar como premonitórias as aventuras de seres muito diversos, provenientes dos mais profundos recônditos da imaginação do homem, seja voando, pisando na Lua, falando diretamente com quem está do outro lado do mundo, conhecendo e convivendo com “seres” tão diferentes, da mesma forma que os personagens do País das Maravilhas.

Sem dúvida, estamos muito longe de contarmos com tal acolhimento das diferenças no mundo em que vivemos. Mas alguns passos importantes já foram dados. As diferenças de gêneros começam a ser aceitas, as mulheres firmam, cada vez mais, seu papel na sociedade, preconceitos de cor ou raça já são considerados “antiquados”, embora ainda falte muito.

Mas podemos perceber que todos estão dentro de uma certa conformidade anatômica humana dominante no inconsciente coletivo, com duas pernas, dois braços etc. e, o mais importante, com mobilidade autônoma. Ao considerarmos os diferentes grupos humanos, naturalmente não incluímos pessoas sem pernas, braços ou em cadeiras de rodas.

Encarando como natural o “esquecimento”, não o fazemos apenas por uma questão cultural, embora a cultura seja o único caminho para introjetarmos em nossa psiquê tais modelos diferentes de seres humanos. Esses humanos, chamados de pessoas com deficiência, embora já tenham conquistado muita coisa em termos de direitos, ainda se deparam com o imenso e intransponível muro da invisibilidade e estão sempre sendo isolados em guetos. Assim é, como no exemplo mais evidente, que trata justamente da performance do corpo humano, com a separação entre Olimpíada e Paralimpíada.

Ora, se temos nos Jogos diferentes modalidades esportivas e diferentes categorias dentro de cada modalidade, por que não incluir no conjunto das competições as práticas esportivas das pessoas com deficiência como categorias das diversas modalidades?

Para que essa ideia possa ser absorvida e entendida por todos os tipos de pessoas, com e sem deficiência, e seja realizada plenamente por todos — atletas e público —, ouso apresentar o País das Maravilhas como candidato à realização da próxima Olimpíada, totalmente inclusiva.

Andrei Bastos

Imagem do Dia

Robert Gonsalves 

Mais Gandhi, menos chimpanzé e Maquiavel

A democracia é um jogo de cooperação e oposição. No jogo de cooperação, as regras são a persuasão, a negociação, os acordos, a busca de espaços de consenso. Já no jogo de oposição, procura-se medir forças, confrontar o adversário, provocar tensões, desgastar, impor a vontade pela força.

No Brasil da era lulopetista, as manobras divisionistas deram o tom, suplantando os modelos de cooperação. Este é o pano de fundo que explica o estado psicológico de uma Nação intensamente repartida entre “nós e eles”, bons e maus, mocinhos e bandidos.

Não por acaso, o presidencialismo de coalizão foi substituído por um presidencialismo de colisão. O país pouco tem avançado no campo da política. O episódio do mensalão e o propinoduto do petrolão contribuíram para corroer as vigas do regime.


As reformas praticamente estancaram. O lulismo, ao qual se seguiu o dilmismo, plasmou uma “República sindicalista”, tomada por organismos que substituíram a doutrina pelas tetas do Estado. Passamos a conviver com a versão moderna do peleguismo sindical. Nada pode ser mudado, nada pode avançar sem o placet da CUT, que, nesses últimos anos, comandou suas congêneres, dando-lhes as palavras de ordem, os comandos de rua e formando corredores poloneses nas cúpulas côncava e convexa do Congresso.

As oposições comeram o pão que o diabo amassou. O confronto se intensificou ao longo da era petista. Grupos incrustados nas entranhas do próprio Governo petista lutavam por espaços.

As querelas entre integrantes dos grandes e médios partidos que formavam a base governista tinham como leit motiv a divisão de recompensas, a briga por cargos, sob a cultura de partidarização do Estado que o PT tão bem desenvolveu, principalmente nos Ministérios da Educação e da Cultura. Criou-se um jogo de soma zero. O ganho de um era a perda de outro.

