quarta-feira, 9 de agosto de 2017
Com bolsa voto e sem Lava Jato
Imagine um País com bolsa voto e sem Lava Jato. Ou seja, com financiamentos bilionários de campanha pagos exclusivamente com verbas públicas de até R$ 6 bilhões por ano, o que dará aos políticos mais possibilidades de roubo, e a reeleição assegurada pelas propinas de hábito. Atente para esse paraíso dos mandatários desta porca República, pois quem vai bancá-lo somos nós, cidadãos e contribuintes espoliados pelo Estado estroina e com o patrimônio pessoal arrasado pela crise econômica. De um lado, o éden para delinquentes. Do outro, o inferno para justos.
Se você, caro leitor, está entre os que acreditam que a reforma da Previdência é necessária para tornar as contas públicas do Brasil viáveis, saiba que ela é apenas um pretexto retórico, não pertence à realidade dos fatos. Se, ao contrário, você está do lado daqueles que acreditam na lorota das contas previdenciárias superavitárias e que, portanto, está sendo armado um golpe, perca seu sono por outra causa. O golpe armado à nossa revelia é mais sórdido e insidioso. Os pais da Pátria, os zelosos defensores do novo lema de nossa bandeira – “crise e desordem” –, nos lograrão com duas tungas abjetas: o distritão, para garantir o foro dos atuais mandatários, que só pensam na própria reeleição; e o fundo partidário, que nos deixará sem fundos no banco. Não restará sem-mandato que não tenha conta a pagar para que os mandatários continuem se refestelando no poder. Esse pacote de maldades resultará do único projeto que alcançará qualquer maioria no Senado e na Câmara: trate seu eleitor como um trouxa. Afinal, ele permite!
O sinal foi dado pelos deputados que não deixaram que o presidente, absolvido, junto com a petista Dilma Rousseff, da eleição mais fraudada da História da República de todas as fraudes, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por excesso de provas, fosse processado por corrupção passiva. Como tudo tem um preço, madama está liberada para ocupar cargo público, seja por um companheiro que a nomeie, seja por fiéis militantes que a elejam.
Michel Temer, escolhido para se juntar ao banquete do poder, do qual os aliados petistas se fartaram, mas apenas para roer ossos na despensa, ocupou o refeitório de forma legítima, e duas vezes. Dilma só chegou ao segundo turno das duas eleições seguidas que venceu por causa do apoio do partido dele, o PMDB, e isso legitimou a posse provisória e, depois, a definitiva dele à cabeceira da mesa farta. Depois foi, mais uma vez legitimamente, dispensado de ser processado pelo quórum constitucional de um terço dos deputados (157). Com 263, ultrapassou a meta em 109 e, de lambujem, foi anistiado por maioria absoluta dos votos (257) e mais meia dúzia. Assim, garantiu a permanência no poder até 2019.
Com 13 milhões e meio de desempregados aos pés e cercado por falências de todos os lados, o presidente partiu para bazófias ao estilo Trump, disparando torpedos em sua conta de Twitter para anunciar o fim da crise econômica, embora já se conte como certa a quebra de compromisso com o déficit público anunciado de R$ 139 bilhões. Diz-se um presidente reformista, mesmo que a mais esperada das reformas, a previdenciária, tenha destino similar ao do bebê Arthur, assassinado no ventre da mãe por uma bala perdida, no Rio.
Temer é autoindulgente, mas a aritmética é implacável. A reforma, impopular menos pela causa do que pelo pregoeiro, depende de 308 votos (três quintos) na Câmara. São 52 mais do que os recebidos para seu perdão prévio em plenário. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), garantem que a vitória chegará em setembro. É um diagnóstico similar ao feito pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, que decretou o fim do crime organizado no Rio: “Ele não é nem organizado nem poderoso. Ele não resiste à ação legal, obediente à lei, inerente ao Estado democrático de direito”, gabou-se.
Na cidade onde Arthur foi baleado e morto antes de ter nascido, a tal da Operação Onerat obrou esse milagre sem muitos esforços nem gastos: cumpriu 15 mandados de prisão, nove dos quais de criminosos que já estavam presos. Mais três pessoas foram presas em flagrante e se apreenderam três pistolas, duas granadas, quatro radiotransmissores, 16 carros e uma motocicleta. E sanear a Previdência vai ser mais barato ainda: a custo zero. Pois não há brasileiro de posse das faculdades mentais que acredite no milagre dessa emenda constitucional. A que realmente vingará será a dita política, da lavra do deputado Vicente (nada) Cândido (PT-SP).
Essa, sim, passará facilmente em todos os quóruns depois da adoção do “perdido por um, perdido por mil”, que os deputados revelaram na votação da quarta-feira 2 de agosto, mês do desgosto. Pois não se mostraram nada incomodados com os baixíssimos índices de popularidade de Temer e deles todos. Ameaçados pelo “sem foro, com Moro”, esses desprezíveis representantes garantirão a reeleição com o distritão, que protege a nobiliarquia partidária, e o aluvião de propinas, que garante a compra do voto, passando ao largo da limpeza da devassa da Lava Jato.
O relator da suja reforma política avisou que não proporá mais a sórdida “emenda Lula”, que proibiria a prisão de candidatos (entre os quais o Guia do Povo) a partir do oitavo mês antes da eleição. Esclareceu, assim, que o anúncio da impunidade para garantir seu voto de volta não passava do bode que o camponês miserável internou em casa antes de descobrir que sem ele certamente a vida ia melhorar. Se a liberdade garantida do Aiatolula não passa de um bode malcheiroso, o distritão e o financiamento exclusivo de campanhas por bilhões do erário são o paraíso que os alvos da Lava Jato – os suspeitos, quem delinquiu, mas não foi revelado, e quem não caiu na tentação por não saber que aqui o crime compensa, sim, e muito – estão dispostos a fundar com números próximos da unanimidade.
Se você, caro leitor, está entre os que acreditam que a reforma da Previdência é necessária para tornar as contas públicas do Brasil viáveis, saiba que ela é apenas um pretexto retórico, não pertence à realidade dos fatos. Se, ao contrário, você está do lado daqueles que acreditam na lorota das contas previdenciárias superavitárias e que, portanto, está sendo armado um golpe, perca seu sono por outra causa. O golpe armado à nossa revelia é mais sórdido e insidioso. Os pais da Pátria, os zelosos defensores do novo lema de nossa bandeira – “crise e desordem” –, nos lograrão com duas tungas abjetas: o distritão, para garantir o foro dos atuais mandatários, que só pensam na própria reeleição; e o fundo partidário, que nos deixará sem fundos no banco. Não restará sem-mandato que não tenha conta a pagar para que os mandatários continuem se refestelando no poder. Esse pacote de maldades resultará do único projeto que alcançará qualquer maioria no Senado e na Câmara: trate seu eleitor como um trouxa. Afinal, ele permite!
Michel Temer, escolhido para se juntar ao banquete do poder, do qual os aliados petistas se fartaram, mas apenas para roer ossos na despensa, ocupou o refeitório de forma legítima, e duas vezes. Dilma só chegou ao segundo turno das duas eleições seguidas que venceu por causa do apoio do partido dele, o PMDB, e isso legitimou a posse provisória e, depois, a definitiva dele à cabeceira da mesa farta. Depois foi, mais uma vez legitimamente, dispensado de ser processado pelo quórum constitucional de um terço dos deputados (157). Com 263, ultrapassou a meta em 109 e, de lambujem, foi anistiado por maioria absoluta dos votos (257) e mais meia dúzia. Assim, garantiu a permanência no poder até 2019.
Com 13 milhões e meio de desempregados aos pés e cercado por falências de todos os lados, o presidente partiu para bazófias ao estilo Trump, disparando torpedos em sua conta de Twitter para anunciar o fim da crise econômica, embora já se conte como certa a quebra de compromisso com o déficit público anunciado de R$ 139 bilhões. Diz-se um presidente reformista, mesmo que a mais esperada das reformas, a previdenciária, tenha destino similar ao do bebê Arthur, assassinado no ventre da mãe por uma bala perdida, no Rio.