Para usar a concepção do sociólogo espanhol Carlos Matus, em seu ensaio Estratégias Políticas, por aqui o estilo chimpanzé de fazer política - baseado no projeto do poder pessoal, da rivalidade permanente, da hierarquização da força – supera o modelo Maquiavel, onde o personalismo do Príncipe, eixo do sistema, se subordina a um projeto de Estado. (A propósito, Fernando Henrique, em seu tempo, era designado “príncipe” por seu entorno. Lula, com seu carisma e verbo populista, queria mais aparecer como “salvador da Pátria”).

Dois estilos

Vivenciamos uma luta renhida entre dois estilos. De um lado, o setor político, inspirado no lema “o poder pelo poder”, se empenhava com capricho para ganhar espaços, usando a arma do voto para atingir o objetivo de preservar e ampliar territórios e influência. O PT até conseguiu ultrapassar o PMDB na representação parlamentar na Câmara. Perdeu essa condição só em tempos recentes.

Os representantes, tanto os de ontem como os de hoje, adotam a tática de disparar processos de tensão, ameaçar o Governo com retiradas de apoio, buscar coalizões de um lado e de outro. Um exemplo recente é o Centrão. Elegeu Rodrigo Maia. Desfez-se e agora tenta voltar. Quer estar no eixo de poder. Veja-se o debate em torno da dívida dos Estados. O governo federal tenta controlar as torneiras. Já os governadores querem abri-las com força. A natureza política, pelo vocabulário de Matus, amolda-se ao instinto do chimpanzé, para quem o ideal de vida é a conservação da própria espécie (“o fim sou eu mesmo”).

E a vontade popular, o ideal coletivo? Ora, ficam em segundo plano.

Noutra posição do arco político, há um núcleo que age à moda Maquiavel. Seu discurso tem uma especificidade: o grupo não encarna o projeto - o projeto é o Brasil - mas a conquista da meta parece impossível sem o grupo. Por isso, os meios devem se adequar ao fim. Que, nesse momento, é a redenção nacional. Valerá tudo para recuperar a economia, voltar a crescer o PIB, baixar a inflação e os juros. Portanto, tudo deve ser sacrificado pelo projeto, até o uso de verbas para que os parlamentares possam cumprir promessas com suas regiões. Afinal de contas, se nada fizerem receberão o bilhete de volta às suas casas, sem mandato. Essa é a lógica da política. Para atender à competição feroz da classe, a conduta maquiavélica faz concessões ao estilo chimpanzé. Interessante é que este acaba ganhando o jogo.

Não há como escapar à sensação de que o país fica, portanto, à mercê dos estilos Chimpanzé e Maquiavel de fazer política. Por isso, só mesmos grandes movimentos de mobilização empurrarão o carro das reformas. Ou seja, só uma imensa força centrípeta – da sociedade – será capaz de impulsionar a força centrífuga (da representação política e do Executivo) na direção das mudanças.

A cultura ética

Por isso, às elites e aos setores organizados, devem se somar as margens da sociedade. Sozinhos, sabemos bem, os pobres não terão munição para fazer guerra. No meio dos humildes e marginalizados, o pão é pouco. Mas é nesse espaço que se vê germinar a semente da amizade, da cooperação. Essas margens querem ver alguém com roupa asséptica. Daí a necessidade de o país encontrar a terceira modelagem da política: o estilo Ghândi. Que tem como foco a busca de consenso, da austeridade, da solidariedade, do zelo, do ideal do bem comum.

A forma Ghândi de governar dispensa a força física, evita a competitividade dos Chipanzés e não aceita a emboscada maquiavélica. Seu poder repousa na espiritualidade. Trata-se do grau superior de fazer política. O problema é: existe entre nós alguém que possa simbolizar tal figurino? Há perfis assemelhados à Ghandi ou à Madre Tereza de Calcutá em nosso meio? Em outras palavras, o padrão ético existe por estas plagas?