Temer é autoindulgente, mas a aritmética é implacável. A reforma, impopular menos pela causa do que pelo pregoeiro, depende de 308 votos (três quintos) na Câmara. São 52 mais do que os recebidos para seu perdão prévio em plenário. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), garantem que a vitória chegará em setembro. É um diagnóstico similar ao feito pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, que decretou o fim do crime organizado no Rio: “Ele não é nem organizado nem poderoso. Ele não resiste à ação legal, obediente à lei, inerente ao Estado democrático de direito”, gabou-se.
Na cidade onde Arthur foi baleado e morto antes de ter nascido, a tal da Operação Onerat obrou esse milagre sem muitos esforços nem gastos: cumpriu 15 mandados de prisão, nove dos quais de criminosos que já estavam presos. Mais três pessoas foram presas em flagrante e se apreenderam três pistolas, duas granadas, quatro radiotransmissores, 16 carros e uma motocicleta. E sanear a Previdência vai ser mais barato ainda: a custo zero. Pois não há brasileiro de posse das faculdades mentais que acredite no milagre dessa emenda constitucional. A que realmente vingará será a dita política, da lavra do deputado Vicente (nada) Cândido (PT-SP).
Essa, sim, passará facilmente em todos os quóruns depois da adoção do “perdido por um, perdido por mil”, que os deputados revelaram na votação da quarta-feira 2 de agosto, mês do desgosto. Pois não se mostraram nada incomodados com os baixíssimos índices de popularidade de Temer e deles todos. Ameaçados pelo “sem foro, com Moro”, esses desprezíveis representantes garantirão a reeleição com o distritão, que protege a nobiliarquia partidária, e o aluvião de propinas, que garante a compra do voto, passando ao largo da limpeza da devassa da Lava Jato.
O relator da suja reforma política avisou que não proporá mais a sórdida “emenda Lula”, que proibiria a prisão de candidatos (entre os quais o Guia do Povo) a partir do oitavo mês antes da eleição. Esclareceu, assim, que o anúncio da impunidade para garantir seu voto de volta não passava do bode que o camponês miserável internou em casa antes de descobrir que sem ele certamente a vida ia melhorar. Se a liberdade garantida do Aiatolula não passa de um bode malcheiroso, o distritão e o financiamento exclusivo de campanhas por bilhões do erário são o paraíso que os alvos da Lava Jato – os suspeitos, quem delinquiu, mas não foi revelado, e quem não caiu na tentação por não saber que aqui o crime compensa, sim, e muito – estão dispostos a fundar com números próximos da unanimidade.
Vergonha corrompida
É (a corrupção) sistêmica, plural e pluripartidária, envolvendo empresas estatais, empresas privadas, agentes públicos, agentes privados, partidos políticos, membros do Congresso. Ela se disseminou de uma maneira espantosa, com esquemas profissionais de arrecadação e de distribuição. É impossível não sentir vergonha do que aconteceu no Brasil.
Luiz Roberto Barroso, ministro do STFQue se cumpra a lei, que se puna adequada e proporcionalmente essas pessoas todas que se acostumaram a viver com dinheiro dos outros, com dinheiro desviado da sociedade e do povo brasileiro
O moralismo esgotado
Queixoso e em disparada, apostando na agilidade verbal para fornecer réplica à ruína, o ator oco aperta o passo.
Os acontecimentos comprimem-se num único momento. Clássico da emoção massificada, o Cine Theatro da política nacional encena mais um ato da peça Um Inventário de Erratas”. O espetáculo esbarra na frieza da plateia, que treinou os ouvidos e já distingue grito de argumento. A habilidade virou isolamento. O balanço geral da temporada confunde os críticos: um grande sucesso de bilheteria, enorme fracasso de público.
Muitos imaginam a política um teatro de iniciados, sem ordem, sem lei. Mistura diversidade de auditórios à disposição dos mesmos atores que se arrumam para serem vistos como prima-donas realçando suas vantagens. E vão em frente sem se dar conta de que a demagogia é uma oferta irreal de intimidade. A tentação de infringir normas contamina os Poderes. As aberrações querem se impor.
Sem aversão ao sensacionalismo, senhor da ideia de que vive uma saga de encantado, o ator cru é imprudente se aplaudido, estúpido se vaiado. Despreza as condições espirituais da companhia que o levou ao palco.
Não prestou atenção à causalidade histórica que produziu o seu sucesso. Só tem olhos para quem se aglomera na frente do tablado. Quer driblar o destino que colheu. Nessa afabilidade valiosa e recíproca, devedor, vira comprador. Velhos conhecidos de comédias e tragédias já encenadas fazem sua destreza avançar mais do que o cuidado. E cercado de afeto incapaz de sentimento verdadeiro, a trupe de atores acrobatas, acha que o teatro do poder ensina mais do que vida fora do palco.
Apostando na força inesgotável do faz de conta, empanturra o cenário com excessos. Até que, acusado de impor um novo sistema moral à peça que representa, flagrado na glória de usar plumagem alheia, revela uma imagem insatisfatória de si mesmo. Fantasia que o consagra como diretor-ator-protagonista de um espetáculo refém do patrocinador.
Agora, que a cada dia um choque revela o contexto de todas as apresentações, diz que o teatro é de marionetes e não é ele que movimenta os cordéis. “Somos fantoches incompreendidos, bonecos populares manipulados por animais ferozes.” Dissimulando, ameaça com o velho espalha-brasas. Esconde o longo trecho que declamou, adocicado e sem doutrina, que o fez benquisto de todos os enredos.
Donos das companhias teatrais eleitorais não têm os mesmos problemas do público que os escolhe. Até zombam de quem os prestigia. Cargos escondem tudo, inclusive muitos vícios. Por isso, vendo a confusão que se avizinha na nova temporada, ele quer antecipar o carnaval para prevalecer a inversão permitida que domina seus festejos. Vamos lá, dominar o espectador, caravanas de delírio para controlar a realidade por meio de palavras.
Os candidatos a atores farão leis para conhecer o segredo do público, sem revelar o seu. O político-ator tornou-se um canastrão: ele não quer viver sob a consciência do outro, que o olha. Como não aceita prova de erro, que considera normal, não aceita juiz algum.
Sua origem pragmática recolhia sobras do que encontrava à esquerda, mas foram os fundadores moderados da companhia que a vestiram de ideologia original. Foram estes que se organizaram para vencer por pontos e assim cresceram. Quando, só, pisou no ringue, jogou fora a teoria, quis ganhar por nocaute. A incontinência jogou-lhe a toalha. Deslumbrado com a lascívia do aplauso, aceitou o que o levou à lona, ajudando a fazer de “político” um xingamento.
Sempre disponível, ficou por cima da situação como ninguém. E se deixou a coisa pior do que encontrou, é o único culpado. A mudança que o perturba é a mudança democrática. Passou a perna no pudor, singelo princípio elementar. Ventríloquo, foi condenado, por ampliar a voz do mau costume.
Atropelou argumentos de justiça social por estranha noção de distribuição de renda e infiltração de classe. Misturava intuições a uma fábrica de decisões improvisadas. Ofereceu a poderosos a aquiescência que aumentava o leite e o mel do privilégio; aos pobres, a condescendência, que lhes abria o mundo da dívida e da dependência. Pressupondo a qualidade moral de todos os seus atos, quer escolher quem vai julgá-lo.
Tudo no debate em torno de sua performance é “atmosfera”. No papel de corajoso ou maltratado, a dinâmica é mais de espetáculo que de esclarecimento. O objetivo é impressionar os inocentes e apontar o inimigo no juiz. Como prova de gratidão, conferindo ardilosa superioridade à decisão de se sujeitar a alguém, atribui ao povo a inquietante tarefa de julgá-lo. Ideia tola, se no tribunal de multidão dá Barrabás.