Nunca precisamos tanto como agora do diálogo, da elevação dos espíritos, da negociação, da convivência, de um pacto por causas coletivas. O país se defronta com um grande desafio: transformar a cultura egocêntrica da política numa cultura sociocêntrica, inspirada na motivação pelos ideais da sociedade. Tivéssemos um pouco mais de estilo Ghandi, os cidadãos sentiriam mais vergonha de cometer atos ilícitos. Por falta de vergonha, o estilo chimpanzé vira moda. Sob as bênçãos de Maquiavel. É muito triste.

David e Golias

Cingapura é um pequeno país lá do Oriente, totalmente desprovido de recursos naturais, habitado por 3,8 milhões de pessoas. Em 1965, quando conquistou sua independência, apresentava alguns dos piores indicadores de desenvolvimento humano do mundo.

Naqueles dias difíceis o desemprego rondava a casa dos 14% e o PIB “per capita”, em valores correntes de mercado, era de magros US$ 516. Menos de 50 anos depois, este país comemora um índice de desemprego de 2%, contra 5,8% do Brasil. Seu PIB “per capita” é de espantosos US$ 51.162,00 - contra US$ 12.079,00 do Brasil (dados do FMI relativos a 2012).


Atualmente, Cingapura tem um dos maiores aeroportos do planeta, no qual pousam aeronaves de mais de 100 companhias aéreas que voam para umas 200 cidades ao redor do mundo. Sua empresa nacional, a Singapore Airlines, é uma das mais conceituadas e importantes do mundo.

Enquanto isso, dados de 2010 apontam que, considerados todos os aeroportos nacionais, somos visitados por apenas 42 companhias aéreas estrangeiras, que nos ligam a uns 30 países. Para complicar, segundo dados da ANAC, mais de 70% do transporte de passageiros do Brasil para o exterior já estão nas mãos destas empresas estrangeiras.

O porto de Cingapura é um dos mais movimentados do mundo: por ele passam 20% dos contêineres e 50% da oferta de petróleo bruto do mundo. Enquanto isso, numa relação de 144 países feita pelo Forum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 135ª posição no item ‘qualidade dos portos’. Só para que se tenha uma noção, nos portos brasileiros o embarque de uma tonelada de mercadorias custa em média US$ 12, contra US$ 5 em Cingapura.

Acredite: a pequena Cingapura negociou uma extensa rede de 18 acordos de livre-comércio bilaterais e regionais com 24 países, incluindo EUA, China, Índia, Japão, Coreia do Sul, Chile, Panamá e Peru. Enquanto isso, nos últimos 20 anos, o imenso Brasil celebrou apenas 3 acordos de comércio - com Israel, Palestina e Egito. Para piorar, li que apenas o celebrado com Israel estaria em vigor - dados de fevereiro de 2013.

Eis aí, apresentada sem retoques, uma realidade digna de reflexão. O que falta, afinal, ao Brasil? Nosso povo é um dos mais criativos e afáveis do planeta, e vivemos sobre um solo riquíssimo - assim, onde temos errado? Quais mudanças devemos buscar?

A resposta, aparentemente, é simples e tem sido muito repetida: saúde, educação, obras em infraestrutura etc. Pode ser. Mas prefiro ficar com outra menos conhecida e debatida, segundo a qual o que nos tem faltado é segurança pública e jurídica - e eis aí o grande segredo de Cingapura.

É simples: ninguém investirá em uma terra cujos índices de criminalidade sejam altos e na qual o exercício de qualquer direito seja duvidoso. Falamos de dois aspectos básicos, dos quais depende todo o resto - educação, infraestrutura, saúde etc.