Desde Plutarco aprende-se mais com a queda de um cavalo do que com o elogio de um adulador. Talvez por isso o juiz, ao perceber que ele não estava a altura de si mesmo, concedeu-lhe fiança. Tirando da sentença o caráter implacável de suprimir a liberdade, negada a seus parceiros, deu-lhe o estribo para descer da sela e rever seu jeito de montar. Mas como não quer se afastar dos seus defeitos, viu nisso um estímulo para cavalgar seus fãs. Montou um passeio por currais eleitorais que o livre de ler a peça que o condena. Ele quer degustar seu papel como narcótico, supondo que a dor falsa de um ator é mais verdadeira do que a dor real do espectador. Mas quando a plateia descobrir que não é ela a condenada, nada oferecerá alívio à sua dor.
Nos burgos podres o ator do teatro antigo ouve excelências do resignado: nunca reclamei de ninguém que me usa com promessas. Não sou governista porque sou pobre, sou pobre porque sou governista.
Não é a primeira vez que a ambição destrói sonhos de quem toma o poder por um gigante sem perceber nada do seu enfeitiçamento. E diante do desconcerto que é ver o ator se orgulhar de não admitir ninguém que o corrija, a peça em que atua deve, sim, corresponder inteiramente ao original da sua vida.
Os acontecimentos comprimem-se num único momento. Clássico da emoção massificada, o Cine Theatro da política nacional encena mais um ato da peça Um Inventário de Erratas”. O espetáculo esbarra na frieza da plateia, que treinou os ouvidos e já distingue grito de argumento. A habilidade virou isolamento. O balanço geral da temporada confunde os críticos: um grande sucesso de bilheteria, enorme fracasso de público.
Muitos imaginam a política um teatro de iniciados, sem ordem, sem lei. Mistura diversidade de auditórios à disposição dos mesmos atores que se arrumam para serem vistos como prima-donas realçando suas vantagens. E vão em frente sem se dar conta de que a demagogia é uma oferta irreal de intimidade. A tentação de infringir normas contamina os Poderes. As aberrações querem se impor.
Sem aversão ao sensacionalismo, senhor da ideia de que vive uma saga de encantado, o ator cru é imprudente se aplaudido, estúpido se vaiado. Despreza as condições espirituais da companhia que o levou ao palco.
Apostando na força inesgotável do faz de conta, empanturra o cenário com excessos. Até que, acusado de impor um novo sistema moral à peça que representa, flagrado na glória de usar plumagem alheia, revela uma imagem insatisfatória de si mesmo. Fantasia que o consagra como diretor-ator-protagonista de um espetáculo refém do patrocinador.
Agora, que a cada dia um choque revela o contexto de todas as apresentações, diz que o teatro é de marionetes e não é ele que movimenta os cordéis. “Somos fantoches incompreendidos, bonecos populares manipulados por animais ferozes.” Dissimulando, ameaça com o velho espalha-brasas. Esconde o longo trecho que declamou, adocicado e sem doutrina, que o fez benquisto de todos os enredos.
Donos das companhias teatrais eleitorais não têm os mesmos problemas do público que os escolhe. Até zombam de quem os prestigia. Cargos escondem tudo, inclusive muitos vícios. Por isso, vendo a confusão que se avizinha na nova temporada, ele quer antecipar o carnaval para prevalecer a inversão permitida que domina seus festejos. Vamos lá, dominar o espectador, caravanas de delírio para controlar a realidade por meio de palavras.
Os candidatos a atores farão leis para conhecer o segredo do público, sem revelar o seu. O político-ator tornou-se um canastrão: ele não quer viver sob a consciência do outro, que o olha. Como não aceita prova de erro, que considera normal, não aceita juiz algum.
Sua origem pragmática recolhia sobras do que encontrava à esquerda, mas foram os fundadores moderados da companhia que a vestiram de ideologia original. Foram estes que se organizaram para vencer por pontos e assim cresceram. Quando, só, pisou no ringue, jogou fora a teoria, quis ganhar por nocaute. A incontinência jogou-lhe a toalha. Deslumbrado com a lascívia do aplauso, aceitou o que o levou à lona, ajudando a fazer de “político” um xingamento.
Sempre disponível, ficou por cima da situação como ninguém. E se deixou a coisa pior do que encontrou, é o único culpado. A mudança que o perturba é a mudança democrática. Passou a perna no pudor, singelo princípio elementar. Ventríloquo, foi condenado, por ampliar a voz do mau costume.
Atropelou argumentos de justiça social por estranha noção de distribuição de renda e infiltração de classe. Misturava intuições a uma fábrica de decisões improvisadas. Ofereceu a poderosos a aquiescência que aumentava o leite e o mel do privilégio; aos pobres, a condescendência, que lhes abria o mundo da dívida e da dependência. Pressupondo a qualidade moral de todos os seus atos, quer escolher quem vai julgá-lo.
Tudo no debate em torno de sua performance é “atmosfera”. No papel de corajoso ou maltratado, a dinâmica é mais de espetáculo que de esclarecimento. O objetivo é impressionar os inocentes e apontar o inimigo no juiz. Como prova de gratidão, conferindo ardilosa superioridade à decisão de se sujeitar a alguém, atribui ao povo a inquietante tarefa de julgá-lo. Ideia tola, se no tribunal de multidão dá Barrabás.
Desde Plutarco aprende-se mais com a queda de um cavalo do que com o elogio de um adulador. Talvez por isso o juiz, ao perceber que ele não estava a altura de si mesmo, concedeu-lhe fiança. Tirando da sentença o caráter implacável de suprimir a liberdade, negada a seus parceiros, deu-lhe o estribo para descer da sela e rever seu jeito de montar. Mas como não quer se afastar dos seus defeitos, viu nisso um estímulo para cavalgar seus fãs. Montou um passeio por currais eleitorais que o livre de ler a peça que o condena. Ele quer degustar seu papel como narcótico, supondo que a dor falsa de um ator é mais verdadeira do que a dor real do espectador. Mas quando a plateia descobrir que não é ela a condenada, nada oferecerá alívio à sua dor.
Nos burgos podres o ator do teatro antigo ouve excelências do resignado: nunca reclamei de ninguém que me usa com promessas. Não sou governista porque sou pobre, sou pobre porque sou governista.
Não é a primeira vez que a ambição destrói sonhos de quem toma o poder por um gigante sem perceber nada do seu enfeitiçamento. E diante do desconcerto que é ver o ator se orgulhar de não admitir ninguém que o corrija, a peça em que atua deve, sim, corresponder inteiramente ao original da sua vida.
Quem quer pagar essa conta?
Cláudio Humberto, em recente coluna no Diário do Poder, informou que os veículos oficiais federais custaram aos cofres públicos R$ 1,6 bilhão em 2016. O montante inclui viaturas de serviço e representação e envolve renovação da frota, manutenção e pagamento de impostos.
Quem acha que deve pagar essa conta toda, especialmente a parcela que envolve os carros de representação, levante a mão. Tais viaturas são resíduos das carruagens do Paço Real no século XIX e das liteiras conduzidas por escravos nos séculos anteriores. Afinal, ninguém realmente importante está aí para sujar sapato na poeira das ruas, misturar-se à plebe ou rodar no próprio automóvel, como se fosse, digamos assim, uma pessoa ... normal, não é mesmo? De que valeria o poder sem aparatos e mordomias que o tornem objeto de cobiça? No século XXI, nós somos os cavalos da carruagem e os escravos da liteira.
Essa mentalidade é parte do problema brasileiro. É como se o chefe de família, bêbado e jogador, cobrasse à mulher e aos filhos que cortassem as próprias despesas. Falta autoridade moral. Falta autoridade moral para justificar medidas efetivamente necessárias e realmente significativas ao quadro fiscal do país quando o Congresso Nacional negocia uma boca livre de R$ 3,5 bilhões para os gastos de campanha eleitoral no ano que vem. Ou quando o Senado da República renova o contrato de locação de veículos zero quilômetro para os senadores ao custo de R$ 8,3 milhões, por 30 meses. Fazem parte do contrato duas liteiras turbinadas, com motor de 250 CC, cujo peso é sustentado pelos nossos braços.
As regalias do poder são evidências da distância que o separa do cotidiano em que se vira e contorce a nação. Basta listar alguns que a memória socorre: jatinhos da FAB, helicópteros, cartões corporativos, verbas de ostentação (eufemisticamente designadas como de "representação"), voos em 1ª classe, auxílios moradia e alimentação, adicionais (ah, os tão bem-vindos adicionais!) de vários tipos e motivos. E quanto mais distante dos olhos estiver a realidade social, maior sua distância do coração.
Enquanto isso acontece por aqui, em meio às nossas reconhecidas dificuldades, na Holanda parlamentares não têm direito a carro oficial e o prefeito vai de casa ao trabalho usando sua bicicleta. Na Suécia, nem o primeiro-ministro tem carro oficial; autoridades podem, no máximo, pedir reembolso para viagens oficiais ou se residirem a mais de 70 km de Estocolmo. Parlamentares suecos têm direito a reembolso do combustível. Na Noruega, há 20 carros para atender o governo e só o primeiro-ministro tem direito a veículo exclusivo. Em Londres, o prefeito anda de metrô ou bicicleta; ele e os vereadores recebem um vale-transporte anual para o metrô. Prefeito e vereadores da maior cidade da Europa têm compromisso de usar o transporte público. (Maiores detalhes a respeito estão disponíveis em www.nossasaopaulo.org.br/portal/node/47253)
O de que estamos falando aqui é sobre o "animus" do poder, ou seja, de sua alma, ou, ainda mais precisamente, dos sentimentos que a inspiram. Se e quando aquilo que move a alma do poder político for o indispensável espírito de serviço, estas ostentações e demasias são sumariamente rejeitadas, por aversão e coerência.
Percival Puggina
Quem acha que deve pagar essa conta toda, especialmente a parcela que envolve os carros de representação, levante a mão. Tais viaturas são resíduos das carruagens do Paço Real no século XIX e das liteiras conduzidas por escravos nos séculos anteriores. Afinal, ninguém realmente importante está aí para sujar sapato na poeira das ruas, misturar-se à plebe ou rodar no próprio automóvel, como se fosse, digamos assim, uma pessoa ... normal, não é mesmo? De que valeria o poder sem aparatos e mordomias que o tornem objeto de cobiça? No século XXI, nós somos os cavalos da carruagem e os escravos da liteira.
As regalias do poder são evidências da distância que o separa do cotidiano em que se vira e contorce a nação. Basta listar alguns que a memória socorre: jatinhos da FAB, helicópteros, cartões corporativos, verbas de ostentação (eufemisticamente designadas como de "representação"), voos em 1ª classe, auxílios moradia e alimentação, adicionais (ah, os tão bem-vindos adicionais!) de vários tipos e motivos. E quanto mais distante dos olhos estiver a realidade social, maior sua distância do coração.
Enquanto isso acontece por aqui, em meio às nossas reconhecidas dificuldades, na Holanda parlamentares não têm direito a carro oficial e o prefeito vai de casa ao trabalho usando sua bicicleta. Na Suécia, nem o primeiro-ministro tem carro oficial; autoridades podem, no máximo, pedir reembolso para viagens oficiais ou se residirem a mais de 70 km de Estocolmo. Parlamentares suecos têm direito a reembolso do combustível. Na Noruega, há 20 carros para atender o governo e só o primeiro-ministro tem direito a veículo exclusivo. Em Londres, o prefeito anda de metrô ou bicicleta; ele e os vereadores recebem um vale-transporte anual para o metrô. Prefeito e vereadores da maior cidade da Europa têm compromisso de usar o transporte público. (Maiores detalhes a respeito estão disponíveis em www.nossasaopaulo.org.br/portal/node/47253)
O de que estamos falando aqui é sobre o "animus" do poder, ou seja, de sua alma, ou, ainda mais precisamente, dos sentimentos que a inspiram. Se e quando aquilo que move a alma do poder político for o indispensável espírito de serviço, estas ostentações e demasias são sumariamente rejeitadas, por aversão e coerência.
Percival Puggina
O que a América Latina pode fazer para conter tentação autoritária
"Todas as famílias felizes são iguais, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira", afirma o escritor russo Leon Tolstoi em Anna Karenina. À primeira vista, parece que o mesmo vale para as democracias. As mais sólidas têm muitas semelhanças, enquanto as mais frágeis o são cada uma à sua maneira. Na Venezuela, Nicolás Maduro marginalizou o parlamento. Na Bolívia, Evo Moralesignorou o resultado de um referendo que o impede de participar da reeleição. Em Ruanda, Paul Kagame proibiu várias candidaturas da oposição e venceu as eleições com 99% dos votos. Na Hungria, Viktor Orbán está tentando fechar uma das principais universidades do país e ataca ONGs de direitos humanos.
No entanto, uma análise mais aprofundada revela que, embora o contexto e a justificativa possam variar, a essência de todos os projetos autoritários é muito parecida e tem como objetivo enfraquecer os princípios fundamentais da democracia: os chamados freios e contrapesos e a própria alternância de poder. Inspirado em uma narrativa revolucionária de esquerda em Caracas ou de direita em Budapeste, de nacionalismo em Ancara ou do modelo singapuriano em Kigali, o objetivo nunca é nobre. Afinal, nada mais é do que concentrar o poder e eliminar adversários necessários ao jogo democrático, seja no Legislativo, seja no Judiciário, seja na sociedade civil.
O fim da democracia venezuelana concentra atualmente considerável atenção da mídia global, mas ela reflete uma tendência maior. Ameaças autoritárias estão voltando a surgir mesmo em regiões onde a democracia parecia estar consolidada nas últimas décadas, como na Europa e nas Américas. Os casos recentes de Turquia, Polônia, Hungria, Venezuela e até Estados Unidos, entre outros demonstram que esse progresso não pode ser dado como certo.
Muito mais tem sido escrito sobre transições da ditadura para a democracia do que sobre transições na direção oposta. Em um curso muito popular na Universidade Harvard até poucos anos atrás, "Os Desafios da Democratização", os estudantes discutiam as dificuldades dos países que superaram a ditadura e se democratizaram — como a Alemanha Ocidental após a Segunda Guerra Mundial, a Espanha nos anos 1970 e a África do Sul na década de 1990. Os casos em que as democracias se tornaram ditaduras — como a Argentina em 1976 — eram vistos como raros e relativamente atípicos. Hoje, em contraste, há uma necessidade crescente de avaliar como e por que as democracias fracassam e o que se pode fazer para lidar com essa tendência.
A Bolívia pode servir como um exemplo importante, precisamente porque se encontra na fase inicial do desmonte da democracia. A gestão macroeconômica prudente de Evo Morales ao longo dos últimos 12 anos ajudou a economia boliviana a crescer mais rapidamente do que a de seus vizinhos. No entanto, com as eleições presidenciais programadas para 2019 e Morales tecnicamente proibido de concorrer a um quarto mandato, há sinais de que ele cederá à tentação autoritária. Isso se tornou visível quando se recusou a aceitar o resultado de um referendo no ano passado que o impede de disputar mais um mandato presidencial. Em vez de começar a promover um sucessor, Morales, ao que tudo indica, recorrerá a uma espécie de gambiarra para se manter no poder. Um judiciário pouco independente — resultante de um processo polêmico por meio do qual os juízes são eleitos diretamente pelos cidadãos — poderá desempenhar um papel fundamental. Uma opção aberta a Morales é demitir-se seis meses antes do término de seu terceiro mandato, o que poderia levar os tribunais a ele submissos a lhe permitir mais cinco anos no Palácio Quemado. Ele também pode decidir simplesmente pressionar por outro referendo ou acelerar processos judiciais contra políticos da oposição para que se tornem inelegíveis nas próximas eleições.
Até agora, não houve reação de outros governos latino-americanos à situação na Bolívia. Afinal, os mecanismos estabelecidos na região para proteger a democracia foram articulados para evitar rupturas mais radicais, como golpes militares. Eles são menos eficazes para prevenir a erosão lenta da democracia liderada pelo próprio chefe de Estado.