Ora, não adianta investir em educação quando as escolas estão sitiadas pelo crime e os professores intimidados. Não nos serve investir pesadamente em infraestrutura quando os recursos são desviados quase que impunemente. Não funcionarão bem acordos de livre-comércio quando nossas estruturas legais não garantirem o pleno exercício de todos os direitos neles previstos. Esqueçamos qualquer estímulo ao comércio e à indústria quando a insegurança fala mais alto. E daí em diante.

Temos pedido mudanças para o Brasil. Que elas comecem pelo fortalecimento da lei e da justiça, e o resto virá atrás - como mágica.

Simplicidade no viver

 Trecho do episódio "A Aldeia", no filme "Sonhos", de Akira Kurosawa

Olimpíada foi 'desperdício que deu certo', aponta Ibope

Para os brasileiros, Olimpíada é um “desperdício que deu certo”. A ambiguidade da população em relação à Rio 2016 é a principal conclusão de pesquisa nacional do Ibope, que o Estado publica com exclusividade. Para 62%, os Jogos Olímpicos trazem mais prejuízos do que benefícios ao Brasil. Ao mesmo tempo, 57% creem que a imagem do País no exterior ficará mais positiva. A completar as contradições, “desperdício” e “esperança” são os dois principais sentimentos que os Jogos despertam.

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A divisão também é explicitada na avaliação que a população faz da Rio-2016 até agora. Para 42%, a Olimpíada está sendo boa ou ótima. Outros 30% dizem que é “regular”. E 24% avaliam que é “ruim” ou “péssima”. Em resumo, está dando mais certo do que errado. Essa opinião reflete mais a organização do que os resultados esportivos: 62% disseram ao Ibope que é mais importante que o evento seja um sucesso – enquanto 31% preferem que o Brasil fique bem colocado no quadro de medalhas.

Afago na alma

Fim de papo para os Jogos do Rio, termina hoje uma das edições mais controversas e celebradas de todas, como previsivelmente seria o caso da primeira Olimpíada na América do Sul. Controversa, por conta do boçal terrorismo alardeado bem antes de seu início via correspondentes internacionais, e celebrada pelos momentos épicos protagonizados cidade afora, ainda por cima com uma moldura de fazer cair o queixo, além de um envolvimento do público como poucas vezes se viu na história do evento.

É natural que a partir de agora ganhe vez um debate sobre os erros e os acertos, a respeito do que funcionou ou deixou de funcionar durante a edição carioca, entretanto indicar qual foi o seu grande calo, desde já, não parece ser tarefa das mais difíceis: a colossal parcela da população descrente no seu sucesso. Mais do que isso, tão certa de seu fracasso que em inúmeras vezes pareceu torcer para que ele se confirmasse.

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Convenhamos, ser brasileiro não é mesmo fácil. Inquestionavelmente empapuçados pelos escândalos políticos e a crise econômica, ainda por cima com a pachorra do petismo em manter o fantasioso discurso do golpe, muitos de nós simplesmente não tiveram ânimo para celebrar a maior festa do esporte.

Eu mesmo, não é de hoje, resmungo contra tudo e contra todos. Virou hábito. Quando dou por mim já estou me queixando do Rio e dos cariocas, a respeito dos brasileiros e adjacências. Critico a sensação de insegurança, a falta de educação das pessoas nos cinemas e a incapacidade de ficar do lado direito na escada rolante. Em suma, reclamo com gosto e fôlego para muito mais.

Exceto durante essas duas últimas semanas.

Sim, todas as mazelas que antes carcomiam a nossa paz não deixaram de existir, passávamos e continuaremos passando por suplícios de toda ordem, problemas graves não nos faltam e, com toda a franqueza, assim permanecerá por muitas gerações. Mas não durante essas duas últimas semanas.

E é precisamente essa a magia do esporte. Ele te arrasta, cria parênteses capazes de tornar o mundo do sujeito impermeável, protegido de querelas e ainda por cima melhor, mais leve e positivo.