Assim como a União Europeia tem dificuldades para lidar com as crises democráticas na Hungria e na Polônia, governos na América Latina muitas vezes não têm certeza de como responder às crises democráticas na região. Um exemplo claro é que até hoje há dissenso na Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre como se posicionar em relação à Venezuela. Desde que a região redemocratizou-se nos anos 1980 e 1990, criou-se uma série de normas cada vez mais sofisticadas para fortalecer a governança democrática na América Latina. Desde a adoção da Resolução 1080 pela OEA em 1991, a qual exige que o Secretário Geral da organização convoque o Conselho Permanente se um golpe de Estado acontecer na região, até a invocação da "cláusula democrática" do Mercosul, os governos da região podem escolher entre diferentes opções políticas para os casos de ameaça à democracia. Em diversas ocasiões, esses mecanismos tiveram um impacto tangível, ajudando na prevenção ou na reversão de rupturas democráticas em países como Paraguai (1996 e 1999), Venezuela (2002) e Honduras (2009).
Como o principal risco para a democracia vem cada vez mais dos palácios presidenciais — e já não dos quartéis —, está na hora de discutir como adaptar os mecanismos regionais, com foco no aspecto preventivo, para proteger a ordem democrática.
Oliver Stuenkel
No entanto, uma análise mais aprofundada revela que, embora o contexto e a justificativa possam variar, a essência de todos os projetos autoritários é muito parecida e tem como objetivo enfraquecer os princípios fundamentais da democracia: os chamados freios e contrapesos e a própria alternância de poder. Inspirado em uma narrativa revolucionária de esquerda em Caracas ou de direita em Budapeste, de nacionalismo em Ancara ou do modelo singapuriano em Kigali, o objetivo nunca é nobre. Afinal, nada mais é do que concentrar o poder e eliminar adversários necessários ao jogo democrático, seja no Legislativo, seja no Judiciário, seja na sociedade civil.
O fim da democracia venezuelana concentra atualmente considerável atenção da mídia global, mas ela reflete uma tendência maior. Ameaças autoritárias estão voltando a surgir mesmo em regiões onde a democracia parecia estar consolidada nas últimas décadas, como na Europa e nas Américas. Os casos recentes de Turquia, Polônia, Hungria, Venezuela e até Estados Unidos, entre outros demonstram que esse progresso não pode ser dado como certo.
Muito mais tem sido escrito sobre transições da ditadura para a democracia do que sobre transições na direção oposta. Em um curso muito popular na Universidade Harvard até poucos anos atrás, "Os Desafios da Democratização", os estudantes discutiam as dificuldades dos países que superaram a ditadura e se democratizaram — como a Alemanha Ocidental após a Segunda Guerra Mundial, a Espanha nos anos 1970 e a África do Sul na década de 1990. Os casos em que as democracias se tornaram ditaduras — como a Argentina em 1976 — eram vistos como raros e relativamente atípicos. Hoje, em contraste, há uma necessidade crescente de avaliar como e por que as democracias fracassam e o que se pode fazer para lidar com essa tendência.
A Bolívia pode servir como um exemplo importante, precisamente porque se encontra na fase inicial do desmonte da democracia. A gestão macroeconômica prudente de Evo Morales ao longo dos últimos 12 anos ajudou a economia boliviana a crescer mais rapidamente do que a de seus vizinhos. No entanto, com as eleições presidenciais programadas para 2019 e Morales tecnicamente proibido de concorrer a um quarto mandato, há sinais de que ele cederá à tentação autoritária. Isso se tornou visível quando se recusou a aceitar o resultado de um referendo no ano passado que o impede de disputar mais um mandato presidencial. Em vez de começar a promover um sucessor, Morales, ao que tudo indica, recorrerá a uma espécie de gambiarra para se manter no poder. Um judiciário pouco independente — resultante de um processo polêmico por meio do qual os juízes são eleitos diretamente pelos cidadãos — poderá desempenhar um papel fundamental. Uma opção aberta a Morales é demitir-se seis meses antes do término de seu terceiro mandato, o que poderia levar os tribunais a ele submissos a lhe permitir mais cinco anos no Palácio Quemado. Ele também pode decidir simplesmente pressionar por outro referendo ou acelerar processos judiciais contra políticos da oposição para que se tornem inelegíveis nas próximas eleições.
Até agora, não houve reação de outros governos latino-americanos à situação na Bolívia. Afinal, os mecanismos estabelecidos na região para proteger a democracia foram articulados para evitar rupturas mais radicais, como golpes militares. Eles são menos eficazes para prevenir a erosão lenta da democracia liderada pelo próprio chefe de Estado.
Assim como a União Europeia tem dificuldades para lidar com as crises democráticas na Hungria e na Polônia, governos na América Latina muitas vezes não têm certeza de como responder às crises democráticas na região. Um exemplo claro é que até hoje há dissenso na Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre como se posicionar em relação à Venezuela. Desde que a região redemocratizou-se nos anos 1980 e 1990, criou-se uma série de normas cada vez mais sofisticadas para fortalecer a governança democrática na América Latina. Desde a adoção da Resolução 1080 pela OEA em 1991, a qual exige que o Secretário Geral da organização convoque o Conselho Permanente se um golpe de Estado acontecer na região, até a invocação da "cláusula democrática" do Mercosul, os governos da região podem escolher entre diferentes opções políticas para os casos de ameaça à democracia. Em diversas ocasiões, esses mecanismos tiveram um impacto tangível, ajudando na prevenção ou na reversão de rupturas democráticas em países como Paraguai (1996 e 1999), Venezuela (2002) e Honduras (2009).
Como o principal risco para a democracia vem cada vez mais dos palácios presidenciais — e já não dos quartéis —, está na hora de discutir como adaptar os mecanismos regionais, com foco no aspecto preventivo, para proteger a ordem democrática.
Oliver Stuenkel
'Aqui é outro mundo'
Quando o objetivo é garantir uma democracia participativa, os elementos que pude observar na Justiça daqui nem sempre são favoráveis. Existem muitas possibilidades de que alguns atores influenciem e conduzam processos de maneira parcial. E nessa interação, quando também se considera o papel do presidente, vemos uma estranha parcialidade entre Judiciário e Legislativo, ou até uma cegueira em relação às suspeitas de corrupção envolvendo políticos que precisam ser investigadas. Isso é muito preocupante e não é de se admirar a queda extraordinária da confiança nas instituições
Por enquanto, promessas de reformas são subterfúgio
Das perspectivas de suspensão do mandato de Michel Temer já se fala pouco: a vitória na Câmara não foi avassaladora, mas foi suficiente — o que se tem para o momento. A bola, então, voltou para o Procurador-Geral da República. E Rodrigo Janot, à parte das entrevistas a que tem se exposto, parece não ter clareza dos próximos passos. Para o enxadrista, o vacilo é mortal; pousar o dedo por sobre o peão é um sinal eloquente da hesitação. Temer por sua vez, tenta aproveitar o momento que, se não é bom, é melhor do que ele mesmo poderia esperar.
Desnecessário repetir os métodos utilizados para garantir o mandato; são conhecidos. E mais: convencionais. É isso aí… O fato é que Temer ganhou tempo e busca, agora, ganhar movimento: bate o bumbo para convencer que comanda um governo robustecido. Não é para tanto: a vitória sobre Janot não é suficiente para aprovar reformas. Mas, sob a estratégia política possível, faz o que pode fazer e, do seu ponto de vista, o que deve ser feito. Mais do que promessa, as reformas ainda são subterfúgio.
Faz sentido que se garanta apto a fazer reformas; que seus aliados repitam a mesma nota musical. É uma tentativa de virar a página. Ademais, a necessidade é real e inegável o fato de que o país precise mesmo de ajustes fiscais antes que tudo resulte ainda mais dramático do que está. Ainda que seja artifício, as premissas são verdadeiras e ressoam aos ouvidos de agentes econômicos e de mercado. Assim como ecoa entre os que compreendem os limites dos recursos públicos e a transformação demográfica do Brasil.
Ao mesmo tempo, na estratégia governista, é imperativo pautar a mídia para o processo reformista, afastando-a da agenda anticorrupção, amenizando os humores da opinião pública; reduzindo o poder e a influência da Operação Lava Jato. Assim como o cão que lambe as virilhas, Michel Temer faz isto tudo porque pode: a oposição não o apoquenta para além de limites seguros — talvez, negociados — e as ruas acomodaram-se ou perderam a esperança.
Enfim, o processo normal da política diante das circunstâncias que se apresentam. Não dá para sonhar com muita coisa, no curto prazo pelo menos. A questão, agora, consiste em saber se o governo realmente entregará as reformas que promete; se o discurso é factível.
Em se tratando do Brasil, é arriscado cravar qualquer resposta taxativa, ''sim'' ou ''não''; o processo é mesmo dialético: ''sim'' E ''não''; tudo ao mesmo tempo. Contudo, o raciocínio de que os 263 votos pró Temer, no confronto com Janot, possam ser somados aos reformistas do PSDB e de outros partidos — que votaram pelo afastamento — é de um simplismo enganador. Entre os 263, há deputados pouco aderentes às reformas. Paulinho da Força é apenas um exemplo, existem outros.
Em primeiro lugar porque os instrumentos utilizados para o convencimento de uma parte da base, vinculada sobretudo ao Centrão, são escassos: os recursos de um Estado em crise são finitos, a voracidade fisiológica não. Depois, a proximidade das eleições torna deputados e senadores mais sensíveis aos humores da opinião pública refratária a reformas ainda mal comunicadas à sociedade.
Nesse sentido, não parece politicamente razoável exigir de parlamentares que se disputarão a reeleição que se submetam a uma sequência de desgastes crescentes: a) os já conhecidos escândalos da Lava Jato; b) a votação da primeira denúncia de Janot e, talvez, de mais duas; c) a inevitável aprovação do FFD (Fundo de Financiamento da Democracia), feito para destinar algo em torno de R$ 4 bilhões, do dinheiro do contribuinte, para custear a eleição de suas excelências, que não andam lá muito em alta com a população.
Tudo isto trouxe, traz e trará constrangimentos e perda de votos. Se a agenda reformista pode ser positiva para o Planalto, ela tende a não ser bem isso para o Legislativo, sobretudo, na dinâmica política destes tempos. O presidente não navega na popularidade — muito pelo contrário — e a guerra de comunicação pelas reformas ainda tem sido favorável a grupos de interesses, localizados no alto do corporativismo e patrimonialismo nacionais.
O que poderia alterar essa dinâmica seria o crescimento econômico significativo e a rápida sensação de bem-estar, o que parece pouco plausível, nos próximos meses.
Ainda assim, nessa disputa, alguma reforma pode ser possível; algo simbólico, que sirva como a vitória para o governo e que não implique em desgaste irreparável para a base. Mudanças que Temer possa demonstrar para o mercado e a manutenção de aspectos que o Congresso possa vender para a sociedade como resultado de sua resistência: a idade mínima para as novas gerações, por exemplo.
Provavelmente, algo em torno disto. O resto ficaria para os próximos governos e para as próximas legislaturas. Mesmo que não suficiente, o possível para o momento.
Enfim, o governo faz o que pode para sair do buraco; bate o bumbo, diz que está forte e, que, ao final, triunfará. Grupos e interesses vários se organizam em sentido contrário, abominando as reformas. Descrente da política, demonstram as pesquisas, a sociedade desconfiada é contra tudo e todos. Nas elites, uns apostam, outros torcem. O mais razoável, porém, é juntar fragmentos; ponderar desejos, intenções e possibilidades. Acompanhar com algum distanciamento, separando ilusões de realidades.
Carlos Melo
Desnecessário repetir os métodos utilizados para garantir o mandato; são conhecidos. E mais: convencionais. É isso aí… O fato é que Temer ganhou tempo e busca, agora, ganhar movimento: bate o bumbo para convencer que comanda um governo robustecido. Não é para tanto: a vitória sobre Janot não é suficiente para aprovar reformas. Mas, sob a estratégia política possível, faz o que pode fazer e, do seu ponto de vista, o que deve ser feito. Mais do que promessa, as reformas ainda são subterfúgio.
Ao mesmo tempo, na estratégia governista, é imperativo pautar a mídia para o processo reformista, afastando-a da agenda anticorrupção, amenizando os humores da opinião pública; reduzindo o poder e a influência da Operação Lava Jato. Assim como o cão que lambe as virilhas, Michel Temer faz isto tudo porque pode: a oposição não o apoquenta para além de limites seguros — talvez, negociados — e as ruas acomodaram-se ou perderam a esperança.
Enfim, o processo normal da política diante das circunstâncias que se apresentam. Não dá para sonhar com muita coisa, no curto prazo pelo menos. A questão, agora, consiste em saber se o governo realmente entregará as reformas que promete; se o discurso é factível.
Em se tratando do Brasil, é arriscado cravar qualquer resposta taxativa, ''sim'' ou ''não''; o processo é mesmo dialético: ''sim'' E ''não''; tudo ao mesmo tempo. Contudo, o raciocínio de que os 263 votos pró Temer, no confronto com Janot, possam ser somados aos reformistas do PSDB e de outros partidos — que votaram pelo afastamento — é de um simplismo enganador. Entre os 263, há deputados pouco aderentes às reformas. Paulinho da Força é apenas um exemplo, existem outros.
Em primeiro lugar porque os instrumentos utilizados para o convencimento de uma parte da base, vinculada sobretudo ao Centrão, são escassos: os recursos de um Estado em crise são finitos, a voracidade fisiológica não. Depois, a proximidade das eleições torna deputados e senadores mais sensíveis aos humores da opinião pública refratária a reformas ainda mal comunicadas à sociedade.
Nesse sentido, não parece politicamente razoável exigir de parlamentares que se disputarão a reeleição que se submetam a uma sequência de desgastes crescentes: a) os já conhecidos escândalos da Lava Jato; b) a votação da primeira denúncia de Janot e, talvez, de mais duas; c) a inevitável aprovação do FFD (Fundo de Financiamento da Democracia), feito para destinar algo em torno de R$ 4 bilhões, do dinheiro do contribuinte, para custear a eleição de suas excelências, que não andam lá muito em alta com a população.
Tudo isto trouxe, traz e trará constrangimentos e perda de votos. Se a agenda reformista pode ser positiva para o Planalto, ela tende a não ser bem isso para o Legislativo, sobretudo, na dinâmica política destes tempos. O presidente não navega na popularidade — muito pelo contrário — e a guerra de comunicação pelas reformas ainda tem sido favorável a grupos de interesses, localizados no alto do corporativismo e patrimonialismo nacionais.
O que poderia alterar essa dinâmica seria o crescimento econômico significativo e a rápida sensação de bem-estar, o que parece pouco plausível, nos próximos meses.
Ainda assim, nessa disputa, alguma reforma pode ser possível; algo simbólico, que sirva como a vitória para o governo e que não implique em desgaste irreparável para a base. Mudanças que Temer possa demonstrar para o mercado e a manutenção de aspectos que o Congresso possa vender para a sociedade como resultado de sua resistência: a idade mínima para as novas gerações, por exemplo.
Provavelmente, algo em torno disto. O resto ficaria para os próximos governos e para as próximas legislaturas. Mesmo que não suficiente, o possível para o momento.
Enfim, o governo faz o que pode para sair do buraco; bate o bumbo, diz que está forte e, que, ao final, triunfará. Grupos e interesses vários se organizam em sentido contrário, abominando as reformas. Descrente da política, demonstram as pesquisas, a sociedade desconfiada é contra tudo e todos. Nas elites, uns apostam, outros torcem. O mais razoável, porém, é juntar fragmentos; ponderar desejos, intenções e possibilidades. Acompanhar com algum distanciamento, separando ilusões de realidades.