De Bolt a Phelps, de Biles a Isaquias, de Thiago à velocista que interrompe a prova para ajudar quem caiu, sem falar na oportunidade de acompanhar esportes menos votados mas nem por isso menos interessantes, a Olimpíada do Rio conseguiu sugar de mim todo o azedume acumulado por meses de um debate político rasteiro, graças aos colunistas mal intencionados ou simplesmente ruins. Pelo menos durante essas duas últimas semanas.

Olhando por esse lado, ao identificarmos a miragem, alguém pode achar esse meu discurso uma tolice. Podem dizer que, ora essa, se a vida continua dura, se os problemas graves continuam reais, então que se dane a Olimpíada e a comoção que ela provoca. Mas eu digo que não.

Esses Jogos Olímpicos foram tão incríveis, recheados de momentos especiais, e até de polêmicas como a patética encenação dos nadadores americanos, que transcenderam a disputa esportiva. Serviram como expurgo para o brasileiro. Arrisco-me até mesmo a dizer que somos, hoje, diferentes de duas semanas atrás.

Pois que este afago na nossa alma renda frutos. Que as boas vibrações olímpicas, de superação, perseverança e vitória, mas também de disputa ferrenha, tão cedo não deixem de permear o nosso ambiente.

Somos, sim, capazes de surpreender. Inclusive a nós mesmos.

'Olimpíadas sempre ficam menos populares quando a conta chega'

A um dia do fim da Olimpíada do Rio, o jornalista e escritor americano Dave Zirin já prevê o desânimo que virá depois da euforia dos jogos.

Autor de vários livros sobre política e esporte, incluindo um sobre o Brasil ("A dança do Brasil com o diabo: A Copa do Mundo, as Olimpíadas, e a luta pela democracia", sem lançamento no país), Zirin diz que os Jogos Olímpicos sempre se tornam menos populares quando a população começa a se dar conta do dinheiro gasto em sua organização.

"Agora as pessoas escutam os números, US$ 11, 12 bilhões, mas (o valor) não está afetando suas vidas ainda. Quando as contas são pagas é quando você vê os cortes, os problemas como saúde e educação, em um país que já grandes problemas nessas áreas."

Para Zirin, que esteve no Rio para cobrir as competições, as últimas duas semanas foram um sucesso midiático, mas um "fracasso terrível" para o povo brasileiro.


Em qualquer país que sedia uma Copa do Mundo ou a Olimpíada você pode sentir as pessoas muito chateadas com o que está acontecendo mas, uma vez que os jogos começam, você quer que o seu país vá bem, ainda mais se for uma história de superação como a da (judoca) Rafaela Silva.
 
Eles são símbolos de orgulho em um momento difícil e é compreensível, porque você já está nessa situação terrível, numa crise econômica, gastando todo esse dinheiro. Poder tirar pelo menos algum orgulho ou glória disso é, às vezes, tudo o que as pessoas têm.
O evento, diz, não cumpriu as promessas feitas em 2008, de transformar a realidade do país, e devem deixar um legado militarista, com milhões de policiais nas ruas cariocas. Além de provocar remoções de famílias nas favelas cariocas.

Sobre o caso dos nadadores americanos, o jornalista diz que, ao mentirem sobre um crime, eles usaram o estereótipo da violência a seu favor e feriram a autoestima do país. Os atletas Ryan Lochte, James Felgen, Gunnar Bentz e Jack Conger disseram que foram assaltos a mão armada no domingo, mas a história foi desmentida pela polícia dias depois.

"Eles estão atacando qualquer orgulho que o Brasil tenha por estar organizando os Jogos de maneira segura. Se esse caso fosse verdade, seria a história da Olimpíada: um dos maiores atletas do mundo roubado à mão armada. O fato de que eles foram tão descuidados com a reputação do Brasil tocou em um ponto sensível da autoestima do país."