Carlos Melo
Escárnio é a única indústria que cresce no país
Ao admitir a existência de estudos para aumentar mais impostos, entre eles o Imposto de Renda, Michel Temer fez uma opção preferencial pelo escárnio. Para salvar o próprio mandato, Temer escancarou os cofres públicos, franquando-os aos interesses mais inconfessáveis. Produziu duas vítimas. Primeiro, assassinou o discurso de austeridade que justificava sua Presidência. Agora, cogita esfolar os contribuintes.
No alvorecer do seu governo-tampão, Temer prometeu responsabilidade fiscal e prosperidade econômica. Antes da delação da JBS, gastou baldes de saliva para alardear que a economia estava nos trilhos. Sua equipe econômica chegou a prever um crescimento de 2% para 2017. Tudo lorota. Se o PIB ficar no zero a zero será um grande feito.
Temer não realizou as privatizações que prometeu. Sem a reforma da Previdência, seu teto de gastos estourou. Acusado de corrupto pela Procuradoria, o presidente reativou a aliança com o atraso, que sonha diariamente com o estancamento da sangria da Lava Jato. Prevalecendo os estudos do governo, o brasileiro pagará mais impostos e continuará financiando a corrupção que faz com que a sociedade receba menos serviços. Definitivamente, o escárnio é a única indústria que prospera no Brasil.
Temer não realizou as privatizações que prometeu. Sem a reforma da Previdência, seu teto de gastos estourou. Acusado de corrupto pela Procuradoria, o presidente reativou a aliança com o atraso, que sonha diariamente com o estancamento da sangria da Lava Jato. Prevalecendo os estudos do governo, o brasileiro pagará mais impostos e continuará financiando a corrupção que faz com que a sociedade receba menos serviços. Definitivamente, o escárnio é a única indústria que prospera no Brasil.
O Supremo e a farsa do amianto
Em 10 de agosto, o Supremo Tribunal Federal deverá julgar um conjunto de ações relacionadas ao amianto: elas questionam a proibição do material nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco, além da capital paulista. Ou seja, o objetivo é voltar a liberar o amianto nestes locais onde leis estaduais e municipais o baniram. E outra ação, esta movida por quem luta pelo banimento da fibra cancerígena em todo o território brasileiro, questiona a constitucionalidade da lei federal que permite o “uso seguro” do amianto no país. Se essa lei for considerada inconstitucional pelo Supremo, será o primeiro e mais importante passo para banir de vez o amianto no Brasil.
Apesar da linguagem burocrática aí de cima, este é mais um capítulo de uma história sórdida que um dia poderá se tornar uma série policial de TV ou um thriller de suspense no cinema, daqueles cheios de vilões de terno e sorrisos corrigidos em dentistas. E aqueles que o assistirem poderão pensar, como acontece quando assistimos a filmes que narram atrocidades históricas: como os cidadãos deste país permitiram que isso acontecesse? Mas é isso, não só deixamos acontecer, no passado, como segue acontecendo, no presente.
A história do amianto – também conhecido como asbesto – é marcada por falsificações, chantagens, ameaças e mortes de trabalhadores e de familiares de trabalhadores. Uma farsa do século 20 que no Brasil se estendeu para o século 21 porque uns poucos ainda faturam com a morte de muitos. E estes poucos que faturam têm dinheiro para pagar grandes escritórios de advocacia, consultores influentes, cientistas de universidades importantes, que torturam primeiro a ética, depois a ciência, assim como financiar vereadores, prefeitos, deputados e senadores, lobistas e vendilhões de todo o tipo.
O amianto já foi banido de mais de 70 países por ser uma ameaça à vida. É proibido na União Europeia desde 2005. A indústria do amianto conhece os riscos da fibra mineral para a saúde desde o início do século 20, mas como ela dava muito lucro e alguns impérios familiares foram construídos com o dinheiro do amianto, omitiu-se e seguiu produzindo. Quando o escândalo de saúde pública começou a se desenhar na Europa, a partir do final dos anos 70 do século passado, os barões do amianto foram progressivamente recuando lá e expandindo seus negócios em países como o Brasil. Afinal, havia ainda muito mundo onde se ganhar dinheiro antes de ter que recuar por completo. E ainda há.
É o que acontece hoje. A Brasilit trocou o amianto por material não cancerígeno no início deste século, ao calcular que estava na hora de disputar o mercado em outra posição visando o futuro. Mas não resolveu o passivo dos trabalhadores doentes nem respondeu pelos mortos. A Eternit, dona da única mina de amianto no Brasil, a Mina de Cana Brava, em Minaçu, no estado de Goiás, tornou-se a principal defensora do “uso seguro” da fibra cancerígena.
Ninguém se iluda, é uma disputa de negócios. Neste momento, até as pedras sabem que o amianto terminará por ser banido no Brasil. Mas o xadrez segue sendo jogado, parte dele como encenação, para que a indústria consiga as melhores condições e perca o menos possível – e para que a indústria se responsabilize o menos possível pelas vítimas humanas e pela corrosão do meio ambiente. Entre 1980 e 2010, uma pesquisa mostrou que houve 3.718 casos de mesotelioma, o câncer fatal do amianto, no Brasil. Mas seu autor, o pesquisador Francisco Pedra, da Fiocruz, chama a atenção para a extrema subnotificação da doença. Muitos trabalhadores e familiares morrem sem ter o diagnóstico correto e sem que a informação seja registrada.
É fundamental perceber que tanto o número de doentes crescerá quanto a contaminação ambiental persistirá por décadas. O Brasil deverá atingir o pico de mesoteliomas nos anos que ainda virão, já que a doença tem um longo período de latência. E não há nenhum plano para a descontaminação do amianto que está por todo canto, entranhado no país, possivelmente no prédio onde você lê esse texto. Ainda que a produção esteja em queda, o Brasil segue sendo um dos maiores produtores e exportadores da fibra cancerígena. Mas, claro, quando essa história acabar, além das milhares de vidas perdidas, sobrará para a rede pública de saúde e, portanto, para todos nós, pagar o custo do crime perpetrado pela indústria do amianto.
Para compreender como esse enredo se desenrola, vale a pena olhar para o cigarro, uma história que todos conhecem bem. A indústria do tabaco sabia há muito tempo que o produto era cancerígeno. E silenciou. Quando se tornou impossível seguir em silêncio porque os males do cigarro se tornaram públicos e os casos de câncer e outras doenças dispararam, negou. Depois criou produtos que supostamente causavam menos danos à saúde, como o famoso “menos nicotina e alcatrão”, assim como colocou “filtro” nos cigarros. E mais recentemente os cigarros com sabores e o “cigarro eletrônico”. E tudo isso financiando fartamente lobistas, cientistas, médicos, publicitários, marqueteiros, astros de cinema e da TV, advogados e agentes públicos para adiar o desfecho o máximo possível. O cálculo é sempre “o quanto podemos ganhar antes de sermos supostamente vencidos”.
Apesar da linguagem burocrática aí de cima, este é mais um capítulo de uma história sórdida que um dia poderá se tornar uma série policial de TV ou um thriller de suspense no cinema, daqueles cheios de vilões de terno e sorrisos corrigidos em dentistas. E aqueles que o assistirem poderão pensar, como acontece quando assistimos a filmes que narram atrocidades históricas: como os cidadãos deste país permitiram que isso acontecesse? Mas é isso, não só deixamos acontecer, no passado, como segue acontecendo, no presente.
O amianto já foi banido de mais de 70 países por ser uma ameaça à vida. É proibido na União Europeia desde 2005. A indústria do amianto conhece os riscos da fibra mineral para a saúde desde o início do século 20, mas como ela dava muito lucro e alguns impérios familiares foram construídos com o dinheiro do amianto, omitiu-se e seguiu produzindo. Quando o escândalo de saúde pública começou a se desenhar na Europa, a partir do final dos anos 70 do século passado, os barões do amianto foram progressivamente recuando lá e expandindo seus negócios em países como o Brasil. Afinal, havia ainda muito mundo onde se ganhar dinheiro antes de ter que recuar por completo. E ainda há.
É o que acontece hoje. A Brasilit trocou o amianto por material não cancerígeno no início deste século, ao calcular que estava na hora de disputar o mercado em outra posição visando o futuro. Mas não resolveu o passivo dos trabalhadores doentes nem respondeu pelos mortos. A Eternit, dona da única mina de amianto no Brasil, a Mina de Cana Brava, em Minaçu, no estado de Goiás, tornou-se a principal defensora do “uso seguro” da fibra cancerígena.
Ninguém se iluda, é uma disputa de negócios. Neste momento, até as pedras sabem que o amianto terminará por ser banido no Brasil. Mas o xadrez segue sendo jogado, parte dele como encenação, para que a indústria consiga as melhores condições e perca o menos possível – e para que a indústria se responsabilize o menos possível pelas vítimas humanas e pela corrosão do meio ambiente. Entre 1980 e 2010, uma pesquisa mostrou que houve 3.718 casos de mesotelioma, o câncer fatal do amianto, no Brasil. Mas seu autor, o pesquisador Francisco Pedra, da Fiocruz, chama a atenção para a extrema subnotificação da doença. Muitos trabalhadores e familiares morrem sem ter o diagnóstico correto e sem que a informação seja registrada.
É fundamental perceber que tanto o número de doentes crescerá quanto a contaminação ambiental persistirá por décadas. O Brasil deverá atingir o pico de mesoteliomas nos anos que ainda virão, já que a doença tem um longo período de latência. E não há nenhum plano para a descontaminação do amianto que está por todo canto, entranhado no país, possivelmente no prédio onde você lê esse texto. Ainda que a produção esteja em queda, o Brasil segue sendo um dos maiores produtores e exportadores da fibra cancerígena. Mas, claro, quando essa história acabar, além das milhares de vidas perdidas, sobrará para a rede pública de saúde e, portanto, para todos nós, pagar o custo do crime perpetrado pela indústria do amianto.
Para compreender como esse enredo se desenrola, vale a pena olhar para o cigarro, uma história que todos conhecem bem. A indústria do tabaco sabia há muito tempo que o produto era cancerígeno. E silenciou. Quando se tornou impossível seguir em silêncio porque os males do cigarro se tornaram públicos e os casos de câncer e outras doenças dispararam, negou. Depois criou produtos que supostamente causavam menos danos à saúde, como o famoso “menos nicotina e alcatrão”, assim como colocou “filtro” nos cigarros. E mais recentemente os cigarros com sabores e o “cigarro eletrônico”. E tudo isso financiando fartamente lobistas, cientistas, médicos, publicitários, marqueteiros, astros de cinema e da TV, advogados e agentes públicos para adiar o desfecho o máximo possível. O cálculo é sempre “o quanto podemos ganhar antes de sermos supostamente vencidos”.
A derrota do processo contra Temer
Estive na Câmara dos Deputados anos atrás. Mas tenho a impressão de que o funcionamento do Parlamento brasileiro permanece igual. O que antes se anunciava ganhou cores mais nítidas: bancadas “da bala”, “evangélicos”, “do boi”. Essas bandeiras corporativas valem mais que as siglas partidárias, e o melhor exemplo disso deu-nos a deputada Tereza Cristina, líder do PSB na Câmara, que teve a cara de pau de orientar a bancada a votar contra Temer, e ela mesma votou a favor dele, seguindo seus pares (os ruralistas), e não seu (suposto) ideário político. É mole?!
De modo que temos agora dois problemas a enfrentar: o excesso de siglas que não têm nenhum conteúdo, e que só permanecem vivas por conta das regras eleitorais vigentes, e a organização no Estado dos interesses de camadas referenciadas em valores de outra ordem.
A farta distribuição de prebendas e sinecuras também é coisa velha. Veio-me logo à mente a pessoa que conheci ao adentrar, pela primeira vez, a Câmara dos Deputados: o velho Roberto Cardoso Alves, do “É dando que se recebe”. Ele se foi, mas sua orientação vigora em plena luz do dia.
Até o placar – ah, o placar!!! – veio na medida certa para parecer incerta a aprovação da reforma da Previdência. Nem demais, que demonstrasse a impossibilidade da reforma, nem de menos, a indicar uma barbada. O suficiente, diria eu, para dar farto material para os que, na imprensa falada, tanto se referem aos “bastidores” de Brasília. E para nova distribuição de favores, pois a luta agora é como evitar que o eleitor do ano que vem reconheça quem agora votou a favor da reforma. Previdência mexe com os nervos de todos.
E nem me venham dizer que o resultado da votação sobre Temer não reflete a realidade brasileira! Reflete, sim. No início da década de 80 do século passado, quando o assunto predominante era a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, ficou famosa a frase dita por um dos próceres da política de então. Questionava-se que o povo não entendia bulhufas da tal Constituinte; o que queria era ter emprego, matar a fome, fazer a reforma agrária e acabar com o arrocho salarial. O tal medalhão – Tancredo de Almeida Neves – pontificou: “Meu caro, justamente por isso, uma nação não é composta apenas pelo povo”. Isso mesmo! O povo existe para escolher seus representantes, e estes vão negociar o que convém e quando convém. Ao povo recorrem apenas em época de eleição...
Se Temer tem apenas 5% de apoio popular, isso não precisa refletir-se em nenhuma iniciativa governamental nem servir para tornar mais robustas as provas contra ele, em suas parcerias com os Joesleys da vida. Para reformar algo, é preciso apenas e tão somente a vontade das elites, isto é, das lideranças dos que possuem dinheiro e em quantidade suficiente para si e para engordar os pixulecos com que se faz política neste país.
Trocando em miúdos: deixa o povão reclamar, pois quem manda mesmo é o mercado. E o mercado apenas manda: não responda pesquisas de quem quer que seja... Basta deixar lá o Meirelles e sua equipe.
De modo que temos agora dois problemas a enfrentar: o excesso de siglas que não têm nenhum conteúdo, e que só permanecem vivas por conta das regras eleitorais vigentes, e a organização no Estado dos interesses de camadas referenciadas em valores de outra ordem.
Até o placar – ah, o placar!!! – veio na medida certa para parecer incerta a aprovação da reforma da Previdência. Nem demais, que demonstrasse a impossibilidade da reforma, nem de menos, a indicar uma barbada. O suficiente, diria eu, para dar farto material para os que, na imprensa falada, tanto se referem aos “bastidores” de Brasília. E para nova distribuição de favores, pois a luta agora é como evitar que o eleitor do ano que vem reconheça quem agora votou a favor da reforma. Previdência mexe com os nervos de todos.
E nem me venham dizer que o resultado da votação sobre Temer não reflete a realidade brasileira! Reflete, sim. No início da década de 80 do século passado, quando o assunto predominante era a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, ficou famosa a frase dita por um dos próceres da política de então. Questionava-se que o povo não entendia bulhufas da tal Constituinte; o que queria era ter emprego, matar a fome, fazer a reforma agrária e acabar com o arrocho salarial. O tal medalhão – Tancredo de Almeida Neves – pontificou: “Meu caro, justamente por isso, uma nação não é composta apenas pelo povo”. Isso mesmo! O povo existe para escolher seus representantes, e estes vão negociar o que convém e quando convém. Ao povo recorrem apenas em época de eleição...
Se Temer tem apenas 5% de apoio popular, isso não precisa refletir-se em nenhuma iniciativa governamental nem servir para tornar mais robustas as provas contra ele, em suas parcerias com os Joesleys da vida. Para reformar algo, é preciso apenas e tão somente a vontade das elites, isto é, das lideranças dos que possuem dinheiro e em quantidade suficiente para si e para engordar os pixulecos com que se faz política neste país.
Trocando em miúdos: deixa o povão reclamar, pois quem manda mesmo é o mercado. E o mercado apenas manda: não responda pesquisas de quem quer que seja... Basta deixar lá o Meirelles e sua equipe.
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